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EMERJ – CP V Direito Tributário V

Tema I

Evasão, elisão, fraude, simulação e sonegação fiscal contra a Fazenda Pública 1. Evasão e elisão fiscal.
Distinção; 2. Elisão. Abuso de forma. Interpretação econômica; 3. Direito penal tributário ou direito
tributário penal; 4. Fraude fiscal. Conceito; 5. Simulação e fraude fiscal. Distinção; 6. Sonegação. Conceito.
Elementos diferenciadores; 7. Questões judiciais controvertidas.

Notas de Aula1

1. Direito tributário penal

Há, de fato, discussão doutrinária sobre a correta denominação deste ramo de


estudo, se trata de aspectos penais inseridos no direito tributário, e por isso se diria direito
tributário penal, ou se o que há é um ramo do direito penal em que há previsões tributárias
– sendo direito penal tributário, então.
É certo que a interdisciplinaridade, hoje, leva a um esvaziamento desta discussão,
mas didaticamente ainda há alguma relevância. Hoje, os ramos se comunicam cada vez
mais, tornando um tanto dispensável esta diferenciação, não havendo mais aquele apego
exacerbado ao positivismo estanque. Contudo, para efeitos de didática, pode-se dizer que o
enquadramento mais correto é de direito tributário penal, pelo seguinte: todos os principais
conceitos desta seara são do direito tributário, com não muitos reflexos, em verdade, do
direito penal.

2. Elisão e evasão fiscal

Tratam-se, estes institutos, de formas de comportamentos do sujeito passivo perante


o fisco. Algumas concepções sobre o nível de liberdade destas condutas se modificaram,
com o passar do tempo.
Classicamente, a discussão se resumia unicamente a estes conceitos que intitulam o
tópico, evasão e elisão fiscal, mas a discussão do que era lícito e ilícito levou a um choque
severo na doutrina. Por isso, em meados da década de sessenta, traçou-se um critério
uniformizador destes conceitos, critério essencialmente temporal, muito simples, que era o
seguinte: tudo que foi praticado antes do fato gerador é elisão fiscal, e tudo que foi
praticado depois do fato gerador é evasão fiscal.
Entenda-se: é do fato gerador que se opera a subsunção à lei tributária, e por isso
qualquer conduta posterior a este é uma afronta àquilo que a lei impõe, sendo ilícito.
Praticar atos para escapar ao que a lei determina é ilicitude. Antes da ocorrência do fato
gerador, porém, os atos que são praticados não estão ainda subsumidos à lei tributária, pelo
que não há subversão à norma, e não há ilicitude. Evitar que o fato gerador ocorra de
determinada maneira, para que ele ocorra de outra, em tese, não é ilícito algum. Por isso, a
elisão – conduta prévia ao fato gerador – é lícita, e a evasão, posterior a este fato, é ilícita.
Esta foi a concepção mais difundida, desde a década de sessenta. Este critério
temporal cunhado prevaleceu até o início do novo milênio, de fato, somente sendo alterada
esta concepção bem recentemente.
A alteração conceitual sobre estas condutas, elisão e evasão fiscal, foi propugnada
pela própria releitura da teoria geral do direito. O pós-positivismo foi a escola indutora
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Aula ministrada pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 25/3/2009.

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desta mudança. Sem deixar de observar o princípio da legalidade, preenchido pela


tipicidade, passou-se a entender que outros aspectos, além da positivação expressa,
deveriam ser observados. E o principal aspecto que passou a ter peso foi a evolução
econômica da sociedade.
É por conta da evolução acelerada da sociedade que a tipicidade aberta passou a ser
admitida no ordenamento. Pensar que a lei pode antecipar a evolução social é ingenuidade,
e por isso a margem latente para interpretação da tipicidade é o único meio de se tentar
acompanhar a carreira das relações jurídicas.
Por conta disso, a análise de que tudo está expressa e rigidamente lastreado na lei
não mais se justifica, e a interpretação temporal dos conceitos de elisão e evasão não pode
mais ser mantida, porque calcada exatamente nesta rigidez da lei. A assertiva de que todo
comportamento exatamente conforme a lei está correto não é mais verdadeira, sendo
percebidos casos em que o comportamento estritamente condizente com a lei ainda se
demonstraria ilícito, aos olhos do pós-positivismo.
A lógica positivista de que “é justo quem cumpre a lei” não mais corresponde à
realidade. Esta idéia positivista não pode mais ser mantida de forma absoluta. Isto porque a
liberdade do indivíduo em praticar atos que, a todo ver, estão em consonância com a lei,
não pode afrontar a busca pela justiça fiscal. Com este raciocínio, o Estado poderá
desconsiderar atos do indivíduo que são claramente afrontosos a esta justiça não positivada,
mesmo que o ato, em si, cumpra as normas positivas.
Daqui nasce o primeiro reflexo normativo no direito tributário, que foi a introdução
do parágrafo único do artigo 116 do CTN pela LC 104/01:

“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato


gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as
circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe
são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja
definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou
negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
(Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001).”

É o abandono do apego positivista exacerbado que permite esta atuação do Estado,


permitindo-o desconsiderar atos desta natureza. Ricardo Lobo Torres defende que, de fato,
sequer seria necessário este dispositivo expresso para se criar a regra geral anti-elisiva que
ali se fez presente (pois este parágrafo é dedicado à elisão, eis que a evasão é sempre ilícita,
e como tal nulos os atos que a revelem). A desconsideração dos atos elisivos indevidos pela
administração é uma prerrogativa que dispensaria lei posta: bastaria atenção aos princípios
gerais do direito.
A doutrina apresenta três linhas de interpretação diferentes sobre este tema. Primeira
é a jurisprudência dos conceitos, que é justamente a que deu azo ao surgimento do critério
temporal, que sempre vigeu forte acerca da elisão e da evasão. Sob esta interpretação, a
elisão, qualquer que seja, é sempre normal, natural e lícita, eis que não afrontosa à lei.
Diametralmente oposta, surgiu a jurisprudência dos valores, que dava total prioridade à
arrecadação tributária, desconsiderando qualquer conduta legal ou ilegal, em prol da

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tributação do fato em questão. Por isso, a elisão, neste segundo conceito, é sempre ilícita,
pela só razão de afastar a tributação de fatos que seriam tributáveis (mesmo que com
amparo legal). Pode-se mesmo ler o termo “valores” com conotação literalmente
pecuniária: seria algo como a jurisprudência da arrecadação a qualquer custo.
A segunda escola não teve muita adesão, por se revelar mesmo um tanto quanto
radical e infundada. É a terceira escola, a jurisprudência dos interesses, que tomou campo
forte, confrontando a antigamente predominante jurisprudência dos conceitos. Esta
corrente, surgida no direito alemão do século XIX, mede a licitude ou ilicitude de um fato
de acordo com o interesse que o levou a ser praticado, o intuito negocial que o motivou,
podendo a elisão ser abusiva ou não, mesmo se formalmente legal, a depender da casuística
e das intenções do elidente.
Entenda: a adoção da jurisprudência dos interesses revela uma evolução diretamente
decorrente do pós-positivismo, porque passou-se a buscar a justiça fiscal, mais do que a
mera subsunção legal, apregoada pela jurisprudência dos conceitos, altamente positivista.
Da predominância da jurisprudência dos interesses é que decorreu a interpretação
econômica do fato gerador, que julga os fatos geradores por seus propósitos econômicos, e
não pela mera forma com que estes se apresentam. E isto muda toda a concepção do que é
uma elisão devida ou indevida.
Veja um exemplo: pessoas intentam realizar compra e venda de um imóvel. Esse é
seu interesse, seu intento. Porém, pretendem deixar de pagar o ITBI, e com este intuito
fazem a seguinte operação: constituem uma sociedade de fachada, e integralizam o capital
daquela sociedade justamente com aquele bem que seria vendido (porque na integralização
do capital não incide ITBI); em seguida, transferem as cotas daquela sociedade para os
compradores, que, com isto, se tornam proprietários indiretos da coisa que a eles seria
vendida – sem jamais terem pagado o ITBI.
Veja que esta situação, em se observando a obtusa jurisprudência dos conceitos, foi
perfeitamente legal: é legal constituir uma sociedade; é legal integralizar seu capital com o
bem imóvel; e é legal transferir cotas a quem quer que seja. Se fosse observado o
positivismo cego da jurisprudência dos conceitos, esta situação foi uma elisão
perfeitamente lícita.
Trazendo esta análise à ótica da jurisprudência dos interesses, porém, a situação se
modifica: como o foco é no interesse das partes envolvidas na negociação, fica claro que: o
interesse na constituição da sociedade não era realizar atos de empresa, mas sim permitir a
movimentação do bem imóvel sem a tributação pelo ITBI. É uma elisão, de fato, mas se o
único objetivo daquela negociação toda foi justamente evitar a tributação que seria devida,
trata-se de uma elisão ilícita. Com isto, pode a administração simplesmente desconsiderar
toda esta dinâmica, e com isso fazer incidir o ITBI sobre a transmissão do imóvel, que foi o
que de fato ocorreu.
Repare que o termo “desconsiderar” foi muito bem empregado, porque é
exatamente isto que ocorre: as operações realizadas – a constituição da empresa, a
integralização do capital social, a transferência das cotas – tudo isso continua perfeitamente
vigente, mas é desconsiderado pelo fisco em razão do fundo real que tudo isso acobertou:
uma compra e venda de bem imóvel, passível de ITBI. Nada é anulado: há apenas o
descarte de tudo mais para fins tributários, incidindo o imposto como se simples compra e
venda fosse.

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É por tudo isso que há autores que defendem que a distinção entre evasão e elisão
baseada em mero critério temporal não mais faz sentido. A adoção da jurisprudência dos
interesses teria posto fim à validade deste critério temporal. Entretanto, ainda persiste este
critério como orientador claro para definir se há uma ou outra hipótese, elisão ou evasão,
mas o que mudou, concretamente, foi a concepção sobre a elisão: o que outrora era sempre
um ato lícito – toda elisão era permitida e lícita –, agora não é mais assim. Por vezes, a
elisão amparada em atos lícitos será tida por indevida, e não afastará a tributação (como no
exemplo dado há pouco). Ou seja: nem toda elisão é lícita, hoje, pois se os propósitos dos
atos elisivos forem exclusivamente dedicados a afastar a tributação, são atos dados a burlar
o poder de tributar, e por isso ilícitos.
Um outro exemplo, bem contemporâneo, em que se põe em prática esta conduta
elisiva abusiva, é o das incorporações societárias. Quando se dá a incorporação de uma
sociedade por outra, todo o ativo e passivo da incorporada passa ao patrimônio da
incorporadora. Com isso, o passivo da incorporada representará, na declaração anual do
IRPJ da incorporadora, um decréscimo patrimonial, representando um menor lucro, e por
isso o IR a pagar será menor.
Quando esta situação acontecer – uma sociedade incorpora outra somente para esta
finalidade de reduzir a tributação –, o fisco considera uma elisão indevida, e desconsidera
aquele passivo acolhido pela incorporadora, tributando-a sobre o valor integral da renda do
período. E esta desconsideração do passivo, nestes casos, é hoje normativa, constante do
Regulamento Geral do Imposto de Renda.
E veja que a mesma situação se dá ao inverso: se a incorporadora é a sociedade
deficitária, ao final da operação haverá uma renda positiva, mas menor do que o seria se a
incorporadora fosse a sociedade lucrativa (porque a vedação ao aproveitamento do passivo
é normativa, como dito). Seria tributável o ativo adquirido pela incorporadora, menos o seu
passivo – novamente revelando elisão indevida. Por isso, é igualmente desconsiderado o
passivo, nesta incorporação inversa, por conta da jurisprudência dos interesses.
Assim, sendo a incorporação, direta ou às avessas, dedicada unicamente a abater da
base de cálculo o valor do passivo amealhado, a elisão é ilícita, porque o propósito
negocial, o interesse na incorporação, jamais foi o de realmente incorporar a sociedade, e
sim burlar a tributação.
É claro que, se a incorporação for realmente impulsionada por intuito negocial
legítimo, não há elisão indevida. O problema é quando apenas há um só intuito, o de
reduzir a tributação, e para tanto há toda a negociação incomum de incorporação. Imagine-
se, por exemplo, que a incorporada, mesmo deficitária, realmente interessa à incorporadora,
porque a incorporada titulariza um contrato milionário, que poderá ser executado pela
incorporadora: neste caso, há propósito legítimo na operação econômica, e por isso a elisão,
dali decorrente, é perfeitamente válida.
Sobre o tema, veja:

“STJ considera ilegal incorporação invertida


Tributário: Ministros entenderam que operação visava apenas o recolhimento
menor de impostos.
Laura Ignácio
Ao analisar, pela primeira vez, um caso de incorporação invertida - em que uma
empresa com prejuízo fiscal incorpora companhia lucrativa -, a 2ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou a operação ilegal. Apesar de não
haver lei que vede expressamente esse tipo de operação, os ministros entenderam

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que no caso julgado - envolvendo a indústria de alimentos Josapar - ficou


caracterizada "simulação", ou seja, o objetivo do negócio seria recolher menos
impostos. Com a decisão, a Corte manteve o julgamento do Tribunal Regional
Federal (TRF) da 4ª Região, assim como a cobrança de uma autuação de
aproximadamente R$ 2 milhões aplicada pelo Fisco à companhia.
As empresas passaram a utilizar a incorporação invertida porque o Decreto-Lei nº
2.341, de 1987, proíbe o uso de prejuízo fiscal para o abatimento do Imposto de
Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) nas operações
tradicionais. A ação julgada pelo STJ envolve uma operação realizada no anos 90.
A deficitária Supremo Industrial e Comercial incorporou a Suprarroz, empresa
financeiramente sólida. O negócio gerado foi adquirido pela Josapar.
Por nota, a indústria de alimentos Josapar afirma que "a Supremo compensou seus
prejuízos fiscais acumulados com os lucros que a empresa passou a ter a partir da
incorporação, prática fiscal até então considerada perfeitamente lícita". Mas
defende que o procedimento observou estritamente a legislação societária, "tanto
assim que os respectivos atos foram devidamente arquivados na Junta Comercial
do Rio Grande do Sul, sem nenhuma objeção".
A empresa chegou a apresentar recurso também perante o Supremo Tribunal
Federal (STF), mas desistiu da briga para incluir a dívida no programa de
parcelamento de débitos fiscais conhecido como Refis da Crise. De acordo com
Marcelo Furlan, diretor administrativo e financeiro da empresa, na data da
autuação a dívida era de R$ 1,5 milhão de Imposto de Renda e R$ 500 mil de
CSLL. "Abrimos mão da discussão para aproveitar as vantagens do Refis e
conseguimos 100% de desconto na multa e 55% nos juros", contabiliza. No dia 1º
de março terminou o prazo para as empresas desistirem de ações judiciais para
incluir o débito fiscal no Refis.
A decisão do STJ em manter o entendimento da 2ª Turma do TRF deixa claro que,
nesse caso, segundo a Corte, o que vale são os fatos. O ministro relator Herman
Benjamin declarou em seu voto que "para chegar à conclusão de que houve
simulação, o TRF apreciou cuidadosa e aprofundadamente os balanços e
demonstrativos de Supremo e Suprarroz" e concluiu que a operação é simulada.
Para o ministro, rever esse entendimento exigiria a análise de fatos já apreciados
pelo TRF, o que seria inviável.
A prática da incorporação invertida é muito comum no Brasil. E aumentou em
razão da recente crise econômica internacional. Tanto que foram amplamente
divulgadas operações realizadas por grandes grupos econômicos. Um exemplo é a
operação adotado pela Gerdau e a siderúrgica Canadense Co-Steel que
combinaram suas operações na América do Norte. Na transação, a Co-Steel
adquiriu todas as ações emitidas e em circulação do Grupo Gerdau na América do
Norte, em troca de ações da Co-Steel, representando 74% das ações da entidade
combinada. O nome da Co-Steel foi alterado para Gerdau AmeriSteel Corporation
como parte da transação. "Mesmo hoje em dia tem muita empresa inativa com
prejuízo fiscal que vem recebendo a proposta de incorporação invertida", afirma o
advogado Roberto Goldstajn, do escritório Hand, Goldstajn e Advogados
Associados. "Mas, com a análise do STJ, quem aceitar esse tipo de proposta deverá
enfrentar grandes problemas." Para Godstajn, o planejamento tributário só é lícito
quando tem o objetivo de postergar ou evitar a ocorrência do fato que leva à
tributação.
Mas, mesmo com a análise do STJ sobre a incorporação invertida da Josapar, a
prática ainda é defendida por especialistas. Para o advogado Osmar Marsilli Junior,
do escritório Braga&Marafon Consultores e Advogados, ainda que o objetivo da
operação seja a economia tributária, basta haver comprovadamente um fundamento
econômico válido para a operação ser legal. "Por exemplo, ficar claro que a
incorporação extingue a incorporada" , diz.
O que levou a Josapar a brigar no Judiciário foi o fato de haver decisões díspares
sobre o tema no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Um dos

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casos foi o do grupo atacadista Martins. Em 1996, a transportadora Marbo, com


prejuízos, incorporou a Martins, com lucros. Mas, no caso, o Fisco questionou a
operação principalmente porque a empresa que surgiu dela manteve a identificação
e os atributos da Martins e usou os prejuízos fiscais da Marbo. O conselho decidiu
derrubar a autuação fiscal por entender que a operação teria sido feita como forma
de buscar melhor eficiência para o grupo.
O caso foi lembrado pelo procurador da Fazenda Paulo Riscado, que afirma ter
sido este o primeiro caso do tema a chegar na Corte. "Na decisão, o STJ deixa
claro que, ainda que não exista norma proibitiva, essa é uma questão de fato.
Assim, o que vale são as provas apresentadas no TRF", afirma. Para Riscado, a
decisão aponta que casos de planejamento tributário são casos de análise de prova.
Fonte: Valor Econômico.”

Esta desconsideração dos atos do contribuinte, hoje, ainda padece de uma certa
insegurança jurídica, sobremaneira porque o final do parágrafo único do artigo 116 do
CTN, supra, diz que será operada “observados os procedimentos a serem estabelecidos em
lei ordinária”. Em primeira leitura, poder-se-ia entender que este dispositivo não é auto-
aplicável, dependendo de normas outras para o ser. Ocorre que o melhor entendimento
sobre este teor é de que quis o legislador apontar para o procedimento já existente do
lançamento tributário, em todas as esferas da federação. Assim, a desconsideração dos
negócios jurídicos deve ser feita com todas as garantias que o processo administrativo
tributário contempla, este sendo o alcance da norma mencionada.
Assim, em conclusão, a elisão pode ser lícita ou ilícita, a depender do seu propósito.
A evasão sempre será ilícita, porém.

1.1. Sonegação e fraude fiscal

Estes são os dois principais institutos da ilicitude tributária, quando se fala de


arrecadação. Sonegação fiscal é o ato doloso que visa a impedir ou retardar o conhecimento
do fato gerador pelo fisco. A fraude fiscal, por seu turno, é o ato doloso que visa excluir ou
modificar as características essenciais do negócio.
Exemplo de fraude é a conduta do sujeito passivo que transaciona mercadoria a
cem, mas lança nota fiscal de venda por cinquenta: está adulterando elemento essencial do
negócio – o preço – com o fim de pagar menos imposto.
Exemplo de sonegação ocorre quando o sujeito deixa de declarar ao fisco, quando
exigido, negócio que realizou. Por exemplo, o médico que realiza cem consultas mas só
computa na declaração a realização de cinquenta: está ocultando fato gerador de que o fisco
deveria ter ciência.
Não pagar o tributo, simplesmente ser inadimplente, não é crime, tampouco ilícito
tributário. Ser devedor inadimplente não é fraude, não é sonegação, não é ato ilícito algum.
Um exemplo peculiar de suposta fraude fiscal seria o registro de um automóvel em
outro Estado, porque neste a alíquota é menor. Se ficar clara esta situação – registro
unicamente para fins de tributação reduzida – há fraude fiscal. Veja:

“Informativo nº 0388. Período: 23 a 27 de março de 2009. Terceira Seção.


SONEGAÇÃO FISCAL. IPVA.
No caso, verifica-se que a denominada "Operação de Olho na Placa" teve por
objeto a investigação de empresas de locação de veículos sediadas em São Paulo

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que registravam seus automóveis no Estado do Paraná com a finalidade de reduzir


o valor do IPVA devido, já que a alíquota da exação nesta Unidade Federativa seria
de 1%. Contudo o suscitado declinou da competência ao suscitante, entendendo
que o delito cometido seria o de falsidade ideológica, pois a empresa em questão,
para conseguir registrar o veículo, forneceu informação falsa quanto ao endereço
na cidade de Curitiba-PR. O Min. Relator entendeu que, pelos elementos dos autos,
os supostos agentes praticaram a conduta descrita no art. 299 do CP, com a
finalidade de suprimir tributo. Por tal razão, está absorvida a falsidade
eventualmente perpetrada, pois teria sido realizada como meio para a consecução
do crime-fim (sonegação fiscal). Fixado tal ponto, verifica-se que o crime previsto
no art. 1º da Lei n. 8.137/1990 exige, para sua consumação, a ocorrência de efetivo
dano ao erário, consistente na redução ou supressão do tributo, classificando-se
como delito material. Salientou o Min. Relator que o referido momento
consumativo não deve ser confundido com aquele em que a fraude é praticada. In
casu, observou que o prejuízo decorrente de eventual conduta delituosa será
suportado pelo Estado de São Paulo, sede da empresa proprietária do veículo e, por
conseguinte, local em que deveria ter sido recolhido o IPVA. Portanto, aplicando-
se o disposto no art. 70,caput, do CPP, o qual determina que a competência será, de
regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, a Seção conheceu do
conflito para declarar a competência do juízo de Direito de São Paulo, o suscitado.
Precedentes citados: HC 75.599-SP, DJ 8/10/2007; CC 75.170-MG, DJ 27/9/2007;
REsp 705.281-MT, DJ 1º/8/2005, e REsp 172.375-RS, DJ 18/10/1999. CC
102.866-PR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 25/3/2009.”

“Informativo nº 0416. Período: 16 a 20 de novembro de 2009. Sexta Turma.


LICENCIAMENTO. VEÍCULO. ESTADO DIVERSO.
A Turma reiterou o entendimento de que o licenciamento de veículo em Estado que
possua alíquota do imposto de propriedade de veículo automotor (IPVA) menor
que a alíquota do Estado onde reside o proprietário do veículo não configura crime
de falsidade ideológica, em razão da indicação de endereço falso, mas, sim,
supressão ou redução de tributo. A finalidade da falsidade ideológica é pagar
tributo a menor, uma vez que ela é o crime meio para a consecução do delito fim
de sonegação fiscal. Precedentes citados: CC 96.939-PR, DJe 5/3/2009; HC
70.930-SP, DJe 17/11/2008, e HC 94.452-SP, DJe 8/9/2008. HC 146.404-SP, Rel.
Min. Nilson Naves, julgado em 19/11/2009.”

1.2. Simulação

O plano tributário também padece dos efeitos da simulação, instituto que tem sede
no direito civil. Relembrando, a simulação é relativa quando há um fato praticado, mas
obnubilado pelo simulacro (uma doação que na verdade é uma compra e venda); e é
absoluta, quando não há negócio algum sendo praticado, senão aquele próprio simulado.
Na seara tributária, a simulação absoluta em nada importa, pois é um ato nulo, sem
qualquer propósito comercial, que é naturalmente desconsiderado para efeitos de tributação,
por si só.
Já a simulação relativa envolve a existência de um negócio subjacente, obliterado
pelo simulacro. De acordo com a perspectiva atual, da jurisprudência dos interesses, pode
(e deve) o fisco desconsiderar o negócio simulado, e considerar, para efeitos de tributação,
o real negócio que subjaz àquele simulacro.
Veja que a atuação do fisco não é anulatória: a Fazenda não vai anular o negócio
simulado, e fazer vigente o que fora falseado. O emprego do termo “desconsiderar” é muito

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técnico: o fisco simplesmente ignora aquela negociação simulada, desconsiderando-a, e


tributa a real negociação subjacente.

Casos Concretos

Questão 1

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Lei do Estado do Espírito Santo estabelece um conjunto de benefícios fiscais e


financeiros concedidos pelo governo, denominado FUNDAP, para empresas instaladas
naquele Estado e com atividades de comércio exterior, de modo que uma empresa sediada
naquela unidade da federação, "fundapiana", ao importar mercadorias, não recolhe, como
as outras, o ICMS no ato do desembaraço aduaneiro, mas tão-somente quando promover a
saída das mercadorias. Pode, deste modo, postergar este pagamento em até sessenta dias
após este evento, além do que obtém redução da alíquota do referido tributo de 18% para
12%, beneficiando-se, ainda, de um crédito de 8% do valor da importação, com juros
baixos, junto ao Banco do Estado do Espírito Santo, que credita o valor em sua conta
corrente, assim que recolher o imposto. Tal programa tem como objetivo o
desenvolvimento das atividades de comércio exterior do Estado do Espírito Santo. Assim
sendo, as empresas localizadas em outros estados da federação, como por exemplo, no Rio
de Janeiro, vêm ajustando com as sediadas no Espírito Santo e credenciadas ao FUNDAP
acordos de prestação de serviços relacionados à atividade de importação com vistas à
obtenção das facilidades do aludido programa, de sorte que as empresas ditas
"fundapianas" passam a figurar como importadoras, podendo, assim, fruir dos benefícios
fiscais e financeiros. A Secretaria da Receita Federal que analisa tais operações entende
que os referidos contratos estão maculados por vício de simulação, uma vez que a
importadora de fato é a empresa contratante dos serviços da "fundapiana", sendo que esta
última é tão-somente a importadora de direito, "emprestando seu nome" para que a
primeira possa usufruir os benefícios fiscais do FUNDAP. Esta conduta, no entender da
administração alfandegária, legitima a cobrança do ICMS devido ao Estado de efetivo
destino da mercadoria, a cominação de pena de perdimento da mercadoria (artigo 105, do
DL 37/66 c/c artigo 23, do DL 1.455/76), além do envio de peças ao Ministério Público
para apuração de eventual conduta criminosa. Ignorando-se a possível existência de
"guerra fiscal" entre o Estado do Espírito Santo e os demais Estados da Federação,
oriunda do benefício fiscal concedido, dê seu parecer resumido sobre a conduta da
administração alfandegária, tendo em vista a Teoria do Fato Gerador da Obrigação
Tributária, bem como a legislação positiva pátria sobre o tema.

Resposta à Questão 1

A conduta é claramente atentatória contra a justiça fiscal. O negócio é praticado pela


sociedade carioca, que está se valendo de interposta pessoa jurídica com a única finalidade
de burlar a tributação, obtendo os benefícios fiscais de que esta dispõe. Por isso, a conduta
de desconsiderar a importação pela “fundapiana” e considerar a real destinatária como
importadora, tributando-a sem os benefícios do Fundap, é providência correta.
A respeito, veja o RE 268.586:

“RE 268586 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min.


MARCO AURÉLIO. Julgamento: 24/05/2005. Órgão Julgador: Primeira Turma.
Publicação: DJ 18-11-2005.
Ementa: ICMS - MERCADORIA IMPORTADA - INTERMEDIAÇÃO -
TITULARIDADE DO TRIBUTO. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços cabe ao Estado em que localizado o porto de desembarque e o
destinatário da mercadoria, não prevalecendo a forma sobre o conteúdo, no que
procedida a importação por terceiro consignatário situado em outro Estado e
beneficiário de sistema tributário mais favorável.”

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Questão 2

A FIAT vendeu 10 (dez) automóveis diretamente a uma empresa frotista, a VENDE


BEM AUTOMÓVEIS LTDA., destinados a integrar o seu ativo fixo, de acordo com o
disposto no inciso II do artigo 15 da Lei nº 6729/79 (Lei de Concessões de Veículos
Automotores, que dispõe sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de
veículos automotores de via terrestre).A Fazenda Pública Estadual constatou que a
VENDE BEM revendeu os veículos a terceiros, sem integrá-los a seu ativo fixo. Atribuiu a
responsabilidade à FIAT, como substituta tributária, e também autuou-a, exigindo-lhe o
pagamento da diferença do imposto com multa. FIAT, inconformada, ajuizou ação
anulatória de débito fiscal sob o fundamento de que o Fisco lhe atribuiu infração fiscal
cometida por terceiros, e não há responsabilidade pelo recolhimento da exação. Pergunta-
se:O Estado do Rio de Janeiro poderia criar hipótese de responsabilidade tributária, como
no caso do artigo 15 da Lei 6729/79?A ação anulatória de débito fiscal deve ser julgada
procedente ou improcedente?Responda fundamentando se houve ou não fraude fiscal.

Resposta à Questão 2

A infração foi cometida pela concessionária, não podendo ser imputável qualquer
responsabilidade à substituta tributária. A pena não pode suplantar a pessoa do infrator. Por
isso, a ação anulatória, em relação à Fiat, deve ser julgada procedente, anulando o crédito
tributário contra ela constituído.

Questão 3

A sociedade empresária EXPRON BRASIL LTDA. realiza uma atividade peculiar,


comércio ambulante de emulsão (gel) composto de aditivo, que misturados, compõem
produto explosivo.
O Fisco Estadual autuou a empresa, ao argumento de que o procedimento de
documentação fiscal violou o Regulamento do ICMS (Decreto 8.085/85), por não permitir
a aferição da regularidade dos recolhimentos e creditamentos.
Em ação de anulação de débito fiscal ajuizada pela EXPRON em face do Estado do
Rio de Janeiro, a autora afirma que devido a complexidade de sua atividade, com saídas e
retornos de produtos não vendidos em caminhão-tanque, dificulta a adequação de suas
operações aos preceitos do Regulamento do ICMS, mas mesmo assim, nunca deixou de
efetuar o pagamento do imposto.
Dados os fatos como verdadeiros, pergunta-se: O caso concreto acima trata de
sonegação fiscal ou de infração formal? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 3

Independentemente da natureza do processo do bem em questão, o contribuinte


promoveu o pagamento do imposto. Sua falta é de caráter incidental, descumprimento de
obrigação acessória, pelo que este indivíduo deve solicitar um regime especial para o

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

recolhimento do ICMS, para o cumprimento das obrigações acessórias de forma especial,


ante a complexidade do seu negócio. Não agiu ilicitamente, em relação ao recolhimento, e
até que lhe seja concedido o regime especial para cumprimento de obrigações acessórias, a
única multa que lhe pode ser imposta é por descumprimento destas obrigações, e nada mais.
Não há sonegação fiscal.

Tema II

Infrações, sanções e penalidades tributárias 1. Infrações tributárias. 1.1. Natureza jurídica. Violação de um
dever jurídico; 1.2. Objetividade (art. 136 do CTN), 1.3. Responsabilidade (art. 137 do CTN); 1.4. Denúncia
espontânea. 2. Sanções tributárias. 2.1. Conceito; 2.2. Princípio da legalidade; 2.3. Classificação. 2.3.1.
Sanções penais lato sensu. Competência para legislar; 2.3.2. Sanções administrativas. Competência para

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legislar. 2.4. Multas moratórias e punitivas. 2.4.1. Privativas de direito. Apreensão, interdição, agravamento,
perda de isenção, sistema especial de fiscalização. 2.5. Natureza administrativa; 2.6. Efeitos. Repressivo.
Intimidatório. Preventivo; 2.7. Limites. Qualitativo (penalidade pecuniária. Direito de defesa administrativa
e judicial). Quantitativo (não confiscatoriedade, CF/88 - artigo 150, IV). Exclusão da antijuridicidade.
Estado de necessidade. Exclusão da punibilidade, artigo 100, parágrafo único do CTN; 2.8. Extinção da
punibilidade. Artigos 156, IV e V, 180, 138 e 106 do CTN; 2.9. Transferência ao sucessor e responsável; 2.10.
Questões judiciais controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula2

1. Sistemas sancionatórios

A diferença conceitual entre direito tributário penal e penal tributário pode ser
colhida da gramática: na expressão “direito tributário penal”, é substantivo o termo
“tributário”, e adjetivo o termo “penal”, ou seja, é um ramo do direito tributário que trata de
questões referentes a penalidades administrativas. E o contrário idem: é direito penal
tributário aquele ramo do direito penal que se ocupa de questões tributárias, especialmente
os crimes tributários.
As sanções existentes em nosso ordenamento podem ser penais, civis ou
administrativas. A tutela penal reprime condutas mais graves, atentatórias a valores mais
caros à sociedade; a tutela civil, em regra, pretende coibir aviltes de cunho menos severo,
mas igualmente repreensíveis, geralmente tendo por escopo desfazer prejuízos; e a tutela
administrativa tem nuances de tutela penal, destinando-se a valores menos relevantes do
que os penalmente protegidos.
A sanção administrativa se aproxima da penal no seu caráter punitivo, mais forte do
que o cunho compensatório da sanção civil. Ambos os regimes sancionatórios, penal e
administrativo, visam inibir afrontas ao ordenamento cogente, e o que os diferencia é,
primeiramente, a gravidade das infrações, porque o direito penal elege os mais relevantes
valores possíveis para tutelar, e o direito administrativo se concentra em valores de menor
relevância (porém ainda fundamentais). A eleição de relevância é dada exclusivamente ao
legislador, que dirá o que é penalmente relevante, e o que é apenas administrativamente
relevante.
Outra diferença reside na severidade da sanção: se se pretender restringir a liberdade
pessoal do infrator, o único regime sancionatório possível é o penal, porque só esse oferece
o maior espectro de garantias que a incisão demanda – inclusive no que diz à competência
legislativa, privativa da União. Se sanções pecuniárias ou restritivas de direitos forem
suficientes, bastará a adesão pelo legislador ao regime sancionatório administrativo, mais
flexível quanto às garantias, e quanto à sua instituição, eis que compete a qualquer ente
tributante legislar sobre sanções administrativas.
Da punição administrativa advém uma relação jurídica diferente da relação jurídica
tributária arrecadatória. Nesta, há o sujeito passivo que é devedor tributário, e o fisco,
credor tributário, calcada no poder-dever estatal de tributar. A multa, por seu turno, não
integra a mesma relação tributária original: havendo descumprimento de qualquer aspecto
naquela que faça incidir multa, surge uma nova relação jurídica, secundária, entre as
mesmas partes, mas com outro objeto: não há cobrança de tributo, e sim exigência de uma
obrigação decorrente de uma sanção.

2
Aula ministrada pelo professor Antonio Henrique Correa da Silva, em 25/3/2010.

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

É fato que caminharão juntas, podendo ter o mesmo desfecho, mas isto não altera o
fato de serem relações jurídicas diversas, de natureza e objeto diversos. Se houver uma
remissão do tributo, a relação original se extingue, e com ela se extingue a secundária – a
relação sancionatória terá fim, por sua acessoriedade. Mas podem ter destinos diversos,
também: havendo anistia da multa, apenas a relação secundária em que esta era exigida se
extingue, restando íntegra a relação jurídica tributária original.
A relação sancionatória pode surgir tanto da obrigação principal, de pagar o tributo,
quanto da acessória, de fazer prestações em relação à administração tributária – os deveres
instrumentais. Qualquer descumprimento de norma tributária pode ensejar sanção
administrativa, se assim elegeu a administração.
As multas são moratórias quando decorrem do inadimplemento do tributo, do
descumprimento da obrigação principal, e são acessórias ao crédito tributário – este se
extinguindo, se extinguem junto. As multas punitivas, por seu turno, são aquelas
decorrentes do descumprimento de deveres instrumentais, e são independentes do crédito
tributário, pois só se vinculam à obrigação acessória, em nada pertinente, esta própria, ao
crédito tributário (que pode sequer existir, como se dá quando uma entidade imune, por
exemplo, deixa de cumprir escrituração obrigatória, sendo por isso multada).
Característica fundamental das sanções tributárias, de qualquer sorte, é a sua
objetividade. Ao contrário da responsabilidade penal, que é sempre calcada em dolo ou
culpa, jamais sendo objetiva, a responsabilidade administrativa tributária independe de
demonstração de dolo ou culpa, como se vê no artigo 136 do CTN:

“Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações


da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da
efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.”

Há quem diga que poderia ser alegado, como defesa contra uma sanção tributária,
algum fortuito que levou à infração da legislação tributária. Por exemplo, o atraso no
pagamento de um tributo por conta de algum fortuito excluiria a punibilidade do infrator.
Esta orientação não tem qualquer guarida jurisdicional, eis que, como se disse, o sistema
sancionatório administrativo não oferece as mesmas garantias que o penal, e a objetividade
na responsabilidade, regra geral, é uma das diferenças mais marcantes.
O artigo 137 do CTN, no entanto, relativiza esta objetividade, criando casos em que
há responsabilidade pessoal do agente por dolo ou culpa. Tais são as hipóteses:

“Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:


I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo
quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo
ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja
elementar;
III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes
ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado,
contra estas.”

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

A lógica deste dispositivo é impecável, porque assevera necessidade de elemento


subjetivo quando ele estaria naturalmente presente, sendo o artigo, em verdade, quase uma
declaração do óbvio. São claras situações de exceção à regra objetiva da responsabilidade.
O artigo 138 do CTN se refere à denúncia espontânea:

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração,


acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora,
ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o
montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início
de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados
com a infração.”

Trata-se de uma benesse fiscal dada aos infratores tributários, consistente na


efetivação de uma espécie de “confissão” da infração, acompanhada dos pagamentos
eventualmente devidos por obrigações tributárias quaisquer, caso em que a penalidade
administrativa fica afastada.
Para ser espontânea, e merecer as benesses, a denúncia deve ser feita antes de
qualquer procedimento administrativo relacionado à apuração daquela infração. Iniciada a
fiscalização, por qualquer ato da administração que a revele, cessa a chance de o sujeito
passivo realizar a denúncia espontânea. É claro que a fiscalização que exclui a possibilidade
de denúncia espontânea é aquela que investiga a mesma relação jurídica em que há
infração, e não qualquer investigação sobre o mesmo sujeito passivo: se há investigação
sobre o IPI de uma indústria, quanto a este tributo não cabe denúncia espontânea; porém,
nada impede que esta mesma indústria opere denúncia espontânea quanto a seu IR,
porventura atrasado, por exemplo.
O parcelamento, ou o pagamento parcial, ao invés do pagamento integral, afastam a
penalidade na denúncia espontânea? Em regra, não, pois a lei é expressa ao exigir o
pagamento, na sua totalidade, para ter o efeito liberatório da penalidade. Nada impede,
porém, que a lei que permita o parcelamento preveja uma redução ou mesmo a exclusão da
multa, mas isso não se dará naturalmente, como se dá com o pagamento integral, sendo
mera opção legislativa (como ocorreu recentemente no Refis), consistente em uma anistia, e
não em um efeito da denúncia espontânea.
Controvérsia maior se dá nos tributos sujeitos a lançamento por homologação.
Nestes, o contribuinte antecipa a apuração, declaração e pagamento do tributo. Ora, se a
atuação é quase toda do contribuinte, o fisco quedando-se inerte até o pagamento, seria
possível a denúncia espontânea, aqui?
Uma corrente dizia que é impossível se operar denúncia espontânea, eis que o
contribuinte é seu próprio fiscal, e descumprindo qualquer obrigação na apuração, está já
inviabilizada a espontaneidade. Todavia, hoje não mais prevalece este entendimento. O STJ
faz a seguinte leitura: diz que o contribuinte que apura, declara e recolhe este tributo pode
infringir seus deveres em dois momentos – ou este contribuinte deixa de apurar e declarar,
ou deixa de recolher; se declara, constituindo o crédito, mas sem pagamento, não poderá
haver denúncia espontânea, pois constituiu automaticamente o crédito tributário. Contudo,
se não declara nem paga – ou seja, não houve lançamento –, o fisco deverá efetuar o
lançamento de ofício, e nesse caso o STJ entende que cabe denúncia espontânea, porque é
esta a mens legis desta benesse: evitar o gasto com fiscalização, beneficiando aquele que se
denuncia espontaneamente.

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

Hoje, então, se há declaração sem pagamento, não há cabimento de denúncia


espontânea; se não há declaração, há cabimento desta espontaneidade. É de fato uma
situação um tanto injusta, porque aquele que declara ao menos fez alguma coisa, e será
punido, enquanto aquele que nada fez é beneficiado – mas é tecnicamente o correto.

1.1. Sanções políticas

São sanções políticas aquelas sanções administrativas que não têm cunho
pecuniário, patrimonial – ou seja, são sanções diversas das multas. São políticas as sanções
restritivas de direitos, tais como: apreensão de bens; interdição de estabelecimento;
agravamento de sanção; perda de isenção; sistema especial de fiscalização, etc.
A discussão sobre estas sanções não pecuniárias é sobre sua validade: muito se
critica sua existência, reputando-as inconstitucionais, mas a verdade é que são regularmente
aplicadas no direito tributário penal. Há algumas destas sanções políticas, porém, que já
foram declaradas inconstitucionais pelo STF: a interdição do estabelecimento, por exemplo,
não pode ser procedida pela mera infração tributária, eis que viola a via normal de cobrança
dos créditos tributários, sendo um meio oblíquo de coerção para o pagamento do tributo,
que deve ser exigido em execução fiscal. Veja a súmula 70 do STF:

“Súmula 70, STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio


coercitivo para cobrança de tributo.”

No mesmo sentido, o STF entende inadmissível a apreensão de bens como medida


punitiva-coercitiva para pagamento de tributos. Veja a súmula 323 desta Corte:

“Súmula 323, STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio


coercitivo para pagamento de tributos.”

É claro que a apreensão ainda será cabível quando a motivação for a defesa
nacional, como quando há contrabando: a apreensão dos bens contrabandeados, na
aduaneira, é perfeitamente justificável – sedo imposta tanto esta sanção política
administrativa quanto a penal, pois é fato típico. É claro que neste caso não haverá
cobrança do tributo, pois a importação é vedada.
No descaminho, outrossim, haverá multa, apreensão e sanção penal, e haverá
também cobrança do tributo, porque a importação era possível. Veja que o tratamento acaba
sendo pior do que o dispensado ao contrabando.
A regra geral, em verdade, é que não se pode impor restrições de direitos por conta
de infrações tributárias cometidas. A maioria destas medidas será inconstitucional. Até
mesmo a cassação de uma isenção por infração tributária pode ser ilegal, e só será tolerada
esta cassação se a infração for justamente a falta do preenchimento de alguma condição
para haver a isenção. Se a infração for desconexa à isenção, cassá-la é uma ofensa ao
sistema constitucional.
O agravamento de sanção é uma medida geralmente cabível, e tem lugar quando há
reincidência na infração tributária.
Outra medida admissível, outra sanção política cabível, é o sistema especial de
fiscalização: quando o sujeito passivo é infrator constatado de normas tributárias, é
perfeitamente justificável que haja um regime mais firme de fiscalização sobre seus atos,

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

porque ele evidencia maior tendência a infringir as normas tributárias. É uma sanção
política perfeitamente razoável.

1.2. Efeitos das sanções

As sanções administrativas, todas elas, têm efeitos similares às sanções penais. Têm
efeito repressivo, visando dar uma resposta proporcional ao infrator, por sua infração, por
sua violação ao ordenamento jurídico tributário. Têm também um efeito intimidatório, que
visa a convencer aqueles que não cometeram a infração a não cometê-la, e àqueles que a
cometeram, que não reincidam. E têm efeito educativo, preventivo, visando a criar uma
cultura fiscal de cumprimento espontâneo e correto dos deveres tributários.

1.3. Limites da sanção pecuniária

Há limites quantitativos e qualitativos à sanção pecuniária, além do limite temporal.


Exacerba-se o limite quantitativo quando se percebe uma ofensa ao princípio do
não confisco, que vige tanto para a própria obrigação tributária quanto para as sanções
tributárias. Assim, o limite quantitativo é unicamente este princípio do não confisco.
Em termos concretos, a jurisprudência ainda não tem parâmetros fixados para
certificar o que é ou não uma sanção confiscatória. O que se percebe é uma média
jurisprudencial: multas de até trinta por cento do principal não são consideradas
confiscatórias; entre trinta e um e cem por cento, há ainda quem defenda que se pode
admitir, não sendo também confiscatória. Acima de cem por cento, porém, há uma
tendência a se reputar abusiva a multa.
Há ainda casos em que multas superiores a cem por cento são admissíveis,
especialmente em tributos indiretos, ou naqueles que têm baixo impacto na carga tributária
total (um tributo de meio por cento, por exemplo, cuja multa de duzentos por cento elevaria
o débito a um e meio por cento, não sendo excessiva).
O limite qualitativo, por sua vez, é dado pelo direito ao contraditório e à ampla
defesa na seara administrativa: sem poder, o infrator, discutir a sanção, esta se torna
abusiva.
O limite temporal à atividade sancionatória tributária reside na retroatividade
benigna, a lex mitior tributária, constante do artigo 106, II, do CTN:

“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:


I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a
aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou
omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de
pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao
tempo da sua prática.”

1.4. Exclusão da punibilidade

Diz o artigo 100, parágrafo único, do CTN:

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções
internacionais e dos decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a
que a lei atribua eficácia normativa;
III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a
imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor
monetário da base de cálculo do tributo.”

O caso é de uma infração for cometida com esteio em uma norma legal, editada pelo
próprio fisco, ou seja, o fisco emite norma ilegal, ato administrativo contrário à lei, e este é
observado pelo sujeito passivo, incidindo em infração à lei tal qual o próprio ato normativo
incidiu. É claro que, neste caso, não pode o sujeito passivo ser punido, pois foi a própria
conduta do fisco que levou-o a praticar a infração.

1.5. Extinção da punibilidade

Veja o artigo 156, IV e V, do CTN:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


(...)
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
(...)”

Havendo remissão, perdão do tributo, a sanção o acompanha, sendo igualmente


remitida. O mesmo ocorre se houver prescrição ou decadência do tributo, porque a sanção,
acessória, segue a extinção do principal, por estas causas.
A anistia, porém, é o meio por excelência de extinção da punibilidade. Veja o artigo
180 do CTN:

“Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente


à vigência da lei que a concede, não se aplicando:
I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo
sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito
passivo ou por terceiro em benefício daquele;
II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou
mais pessoas naturais ou jurídicas.”

Além disso, também excluem a punibilidade a denúncia espontânea, já abordada, e


a “abolitio infrationis”, por assim dizer, do artigo 106 do CTN, já transcrito.
Casos Concretos

Questão 1

JOÃO SANTOS, na tentativa de afastar as sanções decorrentes do descumprimento


de determinada obrigação tributária consistente no não pagamento de ICMS da empresa

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

onde exerce individualmente sua atividade empresarial, realiza a "denúncia espontânea"


da infração pagando o tributo devido, bem como os juros de mora.
A Fazenda Estadual impugna a conduta de JOÃO, haja vista que o pagamento refere-se a
um valor que constou da Guia de Informação e Apuração do ICMS, apresentada
anteriormente pelo contribuinte.
Responda, fundamentadamente, se cabe razão à Fazenda Estadual.

Resposta à Questão 1

A denúncia espontânea, quando há declaração, não é possível, porque a declaração


constitui o crédito tributário desde já. Sendo assim, não há mais atividade fiscalizatória da
Fazenda, e por isso perde sentido a denúncia espontânea, neste caso. Enquanto não houver
declaração, nestes tributos lançados por homologação, é possível a denúncia espontânea.
A respeito, veja o REsp. 737.328:

“REsp 737328 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro TEORI ALBINO


ZAVASCKI. Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento:
21/02/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 06/03/2006 p. 211.
Ementa: TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CONFIGURAÇÃO.
MULTA MORATÓRIA. EXCLUSÃO. PRECEDENTE RESP. 798.263.
1. A jurisprudência assentada no STJ considera inexistir denúncia espontânea
quando o pagamento se referir a tributo constante de prévia Declaração de Débitos
e Créditos Tributários Federais – DCTF ou de Guia de Informação e Apuração do
ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei. Considera-se
que, nessas hipóteses, a declaração formaliza a existência (= constitui) do crédito
tributário, e, constituído o crédito tributário, o seu recolhimento a destempo, ainda
que pelo valor integral, não enseja o benefício do art. 138 do CTN (Precedentes da
1ª Seção: AGERESP 638069/SC, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13.06.2005;
AgRg nos EREsp 332.322/SC, 1ª Seção, Min. Teori Zavascki, DJ de 21/11/2005).
2. Entretanto, não tendo havido prévia declaração pelo contribuinte, configura
denúncia espontânea, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por
homologação, a confissão da dívida acompanhada de seu pagamento integral,
anteriormente a qualquer ação fiscalizatória ou processo administrativo
(Precedente: AgRg no Ag 600.847/PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de
05/09/2005).
3. Recurso especial desprovido.”

Questão 2

FORTE EXPORTAÇÃO LTDA. incorporou a empresa RÁPIDO EXPORTAÇÃO


LTDA., devedora de multas incidentes pelo atraso no pagamento de obrigações tributárias.
Posteriormente à incorporação, foi extinta a segunda empresa. Segundo o artigo 132 do
CTN, responde a incorporadora pelos tributos devidos pela sucedida. Pergunta-se:
a) A empresa incorporadora responde pelos consectários da incorporada, sejam
multas moratórias ou punitivas? Por quê?
b) Pode-se entender que houve elisão das penalidades, por ter o artigo 132 do
CTN, preceituado somente tributos?

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP V Direito Tributário V

As respostas às questões “a” e “b” devem ser dadas em conjunto.


Diz o artigo 132 do CTN:

“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação
ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à
data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou
incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas
jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja
continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra
razão social, ou sob firma individual.”

Veja que o dispositivo fala em “tributos”, o que não se confunde com penalidades.
O fato de haver expressa menção somente aos tributos excluiria do alcance deste
dispositivo as penalidades: a sucessão impõe a transferência dos tributos, mas não das
penalidades, em atenção à literalidade do dispositivo e ao princípio da pessoalidade da
pena, que só pode atingir o próprio infrator, e não seu sucessor. Este é o entendimento
clássico, hoje superado.
Em uma segunda fase jurisprudencial, surgiu corrente diversa da exposta, mais
antiga: o STJ entendia que havia, sim, a transmissibilidade da sanção ao sucessor, mas
apenas das multas moratórias, porque são essencialmente vinculadas aos tributos, e com
estes seguem, indissociáveis, para a responsabilidade do sucessor. As multas punitivas,
decorrentes de um não fazer ou fazer errôneo, por seu turno, não se transferem ao sucessor,
porque estas sim são desvinculadas do tributo em si.
Desde 2005, porém, a jurisprudência do STJ entrou em um novo momento, que
perdura: as multas, moratórias ou punitivas, são sanções de natureza pecuniária,
patrimonial, e com isso se incorporam imediatamente ao patrimônio do sucessor universal,
como é o caso da sucessão por incorporação. Destarte, hoje, opera-se a transmissibilidade
de todas as multas ao sucessor tributário, sucessor universal do patrimônio, do ativo e
passivo global do sucedido.
Sendo assim, transmitem-se as sanções ao patrimônio da incorporadora, não
havendo qualquer forma de elisão de tais penalidades, quando da incorporação. As sanções
administrativas não se limitam pela pessoalidade da pena, como ocorre no direito penal.
A respeito, veja os REsp. 32.967 e 613.605, representando a evolução
jurisprudencial:
“REsp 32967 / RS. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra ELIANA
CALMON. Órgão Julgador - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento:
22/02/2000. Data da Publicação/Fonte: DJ 20/03/2000 p. 59.
Ementa: TRIBUTÁRIO - RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR - MULTA
MORATÓRIA - ART. 132 DO CTN.
1. Doutrinariamente, discutível a elisão da multa punitiva da responsabilidade do
sucessor. 2. Sem discrepância jurisprudencial, impõe-se ao sucessor a multa
moratória. 3. Recurso conhecido, mas improvido.”

“REsp 613605 / RS. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro CASTRO MEIRA.


Órgão Julgador - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 21/06/2005. Data da
Publicação/Fonte: DJ 22/08/2005 p. 204.
Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.
EMPRESA. SUCESSÃO. ART. 133, I DO CTN. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DO SUCESSOR. ARTS. 132 E 141 DO CTN.

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP V Direito Tributário V

PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.


DISSÍDIO PRETORIANO. COMPROVAÇÃO.
1. Ao compulsar os autos, verifica-se que a instância de origem não emitiu juízo de
valor acerca dos dispositivos apontados como violados (arts. 132 e 141 do CTN), e
o recorrente sequer opôs embargos de declaração com o fim de prequestioná-los.
Tal circunstância atrai a incidência das Súmulas nº 282 e 356 do STF.
2. Dissídio pretoriano comprovado eis que preenchidas as formalidades dos arts.
541 parágrafo único do CPC e 255 do RISTJ.
3. O Tribunal de origem excluiu a multa moratória decorrente da responsabilidade
por sucessão, sob o fundamento de que a penalidade não poderia passar da pessoa
do infrator.
4. O art. 133 do CTN impõe ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos
eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter
moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao
patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em
qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável.
5. Recurso especial provido.”

Questão 3

Constitui infração tributária, passível de multa, o fato de um adquirente de imóvel


deixar de levá-lo, em prazo estabelecido no Código Tributário do Município, sua inscrição
de transferência no Cadastro Fiscal da Municipalidade?
Resposta objetiva e fundamentada.

Resposta à Questão 3

Se a norma municipal impuser este dever, a sua quebra trata-se de uma infração a
dever instrumental, e por isso perfeitamente sancionável no regime sancionatório
administrativo, através da multa punitiva. Veja os artigos 81 e 85, IV e VI, do Código
Tributário Municipal do Rio de Janeiro, Lei 691/84:
“Art. 81 - Os titulares de direitos reais sobre imóveis, ao apresentarem seus títulos
para registro no Registro de Imóveis, entregarão, concomitantemente,
requerimento preenchido e assinado, em modelo e número de vias estabelecidos
pelo Poder Executivo, a fim de possibilitar a mudança do nome do titular da
inscrição imobiliária.
Parágrafo único - Na hipótese de promessa de venda ou de cessão de imóveis a
transferência de nome aludirá a tal circunstância, mediante a aposição da palavra
"promitente", por extenso ou abreviada, ao nome do respectivo titular.”

“Art. 85 - As infrações apuradas mediante procedimento fiscal ficam sujeitas às


seguintes multas:
(…)
IV - falta de apresentação de informações econômico-fiscais de interesse da
administração tributária, na forma e nos prazos determinados:
(…)
VI - falta de comunicação de quaisquer modificações ocorridas nos dados
constantes do cadastro imobiliário:
Multa: 1 (uma) UNIF;
(...)”

Veja também o artigo 98, VI, do Decreto 14.327/95:

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“Art. 98. As infrações apuradas mediante procedimento fiscal ficam sujeitas às


seguintes multas:
(…)
VI – falta de comunicação de quaisquer modificações ocorridas nos dados
constantes do cadastro imobiliário:
Multa: 1 (uma) UNIF;
(...)”

Vale consignar que, no sancionamento tributário, a legalidade escrita (lex scripta) do


direito penal é um pouco flexibilizada. A previsão das infrações não é dada à reserva de lei,
mas sim apenas a previsão das sanções, na forma do artigo 97, V, do CTN:
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...)
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
(...)”

Destarte, a penalidade deve constar de lei formal, mas a infração pode ser definida
em atos complementares.

Tema III

Crimes Contra a Ordem Tributária I 1. Introdução; 2. Histórico; 3. Legislação; 4. Constitucionalidade; 5.


Crimes afins; 6. Crime de Bagatela; 7. Princípio da Insignificância; 8. Questões judiciais controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula3

3
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 29/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP V Direito Tributário V

1. Crimes contra a ordem tributária – Introdução

A CRFB, ao contrário do que se pode pensar, não fala apenas em direitos


fundamentais para os cidadãos: cria também deveres constitucionais fundamentais para os
indivíduos, dentre os quais está o dever de arcar com tributos. Ocorre que este estudo é um
pouco abandonado, pois, nas palavras de Canotilho:

“No estudo do direito constitucional moderno a noção de deveres constitucionais


(situações jurídicas passivas) esteve relegada a um segundo plano, por força da
própria gênese do Estado de Direito (limitador do Poder Estatal)”

Segundo Canotilho, o estudo do direito constitucional ignorou estes deveres


constitucionais. Contudo, modernamente, tem-se referido a deveres constitucionais para
designar posições jurídicas passivas, que obriguem os cidadãos a um determinado
comportamento.
O dever de pagar tributos, concorrer para o custeio dos gastos públicos, então, é um
dever constitucional fundamental. Para José Casalta Nabais:

“Deve-se ter presente que o princípio da liberdade não conduz à anarquia, mas a
uma liberdade a que corresponde uma responsabilidade comunitária.”

Segundo Luciano Feldens, decorre do dever de pagar tributos a legitimidade


constitucional dos crimes tributários. Veja:

“Decorre assim do descumprimento do dever constitucional de contribuir para o


gasto público (pagar tributos), o mandamento constitucional que legitima a
criminalização das fraudes tributárias.”

2. Ilícito tributário e ilícito penal

Ocorrido o fato gerador tributário, o sujeito passivo pode adotar três


comportamentos: pagar o tributo devido, quando então se extingue a obrigação tributária,
sem qualquer repercussão criminal; quedar-se somente e completamente inerte; ou quedar-
se inerte e adotar uma medida fraudulenta para escamotear seu descumprimento de dever
tributário. Somente nesta última opção é que poderá haver crime tributário.
Como regra, então, se distingue na obrigação tributária duas hipóteses de ilicitude: a
tributária, que ficará caracterizada diante do mero não pagamento dos tributos; e a ilicitude
penal, o crime tributário, que exigirá a presença, como regra, de uma fraude. O crime do
artigo 1º da Lei 8.137/90 é formado por condutas fraudulentas. Veja:
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou
contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei
nº 9.964, de 10.4.2000)
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo
operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer
outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva
saber falso ou inexato;

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP V Direito Tributário V

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento


equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente
realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10
(dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor
complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência,
caracteriza a infração prevista no inciso V.”

Veja que se diz que a fraude é regra, mas não imprescindível, porque há crimes
tributários que são de mera retenção, como se vê no artigo 2º, II, da Lei 8.13790:

“Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)


(...)
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social,
descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria
recolher aos cofres públicos;
(...)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

O próprio crime do artigo 168-A do CP é assim considerado, crime de retenção, sem


necessidade de fraude para se configurar:

“Apropriação indébita previdenciária (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)


Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a
terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado
despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de
serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já
tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000)
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e
efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as
informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou
regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o
agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o
pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído
pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior
àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o
mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000).”

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Excepcionalmente, então, há crimes tributários que não exigem a fraude como


elemento objetivo.
O mero fato de não fazer a declaração do imposto de renda não configura crime
tributário. Veja o seguinte julgado:

“Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 10695. Processo: 1999.61.81.001830-


2 UF: SP Doc.: TRF300159893. Relator JUIZ LUIZ STEFANINI - Órgão Julgador
PRIMEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento 17/04/2008 - Data da Publicação DJF3
DATA:27/05/2008.
PENAL - EMBARGOS INFRINGENTES - ART. 1º, INC. I, DA LEI Nº 8.137/90 -
FALTA DE ENTREGA DE FORMULÁRIO DE IMPOSTO DE RENDA -
LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO PELA RECEITA FEDERAL -
AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DOCUMENTAL - TIPO PENAL DE
OCULTAÇÃO COM FRAUDE - NÃO CARACTERIZAÇÃO - ATIPICIDADE -
PROVIMENTO DO RECURSO.
1.- A conduta de falta de entrega de declaração de imposto de renda à Receita
Federal não configura delito, porquanto não há materialidade documental passível
de ocorrer a fraude, elemento característico do crime contra a ordem tributária e
necessário ao perfazimento da figura típica.
2. Embargos providos.”

No crime de sonegação de imposto, o mero ato de não pagar não é crime; é crime o
fato de praticar alguma fraude com o escopo de não pagar o tributo, e efetivamente não
pagá-lo por conta da fraude.
O conceito de fraude tributária é bem apresentado no artigo 72 da Lei 4.502/64:

“Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária
principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a
reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.”

2.1. Elisão, evasão e elusão fiscais

Elisão fiscal, como já se viu, é o planejamento tributário, é a atuação do contribuinte


que, evitando a ocorrência do fato gerador, escapa da incidência da tributação.
Evasão fiscal, por sua vez, é sempre uma fraude, conduta do contribuinte que, após
a ocorrência do fato gerador, visa a frustrar o pagamento do tributo.
A doutrina clássica se resume a estes dois conceitos. Modernamente, porém, se fala
também da elusão fiscal, que é o abuso de fórmulas jurídicas para não pagar o tributo,
simulando a inocorrência do fato gerador. Nada mais é, a elusão fiscal, do que o que se
anteviu como a elisão fiscal ilícita: o indivíduo, visando não pagar um tributo, promove
atos que, em princípio lícitos, são praticados com o só intuito de frustrar a tributação,
simulando a não ocorrência do fato gerador (como no exemplo já abordado da constituição
de uma sociedade com a integralização do capital por meio de um bem que, na verdade,
está sendo vendido às pessoas que estarão adquirindo aquela sociedade posteriormente).
A elusão é tão ilícita quanto a evasão, mesmo que os atos praticados sejam,
aprioristicamente, lícitos. Na evasão, a fraude é posterior ao fato gerador; na elusão, a
fraude é prévia – e por isso seria uma espécie de elisão ilícita, como dito.

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Nestes casos de elusão, pode o fisco simplesmente desconsiderar os atos praticados,


e considerar, para tributação, o fato realmente obscurecido, a essência do negócio.

3. Histórico e legislação dos crimes tributários

Os crimes tributários ganham autonomia a partir da Lei 4.729/65. Antes desse


diploma, as fraudes tributárias estavam enquadradas em crimes comuns, do CP, nos artigos
171, 299 e 334:

“Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)”

“Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia
constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre
fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão
de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime
prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de
registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”

“Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo
de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.”

Veja o crime de sonegação fiscal que foi apresentado pela Lei 4.729/65:

“Art 1º Constitui crime de sonegação fiscal:


I - prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva
ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a
intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e
quaisquer adicionais devidos por lei;
II - inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer
natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de
exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública;
III - alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o
propósito de fraudar a Fazenda Pública;
IV - fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as,
com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem
prejuízo das sanções administrativas cabíveis.
V - Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga,
qualquer percentagem sôbre a parcela dedutível ou deduzida do impôsto sôbre a
renda como incentivo fiscal. (Incluído pela Lei nº 5.569, de 1969)
Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vêzes o valor
do tributo.

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP V Direito Tributário V

§ 1º Quando se tratar de criminoso primário, a pena será reduzida à multa de 10


(dez) vêzes o valor do tributo.
§ 2º Se o agente cometer o crime prevalecendo-se do cargo público que exerce, a
pena será aumentada da sexta parte.
§ 3º O funcionário público com atribuições de verificação, lançamento ou
fiscalização de tributos, que concorrer para a prática do crime de sonegação fiscal,
será punido com a pena dêste artigo aumentada da têrça parte, com a abertura
obrigatória do competente processo administrativo.”

Tratava-se de crime formal, como se vê. Hoje, com a tipificação da sonegação fiscal
trazida pelo artigo 1º da Lei 8.137/90 (que revogou tacitamente o artigo supra), este crime
passou a ser material, ao menos nas hipóteses deste artigo 1º, há pouco transcrito.
Tecnicamente, é melhor se falar em crime de lesão, porque faticamente o dinheiro que seria
para pagar o tributo não se moveu: estava em poder do sujeito passivo fraudador, e ali
ficou. Não há modificação no plano dos fatos, mas há lesão.
Sobre a revogação, veja:

“TRF4 - APELAÇÃO CRIMINAL: ACR 2505 RS 2003.71.13.002505-1.


Ementa: DIREITO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº
8.137/90.ART. 1º, I. LEGISLAÇÃO ANTERIOR. REVOGAÇÃO TÁCITA.
IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NÃO DECLARADO E
ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. AUSÊNCIA DE DOLO NÃO
CARACTERIZADA. PUNIBILIDADE EXTINTA EM AÇÃO CRIMINAL
PRECEDENTE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA-BASE.
MÍNIMO LEGAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA DE CONTINUIDADE.
MULTA. SIMETRIA.
1. Embora de forma tácita, a Lei 4.729/65 restou revogada pela 8.137/90.
2. Tendo o agente auferido ganho de capital na alienação de imóveis, sem declarar
ao fisco, bem como obtido acréscimo patrimonial a descoberto, impõe-se a sanção
pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, sendo o delito do art. 2º subsidiário.
3. As palavras do acusado, de forma isolada e contrapondo-se ao contexto
probatório, não são suficientes para demonstrar a ausência de elemento subjetivo.
Nesse sentido, o alegado erro de comunicação entre ele e seu contador é por
demais inverossímil, além de não ter sido corroborado por elementos firmes.
4. Dificuldades financeiras presentes não têm o condão de exculpar a sonegação
pretérita, sendo descabido invocá-las para justificar atual intenção de pagar o
tributo.
5. Consoante já assentou a jurisprudência, para caracterização desta espécie
delitiva é despicienda a realização de perícia.
6. Ação penal anterior, na qual a punibilidade resultou extinta, deve ser desprezada
na primeira fase da dosimetria.
7. Culpabilidade do denunciado normal, bem como os motivos do crime,
inexistindo razão para exasperação da pena-base.
8. Em face da Súmula nº 497 do STF, regula-se a prescrição pela sanção
estipulada, sem a majoração pela continuidade. Esta, por sua vez, é inaplicável,
pois, em atenção à reprimenda e ao prazo entre os fatos e o recebimento da
denúncia, extingue-se a punibilidade de três das quatro ocorrências típicas
arroladas na exordial.
9. Número de dias-multa reduzido ao mínimo, em atenção à simetria com a
privativa de liberdade.” (grifei)

4. Constitucionalidade dos crimes tributários

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Há quem suscite que os crimes tributários seriam inconstitucionais por revelarem-se


verdadeiramente hipóteses de prisão por dívida, e com isso violarem o Pacto de São José da
Costa Rica, internalizado como norma supralegal. Seria a utilização, pelo legislador, do
direito penal como meio para cobrança de dívidas tributárias.
A questão é controvertida. Esta corrente, pela inconstitucionalidade, é defendida por
Luciano Amaro. Prevalece, porém, a orientação de Luiz Flávio Gomes, segundo a qual as
condutas são crimes, de fato, por serem fraudes, e esta é a objetividade criminosa.
A jurisprudência não acata o argumento de Luciano Amaro, como se vê nos
julgados abaixo:
“Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO. Classe: ACR - APELAÇÃO
CRIMINAL – 14217. Processo: 200061810061145 UF: SP. Órgão Julgador:
QUINTA TURMA Data da decisão: 13/05/2003.
- O dispositivo legal que serviu de suporte à denúncia é constitucional, pois visa a
proteger a Previdência Social, direito reconhecido pelo art. 6º da Lei Maior.
Ademais, atende aos princípios norteadores da Seguridade Social expressos nos
arts. 194 e 195 da CF. A ação penal não objetiva a cobrança do débito. O art. 95,
"d", da Lei nº 8.212/91 tem por fim a defesa da ordem econômico-tributária e,
especialmente, a garantia do regular funcionamento do sistema securitário público.
Se o legislador tipificou a conduta de omissão de recolhimento da importância
arrecadada dos segurados ao INSS, não há prisão civil por dívida. Se a conduta é
penalmente relevante, a prisão, conseqüentemente, é penal.”

“Origem: TRF-2 Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 5603 Processo:


2003.50.01.006779-3 UF : RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
ESPECIALIZADA Fonte DJU - Data::04/03/2009.
EMENTA: (...) I – Acusado que responde por diversas ações penais pelo não
recolhimento de contribuições previdenciárias previamente descontadas de seus
funcionários. Não recomendável a reunião de processos, alguns em fases
processuais distintas, a teor do art. 80 do Código de Processo Penal. (...)
III - Não há inconstitucionalidade no dispositivo legal em comento, que não
preconiza a prisão por dívida, mas a prisão-pena em decorrência da prática de fato
considerado pelo legislador como ilícito penal, dada a relevância do bem jurídico
tutelado. A Constituição da República de 1988 de modo algum veda a previsão de
crime patrimonial ou tributário, como quer fazer prevalecer a tese defensiva. Aliás,
o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento acerca da
constitucionalidade do art. 168-A do Código Penal. (...)
V - O crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias é omissivo
próprio e exige o dolo para sua caracterização, consistente na consciência e
vontade de deixar de repassar ao INSS os valores descontados dos salários dos
empregados a título de contribuição previdenciária, prescindindo da fraude
material e do animus rem sibi habendi.
VI - Materialidade e autoria comprovadas.
VII - Incumbe à defesa o ônus de comprovar a inexigibilidade de conduta diversa
decorrente de crise financeira, o que não restou seguramente demonstrado nos
autos.
VIII – (...)
IX – Recurso da defesa parcialmente provido e recurso ministerial não provido.
Relator Desembargador Federal ABEL GOMES Decisão A Turma, por
unanimidade, deu parcial provimento ao recurso da defesa e negou provimento ao
recurso do Ministério Público Federal.”

5. Princípio da insignificância nos crimes tributários

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP V Direito Tributário V

O princípio da insignificância, em regra, se reporta a crimes materiais,


quantificáveis. Nos crimes formais, que não exigem lesão material ou resultado, não
haveria, em regra, insignificância.
Sendo assim, este princípio não seria aplicável a todos os crimes tributários, mas
somente àqueles materiais. Todavia, a jurisprudência tem colocado todos os crimes
tributários sob sua égide, quer sejam formais ou materiais, justamente por conta da
diferença que se faz quanto à classificação do crime em material ou de lesão, como se
disse. Veja:

“STF - HC 82324 / SP – (STF – 1ª Turma - DJ 22-11-2002).


EMENTA: (...) não admitiu o princípio da insignificância ou crime de bagatela
quanto a crime de posse e de uso de substância entorpecente, ... Nesse sentido, os
RHCs 51.235 e 45.973, HCs 68.516, 69.806, 71.638 e 74.661, e o RC 108.697.
"Habeas corpus" indeferido.”

“2005.050.00858 - APELACAO CRIMINAL - DES. ANGELO MOREIRA


GLIOCHE - Julgamento: 09/06/2005 - OITAVA CAMARA CRIMINAL Apelação.
Art. 16 da Lei 6.368/76. (...) A circunstância de ser pequena a quantidade de
entorpecente não descaracteriza o crime definido no artigo 16 da Lei de Tóxicos. O
crime de uso de entorpecente é de perigo abstrato. Não é possível o acolhimento do
princípio da insignificância. Recurso desprovido.”

“Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO. Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL –


199901001034413. Processo: 199901001034413 UF: MT Órgão Julgador:
TERCEIRA TURMA. Data da decisão: 5/9/2005. Fonte DJ DATA: 23/9/2005
PAGINA: 4. Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO.
1. Para configuração do delito previsto no art. 168-A, do Código Penal, basta a
intenção de não repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal, conduta essencialmente omissiva.
2. Existência de elementos hábeis a comprovar a autoria e materialidade do delito
tipificado no art. 168-A, do Código Penal.
3. Quanto a lesão à seguridade social é insignificante, não se justifica a instauração
da ação penal.”

Destarte, embora alguns delitos tributários sejam classificados como formais e


outros materiais, a jurisprudência admite o princípio da bagatela para todos, pois os formais
são considerados crimes de lesão.
Outra discussão, então, surge quanto ao valor que se considerará insignificante. O
crime de descaminho, do artigo 334 do CP, não é um crime tributário próprio, porque seu
bem jurídico protegido é a administração pública: o imposto ali protegido assume caráter
prevalentemente extrafiscal, eis que o tipo visa a proteger o mercado. No descaminho,
como as alíquotas são altamente diversas, não seria possível parametrizar com constância o
critério da insignificância.
Debalde, é exatamente este o crime utilizado pelo STJ e STF como paradigma da
apreciação da insignificância nos crimes tributários. Tal fato decorre da existência, no
descaminho, de fraude e de não pagamento de tributo.
Assim, qual o parâmetro geral para a definição daquilo que é insignificante em
termos de crimes tributários? É possível a utilização do valor previsto para a execução
fiscal como critério?

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP V Direito Tributário V

A Lei 10.522/02, no artigo 20, apresenta o seguinte valor para a execução fiscal
federal ser interessante:
“Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do
Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos
inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais).
§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os
valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados. Lei 10.522/2002.
(...)”

O fato de não compensar ao Poder Público buscar seus débitos por meio de
execução fiscal traduz a insignificância da lesão?
O STJ entendia que, na verdade, o limite de dez mil reais não deve ser observado,
porque como se vê ali a execução não é realizada até que se atinja este limite, e não
cancelada de vez. Para que o débito seja definitivamente irrelevante ao fisco, ele não pode
superar cem reais, como se vê no artigo 18, § 1º, da mesma Lei:
“Art. 18. Ficam dispensados a constituição de créditos da Fazenda Nacional, a
inscrição como Dívida Ativa da União, o ajuizamento da respectiva execução
fiscal, bem assim cancelados o lançamento e a inscrição, relativamente:
(...)
§ 1º Ficam cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, de valor
consolidado igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais).
(...)”

Sendo assim, é esse montante de cem reais que o STJ sempre entendeu
insignificante, e não o valor da execução fiscal, de dez mil reais. Veja o julgado abaixo:

“REsp 848456 / PR (STJ - 5ª Turma - DJ 05.02.2007 p. 363). CRIMINAL. RESP.


DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
ARTIGO 20, CAPUT, DA LEI 10.522/2002.
I - Aplicação da execução de crédito tributário do mesmo raciocínio seguido nas
hipóteses de apropriação indébita de contribuições previdenciárias - para as quais
se adota o valor estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos
créditos (art. 1º, I, da Lei 9.441/97).
II. O caput do art. 20 da Lei 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de
execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, e não à extinção do crédito,
razão pela qual não se pode se invocado como forma de aplicação do princípio da
insignificância.
III. Se o valor do tributo devido ultrapassa o montante previsto no art. 18, § 1º da
Lei 11.033/2004, que dispõe acerca da extinção do crédito fiscal, afasta-se a
aplicação do princípio da insignificância.
(...)
VII. Recurso provido.”

A posição tradicional do STJ, acima exposta, foi recentemente superada pelo STF,
porém. Passou esta Corte a entender que se o montante não desperta interesse na seara
administrativo-tributária, não poderia despertar interesse repressivo penal, e por isso o valor
realmente determinante da insignificância seria, de fato, o de dez mil reais, do artigo 20 da

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Lei 10.522/02, supra. Atendendo a este entendimento do STF, o STJ passou a acompanhar
tal posição. Veja abaixo uma compilação de julgados que exprimem esta dinâmica:

“PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. DESCAMINHO.


Os pacotes de cigarro e litros de uísque apreendidos por entrada ilegal no País
totalizavam quase sete mil reais. Assim, não é possível incidir, nesse crime de
descaminho, o princípio da insignificância, pois o parâmetro contido no art. 20 da
Lei n. 10.522/2002 (dez mil reais) diz respeito ao arquivamento, sem baixa na
distribuição, da ação de execução fiscal (suspensão da execução), o que denota sua
inaptidão para caracterizar o que deve ser penalmente irrelevante. Melhor padrão
para esse fim é o contido no art. 18, § 1º, daquela mesma lei, que cuida da extinção
do débito fiscal igual ou inferior a cem reais. Anote-se que não se desconhecem
recentes julgados do STF no sentido de acolher aquele primeiro parâmetro (tal qual
faz a Sexta Turma do STJ), porém se mostra ainda preferível manter o patamar de
cem reais, entendimento prevalecente no âmbito da Quinta Turma do STJ, quanto
mais na hipótese, em que há dúvidas sobre o exato valor do tributo devido, além do
fato de que a denunciada ostenta outras condenações por crimes de mesma espécie.
Com esse entendimento, a Seção conheceu dos embargos e, por maioria, acolheu-
os para negar provimento ao especial. EREsp 966.077-GO, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgados em 27/5/2009.”

“DESCAMINHO. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA.


Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do
crime tipificado no art. 334 do CP. Rejeitada a exordial acusatória, o Ministério
Público Federal, em recurso em sentido estrito no TJ, obteve seu reconhecimento,
sendo também mantida em embargos infringentes de nulidade. No habeas corpus,
pugna o paciente pela aplicação do princípio da insignificância em razão do baixo
valor dos tributos devidos. O Min. Relator observou que o montante do valor
sonegado foi de R$ 672,69, superior ao valor fixado no art. 18, § 1º, da Lei n.
10.522/2002, não havendo, assim, como considerar insignificante a conduta do
acusado. Isso posto, a Turma denegou a ordem de habeas corpus. Precedentes
citados: HC 88.619-MG, DJ 9/8/2007, e HC 66.308-SP, DJe 10/3/2008. HC
108.966-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 2/6/2009 (ver
Informativo n. 396).”

“Descaminho e Princípio da Insignificância


Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar o
trancamento de ação penal instaurada contra acusado pela suposta prática do crime
de descaminho (CP, art. 334), em decorrência do fato de haver iludido impostos
devidos pela importação de mercadorias, os quais totalizariam o montante de R$
5.118,60 (cinco mil cento e dezoito reais e sessenta centavos). No caso, o TRF da
4ª Região, por reputar a conduta do paciente materialmente típica, negara aplicação
ao princípio da insignificância ao fundamento de que deveria ser mantido o
parâmetro de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para ajuizamento de
execuções fiscais (Lei 10.522/2002) e não o novo limite de R$ 10.000,00 (dez mil
reais) instituído pela Lei 11.033/2004. Inicialmente, salientou-se o caráter
vinculado do requerimento do Procurador da Fazenda para fins de arquivamento de
execuções fiscais e a inexistência, no acórdão impugnado, de qualquer menção a
possível continuidade delitiva ou acúmulo de débitos que conduzisse à superação
do valor mínimo previsto na Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei
11.033/2004. Entendeu-se não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no
âmbito administrativo e não o fosse para o Direito Penal, que só deve atuar quando
extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem
os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

demais ramos do Direito. HC 92438/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 19.8.2008.


(HC- 92438).”

“Descaminho e Princípio da Insignificância


Por ausência de justa causa, a Turma, em votação majoritária, proveu recurso
ordinário em habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra acusado pela
suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º, d), em decorrência do
fato de ter ingressado em território nacional trazendo mercadorias de origem
estrangeira, sem a documentação comprobatória de regularidade fiscal, alcançando
os impostos devidos o montante de R$ 2.528,24 (dois mil quinhentos e vinte e oito
reais e vinte e quatro centavos). No caso, o STJ, enfatizando a reiteração da
conduta típica, rejeitara a aplicação do princípio da insignificância por considerar
que já teria sido instaurado, anteriormente, procedimento contra o mesmo paciente
por fato semelhante, porém arquivado. Asseverou-se que o art. 20 da Lei
10.522/2002 determina o arquivamento das execuções fiscais, sem cancelamento
da distribuição, quando os débitos inscritos como dívida ativa da União forem
iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) — valor este resultante da
modificação pela Lei 11.033/2004. Salientou-se que a jurisprudência do STF é
firme no sentido da incidência do princípio da insignificância quando a quantia
sonegada não ultrapassar o valor estabelecido no mencionado dispositivo, o que
implicaria falta de justa causa para ação penal pelo crime de descaminho. Ademais,
aduziu-se que a existência de procedimento criminal — arquivado — por fatos
similares não se mostraria suficiente para afastar o aludido princípio, tendo em
vista o caráter objetivo da regra estabelecida por esta Corte para o efeito de se
reconhecer o delito de bagatela. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos
Britto que desproviam o recurso por considerar a repetição da prática delituosa,
ressaltando que o paciente já fora beneficiado antes pelo instituto da
insignificância pelo mesmo crime. Alguns precedentes citados: HC 96374/PR (DJE
de 23.4.2009); HC 96309/RS (DJE de 24.4.2009); RE 514531/RS (DJE de
6.3.2009). RHC 96545/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.6.2009. (RHC-
96545).”

“Descaminho e Princípio da Insignificância – 1


Por ausência de justa causa para a ação, a Turma, em votação majoritária,
concedeu habeas corpus, interposto pela Defensoria Pública da União, para
determinar o trancamento de ação penal instaurada contra acusado pela suposta
prática do crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º, d, c/c o § 2º), em decorrência
de haver ingressado em território nacional com mercadorias de procedência
estrangeira sem a regular documentação fiscal, importando em tributos
possivelmente ilididos no valor de R$ 645,32 (seiscentos e quarenta e cinco reais e
trinta e dois centavos). No caso, o STJ, ao afastar a incidência do princípio
referido, assentara que o valor do tributo apurado ultrapassaria o montante previsto
no art. 18, § 1º, da Lei 10.522/2002 — que estabelece o limite de R$ 100,00 (cem
reais) para a extinção do crédito fiscal.
HC 96661/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2009. (HC-96661).”

“Descaminho e Princípio da Insignificância – 2


Considerou-se que, na espécie, dois aspectos objetivos deveriam ser considerados:
1) a inexpressividade do montante do débito tributário apurado, se comparado com
a pena cominada ao delito (de 1 a 4 anos de reclusão) e com o valor de R$
10.000,00 (dez mil reais), previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, para o
arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das infrações fiscais de débitos
inscritos como dívida ativa da União;
2) o fato de ter havido a apreensão de todos os produtos objeto do crime de
descaminho. Registrou-se, todavia, a necessidade de uma maior reflexão sobre a
matéria, de modo a não se afirmar, sempre, de forma objetiva, a caracterização do

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP V Direito Tributário V

princípio da insignificância quando o valor não seja exigível para o Fisco, devendo
cada caso ser analisado conforme suas peculiaridades. Vencido o Min. Marco
Aurélio, que indeferia o writ ao fundamento de que, no que tange ao patrimônio
privado, não se chegaria a assentar o crime de bagatela quando a res alcançasse o
valor de R$ 10.000,00, não sendo coerente, destarte, decidir-se em sentido
contrário quando se visasse proteger a coisa pública. Asseverou, ademais, ser
relutante em admitir essa fixação jurídica criada pela jurisprudência, na medida em
que tal preceito não se encontraria em dispositivo normativo algum. HC 96661/PR,
rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2009. (HC-96661).”

“REPETITIVO. DESCAMINHO. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA.


A Seção, ao julgar o recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ),
entendeu que, em atenção à jurisprudência predominante no STF, deve-se aplicar o
princípio da insignificância ao crime de descaminho quando os delitos tributários
não ultrapassem o limite de R$ 10 mil, adotando-se o disposto no art. 20 da Lei n.
10.522/2002. O Min. Relator entendeu ser aplicável o valor de até R$ 100,00 para
a invocação da insignificância, como excludente de tipicidade penal, pois somente
nesta hipótese haveria extinção do crédito e, consequentemente, desinteresse
definitivo na cobrança da dívida pela Administração Fazendária (art. 18, § 1º, da
referida lei), mas ressaltou seu posicionamento e curvou-se a orientação do
Pretório Excelso no intuito de conferir efetividade aos fins propostos pela Lei n.
11.672/2008. REsp 1.112.748- TO, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 9/9/2009.”

Veja uma peculiaridade: se o valor do tributo sonegado for de oito mil reais, mas a
multa incidente é de mais sete mil reais, haverá execução pelo total, de quinze mil reais.
Haverá, neste caso, a aplicação do princípio da insignificância?
Para o STF, não se aplica: o valor é relevante, pois supera dez mil reais, e haverá
execução fiscal, e há crime. Ocorre que é um critério errado, porque o valor da sonegação,
em si, foi inferior ao montante considerado insignificante, somente sendo acrescido de
valores decorrentes de penalidades administrativas. Contudo, tem sido aplicado este
critério.
Vale traçar uma síntese de toda esta dinâmica da insignificância nos crimes
tributários: o STF passou a entender que o valor da execução fiscal é o paradigma de ultima
ratio para a insignificância, ou seja, os dez mil reais. O HC 96.661 é o paradigma que
melhor exprime esta postura, acima transcrito. O STJ passou a acompanhar este critério,
como se vê no REsp. 1.112.748, supra. E repare que o STF leva em conta o montante total
do débito (tributo sonegado somado a multas e encargos), e não apenas o valor do tributo
efetivamente sonegado, o que é uma incoerência.
Outra questão sobre a insignificância em crimes tributários é se a reiteração
criminosa pode ser utilizada com vistas a afastar a aplicação do princípio. A jurisprudência
do STF é sólida: a insignificância é aferida exclusivamente com base em critérios objetivos
e isolados em cada conduta criminosa, não podendo ser medida pela análise de
antecedentes ou culpabilidade, sob pena de se criar hipótese de atenção ao impossível
direito penal do autor. Debalde, o STJ já aplicou este critério errôneo, de forma a afastar a
aplicação do princípio, como se vê nos julgados abaixo:

“HC 66316 / RS (STJ - 5ª Turma - DJ 05.02.2007 p. 307).


I. O entendimento desta Corte vem se firmando no sentido de que o princípio da
insignificância deve se aplicado com parcimônia, restringindo-se apenas as
condutas sem tipicidade penal, desinteressantes ao ordenamento positivo.

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

II. Nos delitos de descaminho, embora o pequeno valor do débito tributário seja
condição necessária para permitir a aplicação do princípio da insignificância, o
mesmo pode ser afastado se o agente se mostrar um criminoso habitual em delitos
da espécie.
III. O comportamento do réu, voltado para a prática de reiterada da mesma conduta
criminosa, impede a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes.
(...)
VII. Ordem denegada.”

Veja agora a correta interpretação do STF:

“RE 550761 / RS (STF – 1ª TURMA - DJE-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC


01-02-2008).
EMENTA Recurso extraordinário em matéria criminal. Ausência de
prequestionamento. Princípio da insignificância. Habeas corpus de ofício.
(...)
2. Nos termos da jurisprudência da Corte Suprema, o princípio da insignificância é
reconhecido, sendo capaz de tornar atípico o fato denunciado, não sendo adequado
considerar circunstâncias alheias às do delito para afastá-lo.
3. No cenário dos autos, não parece razoável concluir, com base em dois episódios,
que o réu faça da prática do descaminho o seu modo de vida.
4. Habeas corpus concedido de ofício para cassar o título judicial condenatório
formado contra o réu.”

“AI-QO 559904 / RS (STF - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - 1ª


turma - DJ 26-08- 2005).
EMENTA: (...) Descaminho considerado como "crime de bagatela": aplicação do
"princípio da insignificância". Para a incidência do princípio da insignificância só
se consideram aspectos objetivos, referentes à infração praticada, assim a mínima
ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão
jurídica causada (HC 84.412, 2ª T., Celso de Mello, DJ 19.11.04). A caracterização
da infração penal como insignificante não abarca considerações de ordem
subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é insignificante, ou não é. E sendo,
torna-se atípico, impondo-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa
(HC 77.003, 2ª T., Marco Aurélio, RTJ 178/310). IV. Concessão de habeas corpus
de ofício, para restabelecer a rejeição da denúncia.”

“Descaminho e Princípio da Insignificância


Por ausência de justa causa, a Turma, em votação majoritária, proveu recurso
ordinário em habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra acusado pela
suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º, d), em decorrência do
fato de ter ingressado em território nacional trazendo mercadorias de origem
estrangeira, sem a documentação comprobatória de regularidade fiscal, alcançando
os impostos devidos o montante de R$ 2.528,24 (dois mil quinhentos e vinte e oito
reais e vinte e quatro centavos). No caso, o STJ, enfatizando a reiteração da
conduta típica, rejeitara a aplicação do princípio da insignificância por considerar
que já teria sido instaurado, anteriormente, procedimento contra o mesmo paciente
por fato semelhante, porém arquivado. Asseverou-se que o art. 20 da Lei
10.522/2002 determina o arquivamento das execuções fiscais, sem cancelamento
da distribuição, quando os débitos inscritos como dívida ativa da União forem
iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) — valor este resultante da
modificação pela Lei 11.033/2004. Salientou-se que a jurisprudência do STF é
firme no sentido da incidência do princípio da insignificância quando a quantia
sonegada não ultrapassar o valor estabelecido no mencionado dispositivo, o que

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

implicaria falta de justa causa para ação penal pelo crime de descaminho. Ademais,
aduziu-se que a existência de procedimento criminal — arquivado — por fatos
similares não se mostraria suficiente para afastar o aludido princípio, tendo em
vista o caráter objetivo da regra estabelecida por esta Corte para o efeito de se
reconhecer o delito de bagatela. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos
Britto que desproviam o recurso por considerar a repetição da prática delituosa,
ressaltando que o paciente já fora beneficiado antes pelo instituto da
insignificância pelo mesmo crime. Alguns precedentes citados: HC 96374/PR (DJE
de 23.4.2009); HC 96309/RS (DJE de 24.4.2009); RE 514531/RS (DJE de
6.3.2009). RHC 96545/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.6.2009. (RHC-
96545).”

A jurisprudência inferior acompanha a tese correta do STF:

“TRF4, RSE 2007.71.18.001319-0, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de


Castro, D.E. 16/09/2008).
DECISÃO: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de
Geasse da Motta Xavier, dando-a como incursa na sanção do artigo 334 do
Estatuto Repressivo, por ter em 11.08.2004, introduzido no País mercadorias de
procedência estrangeira (com destinação comercial) avaliadas em R$ 1.278,99
elidindo totalmente o pagamento dos impostos devidos pela regular importação (II
e IPI) estimados pela Receita Federal em R$ 639,50 (fls. 05-6). O MM. Juiz a quo,
aplicando o princípio da insignificância, rejeitou a denúncia, com apoio no artigo
43, inc. I, do CPP (fls. 34-6). Irresignado, o Parquet interpôs o presente recurso.
Nas razões (fls. 39-42) aduz ser inaplicável o aludido preceito pois "deve ser visto
com a necessária cautela, não podendo ser erigido em escudo imunizante à conduta
ilícita praticada pelo denunciado eis que a pratica de forma habitual". (...) Com
efeito o presente recurso versa exclusivamente sobre a aplicação do princípio da
insignificância. É cediço que o referido preceito destipificante tem larga utilização
para afastar do direito penal, fatos que não produzam relevante lesão a
determinado bem jurídico. Assim, exclui-se a tipicidade das condutas consideradas
inexpressivas diante do ínfimo dano causado. Tal benefício, aliás, pode ser
utilizado, independente - conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal nos HCs
nºs 77003 e 84.412 - dos aspectos subjetivos (habitualidade criminosa)
relacionados à propensão delitiva por parte do agente.
(...)”

Resumindo: o STJ tinha o entendimento de que a reiteração criminosa permitia


afastar a insignificância. Contudo, em decisão recente, o STF repudiou esta tese,
estabelecendo que a insignificância é um critério baseado somente em parâmetros
objetivos, e por isso a reiteração não é suficiente para afastar a aplicação do princípio.

6. Crimes tributários e a denúncia em crimes societários

É possível a denúncia, em crimes tributários societários, de pessoas que constem do


contrato social, pelo só fato de constarem do quadro societário?
Para Pacelli, a denúncia genérica é aquela que, em crimes de autoria coletiva, não
individualiza todas as condutas, o que será feito ao longo da ação penal. Esta denúncia é

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP V Direito Tributário V

admitida, e não se confunde com a denúncia geral, que imputa a todos indistintamente a
participação no crime, por vezes sem qualquer vínculo fático – claramente inadmissível.
Para o STF e o STJ, a denúncia genérica é aquela que Pacelli denomina de denúncia
geral, confundindo os conceitos. Anteriormente, admitiam a denúncia genérica (geral),
apresentada com imputação indiscriminada de todos que constassem do contrato social,
porque este documento era subscrito por eles e contra eles fazia presumir atuação em todas
as atividades da sociedade, inclusive as criminosas.
Ocorre que, por óbvio, há sócios que não tinham, faticamente, absolutamente
nenhuma atuação no crime societário, e mesmo assim era denunciado – configurando
responsabilização penal objetiva, impensável. Com base nisso, a denúncia contra todos do
contrato social passou a ser inadmitida, pelo STF, pelo que a demonstração do vínculo de
fato do agente com o crime precisa ser demonstrada – não basta ser sócio para ser réu no
processo criminal. A prova do vínculo fático se dá por documentos por eles assinados,
cheques emitidos, etc.
Veja a posição atual do STF e do STJ:

“HC 85327 / SP - (STF - 2ª TURMA - DJ 20-10-2006).


(...)
Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários,
entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada
indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo
responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente
praticados os delitos. Precedentes: HC no 86.294-SP, 2a Turma, por maioria, de
minha relatoria, DJ de 03.02.2006; (...)
5. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados.
6.Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla
defesa, contraditório (CF, art. 5o, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art.
1o, III). Precedentes: HC no 73.590-SP, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763-DF, 1a Turma, unânime, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 23.09.1994.
7. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo
adequado e suficiente, a conduta dos pacientes.
8. Habeas corpus deferido.”

“HC 88600 / SP - (STF - 1ª Turma - DJ 09-03-2007).


EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA DE
JUSTA CAUSA. CRIMES SOCIETÁRIOS. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I E
II, DA LEI 8.137/90. ART. 151 DA LEI 6.404/76. RETIRADA DE DIRETOR
ADMINISTRATIVO DE SOCIEDADE ANÔNIMA. CONTRATO DE
ADIANTAMENTO PARA EXPORTAÇÃO FUTURA. REMESSA DE
DINHEIRO PARA O EXTERIOR. OPERAÇÃO REALIZADA APÓS A SAÍDA
DO DIRETOR. ORDEM CONCEDIDA.
I - Falta justa causa para a ação penal quando o paciente demonstra não possuir, ao
tempo da assinatura do contrato tido por irregular, poder de direção na empresa.
II - Em que pese a possibilidade de oferecimento da denúncia sem a discriminação
precisa das individualizações de conduta, faz-se necessário explicitar-se
minimamente o nexo entre a conduta, o acusado e o resultado ilícito.
III - Ordem concedida.”

“RHC 24515 / DF (STJ – 6ª TURMA - DJe 16/03/2009).


PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME TRIBUTÁRIO –
ATRIBUIÇÃO DO DELITO AOS MEMBROS DA DIRETORIA, POR MERA

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP V Direito Tributário V

PRESUNÇÃO - AUSÊNCIA DE VÍNCULO ENTRE UM DETERMINADO ATO


E O RESULTADO CRIMINOSO. DENÚNCIA GENÉRICA E
CONSAGRADORA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA – RECURSO
PROVIDO PARA DECLARAR A INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA E A
CONSEQUENTE NULIDADE DOS ATOS POSTERIORES. De nada adiantam os
princípios constitucionais e processuais do contraditório, da ampla defesa, em
suma, do devido processo legal na face substantiva e processual, das próprias
regras do estado democrático de direito, se permitido for à acusação oferecer
denúncia genérica, vaga, se não se permitir a individualização da conduta de cada
réu, em crimes plurissubjetivos. O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria
de uma empresa, só por só, não significa que ela deva ser responsabilizada pelo
crime ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade objetiva
repudiada pelo nosso direito penal. É possível atribuir aos denunciados a prática de
um mesmo ato (denúncia geral), porquanto todos dele participaram, mas não é
possível narrar vários atos sem dizer quem os praticou, atribuindo-os a todos, pois
neste caso não se tem uma denúncia geral, mas genérica. Recurso provido para
declarar a inépcia da denúncia e a nulidade dos atos que lhe sucederam.”

Casos Concretos

Questão 1

Agentes do Fisco, em fiscalização de rotina, constataram que a empresa BRACK


LTDA. deixou de efetuar o pagamento do tributo de importação de mercadorias

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP V Direito Tributário V

estrangeiras que vendia sem cobertura fiscal durante o exercício financeiro de 2003. A
supressão do tributo atingiu o montante de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais),
valores atualizados. Instaurado o competente inquérito policial, foi apurado que dos 7
(sete) sócios que a empresa possuía - todos com poderes de administração pelo Contrato
Social - apenas dois (MANOEL E JOAQUIM) tinham acesso à documentação fiscal e
tinham ciência do inadimplemento fiscal. Denunciado todos os 7 (sete) sócios, o juízo
recebeu a denúncia e, em suas defesas, MANUEL E JOAQUIM sustentam que o valor das
contribuições não recolhidas não causou um prejuízo de monta na arrecadação fiscal e
que não atuaram com o dolo de sonegar o tributo, porquanto escrituraram, nos livros da
empresa, de forma regular, a entrada das mercadorias estrangeiras no estoque o que
descaracterizaria a fraude fiscal. Os demais acusados, além de reiterarem tais alegações,
sustentaram, ainda, que somente estão sendo processados por suas posições de sócios, o
que acarretaria situações de responsabilidades penal objetiva. Chamado a decidir a
questão, como se posicionaria?

Resposta à Questão 1

A respeito, veja os seguintes julgados:

“HC 23291 / SP. HABEAS CORPUS. Relator Ministro GILSON DIPP. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 17/12/2002. Data da
Publicação/Fonte: DJ 24/03/2003 p. 249.
Ementa: CRIMINAL. HC. DESCAMINHO. CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. IMPORTAÇÃO DE GUARDA-CHUVAS COM SUPRESSÃO
DE TRIBUTOS INCIDENTES. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO E FRAUDE À
FISCALIZAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. FALHAS NÃO-VISLUMBRADAS. POSSIBILIDADE DE
DENÚNCIA GENÉRICA. INQUÉRITO POLICIAL. PRESCINDIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. ORDEM
DENEGADA.
Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca
deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa
dos acusados, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP
– o que não se vislumbra in casu. Tratando-se de crimes de autoria coletiva, de
difícil individualização da conduta de cada participante, admite-se a denúncia de
forma mais ou menos genérica, por interpretação pretoriana do art. 41 do CPP.
Precedentes. O inquérito policial não é imprescindível para o início da ação penal
por denúncia ou queixa, se tais peças vierem embasadas em outros elementos que
demonstrem a materialidade e indiquem a autoria. A falta de justa causa para a
ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de
exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do
fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da
punibilidade, hipóteses não verificadas in casu. Ordem denegada.”

“REsp 742895 / PR. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro GILSON DIPP.


Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 18/08/2005. Data da
Publicação/Fonte: DJ 19/09/2005 p. 378.
Ementa: CRIMINAL. RESP. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 20, CAPUT, DA LEI
10.522/2002. PATAMAR ESTABELECIDO PARA O NÃO AJUIZAMENTO DA
AÇÃO DE EXECUÇÃO OU ARQUIVAMENTO SEM BAIXA NA

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP V Direito Tributário V

DISTRIBUIÇÃO. ART. 18, § 1º, DA LEI 10.522/2002. EXTINÇÃO DO


CRÉDITO. RECURSO PROVIDO.
I - Aplicação da execução de crédito tributário do mesmo raciocínio seguido nas
hipóteses de apropriação indébita de contribuições previdenciárias - para as quais
se adota o valor estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos
créditos (art. 1º, I, da Lei 9.441/97).
II. O caput do art. 20 da Lei 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de
execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, e não à extinção do crédito,
razão pela qual não se pode se invocado como forma de aplicação do princípio da
insignificância.
III. Se o valor do tributo devido ultrapassa o montante previsto no art. 18, § 1º da
Lei 11.033/2004, que dispõe acerca da extinção do crédito fiscal, afasta-se a
aplicação do princípio da insignificância.
IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.”

Questão 2

Findo um procedimento administrativo na Secretaria da Receita Federal, no qual


restou configurado que GUSTAVO, como empresário individual, deixou de recolher
tributos no valor de R$ 4.620,00 (quatro mil seiscentos e vinte reais), o Ministério Público
Federal ajuizou uma ação penal para vê-lo condenado por crime contra a ordem
tributária.
GUSTAVO, por sua vez, impetra um habeas corpus alegando a falta de justa causa
para a ação penal, tendo em vista que o débito que restou configurado é inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais), pugnando ser este o patamar previsto na Lei 10.522/02 para o
não ajuizamento de ações penais.
Responda, fundamentadamente, como deve ser decido o writ.

Resposta à Questão 2

Veja o REsp. 764.958:

“REsp 764958 / AC. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro FELIX FISCHER.


Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 23/05/2006. Data da
Publicação/Fonte DJ 19/06/2006 p. 194.
Ementa: PENAL. RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. DÉBITO FISCAL.
ARTIGO 20, CAPUT, DA LEI Nº 10.522/2002. PATAMAR ESTABELECIDO
PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO DA DÍVIDA ATIVA OU
ARQUIVAMENTO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. ART. 18, § 1º, DA LEI
Nº 10.522/2002. CANCELAMENTO DO CRÉDITO FISCAL. MATÉRIA
PENALMENTE IRRELEVANTE.
I - A lesividade da conduta, no delito de descaminho, deve ser tomada em relação
ao valor do tributo incidente sobre as mercadorias apreendidas (Precedentes).
II - O art. 20, caput, da Lei nº 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de
execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, não ocorrendo, pois, a
extinção do crédito, daí não se poder invocar tal dispositivo normativo para regular
o valor do débito caracterizador de matéria penalmente irrelevante (Precedentes).
III – In casu, o valor do tributo incidente sobre as mercadorias apreendidas é
superior ao patamar estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos
créditos fiscais (art. 18, § 1º, da Lei nº 10.522/2002), logo, não se trata de hipótese
de desinteresse penal específico (Precedentes).
Recurso desprovido.”

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Questão 3

JOÃO, comerciante na cidade do Rio de Janeiro, passando por sérias dificuldades


financeiras, lançou no livro de escrituração do ICMS diversas operações comerciais com
valores cerca de 50 % (cinqüenta por cento) inferiores aos verdadeiros, o que veio a
ocasionar o recolhimento de quantia menor do que a devida ao fisco. Descoberta a fraude
pela fiscalização, iniciou-se o procedimento administrativo para constituição definitiva do
crédito tributário. Simultaneamente, foi encaminhada cópia da documentação ao
Ministério Público, com elementos que demonstram suficientemente a existência do fato e
a responsabilidade de JOÃO por sua prática. Pergunta-se:
a) Qual a tipificação penal da conduta de JOÃO?
b) Que providência deve ser tomada pelo Promotor de Justiça que recebeu a
documentação encaminhada pelo fisco?
c) Uma vez iniciada a ação penal, o eventual pagamento integral do débito na data
da audiência de interrogatório teria alguma relevância penal? RESPOSTA
OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA

Resposta à Questão 3

a) Está no artigo 1º da Lei 8.137/90.


b) A respeito, veja o HC 81.611, do STF:

“HC 81.611 / DF - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento:


10/12/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação DJ 13-05-2005.
EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º):
lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo:
falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição
enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora
não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571),
falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.
8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do
processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo
uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por
outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do
tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e
garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura
da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para
questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se
devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo
criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo
administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a
ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.”

c) Veja o HC 81.929, do STF:

“HC 81929 / RJ - RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator: Min.


SEPÚLVEDA PERTENCE. Relator p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO.
Julgamento: 16/12/2003. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 27-02-
2004.

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP V Direito Tributário V

EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o


recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de
ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc.
art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo,
ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime
tributário.”

Tema IV

Crimes Contra a Ordem Tributária II 1. Norma penal em branco; 2. Conflito de leis no tempo; 3. Conflito de
leis no espaço; 4. Abolitio criminis; 5. Novatio legis in pejus; 6. Novatio legis in melius; 7. Conflito aparente
de normas; 8. Princípios; 9. Questões judiciais controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Notas de Aula4

1. Crimes tributários: norma penal em branco e elemento normativo do tipo

O artigo 1º da Lei 8.137/90 diz que é crime contra a ordem tributária suprimir ou
reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório. Estes conceitos, elementos
normativos do tipo, identificam o crime como norma penal em branco, que precisa de
complementação pelo CTN ou pela CRFB (sendo, no caso, norma penal em branco
homóloga heterovitelina). Não se trata de um tipo aberto, que demanda interpretação, e sim
complemento normativo. O tipo é norma penal em branco.
A elementar tributo configura elemento normativo do tipo, buscando seu
complemento em outras normas jurídicas. Isto gera problemas quando se está diante de
conflito de normas penais no tempo. Vejamos.
Alterada uma alíquota para zero, ou criada uma isenção sobre um tributo que fora
sonegado, desaparecerá o crime? Não há abolitio criminis porque as normas de
quantificação ou isenção de tributos são temporárias, e a alteração do complemento
temporário não representa alteração na concepção estatal de que a conduta é criminosa.
Entenda: a lei tributária, quando complementa a norma penal, assume caráter temporário,
de forma que a modificação da alíquota em nada interfere na tipicidade de um fato anterior.
A lei penal aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência; neste sentido, torna-se
relevante a identificação da lei vigente ao tempo da conduta, o prazo de recolhimento do
tributo e ainda a eventual existência de causas de extinção da punibilidade pelo pagamento.
Concluindo: a eventual modificação das alíquotas dos tributos que têm caráter
extrafiscal (II, IE, IPI e IOF), ou mesmo a não renovação de contribuições temporárias
(CPMF), não induzem à retroatividade benéfica descriminalizando a conduta.
É da lei tributária que se extrai a hipótese de incidência, o sujeito passivo da
obrigação, bem como o momento do recolhimento do tributo, aspectos que são relevantes
em termos de responsabilidade penal.

2. Lei penal no tempo e seus aspectos

Há duas situações com tratamento bem diferente pelo ordenamento, em relação à


questão da intertemporalidade: a análise da tipicidade e a análise das causas de extinção da
punibilidade.
Ao longo do tempo, o legislador está sempre alterando tipificações, e também
incluindo ou excluindo causas de extinção da punibilidade. A repercussão destas alterações
é tremenda.
No que diz respeito à lei penal no tempo, as causas de extinção da punibilidade pelo
pagamento do tributo vão ter sempre incidência retroativa. São lex mitior, sempre.
Veja: entre a Lei 4.729/65 e os dias atuais, foram criadas causas de extinção da
punibilidade, como o artigo 34 da Lei 9.249/95, ou o artigo 15 da Lei 9.964/00, o artigo 9º,
§ 2º, da Lei 10.684/03, e o artigo 68 da Lei 11.941/09:

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de


dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente

4
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 29/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP V Direito Tributário V

promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,


antes do recebimento da denúncia.
§ 1º (VETADO)
§ 2º (VETADO).”

“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei no
8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica
relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que
a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia
criminal.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão
punitiva.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se, também:
I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito
Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas
nesta Lei;
II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.
§ 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa
jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos
oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido
objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.”

“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos


nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e
337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante
o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes
estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão
punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa
jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos
oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

“Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e
337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal,
limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de
parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os
arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão
da pretensão punitiva.”

Veja que há extinções pelo parcelamento, outras pelo pagamento, umas antes da
denúncia, outras a qualquer tempo. É claro que a lei que permite o pagamento a qualquer
tempo vai sempre retroagir ou ultragir, eis que é lex mitior. As causas de extinção da
punibilidade que mais favorecerem aos réus são sempre retroativas ou ultrativas.
Quanto à tipicidade, porém, no que diz respeito aos tributos e suas condutas, vale
sempre a lei vigente à época do fato. Havendo a revogação de um tipo penal, mas
subsistindo a conduta em outro tipo penal residual (como exemplo, se o roubo fosse
revogado, a conduta ainda incidiria em furto). Neste caso, se houve condenação pelo crime
revogado, a condenação subsiste, mas qualquer benesse na pena ou no tratamento jurídico
daquele crime será devida ao condenado.

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Repare que neste caso não há abolitio criminis, pois a perspectiva adequada para a
abolitio induz que esta somente será reconhecida quando a conduta, como um todo, não
seja mais punida no ordenamento jurídico.

3. Número de condutas no crime tributário

Segundo Andreas Eisele, é a lei tributária que permitirá definir o número de


condutas praticadas, bem como estabelecer o momento consumativo e o sujeito ativo do
crime tributário. Para definição do número de condutas, deve se tomar por base o fato
imponível, independentemente do período de apuração ou do prazo de recolhimento do
tributo, que servirão apenas para determinar a consumação.
A análise da súmula 711 do STF, é relevante aqui:
“Súmula 711, STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao
crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.”

Há quem defenda a inconstitucionalidade desta súmula, por reputar que se trata de


retroação de lei penal mais gravosa (por todos, Cezar Roberto Bitencourt). Ocorre que é
corrente incoerente, porque o que esta súmula exprime é a mera regra geral de que tempus
regit actum: a lei que está sendo aplicada, ali, é a do momento da consumação, e por isso,
mesmo lex gravior, se aplica.
Tendo o agente praticado fatos na vigência da Lei 4.729/65, portanto, ver-se-á o que
por lá prescreveu, mas aplicar-se-á a norma posterior, que o alcançou na consumação da
continuidade delitiva.
Veja um julgado sobre o tema:

“TRF4, ACR 1999.71.00.013749-2, Sétima Turma, Relator Fábio Bittencourt da


Rosa, DJ 26/03/2003.
EMENTA: PENAL. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO. PRESCRIÇÃO
RETROATIVA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I E II, DA
LEI 8137/90. PRESCRIÇÃO PARCIAL. NULIDADE DA SENTENÇA
INEXISTENTE. REFIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO.
GRADUAÇÃO DA PENA. REEXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS
DO ART. 59 DO CP. INCIDÊNCIA DO ART. 12, I, DA LEI 8.137/90.
CONTINUIDADE DELITIVA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE DOS CORÉUS.
(...)
3. Improcedente a alegação de nulidade da sentença, por ser extra e ultra petita,
uma vez que todos os fatos analisados na decisão recorrida foram descritos na
inicial acusatória. Quanto à aplicação da Lei nº 8.137/90 aos fatos ocorridos antes
de sua vigência, trata-se de interpretação judicial adotada pelo magistrado, no
sentido de que, no crime continuado, incide a lei nova em toda a série delitiva,
ainda que mais grave. Ademais, foi reconhecida a extinção da punibilidade dos
réus em face da prescrição pela pena aplicada relativamente aos delitos imputados
até 30/06/91, - e, portanto, posteriores à data de entrada em vigor da Lei nº
8.137/90 -, não havendo, pois, que se falar em nulidade da sentença.
(...)
13. Apelação parcialmente provida.”

Vejamos alguns exemplos.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP V Direito Tributário V

No IR, o fato imponível é a renda anual; a sonegação cometida se consolidará na


declaração anual, e não em referência a cada renda auferida no ano, a cada mês, por
exemplo. A conduta de sonegação é uma só – sonegar quando do fato imponível –, mesmo
que para tanto tenha havido doze documentos fraudulentos usados.
Quando o IR é descontado na fonte, a consumação da sonegação pode acontecer
quando se der a restituição indevida para o empregado. Pelo empregador, cada retenção
sem repasse consubstancia um delito, mesmo que a apuração seja feita em uma só
oportunidade. Na apropriação indébita previdenciária, e na retenção do IR na fonte, haverá
um crime para cada período de recolhimento não efetuado.
A competência para processar a sonegação do IR é sempre federal, mesmo quando o
produto do tributo for dirigido a um Estado-Membro (como no IR de servidor estadual). A
competência tributária determina a competência processual criminal.
No imposto de importação, há uma sonegação para cada desembaraço aduaneiro
fraudulento. Havendo dez importações, há dez crimes – havendo continuidade delitiva,
provavelmente; havendo uma importação de dez itens, há um só crime.
No ICMS, suponha-se que o bem tenha sido vendido e revendido três vezes em um
mês. O recolhimento do tributo é um só, feito até o dia cinco do mês seguinte a todas estas
operações. Há um ou três crimes, neste exemplo? Embora, tecnicamente, houvesse três
crimes, o STJ entende que se unificam estas condutas em um concurso formal, representado
no recolhimento fraudulento feito no mês seguinte. Isto porque a supressão do tributo
ocorre, de fato, no recolhimento, açambarcando todas as demais anteriores.
Entenda: no ICMS, haverá uma sonegação para cada fato imponível. Contudo, o
STJ entende que o prazo único de recolhimento unifica estas diversas condutas em um
concurso formal. Veja um precedente essencial do STJ:
“HC 34347 / RS (STJ - 6ª Turma - DJ 09.10.2006 p. 362).
(...) CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. NOTA FISCAL "CALÇADA".
(...) CRIME CONTINUADO. NÚMERO DE CRIMES. CONCURSO FORMAL.
FUNÇÃO FAVORÁVEL AO RÉU. OBRIGATORIEDADE.
(...)
2. Cuidando-se de ICMS, incidente em "operações relativas à circulação de
mercadorias" (artigo 2º, inciso I, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de
1996), cada qual das reduções de tributo devido caracteriza o delito tipificado no
artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90.
3. Nada impede, em hipóteses tais, o reconhecimento do concurso formal, se a
conduta final, que dá lugar à supressão ou diminuição dos tributos devidos, unifica
as várias condutas-meio.
4. A caracterização de mais de um concurso formal de crimes, na unidade do crime
continuado, há de influir, favoravelmente ao réu, no quantum do aumento da
continuação, porque certamente a sua extensão resta atenuada pelas unidades
formais que a integram, sendo demasia ignorá-las e considerar cada um dos crimes
isoladamente, para, depois, somá-los e aplicar o grau máximo da continuação.
5. Ordem concedida.”
Para Andreas Eisele, assim se resume a questão da multiplicidade de condutas:
“A multiplicidade de condutas deve ser considerada em relação a cada fato
imponível, ainda que globalmente considerado, independentemente de terem
ocorrido dentro de um mesmo período de apuração do tributo ou contribuição
social.”

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP V Direito Tributário V

A tentativa, para a doutrina, é possível, mas é bastante difícil de se cogitar, eis que,
não havendo a prática dos verbos nucleares do tipo tributário, todos os atos anteriores são
irrelevantes penais, em regra.

3.1. Crime continuado

Reveja o artigo 71 do CP:

“Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”

A questão da continuidade delitiva é peculiar nos crimes tributários. A regra da


aplicação do artigo 71 do CP é pelo período compreendido em um mês, mas há casos em
que os tributos são recolhidos uma só vez por mês, pelo que o período mensal jamais
englobaria mais de uma conduta que, a rigor, está sendo praticada em continuidade com as
condutas dos demais meses supervenientes. Veja a regra geral estampada no julgado
abaixo:

“REsp 759991 / RS (STJ – 5ªª TURMA - DJe 08/09/2008).


1. A jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido
de que, para caracterizar a continuidade delitiva, é necessário o preenchimento de
requisitos de ordem objetiva e subjetiva.
2. "Se entre as séries delituosas houver diferença de meses, não haverá
continuidade delitiva, mas sim reiteração delitiva, devendo ser aplicada a regra do
concurso material" (REsp 765.590/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma,
DJ 29/5/06).
3. A diversidade de agentes na execução criminosa, revelada pela atuação
individual no primeiro fato e coletiva no segundo, afasta o requisito objetivo da
identidade do modus operandi, indispensável ao reconhecimento do crime
continuado.
4. Constatada a inexistência da identidade de condições de tempo, lugar e modus
operandi nas condutas delituosas, afasta-se a idéia de continuidade delitiva para se
acolher a tese da habitualidade ou profissionalismo na prática de crimes,
circunstância que merece um tratamento penal mais rigoroso, tendo em vista o
maior grau de reprovabilidade. (...)
6. Recurso especial provido.”

Por serem crimes tão peculiares, o requisito temporal da continuidade delitiva, nos
crimes tributários, varia conforme o tributo. Para o STF, em tributos de recolhimento
mensal, é possível um intervalo de até três meses entre as condutas, continuando a ser
reconhecidas como continuidade delitiva.
Veja a posição do STF:
“Sonegação Fiscal: Crime Continuado e Intervalo Temporal – 1
A Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus em que denunciado por
suposta sonegação de tributo de recolhimento mensal (Lei 8.137/90, artigos 1º, I e
II; e 11) pleiteava a reunião de todas as ações penais contra ele instauradas, ao

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP V Direito Tributário V

argumento de que os crimes foram cometidos em continuidade delitiva (CP, art.


71), ainda que o intervalo entre as condutas tenha sido superior a 30 dias, e, em
conseqüência, haveria conexão entre os processos (CPP, artigos 76 e 78, II, c).
(...) delitos cometidos nos meses de julho e outubro de 1998 já ter sido distribuído
a determinada vara criminal, outras novas denúncias, (...) meses de março de 2000
a junho de 2001; julho a outubro de 1998; maio e novembro de 1999 e janeiro e
fevereiro de 2000; março e abril de 1999, foram oferecidas, referentes aos mesmos
tributo e tipo penal, que, distribuídas livremente, ensejaram 4 ações penais
simultâneas em varas diversas. HC 89573/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
13.2.2007. (HC-89573).”

“Sonegação Fiscal: Crime Continuado e Intervalo Temporal – 2


Inicialmente, ressaltou-se que o crime continuado não se amolda às hipóteses de
prorrogação de competência, seja pela conexão (CPP, art. 76), seja pela continência
(CPP, art. 77), ocorrendo, isto sim, distribuição por prevenção. Assim, reputou-se
necessário para o deslinde da questão saber se, na espécie, configurar-se-ia crime
continuado para, caso afirmativo, remeterem-se as ações para o juízo prevento; ou,
caso negativo, analisar-se o tema residual da prorrogação da competência pela
continência ou conexão entre os crimes. Tendo em conta que uma das denúncias
admitira intervalo de até 3 meses entre as condutas (meses de julho e outubro de
1998), considerou-se razoável aceitar-se, sem desfigurar a continuidade delitiva,
esse prazo como o máximo a ser considerado como parâmetro para todas as ações,
sem prejuízo da escolha de critério mais favorável pelas instâncias de mérito. Em
conseqüência, deferiu-se o writ, nesta parte, para que o paciente passe a responder
a 3 acusações (meses de julho e outubro de 1998; março a maio de 1999;
novembro de 1999, janeiro de 2000 a outubro de 2001 e dezembro de 2001). (...)
HC 89573/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. (HC-89573).”

Aquele que sonega imposto de renda (tributo anual) pode alegar continuidade
delitiva? A resposta é positiva. Veja o seguinte julgado do TRF da Quarta Região:
“TRF4, ACR 1999.04.01.132128-0,Sétima Turma, Relator Vladimir Passos de
Freitas, DJ 19/06/2002.
EMENTA: PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, INC. I, DA LEI Nº
8.137/90. NULIDADE DO PROCESSO. PERÍCIA CONTÁBIL. DOSIMETRIA
DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. 1. A nulidade de um processo é ato
extremo, só ocorrendo quando houver demonstração inequívoca de prejuízo
concreto e efetivo ao acusado. 2. É dispensável a prova pericial quando os
documentos necessárias para a formação do juízo de convicção, encontram-se
presentes nos autos. 3. Consuma-se o crime de omissão e prestação de declarações
falsas à autoridade fazendária, quando o agente assim age com o evidente intuito
de suprimir ou reduzir o pagamento do imposto de renda. 4. Se o crime consiste
em omitir rendimentos ou prestar declarações à autoridade fazendária com vistas a
suprimir ou reduzir o pagamento, é possível considerá-lo continuado para fins de
cálculo da pena, mesmo que entre as declarações tenha se passado um ano, pois é
exatamente este o prazo para a prática de tal ato.”
3.2. Sonegação de dois tributos em um só ato

Uma única conduta que leve ao não recolhimento de tributos estaduais e federais
configura crime único ou mais de um delito?
Para Hugo de Brito Machado, em casuística sobre a qual se manifestou, ao proceder
na conduta de sonegação, o agente intentava a conduta global de “sonegar tributos”, não
fracionando, em sua mente, mais de um objeto do tipo (“sonegar ICMS” e “sonegar IPI”).

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Esta tese não foi acatada. O entendimento jurisprudencial é de que, com uma só
conduta – a nota fria, por exemplo – praticou dois crimes de sonegação, um para cada
tributo, havendo concurso formal claro. Veja:

“TRF4, HABEAS CORPUS, 97.04.40045-4, Segunda Turma, Relator Jardim de


Camargo, DJ 03/12/1997.
EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE
SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS. LEI- 8137 /90, ART-1, INC-2, ICMS E IPI.
NOTAS FISCAIS FRIAS. COISA JULGADA. CONCURSO FORMAL.
UNIFICAÇÃO DAS PENAS.
1. O Paciente utilizou as mesmas notas fiscais frias para fraudar o IPI e o ICMS,
tendo sido condenado pela sonegação a este último, na Comarca de Farroupilha e
já cumprida a pena.
2. Nova denúncia, agora na Justiça Federal, acusando-o novamente da prática do
crime previsto no INC-2 do ART-1 da LEI-8137 /90, por ter fraudado o IPI.
3. Apesar de se considerar que o Paciente praticou uma só conduta - utilização de
notas fiscais frias - o resultado importou em dois delitos, atingindo duas ordens
tributárias diferentes, a estadual e a federal.
4. Como o Paciente, com a sua conduta, quis mais de um resultado, há concurso
formal e em havendo sentença definitiva em relação à sonegação do ICMS,
aplicável a parte final do ART-82 do CPP-41, no sentido de que a unidade dos
processos só se dará ulteriormente, para efeito de soma ou unificação das penas.”

4. Conflito aparente de normas e crimes tributários

O crime de sonegação fiscal é sempre especial em relação ao crime de estelionato.


Estando diante de um sujeito passivo tributário que se vale de fraude para sonegar, não há
estelionato, e sim crime tributário, mesmo que a conduta também preencha o fato típico do
estelionato. Aplica-se, assim, a especialidade:
“Lei 8.137/90: Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas:
(...)
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo
operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
(...)” (grifo nosso)

“Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento:
(...)” (grifo nosso)

As fraudes contra o fisco prevalecem em relação ao estelionato, sempre que


estivermos diante de um sujeito passivo tributário cuja fraude tenha por objetivo o não
recolhimento do tributo.
Há situações que podem criar dúvidas: pessoa que, sem receber renda alguma,
declara IR fraudulentamente de forma a receber a restituição adiante. Esta pessoa não é
contribuinte, pelo que seu crime não é tributário: trata-se de um estelionato, do CP.
Veja a posição do STJ:

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“ESTELIONATO. ABSORÇÃO. CRIME. ORDEM TRIBUTÁRIA.


Os pacientes foram denunciados, em concurso material, por estelionato e uso de
documento falso (CP, arts. 171, § 3º e 304). Também foram denunciados dois
servidores públicos, mas somente por uso de documento falso. A Min. Relatora
denegava a ordem de habeas corpus entendendo prejudicada a discussão a respeito
da prescrição da conduta imputada ao paciente. Mas a Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, concedeu a ordem nos termos do voto do Min. Nilson
Naves, declarando o estelionato absorvido pelo crime contra a ordem tributária e,
conseqüentemente, extinguiu a ação penal pela prescrição da pretensão punitiva.
Precedentes citados: HC 36.824-RR, DJ 6/6/2005, e HC 40.762-PR, DJ
16/10/2006. HC 88.617-TO, Rel. originária Min. Jane Silva (Desembargadora
convocada do TJ-MG), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em
17/6/2008.”

“Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS Nº 88.617 - TO


(2007/0186932-8). RELATORA: MINISTRA JANE SILVA
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG). R.P/ ACÓRDÃO:
MINISTRO NILSON NAVES.
Fundo de Investimento da Amazônia. Financiamento. Parcelas. Liberação. Fraude.
Estelionato. Incentivo fiscal. Não-aplicação. Lei nº 8.137/90.
1. A prática de fraude com o intuito de obter liberação de parcelas de
financiamento de fundo de investimento constitui a figura de um só crime – uma só
figura penal autônoma –, aquela prevista na Lei nº 8.137/90, art. 2º, IV.
2. Não se trata, pois, de obtenção de vantagem ilícita, com induzimento ou
manutenção de alguém em erro, mediante artifício, ardil ou outro meio
fraudulento, e sim de malversação de recursos.
3. Ademais, deve o estelionato ser absorvido pelo desvio e/ou apropriação, aquele
previsto no Cód. Penal, este na Lei nº 8.137/90, tal e qual o que ocorre quanto ao
falso. Isso porque a lei nova substituiu a precedente, a que sujeitava os
responsáveis por infrações às penas previstas no art. 171 do Cód. Penal; então, se
uma substituiu a outra, prevalece a lei nova, e nela a figura penal é autônoma, vale
por completo e por si só.
4. Ordem concedida para se declarar o estelionato absorvido pelo crime contra a
ordem tributária, extinguindo-se, conseqüentemente, a ação penal pela prescrição
da pretensão punitiva.”

4.1. Crimes funcionais

O artigo 3º da Lei 8.137/90 tem correspondentes no CP para todos seus incisos.


Veja:

“Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI,
Capítulo I):
I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a
guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente,
acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela,
vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou
cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão,
de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração
fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Ao inciso I deste artigo supra, corresponde o artigo 314 do CP:

“Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento


Art. 314 - Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em
razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.”

Ao inciso II, correspondem os artigos 316 ou 317 do CP:

“Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
(...)”

“Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
(...)”

Ao inciso III, corresponde o artigo 321 do CP:

“Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a
administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.”

Em todos estes casos, aplica-se igualmente o critério da especialidade, prevalecendo


o crime tributário.

4.2. Uso de documento falso e sonegação

Se o falso for meio de cometimento para a sonegação, esta o absorve. Aplica-se a


consunção, por certo. Mas e se houver uso de um documento falso após a sonegação,
visando justificar incompatibilidade encontrada pela Receita Federal, isto caracteriza novo
crime, ou é post factum impunível, mero exaurimento?
Apesar de ser discutível, o STF chegou a entender que não subsistia o falso
autônomo, em um caso concreto, mas reviu sua posição, adiante, no mesmo caso,
entendendo possível haver crime autônomo quando o falso for dissociado da sonegação.
Veja:

“INFORMATIVO Nº 341, STF Consunção e Crime de Falso.


Iniciado o julgamento de habeas corpus impetrado em favor de denunciado pela
suposta prática do crimede uso de documento falso (CP, arts. 304 c/c 297), pela
circunstância de haver apresentado à Delegacia da Receita Federal recibo relativo à
declaração retificadora do imposto de renda, cujo carimbo fora posteriormente

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP V Direito Tributário V

periciado e declarado diferente dos padrões utilizados, à época, por tal órgão. No
caso concreto, trata-se de inquérito instaurado para apurar o suposto
enriquecimento ilícito do paciente no exercício do cargo de juiz, culminando em
auto de infração pela não-declaração de rendimentos tributáveis, que fora
impugnado mediante apresentação de declaração retificadora. Pretende-se, na
espécie, o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente, sob a alegação
de: a) falta de justa causa, por carência de base empírica da denúncia; b) ausência
de interesse jurídico para instauração da ação penal pela suposta prática
do crime autônomo de uso de documento falso, porquanto a conduta descrita
caracterizaria o crime de sonegação fiscal e c) ocorrência de extinção da
punibilidade quanto ao crimecontra a ordem tributária, já que efetuado o
pagamento do tributo. O Min. Gilmar Mendes, relator, afastando a primeira
alegação e considerando a absorção do crime de falso pelo crime tributário,
proferiu voto no sentido de deferir o writ, por ausência de justa causa para o
prosseguimento da ação penal pela prática do crime autônomo de falsidade, tal
como descrito no art. 304 c/c o art. 297 do CP e, em face do pagamento do tributo,
declarou extinta a punibilidade quanto ao crime tributário previsto no art. 2º, I, da
Lei 8.137/90, no que foi acompanhado pela Ministra Ellen Gracie. O Min. Gilmar
Mendes, ressaltou, em seu voto, que, embora o suposto falso tenha sido praticado
depois de lavrado o auto de infração, o princípio da consunção deve ser aplicado
sempre que houver um tipo penal mais abrangente, o qual absorve um outro delito
e que, na hipótese, o falso constitui etapa para o mencionado crime de
sonegação. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min.
Carlos Velloso. HC 83115/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2004. (HC-83115).”

“INFORMATIVO Nº 346, STF. Consunção e Crime de Falso – 2.


Concluído o julgamento de habeas corpus no qual se pretendia o trancamento da
ação penal instaurada contra denunciado pela suposta prática do crime de uso de
documento falso, consistente na apresentação, à autoridade fazendária, de recibo
relativo à entrega de declaração retificadora do imposto de renda, cujo carimbo
fora posteriormente periciado e considerado diferente dos padrões utilizados, à
época, por tal órgão. No caso concreto, tratava-se de inquérito instaurado para
apurar o suposto enriquecimento ilícito do paciente no exercício do cargo de juiz, o
qual, originando auto de infração pela não-declaração de rendimentos tributáveis,
fora impugnado mediante apresentação da referida declaração retificadora - v.
Informativo 341. A Turma, por maioria, considerando que as imputações feitas ao
paciente ainda se encontram em fase de investigação, da qual pode resultar a
conclusão de que houve a prática de outros delitos que não o de sonegação fiscal,
afastou a alegação de que este delito absorveria o de uso de documento falso e
indeferiu o writ, por entender que o crime de uso de documento falso é conduta
autônoma. Vencido o Min. Gilmar Mendes, relator, que o deferia por entender
aplicável o princípio da consunção e, tendo em conta a comprovação nos autos de
que houve integral pagamento do tributo, declarava extinta a punibilidade. A Min.
Ellen Gracie retificou o voto anteriormente proferido. Precedentes citados: HC
72986/SP (DJU de 19.12.96), HC 80772/PR (DJU de 29.6.2001) e HC 83184/SP
(DJU de 3.10.2003). HC 83115/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ o
acórdão Min. Carlos Velloso,4.5.2004.(HC-83115).”

Conclui-se da seguinte forma: se somente foi cometido o crime de sonegação fiscal,


o uso de documento falso posterior ao cometimento daquele crime é absorvido. Isso
somente não acontecerá se esse documento falso, usado posteriormente ao crime de
sonegação fiscal, tiver relação com outros delitos distintos da sonegação, ocasião em que o
crime de falso será autônomo.

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP V Direito Tributário V

4.3. Falso cometido no contrato social e sonegação

Se o falso que permitiu a sonegação foi praticado no contrato social, é claro que não
se exaure seu potencial lesivo quando da sonegação. Por isso, se o falso for assim praticado,
não será absorvido pelo crime tributário. Veja:

“Alteração do Contrato Social e Princípio da Consunção - 1


A Turma indeferiu habeas corpus em que acusados pela suposta prática dos delitos
previstos no art. 297 do CP e no art. 1º, I, da Lei 8.137/90 pleiteavam o
trancamento de inquérito policial por falta de justa causa. No caso, durante o curso
de ação de execução fiscal ajuizada contra determinada empresa, o Ministério
Público Federal requerera a instauração de inquérito para apurar a responsabilidade
penal dos pacientes, antigos sócios da empresa, em alteração do contrato social
reputada fraudulenta pelos atuais sócios. A impetração sustentava a extinção da
punibilidade (Lei 10.684/2003, art. 9º, § 2º), dado que, quando da instalação do
referido inquérito, existia parcelamento do débito tributário, o qual já fora
integralmente pago. Pretendia-se, também, o reconhecimento de que o delito
tributário teria absorvido o de falso, porquanto este seria crime-meio para o
cometimento daquele, uma vez que a conduta investigada seria a de prestar falsa
declaração, por intermédio de simulação de venda de pessoa jurídica devedora de
tributos, objetivando a supressão da dívida. HC 91542/RJ, rel. Min. Cezar Peluso,
18.9.2007. (HC-91542).”

“Alteração do Contrato Social e Princípio da Consunção – 2


Entendeu-se que, na via eleita, não haveria como se chegar à conclusão almejada
pelos pacientes. Asseverou-se que, embora admitida a tese da defesa, em nenhum
momento a potencialidade lesiva do falsum, objeto de investigação do inquérito,
esgotar-se-ia no suposto crime contra a ordem tributária, ainda que subsumido no
art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (“Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza: I - fazer
declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar
outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;”).
Nesse sentido, aduziu-se que, não obstante o falso servisse para, num primeiro
momento,eximir os pacientes do pagamento de tributo devido pela pessoa jurídica
de que eram sócios, poderia a falsificação não se ter esgotado em tal fato
penalmente relevante, haja vista que o contrato regula situações jurídicas
específicas da vida da sociedade e não se predestina a permitir ao Fisco, por meio
da desconsideração da personalidade jurídica, executar os sócios. Assim, aduziu-se
que a hipótese aventada pela impetração não estaria incluída no caso clássico de
crime contra a ordem tributária, com falso na contabilidade da empresa,
preordenado a fraudar o Fisco, reduzindo ou suprimindo o valor de tributo.
Ademais, considerou-se possível a absorção do crime de falsificação por delito
contra a ordem tributária, se houver, naquele, finalidade e destino específicos,
voltados unicamente à prática de crime contra a ordem tributária. (DJU de
4.2.2005). Concluiu-se que, na espécie, a falsificação apurada teria ido além e,
como tal, possuiria potencialidade lesiva mais ampla, que transporia os limites do
crime contra a ordem tributária. Ordem denegada, para que a autoridade policial,
para além de crime contra a ordem tributária, cuja punibilidade está extinta, possa
investigar outros eventuais ilícitos conseqüentes à alteração contratual da empresa.
Precedente citado: HC 84453/PB (DJU de 4.2.2005).HC 91542/RJ, rel. Min. Cezar
Peluso, 18.9.2007. (HC-91542).”

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Casos Concretos

Questão 1

JOÃO, sócio com poderes de gerência da empresa BRILHANTE LTDA., durante o


período compreendido entre os anos de 1988 a 1992, majorado, artificiosamente, despesas
dedutíveis da empresa alterando, para tanto, notas fiscais que comprovavam os gastos.
Mediante tal artifício, reduziu o valor do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ao final de
cada exercício financeiro.

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Atento aos princípios que regem a sucessão de leis penais no tempo, analisar:
a) se houve, durante o período, abolitio criminis atingindo a conduta praticada por
JOÃO;
b) caso contrário, qual a capitulação da conduta que deverá ser atribuída a
JOÃO?

Resposta à Questão 1

Parte das condutas tem subsunção na Lei 4.729/65 e o restante na Lei 8.137/90.
Aquelas não foram objeto de abolitio, eram crimes formais e ainda na nova lei existe um
delito formal equivalente (artigo 2º, I). Contudo, são colhidas por prescrição sendo aplicada
a pena da nova lei com a majorante da continuidade. Ver julgados mencionados:

“RHC 8190 / ES. RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS. Relator


Ministro VICENTE LEAL. Órgão Julgador - SEXTA TURMA. Data do
Julgamento 25/05/1999. Data da Publicação/Fonte: DJ 14/06/1999 p. 227.
Ementa: PENAL. DIREITO INTERTEMPORAL. LEI DE SONEGAÇÃO
FISCAL. MAJORAÇÃO DE DESPESAS EM NOTAS FISCAIS. REDUÇÃO DO
IMPOSTO DE RENDA. LEI DOS CRIMES CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. APLICAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
- Em Direito Penal tem exponencial relevo, em tema de direito intertemporal, o
princípio da aplicação da lei mais benigna, sendo vedado a retroatividade da lei
penal mais gravosa a fatos anteriormente ocorridos.
- A Lei nº 8.170 de 27 de dezembro de 1990, que definiu os crimes contra a ordem
tributária, por majorar o máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime
de sonegação fiscal previsto na Lei nº 4.729/65, não pode ser aplicada aos delitos
praticados antes de sua vigência.
- Decorrido mais de quatro anos entre a data da ocorrência do último delito de
sonegação fiscal e a do recebimento da denuncia, única causa interruptiva do prazo
prescricional, extingue-se a punibilidade em face da ocorrência da prescrição
punitiva do estado.
- Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido.”

“HC 41819 / SP. HABEAS CORPUS. Relator Ministro GILSON DIPP. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 21/06/2005. Data da
Publicação/Fonte: DJ 01/07/2005 p. 584.
Ementa: CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º,
INCISOS II E IV, DA LEI N.º 8.137/90. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
LEI 10.684/03. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. COMPROVAÇÃO.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA
LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ORDEM CONCEDIDA.
Hipótese na qual os pacientes foram denunciados pela suposta prática do crime
previsto no art. 1º, incisos II e IV, c/c art. 11, ambos da Lei n.º 8.137/90.
Comprovado o pagamento integral do débito tributário, incide, à hipótese dos
autos, o § 2º do art. 9º da Lei n.º 10.684/2003. Tratando-se de norma penal mais
benéfica, deve retroagir aos fatos anteriores à sua vigência, de acordo com o art.
5o, inciso XL, da Constituição Federal. Precedentes do STF e desta Corte. Deve
ser cassado o acórdão impugnado, determinando-se o trancamento da ação penal
instaurada contra os pacientes, tendo em vista a extinção de suas punibilidades.
VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.”

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP V Direito Tributário V

CLEONILDO ZEFERINO foi denunciado, juntamente com outros dois envolvidos,


como incurso nas penas do artigo 1º, II, da Lei 8137/90, combinado com o artigo 71, do
Código Penal, por ter no período de 06/06/90 a 29/04/91, recolhido ICMS devido à
Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro a menor, mediante fraude à fiscalização
tributária, através de apresentação de informações inexatas em documento exigido pela
legislação. CLEONILDO impetra habeas corpus sob os seguintes argumentos:Houve
prescrição dos delitos praticados de 06 de junho a 27 de dezembro de 1990, pois nesse
período os crimes imputados ao réu eram tipificados na Lei 4729/65, cuja pena prevista in
abstrato variava de 6 meses a 2 anos de detenção. Em 28 de dezembro de 1990 foi
publicada (entrando em vigor de imediato) a Lei 8137/90, passando a pena cominada a ser
de 2 a 5 anos de reclusão; A inicial deve ser considerada inepta por não individualizar a
ação de cada um dos denunciados;A denuncia somente foi recebida em 21/02/97 e, por
isso, os delitos praticados sob a égide da lei anterior foram alcançados pela prescrição da
pretensão punitiva. Considerando que a série de delitos praticados pelo réu foram
realizados em continuidade delitiva, tendo início na vigência da Lei 4729/65 e, com o
advento da Lei 8137/90, perduraram, decida a questão, indicando os dispositivos legais
aplicáveis.

Resposta à Questão 2

Estão prescritos os fatos praticados sob a égide da Lei 4.729/65. Para os demais o
prazo de prescrição se dá em doze anos; logo, o processo pode prosseguir (artigo 1º, I, da
Lei 8.137/90 na forma do artigo 71 do CP). Veja o seguinte julgado:

“RHC 9617 / SP. RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS. Relator


Ministro FELIX FISCHER. Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do
Julgamento 08/08/2000. Data da Publicação/Fonte: DJ 04/09/2000 p. 170.
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE
HABEAS CORPUS. CRIME CONTINUADO. SUCESSÃO DE LEIS PENAIS.
LEI NOVA. AGRAVAMENTO DA PENA. PRESCRIÇÃO. DENÚNCIA.
INÉPCIA. CRIME SOCIETÁRIO. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS.
DESNECESSIDADE. INDICAÇÃO DE PEÇAS DO INQUÉRITO. AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA.
I - Não obstante a determinação legal, por ficção jurídica, para que o crime
continuado seja considerado como um único delito, o CP, em seu art. 119,
determina que, no concurso de crimes, a extinção de punibilidade deve ser
considerada sobre a pena de cada um deles, isoladamente.
II - Desse modo, se a denúncia somente foi recebida em fevereiro de 1997,
reconhece-se a extinção da punibilidade, por prescrição da pretensão punitiva, em
relação aos delitos praticados anteriormente à vigência da Lei 8.137, sob pena de
se aplicar retroativamente a lex gravior, o que é vedado em nosso ordenamento
jurídico (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º).
III - Não há inépcia da denúncia que, ao imputar a prática de delito societário aos
acusados, deixa de individualizar pormenorizadamente a conduta de cada um
deles, mas fornece dados suficientes à admissibilidade da acusação, permitindo a
adequação típica (Precedentes).
Recurso a que se dá parcial provimento.”

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP V Direito Tributário V

À luz da disciplina legal vigente para os crimes contra a ordem tributária, é


possível a punição da tentativa de redução do montante devido a título de imposto de renda
de pessoa física, mediante a apresentação de falsos recibos médicos na declaração anual
de ajuste?

Resposta à Questão 3

Preliminarmente cumpre ressaltar que os delitos do artigo 1º da Lei 8.137/90 são


materiais ou de resultado, ou seja, exigem para a sua consumação o resultado descrito no
tipo (redução ou supressão de tributos). Afirma então a doutrina que a consumação do
delito no momento em que se deixa de efetuar o pagamento devido do tributo, não apenas
pela realização da fraude (Alexandre de Moraes, Legislação Penal Especial, Atlas Jurídico,
p. 102). Deste modo a doutrina aponta que sendo um crime plurissubsistente, de execução
fracionável no tempo, comporta início de execução e não realização do resultado almejado.
Noutras palavras, a tentativa é admissível, salvo nas modalidades omissivas segundo
Fernando Capez (Legislação Penal Especial, Editora Damásio de Jesus, p. 171).
Rui Stoco afirma que o crime estaria consumado no momento em que se presta a
declaração falsa, pois ao fazê-lo o contribuinte já não irá recolher os valores devidos,
frustrando a arrecadação tributária naquele período (Leis Penais Especiais e sua
interpretação jurisprudencial, RT, 629/630). Neste sentido se pronunciava o STJ:

“RHC 4097 / DF PROCESSUAL PENAL. TRIBUTARIO. TRANCAMENTO DE


AÇÃO PENAL. I - NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTARIA,
DEFINIDOS NO ART. 1., INCISOS I E IV, DA LEI 8.137, DE 27 DE
DEZEMBRO DE 1990, A CONSUMAÇÃO OCORRE COM A PRESTAÇÃO DA
DECLARAÇÃO FALSA OU USO DO DOCUMENTO FALSO PERANTE AS
AUTORIDADES FAZENDARIAS, COM O RESULTADO OU EFEITO SE
SUPRIMIR OU REDUZIR TRIBUTO. NA DECLARAÇÃO DE
RENDIMENTOS (IMPOSTO DE RENDA), A RELAÇÃO DE DOAÇÕES E
PAGAMENTOS EFETUADOS E DESACOMPANHADA DE DOCUMENTOS
QUE EVENTUALMENTE PODERÃO SER SOLICITADOS PELO FISCO. II - A
COMPROVAÇÃO DA CONDUTA INCRIMINADA ENCONTRA-SE NA
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS DEVIDAMENTE ASSINADA PELO
PACIENTE, ESTANDO SATISFEITAS AS CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL,
HAVENDO SUPEDANEO PROBATORIO SUFICIENTE A INSTAURAÇÃO DA
AÇÃO PENAL. III - RECURSO IMPROVIDO.(DJ 13.03.1995 p. 5316).”

Ocorre que há outros aspectos que devem ser abordados, especificamente a questão
do pagamento como causa extintiva da punibilidade por força da Lei 10.684/2003. Como
bem se sabe esta lei autoriza que efetuado o pagamento seja declarada extinta a
punibilidade nos delitos do artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90:

“Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A
do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o
período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes
estiver incluída no regime de parcelamento.
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP V Direito Tributário V

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa


jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos
oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. ”

Resta então a indagação: e nas hipóteses em que o crime é formal ou de perigo,


casos específicos do artigo 2º, I, da Lei 8.137/90 (fraude com fim de reduzir/suprimir) ou
mesmo na tentativa, cuja natureza é de crime de perigo? Como autorizar que o pagamento
seja extintivo da punibilidade em hipóteses onde não haja pagamento (acessório é algo que
acompanha o principal, se não há imposto devido não há acessórios)? O problema está no
fato de que em relação ao artigo 2º, I, da Lei 8.137/90, crime formal, o legislador ao
tipificar o artigo 1º, I, da mesma lei nada mais fez do que agregar um resultado
qualificador, qual seja, ocorrendo a efetiva supressão ou redução o crime passa a ter outra
escala penal, a do citado artigo. Parece que o legislador quebrou a unidade sistemática do
ordenamento jurídico.
De duas hipóteses apenas uma será a correta: 1) ou se vai autorizar que o agente que
comete um crime menor (artigo 2º, I), ou seja, onde o resultado material não ocorreu seja
penalizado com uma pena de até 2 anos, aplicando-se a extinção da punibilidade apenas
para os delitos em que tal fato seja possível, ou seja, naqueles mais graves; ou 2) passa a se
entende que sendo o sistema jurídico um todo unitário cujas normas devem guardar uma
relação de compatibilidade e proporcionalidade, afastando a possibilidade de apenação pelo
delito do artigo 2º, I, e mesmo pela tentativa. A segunda hipótese nos parece mais razoável,
sob pena de o direito estar a estimular comportamentos mais gravosos, o que soa absurdo.
Neste sentido é de se entender pelo descabimento de responsabilização penal por tentativa
de sonegação ou mesmo pelo delito do artigo 2º, I, da Lei 8.137/90 (crime formal), por
todas as razões expostas.

Tema V

Crimes Contra a Ordem Tributária III Crimes praticados por particulares (artigos 1º, 8º, 11, 15 e 16 da Lei
8.137/1990) 1. Sujeito ativo; 2. Sujeito passivo; 3. Tipo penal objetivo; 4. Tipo penal subjetivo; 5. Objeto
jurídico; 6. Consumação; 7. Concurso de crimes; 8. Pena; 9. Ação penal; 10. Extinção da punibilidade; 11. A
culpabilidade como pressuposto da pena e Suspensão de punibilidade (Lei 9249/96; Lei 10684/2003 e
11491/09); 12. Questões processuais. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Notas de Aula5

1. Questões controvertidas

1.1. Natureza jurídica do artigo 83 da Lei 9.430/96

Veja o que dispõe o artigo 83 da Lei 9.430/96:


“Art. 83. A representação fiscal relativa aos crimes contra a ordem tributária
definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será
encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera
administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

Ocorre que a ação penal no crime de sonegação, na forma do artigo 15 da Lei


8.137/90, é pública incondicionada:
“Art. 15. Os crimes previstos nesta lei são de ação penal pública, aplicando-se-lhes
o disposto no art. 100 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal.”

A partir da Lei 9.430/96, então, o crime de sonegação passou a ter sua ação penal
condicionada à representação do fisco?
A resposta é negativa. Isto representaria uma possibilidade de controle político do
crime, porque a persecução só seria iniciada se a esfera administrativa assim o quisesse,
atando as mãos do MP na persecução penal. Por isso, a súmula 609 do STF veio à ordem:

“Súmula 609, STF: É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação
fiscal.”

Esta orientação foi confirmada na ADI 1.571, mas com a seguinte ressalva: o MP
pode promover a ação penal sem representação, mas o final do procedimento
administrativo deve ser aguardado, quer ele culmine em representação ou não. Veja:

“ADI 1571 / UF (STF - PLENO - Relator: Min. GILMAR MENDES. Julgamento:


10/12/2003 - DJ 30-04-2004 PP-00027).
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei no 9.430, de
27.12.1996. 3. Argüição de violação ao art. 129, I da Constituição. Notitia criminis
condicionada "à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do
crédito tributário". 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes
fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a
autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão
que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de
constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação
penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia
independentemente da comunicação, dita "representação tributária", se, por outros
meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer
limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública
pela prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação.”

5
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 29/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Assim, o artigo 83 da Lei 9.430/96, segundo o STF, é norma que se dirige aos
agentes da Fazenda Pública, e não ao MP, que poderá denunciar quando tiver ciência do
lançamento definitivo.

1.2. Alcance do artigo 34 da Lei 9.249/95

Reveja este dispositivo, que traz causa de extinção da punibilidade:

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de


dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente
promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,
antes do recebimento da denúncia.
§ 1º (VETADO)
§ 2º (VETADO).”

Em que pese esta nora estar um pouco esvaziada pelas outras causas de extinção da
punibilidade dos crimes tributários supervenientemente criadas, ainda é importante definir
o real alcance da expressão “promover o pagamento”: significa iniciar o pagamento,
parcelando, ou quitar totalmente o débito?
Considerando os parcelamentos especiais das Leis 9.964/00, 10.684/03, e
11.948/09, que são deferidos apenas a alguns débitos, e não a todos genericamente, este
dispositivo supra permaneceria em vigor, representando verdadeira norma geral de extinção
da punibilidade por parcelamento.
Nesse diapasão, a expressão “promover o pagamento” sempre foi controvertida na
jurisprudência, para o STJ bastando a obtenção do parcelamento para ser produzido o
efeito:

“RHC 11598 / SC (STJ – 3ª SEÇÃO - DJ 02.09.2002 p. 145). CRIMINAL.


RECURSO EM HABEAS CORPUS. OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARCELAMENTO ANTERIOR À
DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DO PAGAMENTO INTEGRAL. RECURSO
PROVIDO.
I. Uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da
denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei nº
9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto. II.
Recurso provido para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação
penal movida contra os pacientes.”

O STF não entendia assim, asseverando que somente a quitação do débito teria o
condão extintivo:

“HC 77010 / RS (STF – 2ª TURMA - Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA - DJ


03-03-2000).
EMENTA: Habeas corpus. 2. Alegada impossibilidade de o paciente cumprir a
pena no regime determinado na sentença, por não existir, na comarca, casa do
albergado. 3. Questão que deve ser submetida, primeiramente, ao juiz da execução.
4. Habeas corpus não conhecido, nesse ponto. 5. A simples obtenção de
parcelamento administrativo não é causa de extinção da punibilidade. Benefício
que só se assegura quando a dívida for integralmente satisfeita, antes do
recebimento da denúncia. Lei n.º 9.249/95, art. 34. 6. Na hipótese, o débito só foi

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP V Direito Tributário V

quitado após a confirmação da sentença pelo Tribunal de Justiça. 7. Habeas corpus


indeferido e cassada a liminar.”

O TRF da Segunda Região acompanha o STF:

“TRF2, 1ª Turma Especializada, HC 2004.02.01.012398-3/ES, Rel. Des. Fed. Abel


Gomes, un, DJU 25.08.05.
(...)
6. São requisitos da causa extintiva da punibilidade, contida no art. 34 da Lei nº
9.249/95: a admissão, pelo agente, de que praticou um crime de cunho patrimonial
e o arrependimento objetivo traduzido na restituição do status quo ante pelo
pagamento. Por essa razão, não há fundamento para dotar o pronunciamento
definitivo da Administração sobre o conteúdo da obrigação tributária de
pressuposto para que o agente se valha, a contento, da referida causa extintiva da
punibilidade, a qual pressupõe sua resignação com o fato de ter cometido um crime
nos patamares do prejuízo que lhe é exigido.
(...)
9. Ordem denegada.”

1.3. Refis

O artigo 1º da Lei 11.941/09 é a sede do Refis mais recente. Veja os pontos mais
relevantes deste dispositivo, extremamente extenso:

“Art. 1º Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses, nas
condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do
Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive
o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de Recuperação
Fiscal – REFIS, de que trata a Lei no 9.964, de 10 de abril de 2000, no
Parcelamento Especial – PAES, de que trata a Lei no 10.684, de 30 de maio de
2003, no Parcelamento Excepcional – PAEX, de que trata a Medida Provisória no
303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei no 8.212,
de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei no 10.522, de
19 de julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas
e parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido de
créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI oriundos da aquisição de
matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na
Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada
pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota 0
(zero) ou como não-tributados.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos créditos constituídos ou não, inscritos ou
não em Dívida Ativa da União, mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada,
inclusive os que foram indevidamente aproveitados na apuração do IPI referidos
no caput deste artigo.
§ 2º Para os fins do disposto no caput deste artigo, poderão ser pagas ou parceladas
as dívidas vencidas até 30 de novembro de 2008, de pessoas físicas ou jurídicas,
consolidadas pelo sujeito passivo, com exigibilidade suspensa ou não, inscritas ou
não em dívida ativa, consideradas isoladamente, mesmo em fase de execução fiscal
já ajuizada, ou que tenham sido objeto de parcelamento anterior, não integralmente
quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento, assim considerados:
I – os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional;
II – os débitos relativos ao aproveitamento indevido de crédito de IPI referido no
caput deste artigo;

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP V Direito Tributário V

III – os débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c


do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, das
contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a
terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, administrados pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil; e
IV – os demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
(...)”

Este diploma permite o parcelamento com a suspensão da pretensão punitiva, e o


pagamento como extinção da punibilidade restringe seu alcance aos créditos vencidos até
novembro de 2008. Para débitos posteriores, não incide esta lei, e sim o artigo 34 da Lei
9.249/95, já abordado.
Os efeitos de se enquadrar no Refis supra estão nos artigos 68 e 69 da mesma Lei:

“Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
nos arts. 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e
337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal,
limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de
parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os
arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão
da pretensão punitiva.”

“Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a


pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos
oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido
objeto de concessão de parcelamento.
Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no
§ 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento
integral dos valores correspondentes à ação penal.”

A jurisprudência entende que estas disposições sobre parcelamento, no seu


conjunto, são mais benéficas do que a situação anterior, não sendo possível ao juiz cindir as
normas e delas colher o que é melhor, porém. Neste sentido, veja o seguinte julgado:

“TRF4, SER 2001.71.00.030635-3, Turma Especial, Relator Fábio Bittencourt da


Rosa, DJ. 23/01/2002.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
REFIS. HOMOLOGAÇÃO PELO COMITÊ GESTOR. SUSPENSÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. INCIDÊNCIA DO ART. 15, CAPUT E
§1º, DA LEI Nº 9.964/00. NORMA PENAL MAIS BENÉFICA.
INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE.
1. Em matéria de direito intertemporal, a regra geral é a da prevalência da lei do
tempo do fato (tempus regit actum), salvo em se tratando de norma penal mais
benigna, quando prevalece o princípio da retroatividade da lei (CF/88, art. 5º, XL e
CP, art. 2º, parágrafo único).
2. Problema surge quando a norma posterior favorece o réu em parte,
prejudicando-o, todavia, em outra. É o que ocorre no caso em tela, onde a Lei nº
9.964/00 estabelece a suspensão da pretensão punitiva do Estado, com suspensão
da prescrição, para aqueles que forem incluídos no REFIS antes do recebimento da
denúncia, com a extinção da punibilidade ao final, quando quitado integralmente o
débito.
3. Nestas hipóteses, a solução está em se traçar um paralelo entre a situação do réu
antes e depois da lei nova, apurando-se quais seriam os resultados e conseqüências

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP V Direito Tributário V

da aplicação da norma posterior, para, a final, verificar qual a menos gravosa ao


acusado.
4. Na espécie, não restam dúvidas de que é muito mais benéfico aos réus não sofrer
os percalços de uma ação penal e, em cumprindo o acordado, ter extinta a
punibilidade de seus atos, do que sujeitar-se a todo processo judicial a fim de que
não veja suspenso o prazo prescricional.
5. Não se pode dar ao art. 15 da lei do REFIS a mesma interpretação dada pelo
Supremo Tribunal Federal quando do enfrentamento das inovações trazidas pela
Lei nº 9.271/96, que alterou o artigo 366 do CPP. É que, diferentemente do
disposto no artigo 366 da Lei Penal Adjetiva, o artigo 15 da Lei do REFIS
(conjugadas as previsões do caput, §§ 1º e 3º) tem o condão de gerar a extinção da
punibilidade do réu. Tal benesse não é, contudo, objeto do artigo 366 do CPP (Lei
nº 9.271/96), que apenas assegura ao estado a manutenção de seu jus puniendi.
6. Em sendo caso de incidência do art. 15 da Lei nº 9.964/00, a ação penal não
pode ser instaurada, na medida em que a adesão ao Programa de Recuperação
Fiscal, antes do recebimento da denúncia, retira o jus puniendi do Estado enquanto
os débitos em questão estiverem sujeitos ao regime do REFIS, tornando ilegítima a
prática de qualquer ato que configure exercício do poder punitivo estatal, tal como
o recebimento da exordial, com a conseqüente instauração do processo penal.
(...)
10. A lei nº 9.964/00 não torna imprescritíveis os crimes capitulados nos artigos 1º
e 2º da Lei nº 8.137/90 e 168-A do CP, pois, ainda que o lapso prescricional possa
ficar suspenso por um longo período – enquanto a pessoa jurídica estiver incluída
no REFIS – o fato é que em caso de descumprimento do acordado o prazo voltará a
correr.
11. Recurso criminal em sentido estrito improvido.”

1.4. Rendas ilícitas e sonegação fiscal

É possível a responsabilidade penal por sonegação ante a não declaração de valores


ilicitamente obtidos (produtos de crimes)?
A resposta é positiva, não configurando bis in idem. Atende-se ao non olet. Veja:

“STJ – 5ª TURMA - REsp 182563 / RJ - RECURSO ESPECIAL. PENAL.


PECULATO. CONDENAÇÃO. SONEGAÇÃO FISCAL DE RENDA
PROVENIENTE DE ATUAÇÃO ILÍCITA. TRIBUTABILIDADE.
INEXISTÊNCIA DO "BIS IN IDEM". BENS JURÍDICOS TUTELADOS NOS
TIPOS PENAIS DISTINTOS. PUNIBILIDADE.
São tributáveis, "ex vi" do art. 118, do Código Tributário Nacional, as operações
ou atividades ilícitas ou imorais, posto a definição legal do fato gerador é
interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados
pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto
ou dos seus efeitos. - Não constitui "bis in idem" a instauração de ação penal para
ambos os crimes, posto caracterizados peculato e sonegação fiscal, reduzindo-se,
porém, a pena para o segundo crime à vista das circunstâncias judiciais. - Recurso
conhecido e provido.(DJ 23.11.1998 p. 198).”

No entanto, veja o seguinte posicionamento do STJ:

“HC. CONCESSÃO. OPERAÇÃO GAFANHOTO.


A paciente é acusada de haver sonegado valores à Receita Federal, ao Fisco
Federal, sob o fundamento de ter recebido de diversos servidores valores de seus
salários (operação gafanhoto). Fundou-se a denúncia na Lei n. 8.137/1990, art. 1º,
I: Omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. Em

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP V Direito Tributário V

outra denúncia por peculato e por quadrilha ou bando, na qual, ao lado de oito
pessoas, fora também a paciente denunciada. O Min. Relator acentuou que a
conduta descrita, se penalmente punível, não há, pela falta de especificidade, de ser
punida como crime contra a ordem tributária. Admitindo-se tenha a paciente tido
em seu poder as quantias recebidas, não tinha ela o dever jurídico de declará-las às
autoridades fazendárias. A admissão implicaria auto-acusação e, também, o contra-
senso de ter por sanado o caráter ilícito do fato uma vez recolhido o tributo. Se
houve ou há crime, não se trata de algum dos definidos na Lei n. 8.137/1990. O
caso não é de suprimir ou reduzir tributo, isso porque não havia tributo exigível; se
houvesse a exigência, estar-se-ia tributando o ilícito e isso, evidentemente, não é
admissível. Com essas considerações, a Turma concedeu a ordem para trancar a
ação penal. HC 55.217-RR, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 20/6/2006.”

O STF é mais coerente, neste aspecto, não acatando a tese “Al Capone” acolhida
pelo STJ acima. Veja:

“HC 77530 / RS (STF – 1ª TURMA - DJ 18-09-1998).


EMENTA: Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: "non olet".
Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com
lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à
declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a
acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de
entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda
subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato
criminoso - antes de ser corolário do princípio da moralidade - constitui violação
do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética.”

Resumindo, há, sim, sonegação fiscal mesmo em se tratando de produtos de crimes.

1.5. Denúncia espontânea e extinção de punibilidade

Veja o artigo 138 do CTN:

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração,


acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora,
ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o
montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início
de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados
com a infração.”

A denúncia espontânea exclui as sanções tributárias, mas tem o condão de excluir o


crime? Para Luciano Amaro, sim: não haveria sentido em se manter punição penal, que é
ultima ratio, se sequer a sanção administrativa permanece. Desapareceria a ilicitude
tributária, e com isso a criminal.
Ocorre que se poderia entender, de outro lado, que o que ocorre é o perdão
tributário, e não a extinção da punibilidade. Por isso, não restaria extinta a punibilidade
criminal, tampouco perdoada. Aplicar-se-ia a teoria da múltipla ofensividade da conduta,
que fundamenta a independência das instâncias criminal, administrativa e cível.

1.6. Aplicação das causas de extinção de punibilidade de crimes tributários ao descaminho

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP V Direito Tributário V

É possível, à falta de previsão legal, aplicar a causa de extinção da punibilidade pelo


pagamento ao descaminho? Reveja o artigo 9º da Lei 10.684/03:

“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos


nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990 , e nos
arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos
aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão
punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa
jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos
oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

O STF entende, de forma remansosa, que não se aplicam as causas de extinção da


punibilidade dos crimes tributários, tal como esta do artigo supra, ao crime de descaminho.
São matérias de legalidade penal estrita, não cabendo sua aplicação se não estiver
expressamente consignado. Prevalece no STF e no STJ a orientação de que não são
aplicáveis as causas de extinção de punibilidade ao delito de descaminho.

“HC 94777 / RS (STF – 1ª TURMA - DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-


09-2008).
EMENTA Habeas corpus. Penal e processual penal. Crime de estelionato.
Impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei nº 9.249/95 e da Súmula
nº 554 do STF. 1. Inviável a pretendida aplicação analógica do art. 34 da Lei
9.249/95, obstada pelos princípios da legalidade e da especialidade, sendo certo
que a analogia pressupõe uma lacuna involuntária. 2. A Súmula nº 554 do Supremo
Tribunal Federal não se aplica ao crime de estelionato na sua forma fundamental:
"Tratando-se de crime de estelionato, previsto no art. 171, 'caput', não tem
aplicação a Súmula 554-STF" (HC nº 72.944/SP, Relator o Ministro Carlos
Velloso, DJ 8/3/96). A orientação contida na Súmula nº 554 é restrita ao estelionato
na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundo, prevista
no art. 171, § 2°, inc. VI, do Código Penal (Informativo n° 53 do STF). 3. A
reparação do dano antes da denúncia é tão-somente uma causa de redução da pena,
nos termos do art. 16 do Código Penal, e não uma causa de excludente de
culpabilidade. 4. Não cabe acolher a prescrição da pena de multa considerando que
mesmo no estelionato privilegiado (art. 171, § 1º, do CP) possível é a aplicação de
pena de detenção em substituição à de reclusão ou a diminuição de um a dois
terços (art. 155, § 2º, do CP). Entendendo o Juiz de aplicar a pena de multa, então,
poderá no mesmo ato conhecer a prescrição. 5. Habeas corpus denegado. Ordem
concedida de ofício para que o Juízo aprecie a impetração com base no art. 171, §
1º, do Código Penal.”

“ROHC 16109/SP (STJ – 5ª TURMA - DJ 18/10/2004).


PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
DESCAMINHO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. FALTA DE JUSTA
CAUSA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO.
APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 9.249/95. IMPOSSIBLIDADE. I - O
trancamento de inquérito por ausência de justa causa, conquanto possível, cabe,
apenas, nas hipóteses em que evidenciado, de plano, a atipicidade do fato ou a
inexistência de autoria por parte da paciente. (Precedentes). II - A Lei nº 9.249/95 é
taxativa ao estabelecer no caput do art. 34 a extinção da punibilidade do agente que
promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,
antes do recebimento da denúncia. apenas em relação aos crimes definidos na Lei

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP V Direito Tributário V

nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965,


não podendo, por isso mesmo, ser aplicada ao delito de descaminho previsto no art.
334 do Código Penal. Recurso desprovido.”

“HC 46643 / PR (stj - 6ª turma - DJ 26.06.2006 p. 207):


(...)
3. Inaplicável crime de descaminho, o tratamento dados aos crimes contra a ordem
tributária, consoante a letra do artigo 34, da Lei 9249/95 que restringe
expressamente sua incidência aos crimes previstos nas Leis 8137/90 e 4729/64. 4.
Ordem parcialmente conhecida e, no ponto, denegada.”

Mesmo sendo orientação amplamente majoritária, não é pacífica, como se pode ver
no caso abaixo, em que o HC foi concedido por empate na votação (sequer sendo um
precedente objetivamente favorável a esta tese minoritária):
“DESCAMINHO. PAGAMENTO. TRIBUTO. ANTERIORIDADE.
OFERECIMENTO. DENÚNCIA.
As pacientes são acusadas de descaminho em razão de suposta compra de roupas
íntimas pelos Correios. A res foi avaliada em oito mil e cinqüenta e seis dólares
americanos e teria sido comprada por uma amiga numa das tradicionais queimas de
estoque das lojas da cidade norte-americana de Miami. Sendo a impetração do
presente writ anterior à aceitação da proposta de suspensão condicional do
processo, não se configura um óbice à analise do mérito pela Sexta Turma. Para o
deslinde da questão jurídica apresentada no presente remédio heróico, é
imprescindível o cotejo analítico de dois tipos penais: sonegação fiscal e
descaminho. A Min. Relatora entendeu que, no caso, pode-se colher de empréstimo
o espírito normativo da Lei n. 10.684/2003, pois dispõe de idêntica raiz exegética.
Tal diploma deixou suficientemente clara a existência de outros tipos penais de
cariz tributário além daqueles presentes na Lei n. 8.137/1990, destacando
pontualmente no CP os crimes previdenciários, prevendo-se também hipótese de
extinção de punibilidade em razão do prévio pagamento do débito. Assim, pode-se
concluir que o crime de descaminho é intrinsecamente tributário, ou seja, tutela-se
o direito que o Estado tem de instituir e cobrar impostos e contribuições. Portanto,
uma vez certificado que o pagamento do tributo foi operado antes do oferecimento
da denúncia, de rigor é reconhecer-se a falta de utilidade e presteza do emprego do
processo penal. Isso posto, ao se prosseguir o julgamento, após o voto-vista do
Min. Hamilton Carvalhido não conhecendo do pedido de habeas corpus, e o voto
do Min. Paulo Gallotti, no mesmo sentido, verificou-se empate na votação.
Prevalecendo a decisão mais favorável às rés, a Turma conheceu do pedido de
habeas corpus e concedeu a ordem. HC 48.805-SP, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 26/6/2007.”

Pelo ensejo, seria possível a aplicação do artigo 9º da Lei 10.684/03 a crimes


patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça (furto, apropriação indébita,
receptação, etc) afastando o artigo 16 do CP?
Andrei Zenker Schmitdt entende que sim, por analogia, eis que se a lesão ao bem
coletivo – arrecadação – permite esta aplicação, irrazoável seria entender que a lesão ao
patrimônio individual não permita, sendo mais gravemente repreendida. Já Luciano Feldens
pugna pela inconstitucionalidade deste artigo 9º (de todas as excludentes específicas de
crimes tributários, diga-se), porque viola o sistema de custeio universal do Estado,
estimulando a conduta de sonegação com verdadeiros prêmios legais – deveria ser aplicada
a norma do artigo 16 do CP, arrependimento posterior, para todo e qualquer caso.

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“Arrependimento posterior(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)


Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado
o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”

A corrente de Andrei Schmidt tem sido acolhida no TJ/RJ, e mesmo em alguns


julgados do STJ, como se pode ver abaixo:

“2006.059.06676 - HABEAS CORPUS - 1ª Ementa DES. MARCUS BASILIO -


Julgamento: 28/11/2006 - PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL
EMENTA - HABEAS CORPUS - FURTO DE ÁGUA TRATADA -
PAGAMENTO DA DIVIDA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA –
(...) Sendo os denunciados os responsáveis pelo estabelecimento beneficiado e pela
obra lá realizada, deve a eles ser imputada a conduta ilícita de subtração de água
tratada, destacando-se que o writ não é a via própria para se promover confronto e
valoração da prova produzida (....).
Todavia, havendo prova de que o alegado prejuízo foi prontamente ressarcido,
impõe-se o trancamento da ação penal respectiva sob o fundamento de que a
legislação penal vigente, em diversas ocasiões, dispõe que o pagamento do tributo
antes do recebimento da denúncia acarreta a extinção da punibilidade, podendo tal
benefício, por força do princípio constitucional da isonomia, ser estendido aos
casos parecidos. Apesar de não se tratar de tributo, tendo a natureza jurídica de
preço público, o valor cobrado pela CEDAE se assemelha àquele instituto,
permitindo tal interpretação extensiva em benefício dos agentes.”

“HC 93893 / SP (STJ – 6ª TURMA - Relator(a) Ministro NILSON NAVES - DJe


30/06/2008)
Cheque/estelionato (Cód. Penal, art. 171, § 2º, VI). Dívida (pagamento). Ação
(não-prosseguimento). Punibilidade (extinção). Insignificância (caso). 1. A ação
penal não há de ir para a frente em caso que tal, mesmo que o pagamento do
cheque se tenha verificado após o recebimento da denúncia. 2. Ainda em caso tal,
bem como em casos assemelhados, é lícito entender que se extingue a punibilidade
pelo pagamento da dívida (por exemplo, RHC-21.489). 3. Segundo o Relator, lícito
ainda é se invoque o princípio da insignificância diante da reparação do dano, de
modo que se exclua da tipicidade penal fatos penalmente insignificantes. 4. Habeas
corpus deferido – extinção da ação penal.”

“RHC 21489 / RS (STJ – 6ª TURMA - Relator(a) Ministro NILSON NAVES


DJe 24/03/2008)
Ementa: Estelionato (Cód. Penal, art. 171). Denúncia (defeito/impropriedade
formal). Prejuízo (pagamento). Punibilidade (extinção). 1. É defeituosa a denúncia
em que se não expõem, às claras, as diversas participações no fato – estelionato. 2.
Caso em que, quanto à formalidade, decidiu a Turma unanimemente. 3. O
pagamento da denominada vantagem ilícita antes do recebimento da denúncia é
causa de extinção da punibilidade. Inteligência e aplicação analógica de textos
como os dos arts. 34 da Lei nº 9.249/95 e 9º da Lei nº 10.684/03, bem como o da
Súmula 554/STF. 4. Caso em que, quanto à extinção da punibilidade, o Relator
ficou vencido. 5. Recurso ordinário provido em parte – imperfeição formal da
denúncia –, com extensão da ordem.”

“HC 94777 / RS (STF – 1ª TURMA - DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-


09-2008)
EMENTA: Habeas corpus. Penal e processual penal. Crime de estelionato.
Impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei nº 9.249/95 e da Súmula

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP V Direito Tributário V

nº 554 do STF. 1. Inviável a pretendida aplicação analógica do art. 34 da Lei


9.249/95, obstada pelos princípios da legalidade e da especialidade, sendo certo
que a analogia pressupõe uma lacuna involuntária. 2. A Súmula nº 554 do Supremo
Tribunal Federal não se aplica ao crime de estelionato na sua forma fundamental:
"Tratando-se de crime de estelionato, previsto no art. 171, 'caput', não tem
aplicação a Súmula 554-STF" (HC nº 72.944/SP, Relator o Ministro Carlos
Velloso, DJ 8/3/96). A orientação contida na Súmula nº 554 é restrita ao estelionato
na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundo, prevista
no art. 171, § 2°, inc. VI, do Código Penal (Informativo n° 53 do STF). 3. A
reparação do dano antes da denúncia é tão-somente uma causa de redução da pena,
nos termos do art. 16 do Código Penal, e não uma causa de excludente de
culpabilidade. 4. Não cabe acolher a prescrição da pena de multa considerando que
mesmo no estelionato privilegiado (art. 171, § 1º, do CP) possível é a aplicação de
pena de detenção em substituição à de reclusão ou a diminuição de um a dois
terços (art. 155, § 2º, do CP). Entendendo o Juiz de aplicar a pena de multa, então,
poderá no mesmo ato conhecer a prescrição. 5. Habeas corpus denegado. Ordem
concedida de ofício para que o Juízo aprecie a impetração com base no art. 171, §
1º, do Código Penal.”

1.7. Parcelamento do débito tributário e delito de quadrilha

Havendo denúncia por formação de quadrilha e crime contra a ordem tributária


(artigo 1º da Lei 8.137/90), a suspensão da pretensão punitiva em relação a estes delitos, ou
mesmo a extinção da punibilidade, acarreta falta de justa causa para o processo por
quadrilha?
A resposta é negativa: o crime de quadrilha é formal, e permanece autonomamente.
Da jurisprudência do STF se extrai que a suspensão da pretensão punitiva, bem como a
extinção da punibilidade do crime tributário, em nada afetam o delito de quadrilha
consumado. Veja esta posição nas transcrições do informativo abaixo, do STF:
“Informativo 355 (HC-84223)
Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia – 1
(...)
Considerou-se improcedente a assertiva de que inexistiria o elemento subjetivo do
tipo do art. 288, do CP, tendo em conta que o fato dos pacientes estarem na
gerência da empresa não impediria que, nessa condição, viessem a se associar para
o fim de cometer crimes. Por fim, com base no entendimento da Corte no sentido
de que o crime de quadrilha ou bando, por ser delito autônomo e formal, se
consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades e
independe da realização ulterior do fim visado, concluiu-se que a suspensão da
ação penal pelo crime de sonegação fiscal, decorrente da adesão ao programa de
recuperação fiscal, não implicava a ausência de justa causa para acusação pelo
crime de quadrilha.”

“Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia – 2


A Turma retomou julgamento de habeas corpus impetrado contra ato do STJ que
indeferira igual medida, em que se pretende o trancamento de ação penal
instaurada contra denunciados pela suposta prática de crimes contra a ordem
tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, c/c art. 12), em concurso formal impróprio e de
forma continuada, bem como por infringência do art. 288, do CP (“Associarem-se
mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:...”).
Sustentam os impetrantes: a) que, em razão da empresa dos pacientes ter aderido
ao programa de recuperação fiscal e ter parcelado seu débito, na forma do art. 9º da
Lei 10.684/2003, pela qual os mesmos obtiveram direito à suspensão do processo-

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP V Direito Tributário V

crime por sonegação fiscal, isso implicaria falta de justa causa para a ação penal
em relação ao delito do art. 288, do CP; b) ausência do elemento subjetivo para
consumação do crime de quadrilha, consistente na expressão “para o fim de
cometer crimes”, sob o argumento de que o cometimento desse delito não restaria
caracterizado pelo simples fato de os pacientes estarem na gerência de uma
empresa; c) inépcia da peça acusatória, em face de constar da inicial mera
referência ao art. 288, do CP, desprovida de qualquer descrição da conduta
subsumível à figura típica nele descrita ― v. Informativos 355 e 358. Na sessão de
14.9.2004, a Turma recebera embargos de declaração para renovar o julgamento do
writ. Reiniciado em 19.10.2004, o Min. Eros Grau, relator, reiterando os
fundamentos do seu voto proferido em 3.8.2004, indeferiu o habeas corpus, no que
foi acompanhado pelo Min. Carlos Britto. HC 84223/RS, rel. Min. Eros Grau,
14.8.2007. (HC-84223)”

“Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia – 3


Em voto-vista, o Min. Cezar Peluso deferiu parcialmente a ordem para determinar
o trancamento da ação penal contra os pacientes, quanto à acusação de formação
de quadrilha ou bando. Entendeu que a suposta prática de delitos econômicos por
pessoas que se associaram, nos termos da lei, para o exercício de atividades lícitas,
não pode justificar nem legitimar, por si só, imputação do crime previsto no art.
288 do CP. Aduziu, então, que esse dispositivo só encontraria adequação típica na
constituição de sociedades criadas com a finalidade específica de práticas
delituosas, ou seja, esclareceu que o propósito da prática reiterada de crimes
deveria ser o móvel da associação de mais de três pessoas. Por conseqüência,
reputou necessário o exame da denúncia. No caso, salientando que a acusação
principal seria a de omissão de faturamento para fins de tributação federal,
considerou evidente que os réus, eventualmente associados, o teriam feito com o
objetivo de exercer atos lícitos de mercancia, acabando por supostamente praticar
crimes contra a ordem tributária, em continuidade delitiva, conforme afirmado pela
denúncia. Após o voto do Min. Eros Grau que reconsiderou seu voto para
acompanhar o do Min. Cezar Peluso, pediu vista o Min. Carlos Britto. HC
84223/RS, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2007. (HC-84223)”

“Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia – 4


Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus
impetrado contra ato do STJ que denegara igual medida, em que se pretendia o
trancamento de ação penal instaurada contra denunciados pela suposta prática de
crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, c/c o art. 12), em concurso
formal impróprio e de forma continuada, bem como por infringência do art. 288,
do CP (“Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de
cometer crimes:...”) — v. Informativos 355, 358 e 476. Asseverou-se que, nessa
fase de simples recebimento da denúncia, poder-se-ia extrair dessa inicial fartura
de detalhes caracterizadores do fumus comissi delicti, autorizador da persecução
penal em relação ao delito de quadrilha. Salientou-se que a jurisprudência do STF
admite excepcionalmente o trancamento da ação penal por habeas corpus quando
ausente qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos
subjacentes à acusação penal, inocorrentes na espécie. Considerou-se improcedente
a assertiva de que inexistiria o elemento subjetivo do tipo do art. 288, do CP, tendo
em conta que o fato de os pacientes estarem na gerência da empresa não impediria
que, nessa condição, viessem a se associar para o fim de cometer crimes. Por fim,
com base no entendimento da Corte no sentido de que o crime de quadrilha ou
bando, por ser delito autônomo e formal, se consuma no momento em que se
concretiza a convergência de vontades e independe da realização ulterior do fim
visado, concluiu-se que a suspensão da ação penal pelo crime de sonegação fiscal,
decorrente da adesão a programa de recuperação fiscal, não implicaria falta de
justa causa para acusação pelo crime de quadrilha. Vencido o Min. Cezar Peluso

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP V Direito Tributário V

que deferia parcialmente a ordem para determinar o trancamento da ação penal


quanto à acusação de formação de quadrilha ou bando. O Min. Eros Grau retomou
os fundamentos do seu voto originário. HC 84223/RS, rel. Min. Eros Grau,
3.6.2008. (HC-84223)”

1.8. Desnecessidade de perícia contábil para condenação por crime tributário

Não há necessidade de perícia contábil para comprovação da fraude tributária, pelo


que o indeferimento desta prova não é causa de nulidade. A jurisprudência do STJ entende
por esta desnecessidade, pois quaisquer meios de prova são hábeis a demonstrar o crime ou
sua ausência. Veja:

“RHC 12840 / MG (STJ – 6ª TURMA - DJ 16.11.2004 p. 322)


PENAL E PROCESSUAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PERÍCIA CONTÁBIL.
INDEFERIMENTO. DEFESA. CERCEAMENTO. NULIDADE.
INEXISTÊNCIA.
Não constitui constrangimento ilegal o indeferimento de perícia contábil para aferir
a materialidade de hipótese de sonegação de ICMS porquanto, na conformidade do
princípio do livre convencimento fundamentado, o juiz apreciará livremente a
prova (art. 157 do CPP). O habeas corpus, mercê de seu rito célere, marcado por
cognição sumária indene ao contraditório, não comporta o exame de questões
relacionadas com autoria e materialidade de infração penal, na medida em que
exigem dilação probatória. Recurso a que se nega provimento.”

2. Sujeitos ativo e passivo do crime tributário

Sujeito ativo deste delito é o sujeito passivo da obrigação tributária: é o devedor


tributário, aquele que tem a obrigação de prestar contas perante o fisco, seja ele o
contribuinte de direito; o de fato; o substituto tributário; ou mesmo quem deve cumprir a
obrigação acessória e foi multado em razão disto.
Sujeito passivo do crime tributário, por seu turno, é o ente estatal a quem for
direcionado o produto da arrecadação do tributo sonegado (União, Estado, Distrito Federal,
Município, ou mesmo uma autarquia). Quando o tributo sonegado, por exemplo, for o ITR,
mesmo que o produto for destinado a determinado Município, o interesse federal prevalece,
eis que é da União a competência tributária (e por isso a competência para julgar o delito é
da Justiça Federal).

3. Bem jurídico tutelado nos crimes tributários

Prevalece o entendimento de que o bem jurídico destes crimes é o erário público:


tutela-se a arrecadação tributária. Neste sentido, Capez, Delmanto e Nucci.
Para Aécio Lovatto, em tese minoritária, o crime tributário tutela a ordem tributária,
que é atacada pelas condutas que subvertem a arrecadação.
Veja a adesão jurisprudencial à primeira corrente:

“HC 21071 / SP (STJ – 5ª Turma - DJ 17.03.2003 p. 245)


1. Não se vislumbra na hipótese a existência de ilícito fiscal, o que se torna
inviável a imputação do delito de descaminho ao paciente, uma vez que a conduta

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP V Direito Tributário V

que se lhe imputa a peça acusatória não chegou a lesar o bem jurídico tutelado,
qual seja, a Administração Pública em seu interesse fiscal.
2. Aplicação do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da
tipicidade. Precedentes do STJ. 3. Habeas corpus concedido.”

4. Tipo subjetivo: dolo eventual e dolo específico

Na vigência da Lei 4.279/65, o tipo penal trazia expressa a necessidade de dolo


específico a configurar a conduta. Era, portanto, um delito de intenção. Veja o artigo 1º, I,
deste diploma:

“Art 1º Constitui crime de sonegação fiscal:


I - prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva
ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a
intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e
quaisquer adicionais devidos por lei;
(...)”

Hoje, embora não seja expresso no tipo penal, da Lei 8.137/90, a jurisprudência
mantém a exigência do dolo especifico, especial fim de agir, para configurar a sonegação.
É, portanto, um delito daqueles chamados crimes de tendência. Veja:

“RHC 11816 / MG (STJ – 6ª Turma - DJ 18.03.2002 p. 302)


PENAL. HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 41 DO CPP. DELITOS
SOCIETÁRIOS. EXAME DE PROVA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. CRIME
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90. PARCELAMENTO DO
DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
Em sede de crime contra a ordem tributária, ocorre a extinção da punibilidade com
a concessão do parcelamento da dívida pela Administração antes do recebimento
da denúncia, nos termos do art. 14, da Lei nº 8.137, de 1990, revigorado pelo art.
34, da Lei nº 9.249, de 1995.
- Para a caracterização do crime em tela, é necessária a presença do dolo
específico, ou seja, o ânimo de furtar-se ao cumprimento da obrigação tributária,
inexistente na hipótese em que o contribuinte celebra com a Administração acordo
de pagamento parcelado da dívida, resultando atípica a conduta imputada.
- Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido.”

Quanto ao dolo eventual, seria possível no crime de sonegação? Reveja o artigo 1º,
IV, da Lei 8.137/90:

“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou


contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
(...)
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva
saber falso ou inexato;
(...)”

A expressão “deva saber” evidencia ser possível, e há precedente na jurisprudência


admitindo este dolo:

“TRF4, ACR 1999.71.00.013749-2, Sétima Turma, Relator Fábio Bittencourt da


Rosa, DJ 26/03/2003.

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP V Direito Tributário V

EMENTA: PENAL. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO. PRESCRIÇÃO


RETROATIVA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I E II, DA
LEI 8137/90. PRESCRIÇÃO PARCIAL. NULIDADE DA SENTENÇA
INEXISTENTE. REFIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO.
GRADUAÇÃO DA PENA. REEXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS
DO ART. 59 DO CP. INCIDÊNCIA DO ART. 12, I, DA LEI 8.137/90.
CONTINUIDADE DELITIVA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE DOS CORÉUS.
(...)
6. Os crimes previstos na Lei nº 8.137/90 admitem a forma do dolo eventual. Não é
comum que empregados utilizem suas contas bancárias pessoais para efetuar
depósitos de recursos da empresa para a qual prestam serviços. Assim agindo, os
co-réus, no mínimo, assumiram o risco de produzir o resultado, consistente na
omissão de receitas e dano ao erário.
(...)
13. Apelação parcialmente provida.”

Contudo, é posição estranha, pois se precisa de fraude prévia, não há como não
haver dolo direto neste delito.
Assim, embora haja quem admita sonegação com dolo eventual, é mais adequado o
entendimento de que a sonegação exige dolo direto.

5. Consumação e tentativa

Em tese, os crimes do artigo 1º da Lei 8.137/90 são materiais, e como tais somente
se consumam quando verificado o resultado supressão ou redução do tributo. Por outro lado
prevalece que os crimes do artigo 2º são formais, não se exigindo um resultado
naturalístico.
Quanto à tentativa, prevalece o entendimento de que é possível. Contudo, na
doutrina, surgem duas correntes sobre esta suposta tentativa: para Baltazar, Eisele e
Delmanto, majoritariamente, qualquer tentativa de sonegação seria, na verdade, a
consumação da conduta do artigo 2º, I, da lei em tela. Reveja os dispositivos:

“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou


contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei
nº 9.964, de 10.4.2000)
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo
operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer
outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva
saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento
equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente
realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10
(dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor
complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência,
caracteriza a infração prevista no inciso V.”

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)


I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou
empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de
tributo;
(...)”

Destarte, a tentativa de sonegar já é a consumação deste artigo 2º, I, da Lei


8.137/90. O legislador transformou a tentativa em um tipo autônomo (criando hipótese de
delito mutilado de dois atos).
Para a outra corrente, de Lovatto, o artigo 2º recai sobre objetos materiais
específicos, não sendo a fórmula genérica da tentativa. Ele entende que o artigo 2º, I, não é
a forma tentada do artigo 1º, porque a conduta é mais específica, mencionando ali o
legislador “rendas, bens ou fatos” – o que não prevalece.
Veja que é possível reconhecer, contudo, uma autonomia do artigo 2º, I, da Lei
8.137/90, quando já houver ocorrido uma sonegação, e for prestada uma declaração falsa
para eximir-se do pagamento, posteriormente.

“TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. Classe: ACR -


APELAÇÃO CRIMINAL Processo: 2000.04.01.029838-1 UF: PR. Data da
Decisão: 15/10/2003 Orgão Julgador: OITAVA TURMA Fonte DJU.
DATA:05/11/2003. PÁGINA: 1071. Relator LUIZ FERNANDO WOWK
PENTEADO.
PENAL. ESFERAS. INDEPENDÊNCIA. TRIBUTO. ISENÇÃO. REGRA NÃO
ABSOLUTA. LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE. OMISSÃO DE RECEITA
BRUTA. EMISSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. AUTORIA.
ENQUADRAMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. PENA-BASE.
DIMINUIÇÃO. CONTINUIDADE. DIA-MULTA.
(...)
5. O que diferencia a incidência das hipóteses previstas no art. 1º da Lei nº
8.137/90 da aplicação do art. 2º, inciso I, do mesmo diploma legal, é que no
primeiro tipo há a exigência de supressão ou redução de tributo ao passo que no
segundo basta o intento de eximir-se do adimplemento para o correto
enquadramento. Precedentes do TRF-4ª Região.
(...)”

É impossível, porém, a punição da tentativa em razão do regime legal do pagamento


(artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/03). Entenda: aquele que consegue sonegar, pode pagar, e
não ser punido por ter a punibilidade extinta; o sujeito que tenta sonegar e não consegue,
não teria o que pagar, e com isto não poderia ter a punibilidade extinta – o que é um contra-
senso desproporcional.
Diante da existência de norma extinguindo a punibilidade pelo pagamento, fica
inviável a punição da tentativa (ou melhor, da consumação do crime do artigo 2º, I, supra),
se o crime consumado é passível de extinção da punibilidade pelo pagamento. Esta
interpretação diz respeito aos fatos ocorridos até novembro de 2008, em que incide a Lei
11.941/09.
Assim, ou ocorre o resultado sonegação, e o crime é o do artigo 1º, ou não será
possível qualquer reprimenda penal pela mera tentativa. Repare que este raciocínio só se
aplica à tentativa do artigo 1º, que é o crime autônomo do artigo 2º, I, mas não às demais
hipóteses.

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Casos Concretos

Questão 1

É possível ao contribuinte obter a suspensão da pretensão punitiva sem a


suspensão do prazo de prescrição pela adesão ao SUPEREFIS (Lei 11941/2009), ao
abrigo da irretroatividade deste dispositivo gravoso?

Resposta à Questão 1

A questão posta encontra-se pacificada no âmbito dos tribunais federais e no próprio


STF. Toda a problemática diz respeito ao fato de que as leis de parcelamento que outorgam

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP V Direito Tributário V

ao contribuinte o benefício da suspensão da pretensão punitiva (norma benéfica) e


suspendem o prazo de prescrição pelo mesmo período (norma gravosa). Ocorre que, em
primeiro lugar não é possível cindir a norma, que forma um todo, uma fórmula jurídica:

“HC 85661 / DF (STF - 1ª TURMA - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - DJ


19-12-2007). CRIME FISCAL - CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - AUSÊNCIA DE
RECOLHIMENTO - REFIS - ARTIGO 9º DA LEI Nº 10.684/2003 -
APLICAÇÃO NO TEMPO. O artigo 9º da Lei nº 10.684/2003, a versar sobre a
suspensão da pretensão punitiva do Estado no caso de adesão ao Refis, aplica-se
aos processos criminais pendentes, ou seja, ainda que já se tenha decisão
condenatória, desde que não coberta pela preclusão na via recursal. SUSPENSÃO
DA PRETENSÃO PUNITIVA - REGÊNCIA. A regência da suspensão da
pretensão punitiva faz-se sob o ângulo do princípio da unidade, do conglobamento,
descabendo aplicar a cabeça do artigo 9º da Lei nº 10.684/2003 sem a observação
do que previsto, no § 1º nele contido, a respeito da prescrição. SUSPENSÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
DESCONTADAS E NÃO RECOLHIDAS - ARTIGO 9º DA LEI Nº 10.684/2003.
O veto ao § 2º do artigo 5º da Lei nº 10.684/2003 é desinfluente, para efeito da
suspensão da pretensão punitiva, quando o contribuinte haja logrado, quer em
período anterior à citada lei, quer no posterior, a adesão ao Refis. Por outro lado,
mesmo que aplicada a suspensão da prescrição, a norma, no seu conjunto a
situação é mais benéfica para o indivíduo.”

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.


REFIS. HOMOLOGAÇÃO PELO COMITÊ GESTOR. SUSPENSÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. INCIDÊNCIA DO ART. 15, CAPUT E
§1º, DA LEI Nº 9.964/00. NORMA PENAL MAIS BENÉFICA.
INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. 1. Em matéria de direito
intertemporal, a regra geral é a da prevalência da lei do tempo do fato (tempus regit
actum), salvo em se tratando de norma penal mais benigna, quando prevalece o
princípio da retroatividade da lei (CF/88, art. 5º, XL e CP, art. 2º, parágrafo único).
2. Problema surge quando a norma posterior favorece o réu em parte,
prejudicando-o, todavia, em outra. É o que ocorre no caso em tela, onde a Lei nº
9.964/00 estabelece a suspensão da pretensão punitiva do Estado, com suspensão
da prescrição, para aqueles que forem incluídos no REFIS antes do recebimento da
denúncia, com a extinção da punibilidade ao final, quando quitado integralmente o
débito. 3. Nestas hipóteses, a solução está em se traçar um paralelo entre a situação
do réu antes e depois da lei nova, apurando-se quais seriam os resultados e
conseqüências da aplicação da norma posterior, para, a final, verificar qual a
menos gravosa ao acusado. 4. Na espécie, não restam dúvidas de que é muito mais
benéfico aos réus não sofrer os percalços de uma ação penal e, em cumprindo o
acordado, ter extinta a punibilidade de seus atos, do que sujeitar-se a todo processo
judicial a fim de que não veja suspenso o prazo prescricional. 5. Não se pode dar
ao art.15 da lei do REFIS a mesma interpretação dada pelo Supremo Tribunal
Federal quando do enfrentamento das inovações trazidas pela Lei nº 9.271/96, que
alterou o artigo 366 do CPP. É que, diferentemente do disposto no artigo 366 da
Lei Penal Adjetiva, o artigo 15 da Lei do REFIS (conjugadas as previsões do caput,
§§ 1º e 3º) tem o condão de gerar a extinção da punibilidade do réu. Tal benesse
não é, contudo, objeto do artigo 366 do CPP (Lei nº 9.271/96), que apenas assegura
ao estado a manutenção de seu jus puniendi. (...) (TRF4, RSE 2001.71.00.030635-
3, Turma Especial, Relator Fábio Bittencourt da Rosa, DJ 23/01/2002).”

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Dois famosos advogados impetram habeas corpus para trancar ação penal
ajuizada pelo MPF em face de contribuinte pela sonegação de IPI. Aduzem, na
impetração, o seguinte:1) o réu foi condenado com base no mesmo documento -"nota fiscal
calçada" -por sonegação de ICMS;2) o bem jurídico é a ordem tributária, sendo
irrelevantes os tributos sonegados, logo há bis in idem;3) caso seja possível a condenação
por dois crimes haveria conexão, de molde a que se deva anular a condenação da
instância estadual, uma vez que a competência federal é absoluta (Súmula 122 do STJ). Na
qualidade de relator, decida sobre a concessão ou não da ordem.

Resposta à Questão 2

Veja o seguinte julgado:

“Classe: HC - HABEAS CORPUS. Processo: 97.04.40045-4. UF: RS. Data da


Decisão: 23/10/1997. Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Fonte. DJ 03/12/1997
PÁGINA: 104990. Relator: JOSÉ FERNANDO JARDIM DE CAMARGO.
Decisão unânime.
Ementa: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE SONEGAÇÃO
DE IMPOSTOS.LEI-8137 /90, ART-1, INC-2, ICMS E IPI. NOTAS FISCAIS
FRIAS. COISA JULGADA. CONCURSO FORMAL. UNIFICAÇÃO DAS
PENAS.
1. O Paciente utilizou as mesmas notas fiscais frias para fraudar o IPI e o ICMS,
tendo sido condenado pela sonegação a este último, na Comarca de Farroupilha e
já cumprida a pena.
2. Nova denúncia, agora na Justiça Federal, acusando-o novamente da prática do
crime previsto no INC-2 do ART-1 da LEI-8137 /90, por ter fraudado o IPI.
3. Apesar de se considerar que o Paciente praticou uma só conduta - utilização de
notas fiscais frias - o resultado importou em dois delitos, atingindo duas ordens
tributárias diferentes, a estadual e a federal.
4. Como o Paciente, com a sua conduta, quis mais de um resultado, há concurso
formal e em havendo sentença definitiva em relação à sonegação do ICMS,
aplicável a parte final do ART-82 do CPP-41, no sentido de que a unidade dos
processos só se dará ulteriormente, para efeito de soma ou unificação das penas.”

Questão 3

JOSEFINA foi denunciada como líder de uma complexa organização criminosa,


desenvolvida por meio do seu escritório de advocacia, cuja finalidade precípua seria a de
promover a chamada "blindagem patrimonial" a diversos "clientes", o que se fazia por
meio de empresas fictícias no exterior, abertas em nome de "laranjas", para ocultação,
proteção e lavagem de dinheiro.
A denúncia descreve, suficientemente, as dezenas de ilícitos, em tese, perpetrados
pelos agentes denunciados, relacionando-os com um vasto conjunto de provas constituído
principalmente por objetos e documentos apreendidos, interceptações telefônicas,
interrogatórios dos réus, depoimentos das testemunhas etc., em perfeita consonância com
as exigências do art. 41 do CPP, permitindo à paciente ter clara ciência das condutas
ilícitas que lhe são imputadas, garantindo-se-lhe o livre exercício do contraditório e da
ampla defesa.
O esquema fraudulento era muito bem montado, utilizando, por exemplo, a
falsificação de documentos e utilização de empresas "fantasmas" ou de "laranjas" em

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP V Direito Tributário V

operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco, não havendo,
evidentemente, processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram
utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a
autoridade administrativa completamente alheia à ação delituosa, e sem saber sequer que
houve valores sonegados.
Por isso, impetra JOSEFINA um habeas corpus, pedindo o trancamento da ação
penal, por falta de justa causa, qual seja, a inexistência do valor concreto de seu débito
para com a Fazenda.
Responda, fundamentadamente, atendo-se somente ao que tange ao crime contra a
ordem tributária eventualmente cometido, se o writ deve ser deferido.

Resposta à Questão 3

Veja os seguintes julgados do STJ e STF:

“HC 50933 / RJ. HABEAS CORPUS. Relatora Ministra LAURITA VAZ. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 17/08/2006. Data da
Publicação/Fonte DJ 02/10/2006 p. 294.
Ementa: HABEAS CORPUS. ADVOGADO. OPERAÇÃO "MONTE ÉDEN".
CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA, QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO DE
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, TRÁFICO
DE INFLUÊNCIA. ARGÜIDA INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA.
1. A extensa inicial acusatória, que conta com 163 laudas, aponta, essencialmente,
para a participação de liderança do ora Paciente em complexa organização
criminosa, desenvolvida por meio do seu escritório de advocacia, cuja finalidade
precípua seria a de promover a chamada "blindagem patrimonial" a diversos
"clientes", o que se fazia por meio de empresas fictícias no exterior, abertas em
nome de "laranjas", para ocultação, proteção e lavagem de dinheiro.
2. A denúncia descreve, suficientemente, as dezenas de ilícitos em tese perpetrados
pelos agentes denunciados, relacionando-os com um vasto conjunto de provas
constituído principalmente de objetos e documentos apreendidos, interceptações
telefônicas, interrogatórios dos réus, depoimentos das testemunhas etc., em perfeita
consonância com às exigências do art. 41 do CPP, permitindo ao Paciente ter clara
ciência das condutas ilícitas que lhe são imputadas, garantindo-se-lhe o livre
exercício do contraditório e da ampla defesa. Não há falar, assim, em inépcia da
peça acusatória.
3. É verdade que este Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido
de aderir à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reformulada a
partir do julgamento plenário do HC n.º 81.611/DF, relatado pelo ilustre Ministro
Sepúlveda Pertence, para considerar que não há justa causa para a persecução
penal do crime de sonegação fiscal, quando o suposto crédito tributário ainda
pende de lançamento definitivo, sendo este condição objetiva de punibilidade.
4. Não obstante, considerando as peculiaridades concretas do caso, verifica-se que
a hipótese sob exame em muito se diferencia daquelas outras que inspiraram os
referidos precedentes. De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há
discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do
quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime
contra ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de esquema
fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de
empresas "fantasmas" ou de "laranjas" em operações espúrias, tudo com o claro e
primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá
processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP V Direito Tributário V

fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade


administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber sequer que
houve valores sonegados.
5. Apurar a existência desses crimes contra a ordem tributária, cometidos mediante
fraudes, é tarefa que incumbe ao Juízo Criminal; saber o montante exato de
tributos que deixaram de ser pagos em decorrência de tais subterfúgios para
viabilizar futura cobrança é tarefa precípua da autoridade administrativo-fiscal.
Dizer que os delitos tributários, perpetrados nessas circunstâncias, não estão
constituídos e que dependem de a Administração buscar saber como, onde, quando
e quanto foi usurpado dos cofres públicos para, só então, estar o Poder Judiciário
autorizado a instaurar a persecução penal equivale, na prática, a erigir obstáculos
para desbaratar esquemas engendrados com alta complexidade e requintes de
malícia, permitindo a seus agentes, inclusive, agirem livremente no sentido de
esvaziar todo tipo de elemento indiciário que possa comprometê-los, mormente
porque a autoridade administrativa não possui os mesmos instrumentos coercitivos
de que dispõe o Juiz Criminal.
6. Tendo em conta que a denúncia descreve, com todos os elementos
indispensáveis, a existência de crimes em tese, sustentando o eventual
envolvimento do Paciente com a indicação de vasto material probatório, a
persecução criminal deflagrada não se constitui em constrangimento ilegal,
mormente porque não há como, em juízo sumário e sem o devido processo legal,
inocentar o Paciente das acusações, antecipando prematuramente o mérito.
7. Embora os numerosos delitos em apuração sejam, em boa parte, de altíssima
complexidade, foram satisfatoriamente descritos na inicial acusatória. E a estreita
via do habeas corpus, que não admite dilação probatória, exigindo prova pré-
constituída das alegações, não é sede própria para discutir teses defensivas que,
substancialmente contrariadas pelo órgão acusador, dependam de aprofundada
incursão na seara fático-probatória.
8. Ordem denegada.”

“HC 89965 / RJ - RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator Min.


GILMAR MENDES. Julgamento: 06/02/2007. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: DJ 09-03-2007 PP-00052.
EMENTA: Habeas Corpus. 1. Pedido de trancamento da ação penal. 2. Crimes de:
i) falsidade ideológica (CP, art. 299); ii) sonegação de contribuição previdenciária
(CP, art. 337-A); iii) evasão de divisas (Lei nº 7.492/1986, art. 22, caput; e art. 22,
segunda parte do parágrafo único); iv) lavagem de bens e valores (Lei nº
9.613/1998, art. 1º, inciso VI; e § 2º, inciso II); v) gestão fraudulenta de
instituições financeiras; vi) frustração a direitos trabalhistas; vii) formação de
quadrilha (CP, art. 288); e viii) sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, I e art.
2º, I). 3. Alegações da defesa: a) falta de justa causa para a persecução penal
quanto ao crime de sonegação fiscal pela inexistência do procedimento
administrativo prévio para a sua apuração e; b) inépcia da denúncia oferecida pelo
Parquet Federal em desfavor do paciente. 4. Descrição das etapas do procedimento
administrativo e dos desdobramentos do processo administrativo-fiscal. No caso
concreto, não há elementos que indiquem a existência de crédito definitivamente
constituído em face do paciente. Não há, nos autos, indício de procedimento que
tenha se exaurido de modo definitivo perante a instância administrativo-fiscal.
Com relação aos delitos de sonegação fiscal que ainda não tenham sido
devidamente apreciados, de modo definitivo, na instância administrativo-fiscal,
configura-se patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o
deferimento da ordem, nos termos dos precedentes firmados por esta Corte (ADI nº
1.571/DF, de minha relatoria, Pleno, maioria, DJ 30.04.2004; HC nº 84.423/RJ,
Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, por maioria, DJ 24.09.2004; HC nº
85.207/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 29.04.2005; HC nº
81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, maioria, DJ 13.05.2005; e HC nº

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP V Direito Tributário V

85.949/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, ordem parcialmente


deferida, unânime, DJ 06.11.2006). 5. Não obstante o reconhecimento de falta de
justa causa para a apuração dos crimes tributários, no caso, a peça acusatória
descreveu a ocorrência, ao menos em tese, de outros delitos. Não é possível
declarar a peça acusatória como inepta porque os fatos criminosos estão narrados,
bem como as suas circunstâncias, assim como estão presentes a qualificação do
acusado e a classificação dos crimes, nos termos do art. 41 do CPP. 6. Ordem
parcialmente concedida para que a ação penal instaurada na origem seja trancada
tão-somente com relação aos delitos de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º,
inciso I e art. 2º, I) que ainda estejam em discussão no âmbito administrativo-
fiscal, sem prejuízo, porém, de que a persecução penal persista com relação aos
demais tipos imputados ao paciente na denúncia.”

“HC 89855 MC / RJ - RIO DE JANEIRO. MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS


CORPUS. Relator: Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 16/11/2006.
Publicação: DJ 04/12/2006.
(...)
Passo a decidir tão somente o pedido de medida liminar. A Ministra Laurita Vaz,
relatora do Habeas Corpus nº 48.300/RJ, do Superior Tribunal de Justiça, assim se
manifestou em seu voto (fls. 49-52): ""O Tribunal Regional Federal da 2ª Região
rejeitou os argumentos da impetração e denegou a ordem, afastando a argüição de
incompetência do Juízo Federal da 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ. A
propósito, extrai-se do acórdão o seguinte excerto: 'Preliminarmente, pretendem os
impetrantes seja reconhecida a incompetência da autoridade judiciária reputada
coatora em favor do MM. Juízo da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo,
nos termos do art. 70, inciso I, em interpretação conjunta com o artigo 564, inciso
I, ambos do Código de Processo Penal, ao argumento de que o inquérito originário
de nº 2005.51.01503930-0 e a denúncia veiculada nos autos de nº
2004.51.01.5300151-8 foram deflagrados com o escopo de apurar supostas
condutas ilícitas praticadas no Estado de São Paulo por funcionários do escritório
de advocacia OLIVEIRA NEVES, consistentes na manutenção e criação de
sociedades empresárias estrangeiras voltadas à dissimulação da propriedade real de
bens e valores (serviços de ). Em abono, aduzem ainda que a totalidade dos réus
reside em São Paulo, como também a maioria das testemunhas de defesa
porventura indicadas, o que conduz a larga produção de prova oral perante Juízo
diverso do processante. Desse modo, requer seja declarada a nulidade da decisão
que recebeu a denúncia, bem como da decisão que decretou a prisão preventiva do
paciente, com a conseqüente expedição de alvará de soltura em seu favor.
A propósito, esclareceu a MM. Juíza da 5ª Vara Criminal, Drª Ana Paula Rodrigues
Mathias, em sede de informações prestadas às fls. 246-248, que na data de 23 de
novembro de 2004, por ocasião da análise de representação da autoridade policial
endereçada aquele Juízo, à época o único especializado no julgamento dos crimes
de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro, foram deferidas as medidas
cautelares. A propósito, esclareceu a MM. Juíza da 5ª Vara Criminal, Drª Ana Paula
Rodrigues Mathias, em sede de informações prestadas às fls. 246-248, que na data
de 23 de novembro de 2004, por ocasião da análise de representação da autoridade
policial endereçada aquele Juízo, à época o único especializado no julgamento dos
crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro, foram deferidas as
medidas cautelares de quebra de sigilo de dados cadastrais, de interceptação
telefônica e telemática, com o escopo de prosseguir nas investigações de crimes de
lavagem de dinheiro supostamente imputáveis à Rede Chebabe, praticados com a
colaboração de integrantes do escritório de Advocacia Oliveira Neves, consistente
na manutenção e administração de empresas fictícias estrangeiras em prol da
mencionada Rede. Prorrogadas por diversas vezes as medidas investigatórias antes
mencionadas, foi possível à Autoridade Policial amealhar indícios de que o próprio
escritório de advocacia Oliveira Neves também utilizava a criação das

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP V Direito Tributário V

denominadas SAFI's (Sociedades Anônimas Financeiras de Investimentos) em


benefício próprio, ou seja, ocultando o patrimônio de seus integrantes, e ainda
oferecendo os respectivos de blindagem, proteção, ocultação patrimonial a , por
meio de palestras e jornais. Em suma, as investigações lograram desbaratar, além
do empreendimento criminoso imputável a NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA
NEVES e demais integrantes do referido escritório, os esquemas de alguns
clientes, cujas ações penais respectivas pendem ainda dos desdobramentos das
medidas de busca e apreensão já decretadas.Com efeito, é de conhecimento das
autoridades públicas a deflagração de apuratório criminal nominado Operação
1203, submetido ao MM. Juízo Federal da 1ª Vara de Campos dos Goytacazes,
com escopo de investigar condutas em tese típicas relacionadas à adulteração de
combustíveis, imputáveis a REDE CHEBABE, sob a direção intelectual de
ANTÔNIO CARLOS CHEBABE. A referida investigação, no entanto, apontou
ainda indícios de atuação conjunta entre o escritório OLIVERA NEVES e a REDE
CHEBABE na criação e manutenção de empresas no exterior, mediante a
utilização de terceiros , com o intuito de garantir a ocultação da real titularidade de
bens e valores de membros desta Com efeito, é de conhecimento das autoridades
públicas a deflagração de apuratório criminal nominado Operação 1203, submetido
ao MM. Juízo Federal da 1ª Vara de Campos dos Goytacazes, com escopo de
investigar condutas em tese típicas relacionadas à adulteração de combustíveis,
imputáveis a REDE CHEBABE, sob a direção intelectual de ANTÔNIO CARLOS
CHEBABE. A referida investigação, no entanto, apontou ainda indícios de atuação
conjunta entre o escritório OLIVERA NEVES e a REDE CHEBABE na criação e
manutenção de empresas no exterior, mediante a utilização de terceiros , com o
intuito de garantir a ocultação da real titularidade de bens e valores de membros
desta última; fatos esses que justificaram a instauração de inquérito autônomo, sob
n.º 2005.51.01503930-0, distribuído ao Juízo da 5ª Vara Criminal da Seção
Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, à época o único especializado no
julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro.
Ocorre, contudo, que as medidas cautelares de índole probatória decretadas nos
autos do inquérito de n.º 2005.51.01503930-0 revelaram que o expediente acima
narrado, e que envolvia, em síntese, a criação de sociedades empresárias com o
escopo de mascarar a real titularidade de bens e valores, era desempenhado não
apenas em benefício da REDE CHEBABE, mas também em prol de outros clientes
dos serviços de e ainda em favor de organização criminosa alegadamente gerida
pelo paciente NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, estas últimas condutas
cometidas em tese no município de São Paulo, na sede do mencionado escritório
de advocacia. Cumpre anotar, de imediato que a denúncia veiculada nos autos do
de n.º 2004.51.01.530151-8 (processo originário) tende a apurar, tão-somente, (fls.
38 da denúncia).Há, portanto, uma multiplicidade de fatos em tese típicos. Nesse
ponto, tenho para mim que a questão concernente à competência de Juízo envolve
necessariamente a análise de conexão eventualmente existente entre o esquema de
blindagem patrimonial> efetuado em favor da própria organização criminosa
gerida por NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, sob a direção intelectual do
paciente; a ocultação de titularidade de bens e valores em prol da REDE
CHEBABE e os delitos relacionados Há, portanto, uma multiplicidade de fatos em
tese típicos. Nesse ponto, tenho para mim que a questão concernente à
competência de Juízo envolve necessariamente a análise de conexão
eventualmente existente entre o esquema de blindagem patrimonial> efetuado em
favor da própria organização criminosa gerida por NEWTON JOSÉ DE
OLIVEIRA NEVES, sob a direção intelectual do paciente; a ocultação de
titularidade de bens e valores em prol da REDE CHEBABE e os delitos
relacionados à adulteração de combustíveis supostamente praticados por
ANTÔNIO CARLOS CHEBABE. Acerca da conexão anota Eugênio Pacelli de
Oliveira (Curso de Processo Penal, 5ª edição Revista e Ampliada - Belo Horizonte:
Del Rey, 2005, p. 240): A realidade dos fenômenos da vida nos mostra que pode

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

haver, entre dois ou mais fatos de relevância penal, alguma espécie de liame, de
ligação, seja de natureza subjetiva, no campo das intenções, motivações e de dolo,
seja ainda de natureza objetiva, em referência às circunstâncias de fato, como
sejam, o lugar, o tempo e o modo de execução da conduta delituosa. Em uma
palavra, pode haver entre eles conexão, hipóteses concretas de aproximação entre
um e outro evento, a estabelecer entre eles um ponto de afinidade, de contato ou de
influência na respectiva apuração. No caso dos autos, vislumbro, ao menos, a
existência de liame instrumental entre os fatos mencionados, sem prejuízo de
outros fatores de conexão, subjetivos ou objetivos, a serem porventura constatados
a partir da análise detida dos respectivos autos principais. Com efeito, em um
momento inicial verificou-se o envolvimento entre membros do escritório de
advocacia OLIVEIRA NEVES e integrantes da REDE CHEBABE. Com o evoluir
das investigações foram acrescidos novos dados, que justificaram apuração
autônoma e a propositura de denúncia nos autos originários do presente habeas
corpus. Ou em outras palavras: houve uma intensa investigação, frise-se, não foi
uma investigação pontual, em relação ao grupo Chebabe por fatos relacionadas à
adulteração de combustíveis; sendo certo que com o desenrolar chegou-se a notícia
de que havia uma assistência jurídica prestada para a REDE CHEBABE sob a
forma de blindagem patrimonial e, por fim, intensificadas as apurações constatou-
se que a referida patrimonial não se dava só com o Grupo Chebabe, aplicando-se
também ao próprio escritório. Não se ignora que os fatos não são idênticos e
possuem existência material e punibilidade autônomas (o que é da essência da
conexão, afinal fossem as mesmas as condutas sequer poderíamos falar em
conexão), contudo - e daí advém o liame - há entre eles flagrante ponto em
comum, a saber: pouco importando quais sejam os beneficiados, a
operacionalização do esquema de ocultação patrimonial é imputada ao escritório
de advocacia OLIVEIRA NEVES, sob a direção intelectual do paciente. Daí por
que a atividade instrutória encontra-se amalgamada; em suma, a prova de um fato
influencia na demonstração do outro (art. 76, inciso III do Código de Processo
Penal). Assim, entendo que a apuração conjunta dos referidos acontecimentos,
perante o MM. Juízo da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de
Janeiro, permite uma melhor compreensão de suas dinâmicas, bem como evita
decisões contraditórias. Vê-se, portanto, que estando em jogo a tutela imediata dos
processos em curso, de modo a se assegurar um provimento judicial final o mais
acertado possível, a competência firmada em decorrência da conexão pauta-se em
critério absoluto. Acrescente-se que a competência da autoridade impetrada
decorre ainda da prevenção, firmada nos termos do art. 83 do Código de Processo
Penal, haja vista o referido Juízo ter se antecipado licitamente em relação a
qualquer outro igualmente competente, no conhecimento formal e oficial dos fatos
criminosos objeto de apuração, por ocasião do deferimento das cautelares
retromencionadas (Inquérito Policial nº 2005.51.01503930-0 e medidas cautelares
apensadas). Isto posto, consoante fundamentação acima expendida, rejeito a
argüição preliminarmente aduzida pelo impetrante, e declaro a competência
absoluta do MM. Juízo da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio
de Janeiro'.Pelo que infere do acórdão atacado, há evidente conexão entre alguns
dos crimes em apuração cometidos, em tese, por integrantes da 'Rede Chebabe' e
pelo escritório de advocacia liderado pelo ora Paciente. Este, segundo as
investigações preliminares, prestava seus serviços de 'blindagem' patrimonial para
proteção de numerário pertencente à dita organização criminosa. No decorrer das
diligências investigatórias, logrou-se identificar outros 'clientes' da atividade
desenvolvida pelo escritório de advocacia, apontando para a necessidade de uma
persecução criminal distinta. Nesse contexto, caracterizado o liame entre os fatos
em apuração, resta evidenciada a conexão, a recomendar a unificação da
investigação e do processamento judicial dos supostos envolvidos nos crimes O
parecer ministerial da lavra do eminente Procurador Regional da República, em
exercício perante esta Corte, Dr. Paulo Gustavo Gonet corrobora esse

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP V Direito Tributário V

entendimento, in verbis: 'Como se pode observar, o inquérito policial recolheu


indícios da atuação do paciente voltada para favorecer as operações da rede
Chebabe, apontadas como delituosas. A rede de adulteração de combustíveis
estaria valendo-se dos serviços coordenados pelo paciente para ocultar o extenso
patrimônio obtido com a atividade delituosa. A conexão entre os delitos de que
cuidam os autos fica assim evidenciada. Nessas circunstâncias, ainda que os crimes
atribuídos ao paciente tenham ocorrido na sede do escritório Oliveira Neves, no
Estado de São Paulo, a interligação entre estes e os que se deram no Estado do Rio
de Janeiro não pode ser desprezada e justifica a apuração conjunta. Quanto à
prevenção da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, esta ocorreu em razão a
precedência na autorização dos atos investigatórios - o que torna a Seção Judiciária
fluminense foro próprio para a realiza. Quanto à prevenção da Justiça Federal no
Estado do Rio de Janeiro, esta ocorreu em razão da precedência na autorização dos
atos investigatórios - o que torna a Seção Judiciária fluminense foro próprio para a
realização dos demais atos processuais em curso, nos termos do artigo 83, do
Código de Processo Penal, que dispõe:Ademais, ainda que houvesse questão
relevante sobre competência a ser deslindada, o problema se resolveria no âmbito
da competência territorial, que é relativa, conforme antecipou a insigne Ministra
Relatora, ao indeferir a liminar solicitada. Não haveria, assim, a nulidade absoluta
reclamada pelo impetrante. Não se demonstrou, pois, constrangimento ilegal
passível de ser corrigido por habeas corpus neste momento.' (fls. 365/366).Ante o
exposto, DENEGO a ordem". (fls. 51/52).Não vislumbro flagrante ilegalidade,
portanto, nos fundamentos da decisão que denegou a ordem no HC nº 48.300/RJ,
impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça, apontado como coator neste
habeas. A concessão de liminar em habeas corpus dá-se em caráter excepcional, em
face da configuração do fumus boni iuris e do periculum in mora. No caso dos
autos, não estão presentes os requisitos exigidos para a concessão da medida
cautelar. Salvo melhor juízo quanto ao mérito, os fundamentos adotados pela
decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça assim como os dados
constantes dos demais documentos acostados aos autos não autorizam a concessão
da medida liminar. Nestes termos, indefiro o pedido de medida liminar. Estando os
autos devidamente instruídos, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República
(RI/STF, art. 192).Publique-se. Brasília, 16 de novembro de 2006. Ministro
GILMAR MENDES. Relator.”

Tema VI

Crimes Contra a Ordem Tributária IV Crimes praticados por particulares (artigos 2º da Lei 8.137/1990)
Crimes praticados por funcionários públicos (artigos 3º, 11 e 12 da Lei 8.137/1990). 1. Sujeito ativo; 2.
Sujeito passivo; 3. Tipo penal objetivo; 4. Tipo penal subjetivo; 5. Objeto jurídico; 6. Consumação; 7.
Concurso de crimes; 8. Pena; 9. Ação penal; 10. Extinção da punibilidade; 11. A culpabilidade como
pressuposto da pena; 12. Crime de Bagatela; 13. Princípio da Insignificância; 14. Questões processuais.
Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula6

1. Natureza do processo administrativo fiscal em relação aos crimes tributários

6
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 30/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Esta é hoje a principal discussão em relação aos crimes tributários: definir se o


processo administrativo fiscal, que poderá resultar no lançamento, é condição objetiva de
punibilidade, ou se é elemento normativo do tipo.
O julgado abaixo, do STF, é fundamental neste tema:

“HC 81.611 / DF - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento:


10/12/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação DJ 13-05-2005.
EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º):
lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo:
falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição
enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora
não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571),
falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.
8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do
processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo
uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por
outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do
tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e
garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura
da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para
questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se
devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo
criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo
administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a
ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.”

Neste julgado, a impetração sustentava a existência de um direito à ampla defesa


administrativa, e, além disso, havendo uma norma que prevê o pagamento como causa de
extinção da punibilidade quando realizado antes do recebimento da denúncia (artigo 34 da
Lei 9.249/95), o oferecimento da denúncia sem lançamento acabaria por suprimir esta
ampla defesa administrativa. Além disso, para a existência de um tributo, seria necessário o
lançamento, que é uma atividade privativa do fisco, não podendo, por meio da ação penal,
ser afirmada a existência de um tributo.
O parecer da PGR neste feito sustentava que as instâncias seriam autônomas, e,
além disso, o juízo sobre a existência de crime seria privativo do MP, como
constitucionalmente garantido. O processo administrativo configuraria no máximo uma
questão prejudicial heterogênea (pois uma decisão administrativa teria o condão de
influenciar a decisão judicial).
Andreas Eisele afirma que o crime tributário está relacionado ao descumprimento
da obrigação tributária mediante fraude. Para este autor, o STF confundiu a existência da
obrigação tributária com a necessidade de lançamento para caracterizar o crime: o que o
lançamento visa é a dar exigibilidade ao crédito, e não propriamente fixar a ocorrência de
um tributo, no caso concreto. Na verdade, o crime se consuma na atividade, que é deixar de
recolher tributo por meio fraudulento – o lançamento não sendo a consumação do crime.
Para este autor, portanto, é equivocada a idéia de que o lançamento seja uma
condição objetiva de punibilidade, pois estas causas derivam de opções de política criminal,
por meio das quais o legislador restringe a persecução penal em nome de outros interesses.
Para Eisele, ainda que o tributo seja um elemento normativo do delito, nada impediria que o
juiz, no caso concreto, afirmasse a ocorrência de um fato gerador, e do próprio delito,
apenas para fins criminais.

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Segundo o STF, se o fisco disser que não há tributo, na casuística, não se pode
denunciar por crime de sonegação. Se o fisco disser que há o tributo, porém, é discutível a
sua existência na seara criminal – ou seja, as instâncias só se vinculam quando da suposta
inexistência do tributo. A PGR recusa esta vinculação de mão única, apenas quando o fisco
diz que não há tributo, reputando-a, corretamente, assistemática.
Debalde as criticas tremendamente pertinentes, a questão está hoje solidificada na
jurisprudência, contando até mesmo com súmula vinculante. Veja:

“Súmula vinculante 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária,
previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento
definitivo do tributo.”

“Súmula 78, TRF: A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da


persecução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1ª
da Lei nº 8.137/90.”

“Informativo nº 580, STF.


Crimes contra a Ordem Tributária e Persecução Penal.
Os delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, exigindo
para sua tipificação a constituição definitiva do crédito tributário para o
desencadeamento da ação penal. Tendo em conta essa orientação, a Turma deferiu
habeas corpus para reconhecer a nulidade de ação penal instaurada contra acusados
pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, III),
por vislumbrar, no caso, falta de justa causa para o desencadeamento da ação
penal. Alegava a impetração que a persecução penal iniciara-se antes mesmo de
haver qualquer ato de fiscalização, e que o processo administrativo tendente a
constituir o crédito tributário somente se encerrara pouco antes de prolatado
acórdão pelo TRF da 3ª Região, em virtude de decisão do Conselho de
Contribuintes, que negara provimento aos recursos interpostos pela empresa da
qual os pacientes são sócios. Sustentava, assim, que a materialidade do crime não
estaria configurada por ocasião do recebimento da denúncia e, em conseqüência,
inexistiria justa causa apta a autorizar o desencadeamento da ação penal.
Asseverou-se que careceria de justa causa qualquer ato investigatório ou
persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração
fazendária no tocante ao débito fiscal e responsabilidade do contribuinte.
Considerou-se que o parquet não teria a faculdade de decidir subjetivamente sobre
o que seria, numa visão prospectiva, “definitivo” em termos de lançamento
tributário, autorizando, destarte, o oferecimento da denúncia antes de constituído o
crédito em favor do Fisco. Ressaltou-se, ademais, que tal entendimento encontrar-
se-ia, já por ocasião do recebimento da denúncia, pacificado no STF, e
consubstanciada na Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a
ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do
lançamento definitivo do tributo.”).
HC 97118/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.3.2010. (HC-97118).”

A verdade é que o STF estabeleceu que só há tributo quando há exigibilidade, o que


contraria a estrutura tributária como um todo, pois, como se sabe, o tributo surge no fato
gerador, donde surge a obrigação tributária, ganhando apenas concretude no lançamento,
que declara esta obrigação e constitui o crédito exigível – nada mais representando este ato.
Veja o seguinte julgado do TRF da Segunda Região:

“TRF2, 1ª Turma Especializada, HC 2004.02.01.012398-3/ES, Rel. Des. Fed. Abel


Gomes, un, DJU 25.08.05).

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP V Direito Tributário V

I - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TÉRMINO DO PROCESSO


ADMINISTRATIVO. II - INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE
PUNIBILIDADE. III - NÃO CONFIGURAÇÃO DE CONDIÇÃO DE
PROCEDIBILIDADE. IV - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO
PAGAMENTO DO TRIBUTO NÃO COMPORTA RESERVAS. V -
IMPROCEDÊNCIA DOS FUNDAMENTOS CONTIDOS NO PRECEDENTE
DO STF (HC N. 81.611-8/DF) NO CASO CONCRETO. VI - ORDEM
DENEGADA.
(...)
4. Por mais que o lançamento traga a certeza sobre a existência do conteúdo da
obrigação tributária, não é ele que busca a certeza sobre a existência do emprego
de algum dos meios fraudulentos previstos nos incisos do art. 1º da Lei n.
8.137/90.
5. São características das condições objetivas de punibilidade: situarem-se fora do
crime e do dolo do agente. Além disso, não devem guardar nenhuma relação -
direta ou indireta - com a conduta típica objetiva e subjetiva. O pronunciamento
definitivo da Administração sobre o conteúdo da obrigação tributária diz respeito a
elementar do tipo penal e não pode ser equiparado à condição objetiva de
punibilidade. Afinal, definir o conteúdo da prestação devida - tributo - suprimido
ou reduzido, por ter sido empregada a fraude, é adentrar o exame de sua elementar
típica.
(...)
8. Não se reconhece no pronunciamento definitivo da Administração sobre o
crédito tributário derivado de fraude no pagamento de tributos, nenhuma das
condições previstas em lei para o exercício da ação penal, de que trata o art. 43, III,
última parte do CPP. Precedentes do STJ.
9. Ordem denegada.”

O precedente criado no HC 81.611 aplica-se ao crime tributário formal, do artigo 2º,


I, da Lei 8.137/90? A resposta é negativa, mesmo que o STF já tenha se debatido sobre esta
definição, tendo outrora entendido que sim. Hoje, não há dúvida: o lançamento não é
condição objetiva de punibilidade para o crime tributário formal, mas apenas para o
material. Veja:

“Sonegação Fiscal e Esgotamento de Instância Administrativa


O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a recurso ordinário em habeas
corpus, impetrado em favor de acusada pela suposta prática dos crimes previstos
no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (“Frustrar,
mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”), para
trancar o inquérito policial contra ela instaurado relativamente à investigação do
possível crime de sonegação fiscal, sem prejuízo do seu prosseguimento em
relação aos demais fatos. Aplicou-se o entendimento firmado pela Corte no sentido
de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de
punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material
contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do
procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado,
definitivamente, o referido crédito. (...). Precedentes citados: HC 88994/SP (DJU
de 19.12.2006); HC 88657 AgR/ES (DJU de 10.8.2006); HC 81611/DF (DJU de
13.5.2005). RHC 90532/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.7.2008. (RHC-
90532).”

“Sonegação Fiscal e Esgotamento de Instância Administrativa – 2


O Tribunal conheceu de embargos de declaração para, emprestando-lhes efeitos
modificativos, negar provimento a recurso ordinário em habeas corpus, de forma a

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP V Direito Tributário V

permitir o prosseguimento de inquérito policial instaurado contra a paciente,


acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90
(sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (“Frustrar, mediante fraude ou violência,
direito assegurado pela legislação do trabalho”) — v. Informativo 513. Na espécie,
o acórdão embargado dera parcial provimento ao recurso ordinário para trancar o
inquérito policial relativamente ao crime de sonegação fiscal, aplicando o
entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via
administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes
dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que,
somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será
considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. Asseverou-se que tal
orientação jurisprudencial seria inerente ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei
8.137/90, classificado como crime material, que se consuma quando as condutas
nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo.
Observou-se que o crime de sonegação fiscal, por sua vez, é crime formal que
independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a
omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, isto é, não demanda a
efetiva percepção material do ardil aplicado. Daí que, no caso, em razão de o
procedimento investigatório ter por objetivo a apuração do possível crime do art.
2º, I, da Lei 8.137/90, a decisão definitiva no processo administrativo seria
desnecessária para a configuração da justa causa imprescindível à persecução
penal. RHC 90532 ED/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.9.2009. (RHC-90532)
HC 73.353 – RJ (STJ – 6ª TURMA - RELATOR : MINISTRO NILSON NAVES -
DJe: 24/11/2008).”

“Crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal). Esfera administrativa (Lei nº


9.430/96). Processo administrativo (inexistência). Recebimento da denúncia
(impossibilidade).
1. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no art. 83 da Lei nº
9.430/96, o prevalente entendimento é o de que a condição ali existente é condição
objetiva de punibilidade. 2. Na inexistência de processo administrativo no qual se
discuta a exigibilidade de crédito tributário, não há falar em procedimento penal,
menos ainda em recebimento de denúncia ofertada. 3. Ainda que possua natureza
formal a prática atribuída ao paciente – aquela descrita no art. 2º, I, da Lei nº
8.137/90 –, em casos que tais, de igual forma, o procedimento penal não prescinde
do prévio esgotamento da esfera administrativa, ou seja, também se faz necessária
a constituição definitiva do crédito tributário. 4. Ordem de habeas corpus
concedida para serem subtraídos da denúncia os crimes contra a ordem tributária
(arts. 1º, I, e 2º, I, da Lei nº 8.137/90). Decisão por empate.”
Na esteira deste precedente, deste entendimento sumulado, de que o lançamento é
exigência para haver punibilidade pelo crime tributário material, sequer a instauração de
inquérito policial é admissível, tampouco cautelares antecipadas. Veja:
“CRIME. ORDEM TRIBUTÁRIA. INQUÉRITO POLICIAL. PROCESSO
ADMINISTRATIVO FISCAL.
Resulta do descumprimento de condição objetiva de punibilidade a
impossibilidade de instauração da ação penal por prática do crime de sonegação
fiscal (crime contra a ordem tributária) e, conseqüentemente, do próprio inquérito
policial enquanto não houver decisão final sobre a exigência do crédito tributário
(lançamento definitivo do tributo), tal como determinado pelo art. 83 da Lei n.
9.430/1996. No caso, não houve sequer auto de infração, como demonstrado por
certidão, a comprovar inexistir ainda crédito exigível. Precedentes citados do STF:
ADI 1.571-1-DF, DJ 30/4/2004; do STJ: RHC 16.994- RS, DJ 28/11/2005. HC
53.033-BA, Rel. Min. Paulo Medina, julgado em 28/3/2006.”

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“Crimes contra a Ordem Tributária e Instauração de Inquérito – 2


A Min. Ellen Gracie, relatora, indeferiu o writ. Observou que, em que pese
orientação firmada pelo STF no HC 81611/DF (DJU de 13.5.2005) — no sentido
da necessidade do exaurimento do processo administrativo-fiscal para a
caracterização do crime contra a ordem tributária —, o caso guardaria
peculiaridades a afastar a aplicação do precedente. Asseverou que, no caso, a
instauração do inquérito policial tivera como escopo possibilitar à Fazenda
estadual uma completa fiscalização na empresa dos pacientes, que apresentava
sérios indícios de irregularidade. Aduziu que, durante a fiscalização, foram
identificados, pelo Fisco estadual, depósitos realizados na conta da empresa dos
pacientes, sem o devido registro nos livros fiscais e contábeis, revelando, assim, a
possível venda de mercadorias correspondentes aos depósitos mencionados sem a
emissão dos respectivos documentos fiscais. Enfatizou que tais depósitos
configurariam fortes indícios de ausência de recolhimento do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias - ICMS nas operações realizadas. Salientou que, diante
da recusa da empresa em fornecer documentos indispensáveis à fiscalização da
Fazenda estadual, tornara-se necessária a instauração do procedimento inquisitorial
para formalizar e instrumentalizar o pedido de quebra do sigilo bancário, diligência
imprescindível para a conclusão da fiscalização e, conseqüentemente, para a
apuração de eventual débito tributário. Concluiu que considerar ilegal, na presente
hipótese, a instauração de inquérito policial, que seria indispensável para
possibilitar uma completa fiscalização da empresa, equivaleria a assegurar a
impunidade da sonegação fiscal, na medida em que não haveria como concluir a
fiscalização sem o afastamento do sigilo bancário. Dessa forma, julgou possível a
instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária,
antes do encerramento do processo administrativo fiscal, quando for
imprescindível para viabilizar a fiscalização. Após, pediu vista dos autos o Min.
Cezar Peluso. HC 95443/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 25.8.2009. (HC-95443)

“BUSCA E APREENSÃO. DOCUMENTO. AUSÊNCIA. CRÉDITO


TRIBUTÁRIO.
Trata-se de busca e apreensão de documentos requerida judicialmente pelo MP, a
fim de colocá-los à disposição da Receita Federal para que ela apurasse uma
suposta sonegação e uma contabilidade paralela. A Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, entendeu que, para haver uma medida preparatória de
ação penal, necessário haver, pelo menos em tese, uma infração penal, que na
espécie, não ocorreu, pois não há qualquer crédito tributário constituído contra os
ora pacientes. Assim, a Turma, por maioria, concedeu a ordem para que sejam
devolvidos os documentos, arquivos eletrônicos e bancários e outros apreendidos,
uma vez que ilícita a busca e apreensão. Precedentes citados: HC 32.743-SP, DJ
24/10/2005, e HC 31.205-RJ. RHC 16.414-SP, Rel. originário Min. Hamilton
Carvalhido, Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 12/9/2006.”

“Informativo nº 0413. Período: 26 a 30 de outubro de 2009. Quinta Turma.


SIGILO. COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. INVIOLABILIDADE.
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor dos pacientes em que se pretende a
declaração da nulidade das interceptações telefônicas realizadas no procedimento
investigatório. Diante disso, a Turma concedeu a ordem por entender que foi
constatado que o acesso às informações protegidas por sigilo constitucionalmente
garantido foi possibilitado por decisão que não atendeu aos requisitos elencados
pelo legislador ordinário. Segundo o entendimento da Turma, trata-se de medida
açodada, pois se provou que indícios de autoria poderiam ser colhidos com o
depoimento dos sócios da empresa investigada, ato por diversas vezes postergado
pela própria autoridade policial e realizado apenas após a autorização de
interceptação telefônica objurgada, circunstância que evidencia a preterição, pelo
juiz, dos requisitos indisponíveis para o abrandamento do sigilo das comunicações

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP V Direito Tributário V

telefônicas. O Min. Relator destacou que este Superior Tribunal já decidiu ser
ilegal a interceptação telefônica deferida sem a observância dos requisitos
elencados nos incisos do art. 2º da Lei n. 9.296/1996. No caso, o objeto primordial
das investigações era o suposto crime de apropriação indébita previdenciária e
também estaria sendo praticado o delito de sonegação fiscal, fato que também
motivou a quebra do sigilo telefônico dos investigados. Também, este Superior
Tribunal entende que se tem por ilegal qualquer ato investigatório, dentre os quais
a quebra de sigilo telefônico destinada à colheita de provas acerca de crime contra
a ordem tributária, sem que se tenha notícia da constituição definitiva do crédito
tributário tido por sonegado. HC 128.087-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
27/10/2009.”

Pode a autoridade policial se recusar a instaurar inquérito policial requisitado pelo


MP ao argumento de que o contribuinte aderiu ao parcelamento? A questão ainda está em
discussão no STF:
“Lei 10.684/2003: Parcelamento Especial e Diligência Investigatória
A Turma, tendo em conta a articulação de inconstitucionalidade de preceito
normativo, deliberou afetar ao Plenário julgamento de recurso extraordinário
interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do TRF da 4ª Região
que indeferira correição parcial, em matéria criminal, ao fundamento de
inexistência de erro na condução de processo pela 1ª instância. No caso, após o
recebimento de representação fiscal para fins penais oriunda da delegacia da
Receita Federal, o parquet requisitara a instauração de inquérito e a oitiva dos
responsáveis pela empresa. Ocorre que a autoridade policial, considerando a
existência de parcelamento de débito fiscal, encerrara as investigações. Por
conseguinte, o Juízo Federal Criminal de Novo Hamburgo/RS aplicara o disposto
no § 1º do art. 9º da Lei 10.864/2003 (“Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do
Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de
dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica
relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de
parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão
da pretensão punitiva.”), enquanto perdurasse a inclusão dos investigados no
Programa de Parcelamento Especial - PAES, e determinara, ainda, o trancamento
do inquérito policial. O recorrente sustenta, na espécie, que a magistrada não
poderia ter impedido a continuidade das investigações por ele requisitadas, na
qualidade de dominus litis, e que a adesão ao mencionado programa não obsta o
prosseguimento do inquérito. Ademais, assevera que a constitucionalidade do art.
9º da Lei 10.684/2003 está sendo questionada na ADI 3002/DF e que o acórdão
recorrido ofende o princípio da proporcionalidade. Requer, ao final, o provimento
do recurso para a retomada das investigações policiais.
RE 462790/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.11.2007. (RE-462790).”

Havendo decadência tributária sem prescrição penal, pode haver persecução penal
nos delitos de sonegação? Seguindo a mesma linha, se não vai haver lançamento, porque
decaído o crédito, não terá como existir crime, e por isso não se pode cogitar de persecução
penal. Veja:
“HC 81321 / SP (STF – 1ªTURMA - Min. CEZAR PELUSO - DJ 15-02-2008).
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário, ou crime contra a ordem tributária.
Art. 1º da Lei nº 8.137/90. Delito material. Tributo. Inscrição mediante auto de
infração. Cancelamento por decisão judicial em mandado de segurança. Crédito
não lançado definitivamente. Falta irremediável de elemento normativo do tipo.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Crime que se não tipificou. Trancamento do processo. HC concedido para esse fim.
Precedentes. Não se tipificando crime tributário sem o lançamento fiscal definitivo,
não se justifica pendência de ação penal, quando foi cancelada, por decisão judicial
em mandado de segurança, a inscrição do suposto débito exigido.”

“HC 78.428 - RS(STJ – 6ª TURMA - DJe: 23/03/2009)


HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AÇÃO
ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL JULGADA PROCEDENTE. CRÉDITO
TRIBUTÁRIO INSUBSISTENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Havendo lançamento definitivo do tributo, a propositura de ação anulatória de
débito fiscal não impede o prosseguimento do processo-crime referente aos delitos
contra a ordem tributária, independentes que são as instâncias administrativa e
penal. 2. Julgado procedente o pedido para anular o auto de infração que serviu de
base à deflagração da ação penal, decisão que transitou em julgado, não há que
falar em crédito tributário definitivamente constituído, impondo-se, de rigor, o
trancamento da ação penal. 3. Habeas corpus concedido.”

“Informativo nº 0331. Período: 10 a 14 de setembro de 2007. Quinta Turma.


SONEGAÇÃO FISCAL. DECADÊNCIA. LANÇAMENTO.
A consumação dos crimes insertos no art. 1º da Lei n. 8.137/1990 depende do
lançamento definitivo do crédito tributário. Esses são tidos por crimes de resultado
ou materiais. Logo, é de se concluir que a ausência de lançamento do
crédito fiscal pela Administração, por força da fluência do prazo decadencial
qüinqüenal (art. 150, § 4º, do CTN) contado do fato gerador do tributo, impede a
condenação pela prática do crime de sonegação fiscal. Com esse entendimento, a
Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu a ordem de habeas
corpus. Precedentes citados do STF: HC 81.611-DF, DJ 20/5/2005; HC 84.262-DF,
DJ 29/4/2005; do STJ: REsp 747.829-PR, DJ 1º/2/2006; AgRg no REsp 762.144-
PR, DJ 13/3/2006, e HC 56.799-SP, DJ 16/4/2007. HC 77.986-MS, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, julgado em 13/9/2007.”

Estes precedentes tem sofrido uma tímida atenuação do seu rigor, pelo STJ: trata-se
da consideração do fenômeno da blindagem patrimonial. O STJ vem entendendo que em
determinadas hipóteses jamais ocorrerá procedimento fiscal – quando a fraude envolve
empresas fantasmas, documentos falsos e outros expedientes que impedem que a Receita
constitua o tributo. Nestes casos, segundo o STJ, seria mitigado o HC 81.611. Veja:

“HC 50933 / RJ (5ª TURMA - DJ 02.10.2006 p. 294)


HABEAS CORPUS. ADVOGADO. OPERAÇÃO "MONTE ÉDEN". CRIMES
CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,
QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO DE
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, TRÁFICO
DE INFLUÊNCIA. ARGÜIDA INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA.
1. A extensa inicial acusatória, que conta com 163 laudas, aponta, essencialmente,
para a participação de liderança do ora Paciente em complexa organização
criminosa, desenvolvida por meio do seu escritório de advocacia, cuja finalidade
precípua seria a de promover a chamada "blindagem patrimonial" a diversos
"clientes", o que se fazia por meio de empresas fictícias no exterior, abertas em
nome de "laranjas", para ocultação, proteção e lavagem de dinheiro.
(...)
3. É verdade que este Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido
de aderir à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reformulada a
partir do julgamento plenário do HC n.º 81.611/DF, relatado pelo ilustre Ministro
Sepúlveda Pertence, para considerar que não há justa causa para a persecução

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP V Direito Tributário V

penal do crime de sonegação fiscal, quando o suposto crédito tributário ainda


pende de lançamento definitivo, sendo este condição objetiva de punibilidade.
4. Não obstante, considerando as peculiaridades concretas do caso, verifica-se que
a hipótese sob exame em muito se diferencia daquelas outras que inspiraram os
referidos precedentes. De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há
discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do
quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime
contra ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de esquema
fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de
empresas "fantasmas" ou de "laranjas" em operações espúrias, tudo com o claro e
primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá
processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas
fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade
administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber sequer que
houve valores sonegados.
5. Apurar a existência desses crimes contra a ordem tributária, cometidos mediante
fraudes, é tarefa que incumbe ao Juízo Criminal; saber o montante exato de
tributos que deixaram de ser pagos em decorrência de tais subterfúgios para
viabilizar futura cobrança é tarefa precípua da autoridade administrativo-fiscal.
Dizer que os delitos tributários, perpetrados nessas circunstâncias, não estão
constituídos e que dependem de a Administração buscar saber como, onde, quando
e quanto foi usurpado dos cofres públicos para, só então, estar o Poder Judiciário
autorizado a instaurar a persecução penal equivale, na prática, a erigir obstáculos
para desbaratar esquemas engendrados com alta complexidade e requintes de
malícia, permitindo a seus agentes, inclusive, agirem livremente no sentido de
esvaziar todo tipo de elemento indiciário que possa comprometê-los, mormente
porque a autoridade administrativa não possui os mesmos instrumentos coercitivos
de que dispõe o Juiz Criminal.
(...)
8. Ordem denegada.”

O STF, contudo, não admite qualquer mitigação a este posicionamento. Veja:

“HC 89965 / RJ - (STF - Min. GILMAR MENDES - 2ª Turma - DJ 09-03- 2007)


Habeas Corpus. 1. Pedido de trancamento da ação penal.(...)
3. Alegações da defesa: a) falta de justa causa para a persecução penal quanto ao
crime de sonegação fiscal pela inexistência do procedimento administrativo prévio
para a sua apuração e; b) inépcia da denúncia oferecida pelo Parquet Federal em
desfavor do paciente. 4. Descrição das etapas do procedimento administrativo e
dos desdobramentos do processo administrativo fiscal. No caso concreto, não há
elementos que indiquem a existência de crédito definitivamente constituído em
face do paciente. Não há, nos autos, indício de procedimento que tenha se exaurido
de modo definitivo perante a instância administrativo-fiscal. Com relação aos
delitos de sonegação fiscal que ainda não tenham sido devidamente apreciados, de
modo definitivo, na instância administrativo-fiscal, configura-se patente situação
de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem (...)
5. Não obstante o reconhecimento de falta de justa causa para a apuração dos
crimes tributários (...) Não é possível declarar a peça acusatória como inepta
porque os fatos criminosos estão narrados, bem como as suas circunstâncias, assim
como estão presentes a qualificação do acusado e a classificação dos crimes, nos
termos do art. 41 do CPP. 6. Ordem parcialmente concedida para que a ação penal
instaurada na origem seja trancada tão-somente com relação aos delitos de
sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, inciso I e art. 2º, I) que ainda estejam
em discussão no âmbito administrativo-fiscal, sem prejuízo, porém, de que a

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP V Direito Tributário V

persecução penal persista com relação aos demais tipos imputados ao paciente na
denúncia.”

A verdade, porém, é que a aplicação deste precedente tem sido bastante inconstante,
como se vê na decisão abaixo:

“(RE 503400 / PR * Ministro Cezar Peluso * Decisão Monocrática)


(...)
O Supremo Tribunal Federal quando julgou o Habeas Corpus n° 81.611/DF, em
10/12/2003, teve em mente aqueles casos normais de sonegação de tributos, ou
seja, quando uma empresa é constituída regularmente suprime/reduz e, assim,
deixa de recolher as contribuições e impostos devidos. No presente caso, o réu e
seu pai, em conluio, obtiveram procuração falsa de terceiros para constituir uma
empresa e depois sonegar os tributos. Portanto, não há falar em condição objetiva
de punibilidade, pois o Ministério Público estaria maniatado em um crime que
iniciou com a falsidade documental.
(...)”

2. Inexigibilidade de conduta diversa da sonegação

Jamais se admitiria a alegação de estado de necessidade nestes crimes tributários:


não pode o sonegador defender-se sob argumento de que a sonegação foi feita para salvar
financeiramente a sociedade, pois os bens jurídicos sopesados não lhe acodem – o erário
prevalece.
Contudo, a inexigibilidade de conduta diversa pode ser alegada, mas só será
possível quando a defesa, por meio de provas documentais, demonstrar a dificuldade
financeira para recolher o tributo.
No TRF da Quarta Região, só se admite esta alegação no crime do artigo 168-A do
CP. Veja a jurisprudência:

“EMENTA: PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INC.


I, DA LEI 8.137/90. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. CONDENAÇÃO
MANTIDA. 1. Evidenciado nos autos que o réu suprimiu Imposto de Renda
Pessoa Física, omitindo informações à autoridade fiscal, a condenação às penas do
art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 é medida que se impõe. 2. Para ser admitida como
exculpante, a alegação de dificuldades financeiras deve estar apoiada em prova
definitiva, o que in casu não se verificou. 3. Ademais, ao contrário do que se dá em
relação ao crime de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A), não se
admite o afastamento da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa em
razão das dificuldades financeiras no caso de crime de sonegação fiscal. (TRF4,
ACR 2003.70.03.004053-2, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, D.E.
25/06/2008)”

“EMENTA: PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI


8.137/90. DOLO GENÉRICO COMPROVADO. INEXIGIBILIDADE DE
CONDUTA DIVERSA. AUSÊNCIA DE PROVAS. 1. O dolo do tipo previsto no
art. 1º, inc. I da Lei nº 8.137/90 é genérico, consistente na vontade livre e
consciente de suprimir ou reduzir tributo por intermédio das condutas referidas no
citado artigo, não se exigindo o dolo específico de fraudar a Receita Federal. 2.
Hipótese em que o delito se caracteriza como sonegação fiscal, e não como crime
de mera omissão de recolhimento. Entretanto, mesmo que se tratasse desse último,
somente configura exclusão da culpabilidade a ocorrência de dificuldades

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP V Direito Tributário V

financeiras muito graves, com real impossibilidade econômica de realizar o


recolhimento do respectivo tributo, devidamente demonstrado o exaurimento de
todos os meios necessários para efetivar essa obrigação, incluindo-se recursos do
capital particular, o que inocorreu na espécie. (TRF4, EINACR
2004.71.00.000648-6, Quarta Seção, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E.
16/01/2008)”

“RECURSO ESPECIAL Nº 510.742 - RS (2003/0048893-6) - RELATOR:


MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA - DJ 13/02/2006 p. 855.
RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA CONTÁBIL. NULIDADE.
PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA
EMPRESA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SÚMULA N.º 7
DESTA CORTE. ARTIGO 168-A DO CP. CRIME OMISSIVO. DOLO
ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. SÚMULA 83 DESTA CORTE.
APLICAÇÃO RETROATIVA DE LEI MAIS GRAVOSA. INOCORRÊNCIA.
RECURSO QUE SE CONHECE PARCIALMENTE E, NA EXTENSÃO, NEGA-
SE PROVIMENTO.
1. Mostrava-se desnecessária a prova pericial no caso em apreço, para
demonstração das dificuldades financeiras sofridas pela empresa, eis que outros
elementos de prova puderam ser produzidos e exibidos pela defesa formando o
convencimento do juiz; além disso, aplicável à espécie o princípio de que não há
nulidade sem a demonstração do prejuízo, previsto no artigo 563 do Código de
Processo Penal, pois a ausência da perícia contábil não enseja o reconhecimento de
nulidade diante do teor da documentação já se encontrava nos autos, não restando
comprovado o prejuízo sofrido pela parte; 2. De outra parte, o princípio do livre
convencimento fundamentado, regente no direito processual penal brasileiro,
permite ao juiz que aprecie livremente a prova, conforme o ditame principiológico
contido no artigo 157 do Código de Processo Penal; 3. A alegação de que a
empresa passava por uma série de dificuldades financeiras, motivo pelo qual não
foi possível repassar a contribuição previdenciária recolhida dos empregados
implicaria, no caso, o reexame de provas, inviável em sede de recurso especial, por
esbarrar no óbice imposto pelo enunciado sumular n.º 7 desta Corte; (...) 6.
Recurso de que se conhece parcialmente e a que, nessa extensão, se nega. (...)
É que, como bem ressaltou o Ministro Quaglia em seu voto, não se fazia
necessária, na espécie, a prefalada perícia contábil na empresa, cuja situação
econômica pudera ser suficientemente comprovada mediante a juntada da prova
documental, vale dizer, balanços financeiros, sentença de falência ou de
concordata, declarações do imposto de renda, certidão do cartório de protesto de
títulos, execuções judiciais, reclamatórias trabalhistas, etc. Não fosse o bastante, o
certo é que o recorrente não logrou sequer a demonstração do prejuízo advindo da
nulidade que suscita, de modo que acompanho o Relator para, conhecendo
parcialmente do recurso especial, negar-lhe provimento, mantendo, assim,
incólume a sentença e o acórdão estaduais que, fundamentadamente, arredaram a
necessidade da realização da perícia contábil na empresa da qual o recorrente é
sócio-gerente. (...) (TRECHO DO VOTO-VISTA DO MIN. HAMILTON
CARVALHIDO)”

Michell Nunes Midlej Maron 90


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Casos Concretos

Questão 1

O Prefeito da cidade de Tabatinópolis é denunciado pelo Ministério Público


Federal como incurso na conduta tipificada no art. 2º , inciso II da lei 8137/90, por não
recolher o valor das contribuições previdenciárias de seus servidores, no prazo legal. Em
sua defesa, o prefeito alega que:a) com o advento da Lei 9717/98, decidiu que os
servidores que, a partir dali, ingressarem no serviço público, enquadrar-se-iam no regime
geral de previdência social, instituindo assim o fundo previdenciário próprio do Município,
cuja conta é distinta da conta do Tesouro daquela unidade federativa, na forma exigida
pela citada lei. No entanto, tendo em vista a alteração do destinatário do recolhimento,

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP V Direito Tributário V

que deixou de ser o instituto de previdência daquele Município, passando a ser o


respectivo fundo criado, o Município não estaria mais obrigado ao recolhimento das
contribuições, ocorrendo assim a abolitio criminis daquela conduta;b) a elaboração da
folha de pagamento não é obrigação do Prefeito, motivo pelo qual não caberia a ele
responder pela conduta;c) o Prefeito é equiparado a funcionário público, não podendo ser
enquadrado nos crimes praticados por particulares. Responda, fundamentadamente, se
cabe razão à defesa.

Resposta à Questão 1

Nada obsta que prefeito ou qualquer servidor público seja sujeito ativo de crimes
tributários, especificamente o de apropriação indébita (artigo 168-A) ou ainda o artigo 2º,
II, da Lei 8.137/90, posto que em certas condições equipara-se ao particular (diretor
financeiro de Empresa Pública que retém IR de seus funcionários e não repassa ou
contribuições previdenciárias). A mera mudança no destinatário das contribuições não
desnatura a ocorrência do crime. Veja o julgado:

“REsp 299830 / PE. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro JOSÉ ARNALDO


DA FONSECA. Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento:
06/03/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 31/03/2003 p. 242.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ALTERAÇÃO
DE DESTINATÁRIO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PREFEITO
MUNICIPAL.
"Lei posterior que altera o destinatário das contribuições previdenciárias
descontadas dos servidores municipais, e não recolhidas pelo Prefeito Municipal,
não altera tipificação de norma penal incriminadora. Subsistência do ilícito
criminal". O simples fato de não ser de obrigação do Prefeito municipal a
elaboração da folha de pagamento, não o exime de responsabilidade, porque ele
tem o dever legal de controlar e fiscalizar os seus subordinados. Recurso
conhecido e provido.”

Questão 2

Acusados pela suposta prática dos delitos previstos no art. 297 do CP e no art. 1º,
I, da Lei 8.137/90 pleiteiam em habeas corpus o trancamento de inquérito policial por
falta de justa causa. No caso, durante o curso de ação de execução fiscal ajuizada contra
determinada empresa, o Ministério Público Federal requerera a instauração de inquérito
para apurar a responsabilidade penal dos pacientes, antigos sócios da empresa, em
alteração do contrato social, reputada fraudulenta pelos atuais sócios. A impetração
sustentava a extinção da punibilidade (Lei 10.684/2003, art. 9º, § 2º), dado que, quando da
instalação do referido inquérito, existia parcelamento do débito tributário, o qual já fora
integralmente pago. Pretende, também, o reconhecimento de que o delito tributário teria
absorvido o de falso, porquanto este seria crime-meio para o cometimento daquele, uma
vez que a conduta investigada seria a de prestar falsa declaração, por intermédio de
simulação de venda de pessoa jurídica devedora de tributos, objetivando a supressão da
dívida. Responda, fundamentadamente, se a ordem deve ser concedida.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Veja o julgado paradigma:

“HC 91542/RJ, rel Min Cezar Peluso (informativo nº 480)


EMENTA: INQUÉRITO POLICIAL. Investigação sobre prática de delito de
falsificação de documento público e de crime contra a ordem tributária. Arts. 297
do CP e 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Sociedade comercial. Alteração fraudulenta do
contrato social. Absorção do crime de falso pelo delito tributário, cuja punibilidade
foi extinta com o pagamento do tributo. Inadmissibilidade. Potencialidade lesiva da
alteração contratual, como meio da prática eventual doutros crimes, tributários ou
não. HC denegado. O delito de falsificação de contrato social não é, em tese,
absorvido por crime contra a ordem tributária, ainda que tenha servido de meio
para sua prática.”

Questão 3

EURICO e ELUF são sócios da Clínica Santa Efigênia em Volta Redonda cabendo
ao primeiro a gerência da sociedade. Em que pese terem sido descontados, entre os meses
de março e novembro de 2007, os valores correspondentes ao Imposto de Renda devido
por seus funcionários, tais valores não foram repassados à Receita Federal. Em 2008, a
Receita Federal dá início a procedimento administrativo fiscal a partir do cruzamento de
dados das declarações anuais de ajuste dos funcionários com os recolhimentos efetuados
pela empresa. Desse procedimento onde, embora regularmente intimados, os sócios
quedaram-se inertes, foi constituído um crédito no valor de R$ 25.000,00. Do montante R$
18.000,00 (dezoito mil reais) correspondiam ao imposto devido - em média de R$ 2000,00
(dois mil reais) por mês - sendo o restante acréscimos legais (multa, juros, ...).Diante
desses fatos o crédito tributário foi definitivamente constituído em 30/11/2008. Foi então
remetida representação fiscal para fins penais ao Ministério Público Federal para a
apuração de eventual crime. O Procurador da República então oferece denúncia em face
de EURICO pelos fatos ocorridos pugnando pela designação de audiência para
apresentação de proposta de suspensão condicional do processo, firme no sentido de que
seria a medida adequada ao caso concreto. Feita a intimação do denunciado este
atravessa petição com os seguintes argumentos:Não pode ser denunciado uma vez que o
sujeito ativo nos crimes tributários é o contribuinte e sua empresa não é a devedora do
Imposto de Renda Pessoa Física, mas seus funcionários. Ainda que tenha cometido algum
delito a hipótese é de crime único e de menor potencial ofensivo e comporta transação
penal. Assim, ausentes antecedentes, não pode o Ministério Público recusar-se à proposta.
Ainda que o magistrado entenda que houve delito, não se pode desconsiderar que se trata
de hipótese de bagatela. É que para fins de insignificância da conduta não se deve
considerar o montante do tributo, mas os valores que isoladamente deixaram de ser
recolhidos. No caso concreto, todos os valores são inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil
reais), o teto da execução fiscal, que é o referencial de insignificância, sendo pois hipótese
de atipicidade. Diante dos fatos apresentados discorra sobre a capitulação jurídica do
fato, a existência ou não de justificativa para o Procurador da República recusar a
transação penal e, por fim, sobre as alegações da defesa, decidindo, na qualidade de Juiz
Federal, a medida que determinaria na condução do processo. RESPOSTA
OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA (MÁXIMO: 20 LINHAS)

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP V Direito Tributário V

A questão impõe a análise do tipo penal realizado e do número de condutas


praticadas, disto decorrerá a possibilidade ou não de proposta de transação penal. Aquele
que retém imposto de renda na fonte de seus funcionários não é o contribuinte, sujeito ativo
típico dos crimes tributários. É que nesses crimes, tomando-se por base a obrigação
tributária, aquele que era sujeito passivo da obrigação é o sujeito ativo do crime. Essa a
regra, no caso apresentado a exceção. Afirma a doutrina que excepcionalmente o sujeito
ativo nos crimes tributários não é o contribuinte, mas o responsável tributário. Ora, em que
pese não ser o sujeito passivo, ao empregador incumbe a retenção dos valores de imposto
de renda a cada mês e seu repasse, trata-se de uma obrigação que, descumprida, pode
caracterizar o crime.
Por outro lado, é de se ver que a conduta no crime tributário é individualizada a
partir de cada fato imponível, para cada dever de pagar que se frustre por algum expediente
do contribuinte haverá um crime. Logo, para cada mês em que há retenção e não repasse há
um crime, ainda que a representação fiscal seja única. O crime é o do artigo 2º, II, da Lei
8.137/90 e a reiteração faz com que se aplique a majorante da continuidade delitiva.
Ocorre que hoje o mero concurso de crimes de menor potencial ofensivo não
autoriza a excluir a possibilidade de transação penal segundo a doutrina (Luiz Flávio
Gomes, Lei nº 11.313/2006: novas alterações nos Juizados Criminais). Há hoje uma ruptura
sistemática dentro da Lei 9.099/95, para a transação penal o concurso não é, a priori,
impeditivo do benefício, mas para a suspensão condicional do processo, contudo, incide a
súmula 243 do STJ.

“Súmula 243, STJ:O benefício da suspensão do processo não é aplicável em


relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou
continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja
pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”

Nada impede, porém, que o MP entenda que o agente não faz jus ao benefício por
razões de mérito, por exemplo, a reiteração das condutas, o que se deu no caso. Restaria ao
Parquet se pronunciar sobre o cabimento ou não da suspensão condicional do processo,
razão pela qual aquele órgão requereu designação de audiência.
No que diz respeito a insignificância, em que pese precedente isolado no STF sobre
o crime de descaminho, que não é crime tributário, mas crime contra a administração onde
tutelada a política econômica do estado possuindo o tributo caráter extrafiscal, no qual se
entendeu pelo patamar de dez mil reais, o STJ tem posicionamento firme no sentido de que
o valor de insignificância é de cem reais, aquele previsto na Lei 10.522/02 para a extinção
dos créditos.
Isto posto, designo a audiência requerida a fim de que o MP apresente a proposta de
suspensão condicional do processo.

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Tema VII

Crimes Previdenciários I 1. Introdução; 2. Denominação e delimitação do tema; 3. Histórico; 4. Legislação;


5. Tipos penais; 6. Objeto jurídico; 7. Princípio da insignificância; 8. Questões controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula7

1. Crimes previdenciários

7
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 31/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Sob a nomenclatura “crimes previdenciários”, são encontrados delitos que atingem


a previdência social, que constitui um seguro público, de caráter contributivo, destinado à
população economicamente ativa, para cobertura de certos eventos.
O patrimônio do INSS tem por destino pagar aposentadorias, pensões, e demais
benefícios previdenciários e assistenciais. A principal fonte de arrecadação para a formação
deste patrimônio é a contribuição previdenciária. Os delitos principais que aqui serão
estudados são os tipos dos artigos 168-A e 337-A do CP, além do estelionato previdenciário
(e da falsidade ideológica para fraude previdenciária, que em regra será absorvida pelos
tipos mencionados).
A Lei 8.212/91, que regulamenta o custeio da seguridade social, tentou regular a
matéria dos crimes previdenciários, no artigo 95. Contudo, deixou de aplicar pena para a
maioria dos delitos que previu, e este artigo acabou por ser praticamente todo revogado:

“Art. 95. Constitui crime:


a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados empregado,
empresário, trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem serviços;
b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa o
montante das quantias descontadas dos segurados e o das contribuições da
empresa;
c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas ou
creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as normas
legais pertinentes;
d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à
Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;
e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham
integrados custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços vendidos;
f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou outro
benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já tiverem sido
reembolsados à empresa;
g) inserir ou fazer inserir em folha de pagamentos, pessoa que não possui a
qualidade de segurado obrigatório;
h) inserir ou fazer inserir em Carteira de Trabalho e Previdência Social do
empregado, ou em documento que deva produzir efeito perante a Seguridade
Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita;
i) inserir ou fazer inserir em documentos contábeis ou outros relacionados com as
obrigações da empresa declaração falsa ou diversa da que deveria constar, bem
como omitir elementos exigidos pelas normas legais ou regulamentares
específicas;
j) obter ou tentar obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo direto
ou indireto da Seguridade Social ou de suas entidades, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, contrafação, imitação, alteração ardilosa,
falsificação ou qualquer outro meio fraudulento.
§ 1º No caso dos crimes caracterizados nas alíneas d, e, e f deste artigo, a pena será
aquela estabelecida no art. 5° da Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986, aplicando-
se à espécie as disposições constantes dos arts. 26, 27, 30, 31 e 33 do citado
diploma legal.
§ 2º A empresa que transgredir as normas desta lei, além das outras sanções
previstas, sujeitar-se-á, nas condições em que dispuser o regulamento:
a) à suspensão de empréstimos e financiamentos, por instituições financeiras
oficiais;
b) à revisão de incentivos fiscais de tratamento tributário especial;

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP V Direito Tributário V

c) à inabilitação para licitar e contratar com qualquer órgão ou entidade da


administração pública direta ou indireta federal, estadual, do Distrito Federal ou
municipal;
d) à interdição para o exercício do comércio, se for sociedade mercantil ou
comerciante individual;
e) à desqualificação para impetrar concordata;
f) à cassação de autorização para funcionar no país, quando for o caso.
§ 3º Consideram-se pessoalmente responsáveis pelos crimes acima caracterizados
o titular de firma individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou
administradores que participem ou tenham participado da gestão de empresa
beneficiada, assim como o segurado que tenha obtido vantagens.
§ 4º A Seguridade Social, através de seus órgãos competentes, e de acordo com o
regulamento, promoverá a apreensão de comprovantes de arrecadação e de
pagamento de benefícios, bem como de quaisquer documentos pertinentes,
inclusive contábeis, mediante lavratura do competente termo, com a finalidade de
apurar administrativamente a ocorrência dos crimes previstos neste artigo.”

Hoje, portanto, os crimes previdenciários são os artigos 168-A e 337-A, além do


171, § 3º e do 297, § 4º, todos do CP – sendo que este último tem seu estudo na sede de
crimes contra a fé pública, sendo para lá legado. Vejamo-los pontualmente.

2. Sonegação de contribuição previdenciária

Veja o artigo 337-A do CP:

“Sonegação de contribuição previdenciária (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)


Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer
acessório, mediante as seguintes condutas: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações
previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário,
trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem
serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa
as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo
tomador de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas
ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
§ 1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as
contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à
previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da
ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o
agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
I - (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior
àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o
mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
§ 3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não
ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP V Direito Tributário V

pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa. (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000)
§ 4º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e
nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social. (Incluído pela
Lei nº 9.983, de 2000).”

Este crime possui uma redação próxima do delito do artigo 1º da Lei 8.137/90. Por
isso, a jurisprudência aplica para tal crime a disciplina dos delitos tributários. Isto significa,
por exemplo que para que haja este delito supra é preciso ter havido processo
administrativo fiscal prévio, à similaridade da súmula vinculante 24, já abordada.
O artigo 337-A conta com uma causa especial de extinção da punibilidade, quando o
agente confessa os débitos antes da ação fiscal (como se vê no § 1º). Assemelha-se à
denúncia espontânea, só que mais benéfica, pois sequer é necessário o pagamento para ter
os efeitos, como se impõe na denúncia. Basta a confissão do débito.
Além disso, o CP prevê possibilidade de o juiz aplicar perdão judicial, se o valor das
contribuições é inferior ao mínimo da execução fiscal destas contribuições – o que hoje está
em patamar de dez mil reais.
Esta questão do perdão judicial pode gerar alguma confusão em relação à aplicação
do princípio da insignificância. Em razão deste § 2º, II, supra, surge real confronto entre o
princípio da insignificância e o perdão judicial. Luis Flávio Gomes defende a aplicação do
princípio da insignificância, enquanto Francisco Dias Teixeira e José Paulo Baltazar
entendem que este dispositivo afasta a insignificância.
Quanto à competência para a persecução deste crime, veja o seguinte julgado:

“CC 93877 / PR. CONFLITO DE COMPETENCIA. Relator Ministro


NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Órgão Julgador - TERCEIRA SEÇÃO. Data
do Julgamento: 05/12/2008. Data da Publicação/Fonte: DJe 05/02/2009.
Ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL.
SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ART. 337-A DO
CPB). COMPETÊNCIA FIRMADA PELO LOCAL ONDE SE CONSUMOU A
INFRAÇÃO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR COMPETENTE O
JUÍZO FEDERAL DA 1a. VARA CRIMINAL DE CAMPINAS, SJ/SP, O
SUSCITADO, EM CONFORMIDADE COM O PARECER DO MPF.
1. A competência para processar e julgar o crime de sonegação de contribuição
previdenciária, deve ser firmada pelo lugar de consumação da infração, nos termos
do art. 70 do CPP. Somente no caso de inexistir certeza quanto ao local onde se
consumou o crime, regular-se-á a competência pelo disposto no art. 72, caput do
CPP (domicílio ou residência do réu).
2. No caso em apreço, consoante dessume-se dos autos, embora a empresa ré
tenha domicílio fiscal em Curitiba/PR, a sonegação de contribuição previdenciária
ocorreu no município de Campinas/SP, não se tendo dúvida, portanto, do local em
que se consumou o delito.
3. O MPF manifestou-se no sentido de que seja conhecido o conflito negativo de
competência, para declarar competente para o caso o Juízo Federal da 1a. Vara
Criminal de Campinas/SP.
4. Conflito conhecido, para declarar competente para o processamento e
julgamento do feito o Juízo Federal da 1a. Vara Criminal de Campinas/SP, ora
suscitado.”

Tudo o mais que se abordou acerca dos crimes tributários, se aplica para estes
crimes, com a só diferença quanto ao objeto material – lá, são tributos, gênero; aqui, apenas
as contribuições previdenciárias.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Casos Concretos

Questão 1

Prefeito do interior do Estado é denunciado pelo Ministério Público Federal, em


razão de deixar de recolher aos cofres do INSS contribuição previdenciária descontada de
servidores daquela Municipalidade. Em sua defesa, alega existir um procedimento no
âmbito daquela autarquia que discute a exigibilidade do crédito. Responda
fundamentadamente se a denúncia do MPF deve prosperar abordando, obrigatoriamente,

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP V Direito Tributário V

a tipificação legal, a natureza do crime e eventuais críticas ao posicionamento dos


tribunais superiores quanto ao tema.

Resposta à Questão 1

Veja o que disse o STF no informativo 498:

“O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do


Min. Marco Aurélio, que determinara o arquivamento de inquérito, do qual relator,
em que apurada a suposta prática do delito de apropriação indébita previdenciária
(CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:").
Salientando que a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime
formal, mas omissivo material – no que indispensável a ocorrência de apropriação
dos valores, com inversão da posse respectiva -, e tem por objeto jurídico
protegido o patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso
administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a
propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de
preservar-se situação que degrada o contribuinte.
Inq 2537 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008.”

Questão 2

O candidato a prefeito da cidade X, em troca da promessa de voto, providenciou


certidão de nascimento de eleitora com data de nascimento adulterada para que esta
obtivesse, perante o INSS, a aposentadoria por idade.
Pergunta-se:
a) Qual o crime cometido pelo candidato a prefeito?
b) Este crime é instantâneo ou permanente?
Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 2

Veja o julgado:

“HC 75053 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator): Min. MARCO


AURÉLIO. Julgamento: 17/03/1998. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação:
DJ 30-04-1998.
Ementa: COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco
contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal
julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este,
ou não, qualificação de superior. PRESCRIÇÃO - PRAZO - CONTAGEM -
CRIME INSTANTÂNEO DE RESULTADOS PERMANENTES X CRIME
PERMANENTE - CERTIDÃO FALSA. O crime consubstanciado na confecção de
certidão falsa é instantâneo, não o transmudando em permanente o fato de terceiro
havê-la utilizado de forma projetada no tempo. A hipótese, quanto aos atos da
falsidade, configura crime instantâneo de repercussão permanente, deixando de
atrair a regra da contagem do prazo prescricional a partir da cessação dos efeitos -
artigo 111, inciso III, do Código Penal.”

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Questão 3

JÚLIO CARLOS é denunciado pelo Ministério Público Federal como incurso no


tipo previsto no art. 168-A do CP, uma vez que foi apurado débito no valor de R$ 2.641,00
(dois mil, seiscentos e quarenta e um reais). Em preliminar, alega a inconstitucionalidade
do artigo em que foi denunciado, pois visa a prisão civil por dívidas. No mérito, alega a
atipicidade da conduta, uma vez que defende a aplicação do princípio da insignificância.
No entanto, o MPF alega que, a despeito de o débito nessa ação penal se referir apenas ao
ano de 2004, há outros débitos relativos à mesma empresa, no período de 2005 e 2006, no
valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).Responda fundamentadamente se o pedido de
condenação deve ser deferido.

Resposta à Questão 3

À época, vigorava um critério diferenciado para a execução do INSS e da Receita


Federal. Hoje o critério é único. Veja o julgado:

“HC 91704 / PR – PARANÁ. HABEAS CORPUS. Relator: Min. JOAQUIM


BARBOSA. Julgamento: 06/05/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: 20-06-2008.
EMENTA: HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. CONDUTA PREVISTA COMO CRIME.
INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. VALORES NÃO
RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE
AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA. 1. A norma penal incriminadora
da omissão no recolhimento de contribuição previdenciária - art. 168-A do Código
Penal - é perfeitamente válida. Aquele que o pratica não é submetido à prisão civil
por dívida, mas sim responde pela prática do delito em questão. Precedentes. 2. Os
pacientes deixaram de recolher contribuições previdenciárias em valores muito
superiores àquele previsto no art. 4º da Portaria MPAS 4910/99, invocada pelo
impetrante. O mero fato de a denúncia contemplar apenas um dos débitos não
possibilita a aplicação do art. 168-A, § 3º, II, do Código Penal, tendo em vista o
valor restante dos débitos a executar, inclusive objeto de outra ação penal. 3.
Ordem denegada.”

Tema VIII

Crimes Previdenciários II 1. Concurso de crimes; 2. Pena; 3. Ação penal; 4. Extinção da punibilidade; 5. A


culpabilidade como pressuposto da pena; 6. Questões processuais. Questões controvertidas. Jurisprudência.
Doutrina.

Notas de Aula8

8
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 31/3/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP V Direito Tributário V

1. Apropriação indébita previdenciária

Veja o artigo 168-A do CP:

“Apropriação indébita previdenciária (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)


Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a
terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado
despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de
serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já
tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000)
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e
efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as
informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou
regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o
agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o
pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído
pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior
àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o
mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000).”

Este crime não se originou no CP. Vinha consignado em legislação extravagante. Ao


ser carreado ao CP, houve alguma forma de abolitio criminis? Surgiu esta tese, à época,
mas prevaleceu na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a Lei 9.983/00
apenas modificou a sede legal do delito, mantendo a mesma estrutura típica da apropriação
indébita previdenciária. Neste sentido, veja o HC 68.959, do STJ:

“HC 68959 / SC. HABEAS CORPUS. Relatora Ministra LAURITA VAZ. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 26/02/2008. Data da
Publicação/Fonte DJe 24/03/2008.
Ementa: HABEAS CORPUS. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FATOS OCORRIDOS ANTES DA LEI
N.º 9.983/2000. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. ABOLITIO
CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. A Lei n.º 9.983/00, ao acrescentar o artigo 168-A, § 1º, ao Código Penal,
revogando o art. 95 da Lei n.º 8.212/91, manteve a figura típica anterior no seu
aspecto substancial, logo sua aplicação não configura medida mais gravosa ao
agente.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP V Direito Tributário V

2. A existência de erro na tipificação da conduta pelo órgão ministerial não torna


inepta a denúncia, pois o acusado se defende do fato delituoso narrado na exordial
acusatória e, não, da capitulação legal dela constante.
3. Não há falar, assim, em inépcia da peça acusatória que não obstrui o exercício
da ampla defesa, porque descreve precisamente os fatos criminosos, com suas
circunstâncias, e qualifica os acusados, em consonância com o disposto no art. 41,
do Código de Processo Penal.
4. Ordem denegada.”

Já se disse que este crime seria uma espécie de prisão por dívida, mas esta assertiva
não procede. Mesmo se não houver fraude, não se trata de prisão por dívida, apesar de
assim parecer, especialmente diante do regime legal de pagamento, que exclui o crime.
Prevalece, no entanto, a orientação no sentido de que este crime não é modalidade de prisão
por dívida. Veja o HC 78.234, do STJ:

“HC 78234 / PA – PARÁ. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. OCTAVIO


GALLOTTI. Julgamento: 02/02/1999. Órgão Julgador: Primeira Turma.
Publicação: DJ 21-05-1999.
EMENTA: Omissão do recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas
dos empregados. Figura de caráter criminal inconfundível com a da prisão por
dívida. Alegação de indisponibilidade de recursos, cuja comprovação está a
depender do regular processamento da ação penal, sendo insusceptível de exame
em habeas corpus impetrado contra o recebimento da denúncia.”

Em relação à fraude, veja o REsp. 556.147:

“REsp 556147 / RS. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro FELIX FISCHER.


Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 21/10/2003. Data da
Publicação/Fonte DJ 24/11/2003 p. 388.
Ementa: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO
INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. REFIS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA. ABOLITIO CRIMINIS. TIPO SUBJETIVO. ESPECIAL FIM DE
AGIR.
I - A instauração de ação penal contra o recorrido antes mesmo do início da
vigência da Lei nº 9.964/2000 impede seja a ele deferido o benefício da suspensão
da pretensão punitiva do Estado (art. 15), cujo pressuposto é exatamente a inclusão
da pessoa jurídica no REFIS antes do recebimento da denúncia.
II - Inocorrência da alegada abolitio criminis, uma vez que a novatio legis (art.
168-A, § 1º, do Código Penal, acrescentado pela Lei nº 9.983/00), conquanto tenha
revogado o disposto no art. 95 da Lei nº 8.212/91, manteve a figura típica anterior
no seu aspecto substancial, não fazendo desaparecer o delito em questão.
Precedentes.
II - O tipo subjetivo na figura delituosa de não-recolhimento da contribuição
descontada de empregados é congruente, esgotando-se no dolo. O nomen iuris não
pode acarretar, por si, alteração na incriminação explicitada no tipo. A exigência do
especial fim de agir, v.g., animus rem sibi habendi ou, ainda, de fraude (não
autorizada, pois de estelionato não se trata) se evidencia juridicamente
desamparada. Recurso desprovido.”

Segundo o STF, o bem jurídico tutelado neste delito é a subsistência da seguridade


social.
O sujeito ativo é qualquer pessoa: é crime comum. O sujeito ativo é o responsável
tributário, no caso, pois é ele quem é incumbido do repasse.

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP V Direito Tributário V

O artigo 15 da Lei 8.212/91 estabelecia que os entes públicos poderiam ser autores
deste crime. Veja:

“Art. 15. Considera-se:


I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade
econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e
entidades da administração pública direta, indireta e fundacional;
II - empregador doméstico - a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem
finalidade lucrativa, empregado doméstico.
Parágrafo único. Considera-se empresa, para os efeitos desta lei, o autônomo e
equiparado em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa,
a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática
e a repartição consular de carreira estrangeiras.
Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte
individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa,
a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática
e a repartição consular de carreira estrangeiras. (Redação dada pela Lei nº 9.876,
de 26.11.99).”

Para a esfera previdenciária, o representante do ente – o prefeito, por exemplo –, é


responsável, mas não o seria na esfera criminal, porque se estaria estendendo a tipificação
para prejudicar o réu. Assim se vê no antigo REsp. 92.932:

“REsp 92932 / PR. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro EDSON VIDIGAL.


Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 14/12/1999. Data da
Publicação/Fonte DJ 28/02/2000 p. 101.
Ementa: PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. VALORES NÃO REPASSADOS.
RECURSO ESPECIAL.
1. A ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias, descontadas dos
servidores municipais, não qualifica o Prefeito como sujeito ativo do crime
previsto na Lei 8212/91, Art. 95, "d".
2. Recurso conhecido mas não provido.”

Ocorre que a lei atual, o CP, não faz a restrição que Lei 8.212/91 fazia, no § 3º do
seu artigo 95, supra, e por isso a jurisprudência do STJ se inverteu completamente.
Assim, os agentes políticos não respondiam pela apropriação indébita
previdenciária, a partir de uma interpretação restritiva do § 3º do artigo 95 da Lei 8.212/91.
Ali, a referência era textual ao “titular de empresa”, não podendo ser estendida a órgãos
públicos. Com a nova redação, do CP, não há mais esta restrição, e por isso o STJ admite
que o prefeito pode responder, como se vê no REsp. 770.167:
“REsp 770167 / PE. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro GILSON DIPP.
Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 17/08/2006. Data da
Publicação/Fonte DJ 11/09/2006 p. 339.
Ementa: CRIMINAL. RESP. PREFEITO MUNICIPAL. APROPRIAÇÃO
INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CRIME COMUM.
DOLO GENÉRICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO
DESNECESSÁRIA. RECURSO PROVIDO.
I. O delito de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, em que o
Prefeito foi denunciado não exige qualidade especial do sujeito ativo, podendo ser
cometido por qualquer pessoa, seja ela agente público ou não.
II. A conduta descrita no tipo penal do art. 168-A do Código Penal é centrada no
verbo "deixar de repassar", sendo desnecessária, para a configuração do delito, a

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP V Direito Tributário V

comprovação do fim específico de apropriar-se dos valores destinados à


Previdência Social. Precedentes.
III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.”

A apropriação indébita é dolosa, mas não exige dolo específico, especial fim de agir
– há o dolo genérico de não repassar, sem exigência de animus rem sibi habendi. Para José
Baltazar, este tipo penal não configura uma modalidade de efetiva apropriação: o crime
traduz uma espécie de não repasse (o que configura favor fiscal para o empresário), e
quando o legislador quis, ele se utilizou da palavra “apropriar”, como no artigo 5º da Lei
7.492/86:

“Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de


dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-
lo em proveito próprio ou alheio:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas mencionadas no art.
25 desta lei, que negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de
que tem a posse, sem autorização de quem de direito.”

Veja:

“HC 41618 / PE. HABEAS CORPUS. Relator Ministro HÉLIO QUAGLIA


BARBOSA. Órgão Julgador - SEXTA TURMA. Data do Julgamento: 06/10/2005.
Data da Publicação/Fonte: DJ 24/10/2005 p. 386.
Ementa: HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL: BIS IN IDEM.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE
DOLO GENÉRICO OU ESPECÍFICO NA CONDUTA. CONSUMAÇÃO DO
TIPO COM O NÃO-RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS EMPREGADOS NO PRAZO
LEGAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. BENS
PENHORADOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CAUSA NÃO PREVISTA
EM LEI. ORDEM DENEGADA.
1. A questão desborda do singelo exame de provas, reclamando análise detida de
todo o conjunto probatório, envolvendo a revisão das notificações fiscais de
lançamento de débitos e do respectivo suporte fático, com a individualização das
contribuições previdenciárias que as originaram.
2. Alegada ausência de dolo genérico ou específico, que justificaria o trancamento
da ação penal. Recente decisão desta Corte pacificou, todavia, o entendimento de
que a consumação do crime o previsto no art. 95, alínea d, da Lei n.º 8.212/91,
revogado com o advento da Lei n.º 9.983/00, que tipificou a mesma conduta no art.
168-A do Código Penal, ocorre, simplesmente, com o não-recolhimento das
contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo legal.
Inadequação da via eleita, pois a questão supera os limites desta ação especial,
requerendo revisão do conjunto probatório.
3. A teor da dicção do artigo 168-A, do Código Penal, não há previsão de que a
penhora de bens seja causa de extinção de punibilidade, o que se poderia dar, tão-
somente, com o pagamento da contribuição previdenciária devida, antes do início
da ação fiscal, situação que não ocorre nos autos.
4. Ordem denegada.”

Este crime Luis Flávio Gomes classifica como comissivo de conduta mista: é
comissivo no primeiro momento, quando recolhe a contribuição; e é omissivo em segundo

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP V Direito Tributário V

momento, quando não a repassa. Prevalece, porém, o entendimento de que se trata de crime
omissivo puro, em que pese recente decisão do STF falando em crime omissivo material.
Veja:

“Inq 2537 AgR / GO – GOIÁS. AG.REG.NO INQUÉRITO. Relator: Min.


MARCO AURÉLIO. Julgamento: 10/03/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação: 13-06-2008.
Ementa: APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME - ESPÉCIE.
A apropriação indébita disciplinada no artigo 168-A do Código Penal
consubstancia crime omissivo material e não simplesmente formal. INQUÉRITO -
SONEGAÇÃO FISCAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO. Estando em curso
processo administrativo mediante o qual questionada a exigibilidade do tributo,
ficam afastadas a persecução criminal e - ante o princípio da não-contradição, o
princípio da razão suficiente - a manutenção de inquérito, ainda que sobrestado.”

Sempre prevaleceu na jurisprudência do STF a natureza formal deste crime.


Contudo, no Inquérito 2.537, supra, o Ministro Marco Aurélio sustentou a tese de que este
crime é omissivo material, ou seja, não basta não repassar: é preciso que, com o não
repasse, seja causado prejuizo. Com esta postura, o dolo de haver os valores para si fica
parecendo ser exigido, ou seja, o delito passa a ser de intenção, exigindo o dolo específico
de haver para si o valor retido. E mais: cria a mesma vinculação, para este crime, a um
processo administrativo fiscal finalizado, o que não se pode admitir – pelo que, no inteiro
teor, se vê ressalva quanto a isto, dizendo ser inexigível o processo administrativo para
haver este crime. Em suma: na discussão deste inquérito, o Ministro Cezar Peluso afirmou
a desnecessidade do procedimento administrativo fiscal, de forma que este delito admite
denúncia mesmo sem o processo administrativo fiscal.
O artigo 33, § 5º, da Lei 8.212/91 dá a nota deste favor fiscal prestado em prol do
empregador, bem como a presunção de que fez o desconto regularmente. É dali que se
colhe a dinâmica para, não havendo repasse, se entender que houve o crime. Veja:

“Art. 33. Ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS compete arrecadar,


fiscalizar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições sociais previstas
nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11, bem como as contribuições
incidentes a título de substituição; e à Secretaria da Receita Federal – SRF compete
arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições sociais
previstas nas alíneas d e e do parágrafo único do art. 11, cabendo a ambos os
órgãos, na esfera de sua competência, promover a respectiva cobrança e aplicar as
sanções previstas legalmente. (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)
(Vide art. 2º da Lei nº 11.457,de 2007)
(...)
§ 5º O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre
se presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe
sendo lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente
responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo
com o disposto nesta Lei.
(...)”

Neste crime, é possível alegar dificuldade financeira como inexigibilidade de


conduta diversa, porque a retenção é presumida; nos outros delitos, como na sonegação,
não há esta presunção. O delito do artigo 168-A comporta a alegação de dificuldade

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP V Direito Tributário V

financeira, uma vez que a retenção do tributo é presumida, e esta dificuldade, que pode de
fato ocorrer, torna inexigível conduta diversa.
O valor do tributo não repassado é relevante para fins de aferir o princípio da
insignificância, neste crime. Veja:

“HC 100004 / RS. HABEAS CORPUS. Relatora: Min. ELLEN GRACIE.


Julgamento: 20/10/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma.
PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DÉBITO QUE
SUPERA O VALOR FIXADO NO ART. 1º, I, DA LEI 9.441/97. ORDEM
DENEGADA. 1. A impetrante pretende a aplicação do princípio da insignificância
alegando que a quantia não repassada à Previdência Social pelo paciente é inferior
ao valor mínimo fixado na Portaria MPAS 4.943/99, para o ajuizamento de ação de
execução. 2. O art. 4º da Portaria MPAS 4.943/99 determina somente o não-
ajuizamento da execução, quando o débito inscrito como Dívida Ativa do INSS for
igual ou inferior a R$ 10.000,00 (valor modificado pela Portaria MPAS 1.105/02),
sem, entretanto, que haja extinção do crédito. 3. Não se pode invocar tal
dispositivo legal para fazer incidir o princípio da insignificância, visto que, nesses
casos, não há extinção do crédito tributário, mas mera autorização para o não-
ajuizamento de execução, que, no entanto, poderá ser ajuizada, quando o valor do
débito ultrapassar o limite indicado. 4. A extinção do crédito fiscal está prevista no
art. 1º, I, da Lei 9.441/97 e atinge, apenas, os débitos inscritos em Dívida Ativa que
não ultrapassarem o montante de R$ 1.000,00 (mil reais). 5. Foi apurado pelo
INSS um crédito previdenciário no valor total de R$ 13.884,71 (treze mil
oitocentos e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos), decorrente do não-
recolhimento de contribuições pelo paciente. 6. Habeas corpus denegado.”

Vê-se que o STF, neste precedente, contradiz-se, eis que nos crimes tributários
entende ser insignificante justamente este patamar de dez mil reais.
Contudo, para extinção da punibilidade, deve ser considerado o valor do principal,
somado aos acessórios – multa e juros de mora – na forma do § 2º deste artigo 168-A do
CP. E somente o pagamento extingue a punibilidade, e não a penhora, como se pode ver na
parte final do HC 41.618, há pouco transcrito – mas a existência de programas de
parcelamento fiscal acaba por esvaziar a aplicação do regime de pagamento, previsto no
CP.
Na Lei 10.684/03, havia uma discussão sobre a possibilidade de parcelamento de
débitos que caracterizavam o artigo 168-A. O STJ entendia que, embora fosse vedado, se o
parcelamento fosse deferido, produzia efeito penal. Com a Lei 11.941/09, acabou a
restrição, sendo expressamente possível o parcelamento de tais débitos.

2. Estelionato previdenciário

Trata-se da fraude para obter a concessão de benefício previdenciário. Este crime


não passa de um estelionato, só que com algumas aduções que o especializam. A primeira é
a aplicabilidade, a todo estelionato previdenciário, da súmula 24 do STJ – a capitulação
será sempre no artigo 171, § 3º, do CP:

“Súmula 24, STJ: Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima
entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3º, do art. 171 do
Código Penal.”

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP V Direito Tributário V

“Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de
entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social
ou beneficência.”

É possível alegar-se a inidoneidade da fraude, neste crime, desde que ele não se
consume, por óbvio – pois se consumado, está claro que a fraude foi suficientemente idônea
para não fazer o crime impossível.
Para Damásio, tomando por base o caráter vitalício do benefício previdenciário, o
crime é considerado instantâneo de efeitos permanentes. O STJ tem acolhido esta tese,
mesmo que ainda haja forte corrente, nesta Corte, de que se trata de crime permanente. Para
Damásio, e para o Ministro Marco Aurélio, este estelionato é instantâneo e de efeito
permanente, se consumando no primeiro recebimento, sendo os demais recebimentos o seu
efeito permanente, mero exaurimento.
Luis Flávio Gomes entende, por seu turno, que há concurso formal entre vários
estelionatos, todos unificados por uma única fraude.
Terceira corrente, de Guilherme Nucci, sustenta que o que se passa é um crime
continuado do beneficiário, ou seja, haveria um delito a cada recebimento mensal, mas com
dolo único de aproveitar-se da situação fraudulenta. Este autor faz uma diferença: aquele
que participa, fornecendo algum documento falso necessário para a fraude, comete crime
instantâneo; aquele beneficiário da fraude, comete crime continuado, mensalmente
renovado.
Prevalecia, como dito, a noção de que se trata de crime permanente, pois a
consumação se protrai no tempo: a continuidade da lesão ao bem jurídico, ao erário, está
nas mãos do criminoso, durante todo o tempo em que permanece recebendo. É a posição
mais técnica, mas hoje tem sido oscilante a jurisprudência, havendo julgados no STJ e STF
de que se trata mesmo de crime instantâneo de efeitos permanentes.
Veja o HC 82.965 do STF:

“HC 82965 / RN - RIO GRANDE DO NORTE. HABEAS CORPUS. Relator:


Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 12/02/2008. Órgão Julgador: Segunda
Turma. Publicação: 28-03-2008.
EMENTA: AÇÃO PENAL. Prescrição da pretensão punitiva. Ocorrência.
Estelionato contra a Previdência Social. Art. 171, § 3º, do CP. Uso de certidão falsa
para percepção de benefício. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Diferença
do crime permanente. Delito consumado com o recebimento da primeira prestação
da pensão indevida. Termo inicial de contagem do prazo prescritivo.
Inaplicabilidfade do art. 111, III, do CP. HC concedido para declaração da extinção
da punibilidade. Precedentes. É crime instantâneo de efeitos permanentes o
chamado estelionato contra a Previdência Social (art. 171, § 3º, do Código Penal)
e, como tal, consuma-se ao recebimento da primeira prestação do benefício
indevido, contando-se daí o prazo de prescrição da pretensão punitiva.”

O STJ ainda pende à corrente mais técnica, de que é crime permanente, e não
instantâneo de efeitos permanentes.

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

Por fim, o servidor que concede o benefício fraudulento também estaria inserto no
crime de estelionato previdenciário, segundo o STJ. É absurda esta posição, pois está
claramente inserto no peculato, mas existe.

Casos Concretos

Questão 1

Prefeito de município interiorano impetra um hábeas corpus visando ao


trancamento de uma ação penal, na qual o Ministério Público o denunciou como incurso
no art. 168-A, §1º, I do CP. Alega, em síntese, que de acordo com a jurisprudência dos
tribunais superiores, ele não pode ser sujeito passivo do crime em questão, já que, nesta
qualidade, não tem como afetar o bem jurídico tutelado, e muito menos é ele quem elabora
a folha de pagamento do município. Responda fundamentadamente, em no máximo 15
(quinze) linhas, se o writ deve ser concedido.

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

Resposta à Questão 1

Segundo José Paulo Baltazar Jr (Crimes Federais, 5ª ed. 2009. Livraria do


Advogado):

“... Na vigência da lei anterior, predominava, no entanto, o entendimento de que o


agente político não poderia responder pelo crime em questão, uma vez que o ente
público não poderia ser considerado empresa, nem o gestor público, o seu
administrador, como exigia o § 3º do art. 95 da Lei 8212/91. Na lei atual, inexiste
dispositivo análogo, nada impedindo possa o gestor público ser acusado do crime
em questão, não apenas em relação às contribuições devidas ao RGPS, mas
igualmente em relação às contribuições para o regime próprio dos servidores, que
podem também ser objeto do crime, no atual quadro legal.”

Adicione-se, ainda, o REsp. 299.830:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ALTERAÇÃO DE


DESTINATÁRIO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PREFEITO
MUNICIPAL.
"Lei posterior que altera o destinatário das contribuições previdenciárias
descontadas dos servidores municipais, e não recolhidas pelo Prefeito Municipal,
não altera tipificação de norma penal incriminadora. Subsistência do ilícito
criminal". O simples fato de não ser de obrigação do Prefeito municipal a
elaboração da folha de pagamento, não o exime de responsabilidade, porque ele
tem o dever legal de controlar e fiscalizar os seus subordinados.
Recurso conhecido e provido.”

Questão 2

A, B, C, e D, foram denunciados pelo MPF tendo em vista a conduta, como sócios


de determinada sociedade, de não recolher contribuição previdenciária de seus
empregados e, posteriormente, não a terem recolhido aos cofres do INSS, na data prevista.
Em sua defesa, alegam que a denúncia do MPF não lhes especifica as respectivas
condutas, motivo que dificulta a ampla defesa. Alegam ainda que somente A e B são
administradores da empresa, sendo C e D somente membros do Conselho de
Administração que não autorizaram o recolhimento, tendo em vista a dificuldade
financeira pela qual passa a sociedade. Responda, fundamentadamente, se a denúncia do
MPF deve prosperar, analisando TODOS os institutos penais constantes na questão, bem
como sua fundamentação legal.

Resposta à Questão 2

Exige-se não apenas a responsabilidade pela gestão da empresa, mas a concorrência


no caso concreto para os delitos. Tendo deliberado pelo não recolhimento podem os sócios
responder pelo crime praticado através da sociedade. Veja os seguintes julgados:

“REsp 327738 / RJ. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro ARNALDO


ESTEVES LIMA. Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento:
14/06/2005. Data da Publicação/Fonte: DJ 22/08/2005 p. 326.

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP V Direito Tributário V

Ementa: RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE


CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRIBUNAL A QUO. REJEIÇÃO DA
DENÚNCIA. EXIGÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DA POSSIBILIDADE DE
CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO
DA CULPABILIDADE. RECONHECIMENTO. MOMENTO OPORTUNO.
SENTENÇA. CRIME SOCIETÁRIO. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS
CONDUTAS. PRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Na fase de recebimento da denúncia, em que há um mero juízo de prelibação,
tem-se como totalmente impertinente a exigência de que se demonstre a "real
possibilidade de cumprimento da obrigação", e não o seu mero inadimplemento,
haja vista que dificuldades financeiras da empresa, se e quando caracterizadas,
impõem o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade
consubstanciada na inexigibilidade de conduta diversa, a qual deve ser
comprovada pelo acusado ao longo da instrução criminal e reconhecida no
momento próprio, qual seja, a sentença.
2. Nos crimes societários admiti-se o recebimento da denúncia sem que haja uma
descrição pormenorizada da conduta de cada agente, notadamente nas hipóteses
em que, pelo pequeno porte da empresa, todos os diretores, via de regra,
participam com mais presença do dia-a-dia da atividade empresarial. Precedentes.
3. Recurso conhecido e provido.”

“ACR - APELAÇÃO CRIMINAL. Processo: 97.04.39564-7. UF: PR. Data da


Decisão: 09/12/1997. Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Fonte: DJ 04/02/199.
PÁGINA: 143. Relator: GILSON LANGARO DIPP. Decisão UNÂNIME.
Ementa: PENAL. DELITO DE OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUTORIA, RECONHECIMENTO
DE ATENUANTE PARA REDUZIR A REPRIMENDA. BENEFÍCIO DO ART-
601, PAR-2, DO CP-40.
1. A responsabilização penal é imposta a quem efetivamente pratica atos decisórios
sobre o recolhimento de impostos e contribuições, o que se confirma pelas próprias
declarações do acusado, corroboradas por toda a prova inserta nos autos.
2. A atenuante da confissão espontânea não pode ser reconhecida quando a pena-
base é determinada no mínimo legal.
3. Prejudicado o requerimento do benefício do ART-601, PAR-2, do CP-40, quando
o recurso sobe nos próprios autos.”

“HC 67262 / RJ. HABEAS CORPUS. Relatora Ministra LAURITA VAZ. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 18/12/2007. Data da
Publicação/Fonte: DJ 11/02/2008 p. 1.
Ementa: HABEAS CORPUS. FURTO DE ÁGUA POTÁVEL MEDIANTE
FRAUDE. DENÚNCIA. INÉPCIA NÃO VERIFICADA. CRIME SOCIETÁRIO.
INDIVIDUALIZAÇÃO MINUCIOSA DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE.
1. Nos crimes societários é dispensável a descrição minuciosa e individualizada da
conduta de cada acusado, bastando, para tanto, que a exordial narre a conduta
delituosa de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa.
2. Adulterado o hidrômetro, a fim de reduzir o valor do consumo de água da
empresa, tudo indica que os Pacientes, por se tratarem de sócios-gerentes, tinham
conhecimento da manobra fraudulenta, havendo indícios razoáveis de autoria para
a deflagração da ação penal. Precedentes desta Corte.
3. Ordem denegada.”

Questão 3

O Ministério Público Federal denuncia JOÃO, CARLOS e JUAN, tendo em vista a


conduta de que, quando administradores de determinada sociedade, não repassaram os

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP V Direito Tributário V

valores descontados dos empregados a título de contribuição previdenciária. Os réus, em


suas defesas, alegam que a denúncia não deve prosperar, uma vez que o débito foi inscrito
no PAES, e já devidamente quitado O MPF, por sua vez, alega que a lei do PAES proíbe a
inclusão no programa, quando os débitos previdenciários já foram descontados dos
empregados. Alega também que a lei não tem efeitos retroativos, não devendo se aplicar ao
caso em tela, já que os débitos recolhidos e não repassados referem-se a período anterior à
lei. Responda fundamentadamente, em no máximo 15 (quinze) linhas, como você decidiria
a questão

Resposta à Questão 3

O pagamento extingue a punibilidade do artigo 168-A do CP, por força da Lei


10.684/03 e da Lei 11.941/09. Veja:

“REsp 950648 / PR. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra LAURITA VAZ.


Órgão Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 12/02/2008. Data da
Publicação/Fonte: DJe 03/03/2008.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL.
PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. APLICAÇÃO DO ART. 9.º, § 2.º, DA
LEI N.º 10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. O pagamento integral dos débitos oriundos da falta de recolhimento dos tributos
extingue a punibilidade do crime tipificado no art. 168-A do Código Penal, por
força do art. 9.º, § 2.º, da Lei n.º 10.684/03, de eficácia retroativa por força do art.
5.º, inciso XL, da Constituição Federal.
2. Recurso especial desprovido.”

Tema IX

Crimes da Lei de Responsabilidade Fiscal I 1. Introdução; 2. Histórico; 3. Denominação e delimitação do


tema; 4. Tipos penais. Objetivo / Subjetivo; 5. Sujeito Ativo / Passivo; 6. Ação Penal; 7. Pena; 8. Questões
Processuais. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula9

1. Crimes de responsabilidade fiscal

9
Aula ministrada pela professora Cláudia das Graças Mattos de Oliveira Barros, em 5/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP V Direito Tributário V

A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/00, ela própria, não


comina crimes, não apresenta tipos penais. Estes tipos vieram por meio da Lei 10.028/00,
que alterou o Código Penal, a Lei 1.079/50, e o Decreto-Lei 201/67.
Na verdade, esta Lei 10.028/00 promoveu quatro alterações no ordenamento
jurídico: incluiu no CP o Capítulo IV – dos crimes contra as finanças públicas – ao Título
IX, que trata dos crimes contra a administração pública. Este capítulo, que vai dos artigos
359-A a 359-H, será pontualmente estudado.
Segunda alteração foi a inclusão dos incisos XVI a XXII no artigo 1º do DL 201/67,
diploma que trata da responsabilidade de prefeitos e vereadores, sendo que o dispositivo
será abordado logo adiante.
Terceira alteração foi a modificação da redação do artigo 339 do CP, crime de
denunciação caluniosa, que será transcrito adiante.
Quarta e última mudança foi a inclusão dos incisos 5 a 12 ao artigo 10 da Lei
1.079/50, que trata da responsabilidade político-administrativa do Presidente da República
e Ministros:

“Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:


1- Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República
dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa;
2 - Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;
3 - Realizar o estorno de verbas;
4 - Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos
estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação
do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei nº 10.028, de
19.10.2000)
6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites
estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de
crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei nº
10.028, de 19.10.2000)
7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a
amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de
crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido
em lei; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 19.10.2000)
8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito
por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais
encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei nº 10.028,
de 19.10.2000)
9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de
crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades
da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou
postergação de dívida contraída anteriormente; ((Incluído pela Lei nº 10.028, de
19.10.2000)
10) captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição
cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei nº 10.028, de
19.10.2000)
11) ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de
títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei
nº 10.028, de 19.10.2000)
12) realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou
condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 19.10.2000).”

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP V Direito Tributário V

As três primeiras alterações são efetivamente incidentes sobre crimes; nesta última,
se trata de crime de responsabilidade, cuja natureza, na verdade, é de infração não criminal.
Importante consideração inicial, sobre o estudo deste tema, é que a mesma infração,
a mesma conduta, a mesma transgressão a normas traçadas na Lei de Responsabilidade
Fiscal, LC 101/00, pode gerar responsabilização em três esferas – penal, civil, e
administrativa –, cumulativamente, sem representar qualquer bis in idem. Os artigos 1º a 3º
da Lei 1.079/50 demonstram claramente esta independência entre as instâncias:

“Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.”

“Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são
passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o
exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos
contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do
Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.”

“Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e


julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis
de processo penal.”

O mesmo fato pode ensejar, inclusive, ação de improbidade. As condutas levadas a


efeito pelos servidores públicos que podem ser sujeitos ativos destes delitos – os chamados
ordenadores de despesas –, podem revelar crime e improbidade administrativa. Esta
cumulação é possível porque os atos de improbidade não são necessariamente crimes, tendo
a sanção de improbidade natureza jurídica de sanção civil.
Veja que há três tipos de atos de improbidade: os que causam enriquecimento ilícito
ao agente; os que causam prejuizo ao erário; e os que violam princípios norteadores da
atividade administrativa. Sendo assim, quando há um crime praticado pelo ordenador de
despesas, inarredavelmente haverá ato de improbidade, ao menos nesta última modalidade:
todo crime será atentado à moralidade, ao menos. E as instâncias são distintas, podendo
haver punição em ambas, sem configurar bis in idem. Veja os atos de improbidade, que
estão nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa:

“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento


ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer
outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem,
gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente
público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,
permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas
entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação,
permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal
por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou
material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores
públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP V Direito Tributário V

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para


tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de
contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de
tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para
fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer
outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de
mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º
desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente
público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de
verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente,
para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou
valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1°
desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio
particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que
de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio
de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das
formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do
patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a
prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por
preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz
respeito à conservação do patrimônio público;

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP V Direito Tributário V

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou


influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de
servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de
serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades
previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia
dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído
pela Lei nº 11.107, de 2005).”

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os


princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres
de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e
que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar
o preço de mercadoria, bem ou serviço.”

O STF ressalva apenas a cumulação entre responsabilização pelo ato de


improbidade e pela infração político-administrativa. Neste caso, somente, para o STF,
haveria bis in idem, porque as sanções político-administrativas e as sanções de improbidade
situam-se na mesma esfera – o que não é um entendimento muito preciso, diga-se, porque
as sanções da lei de improbidade são civis, e as da Lei 1.079/50 são eminentemente
políticas.

1.1. Improbidade administrativa e denunciação caluniosa

O artigo 339 do CP diz que quem der causa à instauração de investigação policial,
de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente,
comete este crime. Veja a redação atual e a anterior:

“Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa a instauração de investigação policial ou de processo judicial
contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial,
instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP V Direito Tributário V

administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:


(Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de
nome suposto.
§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.”

Veja que a alteração foi para incluir, como objeto material do delito, as instaurações
de processos investigativos administrativos em geral, inquéritos civis ou ações de
improbidade, pois antes o tipo se resumia ao inquérito policial e ao processo judicial. A
redação atual, porém, precisa ser lida em conjunto com o artigo 19 da Lei 8.429/92, Lei de
Improbidade Administrativa:

“Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente
público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o
denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.”

Este artigo supra, inquestionavelmente, traça um crime comum, muito similar ao


crime da denunciação caluniosa, do artigo 339 do CP. Ocorre que este artigo 19 é anterior à
nova redação do artigo 339 do CP, que incluiu a ação de improbidade como objeto da
denunciação caluniosa. Surge o questionamento: o artigo 339 teria revogado o artigo 19 da
Lei de Improbidade?
Não houve revogação: são objetos diferentes, e os dispositivos convivem. Entenda:
o objeto da imputação, no artigo 19, é um ato de improbidade, que só é ato de improbidade,
e não crime. Na improbidade configurada como objeto da denunciação caluniosa, o que se
imputa é um ato de improbidade que é também crime, pois assim dispõe o caput do artigo
339 do CP. Assim se dividem as imputações, portanto: se a denúncia caluniosa imputa ao
servidor um ato de improbidade não criminoso, incorre no crime do artigo 19 da Lei
8.429/92; se imputa um ato de improbidade que também é criminoso, incide no artigo 339
do CP.

1.2. Crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores

Veja as inclusões feitas no artigo 1º do DL 201/67, os incisos XVI a XXII:

“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao


julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara
dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou
alheio;
II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou
serviços públicos;
III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer
natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;
V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em
desacordo com as normas financeiras pertinentes;

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP V Direito Tributário V

VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a


Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos
prazos e condições estabelecidos;
VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da
aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos,
recebidos a qualquer titulo;
VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de
crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;
IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou
em desacordo com a lei;
X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da
Câmara, ou em desacordo com a lei;
XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de
preços, nos casos exigidos em lei;
XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem
vantagem para o erário;
XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;
XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir
ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à
autoridade competente;
XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo
estabelecido em lei.
XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos
estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação
do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Inciso acrescido pela Lei 10.028,
de 19.10.2000)
XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites
estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de
crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Inciso acrescido pela
Lei 10.028, de 19.10.2000)
XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a
amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de
crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido
em lei; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)
XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de
crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e
demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Inciso acrescido
pela Lei 10.028, de 19.10.2000)
XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de
crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades
da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou
postergação de dívida contraída anteriormente; (Inciso acrescido pela Lei 10.028,
de 19.10.2000)
XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição
cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de
19.10.2000)
XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de
títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Inciso acrescido
pela Lei 10.028, de 19.10.2000)
XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou
condição estabelecida em lei. (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)
§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e
II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de
detenção, de três meses a três anos.
§ 2º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo,
acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP V Direito Tributário V

exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da


reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.”

Este artigo 1º traça crimes comuns, julgados pelo Poder Judiciário,


independentemente de qualquer ingerência política. Por isso, estes crimes são
equivocadamente chamados de crimes de responsabilidade, pois são fatos típicos penais
comuns. Os crimes de responsabilidade, propriamente ditos, estão no artigo 4º deste
diploma:

“Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao


julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do
mandato:
I - Impedir o funcionamento regular da Câmara;
II - Impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que
devam constar dos arquivos da Prefeitura, bem como a verificação de obras e
serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria,
regularmente instituída;
III - Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações
da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular;
IV - Retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a essa
formalidade;
V - Deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a
proposta orçamentária;
VI - Descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro,
VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou emitir-
se na sua prática;
VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do
Município sujeito à administração da Prefeitura;
IX - Ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afastar-
se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores;
X - Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo.”

Os crimes de responsabilidade, propriamente ditos, dos vereadores, também


constam deste mesmo DL 201/67, no artigo 7º:

“Art. 7º A Câmara poderá cassar o mandato de Vereador, quando:


I - Utilizar-se do mandato para a prática de atos de corrupção ou de improbidade
administrativa;
II - Fixar residência fora do Município;
III - Proceder de modo incompatível com a dignidade, da Câmara ou faltar com o
decoro na sua conduta pública.
§ 1º O processo de cassação de mandato de Vereador é, no que couber, o
estabelecido no art. 5º deste decreto-lei.
§ 2º O Presidente da Câmara poderá afastar de suas funções o Vereador acusado,
desde que a denúncia seja recebida pela maioria absoluta dos membros da Câmara,
convocando o respectivo suplente, até o julgamento final. O suplente convocado
não intervirá nem votará nos atos do processo do substituído. (Parágrafo revogado
pela Lei nº 9.504, de 30.9.1997).”

Crimes comuns, no entanto, só são previstos para o prefeito, pois o artigo 1º só se


destina a estas figuras, e não aos vereadores. Estes, bem como quaisquer pessoas, só
poderão incidir nos crimes do artigo 1º quando porventura concorrerem para o crime do

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP V Direito Tributário V

prefeito, em concurso de pessoas: ser prefeito é elementar do crime, e por isso, mesmo
sendo circunstância subjetiva, se comunica aos partícipes.
É claro que a responsabilidade penal do prefeito não está adstrita aos crimes do
artigo 1º, supra. Ele pode incidir em qualquer conduta criminosa do CP, ou de leis
extravagantes. O que existe é uma relação de especialidade deste artigo 1º perante a
legislação penal geral, pois se a mesma conduta descrita ali estiver também descrita no CP,
por exemplo, incidirá neste DL 201/67, eis que especial. Ausente a coincidência, cada tipo
o abarca no seu alcance.

Casos Concretos

Questão 1

Responda fundamentadamente:
De quem é a competência para julgar e processar Prefeito Municipal nos seguintes
casos:
a) Crime de responsabilidade fiscal;
b) Infração político-administrativa;

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP V Direito Tributário V

c) Mandado de segurança contra ato administrativo;


d) Crime eleitoral.
De quem é a competência para julgar e processar ex-prefeito que praticou crimes
de responsabilidade fiscal?

Resposta à Questão 1

a) Os crimes contra finanças públicas cometidos por prefeito são julgados pelo
Tribunal de Justiça do seu respectivo Estado, na forma do artigo 29, X, da
CRFB:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça; (Renumerado do inciso
VIII, pela Emenda Constitucional nº 1, de 1992)
(...)”

b) Para estas infrações, a competência é política, pertencendo à Câmara dos


Vereadores do seu Município, na forma do artigo 4º do DL 201/67, já transcrito.
c) Compete a qualquer vara cível, e se existir especialização, à vara da fazenda
pública.
d) Compete ao TRE respectivo.

Quanto ao ex-prefeito, a competência parta os crimes contra as finanças públicas é


do juízo comum, vara criminal, pois é inconstitucional qualquer foro por prerrogativa de
função estendido a quem não mais persiste na função. Mesmo tendo sido iniciado o
processo no foro por prerrogativa, findo o mandato deverá haver declínio da competência
para o foro comum.

Questão 2

O Prefeito Municipal de Sarará do Alto nos últimos seis meses de seu mandato
corrigiu, através de Lei Municipal, a tabela de salários dos funcionários municipais,
incorporando os percentuais relativos ao Plano Collor e Plano Bresser. Desta forma, a
folha de pagamentos do Município teve acréscimo médio de cerca de 60% (sessenta por
cento). Responda fundamentadamente:
a) Prefeito Municipal agiu em conformidade com a Lei de Responsabilidade
Fiscal?
b) Considerando a hipótese de a Prefeitura ter recursos em caixa suficientes para
honrar o aumento de despesa durante todo o mandato do próximo Prefeito, o atual
Prefeito poderia ordenar o aumento dos salários?
c) Qual o bem jurídico protegido pela vedação imposta pela Lei de
Responsabilidade Fiscal neste caso concreto?

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP V Direito Tributário V

a) Tanto a Lei de Responsabilidade Fiscal quando o CP estabelecem vedação a este


aumento de salários, em período de cento e oitenta dias prévio à eleição. O ato
que determina este aumento, inclusive, é absolutamente nulo. Incidiria, em tese,
no artigo 359-G do CP:

“Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura


(Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa
total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da
legislatura: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000))
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Oferta pública ou colocação de títulos no mercado (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

Mas veja que, se computado o aumento, ainda estiver abaixo do limite


para gastos com pessoal imposto pela lei – que é de sessenta por cento do
orçamento –, surgem duas correntes quanto à tipicidade: a primeira defende que,
mesmo assim, há o crime, pois ainda há a imoralidade administrativa, e esta é a
corrente majoritária; mas a segunda corrente entende que, se não exacerba o
limite, não há crime, porque não há desequilíbrio orçamentário – corrente
minoritária, pois desconsidera a moralidade pública, que também é aqui
tutelada.
b) Ainda assim não poderia, porque, como dito, mesmo não havendo desequilíbrio
orçamentário, ainda há ofensa à moralidade pública. Mas há corrente menor
como dito, que defende atipicidade, neste caso.
c) O bem jurídico tutelado é o equilíbrio financeiro-orçamentário, e também a
moralidade administrativa, eis que esta conduta demonstra intento captador de
eleitorado.

Questão 3

Prefeito de determinado município no interior do Rio de Janeiro, emite, em junho


de 2000, 3 (três) cheques pós-datados em pagamento da aquisição de material esportivo
em loja sediada no território que administra. No entanto, todos foram devolvidos sem
provisão de fundos. Desta forma, por força do princípio da obrigatoriedade do processo
penal, o Promotor com atribuição para tanto denuncia o prefeito. Responda
fundamentadamente, não levando em consideração eventuais prescrições consumadas:
a) Se agiu corretamente o promotor; e
b) Independente da resposta ao item anterior, qual seria a capitulação dos fatos?

Resposta à Questão 3

a) O promotor capitulou nos artigos 359-C e 171 do CP, em concurso formal.


Quanto ao artigo 359-C, a lei ainda não estava em vigor quando da conduta,
pelo que é inaplicável ao caso, pela simples legalidade. Quanto ao artigo 171 do
CP, estelionato, este não é cometido pela mera emissão de cheque pós-datado,

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP V Direito Tributário V

senão quando no momento da emissão do cheque o agente já soubesse da falta


de fundos, intentando não pagar. Aplica-se a súmula 246 do STF:

“Súmula 246, STF: Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime
de emissão de cheque sem fundos.”

b) A capitulação estaria correta no artigo 359-C, mas este crime ainda não estava
em vigor.

A respeito, veja o HC 1000008482141-2/000, do TJ/MG

“HC 4821412-68.2008.8.13.0000. (1.0000.08.482141-2/000). Relator:


HERCULANO RODRIGUES. Data do Julgamento: 27/11/2008. Data da
Publicação: 16/01/2009.Ementa:
'HABEAS CORPUS'. TRANCAMENTO DE AÇÕES PENAIS. ESTELIONATO
E CRIME DE ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NO ÚLTIMO ANO DO
MANDATO OU LEGISLATURA. FATO ÚNICO. DUPLICIDADE DE
IMPUTAÇÕES. CONCURSO FORMAL PERFEITO. COMPRA E VENDA DE
MATERIAL ESPORTIVO. EMISSÃO DE CHEQUES PRÉ-DATADOS. MERO
ILÍCITO CIVIL. FATO PRATICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 10.028/00.
ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA EVIDENCIADA. ORDEM
CONCEDIDA. IDENTIDADE DE SITUAÇÕES. EXTENSÃO AO CO-RÉU.
TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS ORDENADO. - Duas denúncias foram
oferecidas contra o paciente, capitulando a conduta (única) nos artigos 359-C e
171, ambos do Código Penal, hipótese que embora não esteja a configurar, por via
transversa, denúncia alternativa, reclamaria a incidência da figura do artigo 70,
primeira parte, do Código Penal (concurso formal perfeito), não fosse a manifesta
atipicidade da ação. - No tocante ao delito de estelionato, está assente na doutrina e
na jurisprudência que cheque pré-datado ou dado como garantia de pagamento,
desconstituindo a principal característica do título, de ordem de pagamento à vista,
consubstancia hipótese de mera promessa de pagamento. Não sendo compensado o
cheque por ausência ou insuficiência de provisão de fundos, o que se vislumbra é
um ilícito civil, irrelevante penalmente. - Por outro lado, é evidente o equívoco na
capitulação do fato como crime previsto no artigo 359-C do Código Penal. A Lei
10.028/2000 só entrou em vigor no dia 20 de outubro daquele ano, muito depois da
ocorrência do fato, que se deu em junho de 2000.”

Tema X

Crimes da Lei de Responsabilidade Fiscal II 1. Crimes em espécie; 2. Questões Processuais. Questões


controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula10

10
Aula ministrada pela professora Cláudia das Graças Mattos de Oliveira Barros, em 5/4/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP V Direito Tributário V

1. Crimes contra as finanças públicas

Todos estes crimes, do artigo 359-A ao 359-H do CP, são crimes dolosos e próprios,
somente podendo ser praticados por funcionários públicos configurados como ordenadores
de despesas. Ordenador de despesas é aquela pessoa que, em qualquer âmbito da
administração pública, dá destinação ao erário, de acordo com as leis orçamentárias
respectivas.
No entanto, podem terceiros, não funcionários públicos ou não ordenadores de
despesas, incidir nestes crimes, a qualidade de partícipes ou coautores.
Segundo a maioria da doutrina, estes crimes, todos eles, são formais, dispensando
resultado naturalístico para sua consumação. Não é necessário que haja a lesão ao erário, ao
equilíbrio financeiro-orçamentário, para que haja consumação.
A perda do cargo pode ocorrer como efeito da condenação nestes delitos, na forma
do artigo 92, I, do CP, mas não é efeito automático, como o próprio parágrafo deste mesmo
artigo determina:

“Art. 92 - São também efeitos da condenação:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de


11.7.1984)
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº
9.268, de 1º.4.1996)
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)
anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
(...)
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo
ser motivadamente declarados na sentença. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984).”

Se o crime for cometido pelo prefeito, e ao invés de responder por um dos tipos do
CP, por especialidade, se enquadrar no artigo 1º do DL 201/67, aí o efeito da perda do cargo
é, sim, automático, como determina o § 2º do artigo 1º deste DL 201/67, já transcrito. Se o
prefeito responde na forma do CP, por não incidir a especialidade, o efeito não será
automático.
Os princípios da lesividade e insignificância são invocáveis nestes delitos, como
tem admitido as Cortes Superiores. A doutrina critica esta admissibilidade, porque estes
crimes seriam, a rigor, de perigo, e não formais, porque o dolo do agente aqui não é a
obtenção da lesão ao erário: é dolo de periclitar a organização orçamentária, e o resultado é
justamente a causação deste perigo – pelo que jamais haveria perigo insignificante, carente
de lesividade. É crítica sem peso jurisprudencial, porém.
Vejamos os artigos do CP, pontualmente.

“Contratação de operação de crédito


Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo,
sem prévia autorização legislativa: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação
de crédito, interno ou externo: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP V Direito Tributário V

I - com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em


resolução do Senado Federal; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
II - quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo
autorizado por lei. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000).”

Este crime é modelo dos delitos deste capítulo, sendo a este aplicáveis todas as
classificações enunciadas.
No caput, está prevista a operação de crédito que não tem autorização legal para ser
realizada. No parágrafo único, está prevista a operação que tem autorização legal, mas é
efetuada em desacordo com o que foi autorizado, pelo agente.
Este dispositivo é norma penal em branco, porque os elementos estão em normas
alheias ao tipo. No inciso II, o conceito de “dívida consolidada”, por exemplo, que é dado
pelo direito financeiro: é a dívida a ser paga em período superior a doze meses.
O artigo 359-B deve ser lido em confronto com o 359-F do CP:

“Inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar (Incluído pela Lei nº


10.028, de 2000).
Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar, de despesa que não
tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei:
(Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000)

“Não cancelamento de restos a pagar (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)


Art. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do
montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei:
(Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

“Restos a pagar” é aquilo que vai ser pago no exercício financeiro seguinte, ou seja,
é a dívida não paga a te o último dia do ano civil, do exercício financeiro. Para ser possível
deixar restos a pagar, é necessário que a despesa em questão tenha sido empenhada, ou seja,
reservada a cota do orçamento que suportará esta dívida no próximo exercício. O empenho
é um ato administrativo que reserva o valor necessário ao pagamento futuro daquela
despesa – o valor empenhado só poderá ser usado para pagar aquela despesa, e nada mais,
pois será deduzido do montante total do orçamento, na rubrica respectiva, deixando de estar
disponível.
Assim, se ordenar despesa sem empenho do valor, está o administrador arriscando
com a coisa pública, rompendo o equilíbrio orçamentário, e está incidindo no artigo 359-B,
supra.
Já no crime do artigo 359-F do CP, o valor foi inscrito como restos a pagar, mas não
havendo empenho, o ordenador de despesa deveria tê-lo cancelado – o que não fez. Ao
omitir-se, está incidindo neste delito.
Vê-se que os crimes dos artigos 359-B e 359-F do CP são, respectivamente,
comissivos e omissivos, duas faces da mesma moeda, pelo que a prática de um impede
logicamente que o outro, na mesma conduta, possa ser praticado concomitantemente,
dolosamente. Pode acontecer, porém, de o agente praticar a conduta do 359-B
culposamente – o que não é crime – mas, posteriormente, cometer o delito do artigo 359-F

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EMERJ – CP V Direito Tributário V

dolosamente, em relação à mesma inscrição, se omitindo em cancelar o que sabia que


deveria cancelar.
O artigo 359-C do CP pune a assunção de obrigações por quem não tem, desde logo,
o dinheiro em caixa ou reservado para tanto. Veja:

“Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura (Incluído pela


Lei nº 10.028, de 2000)
Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos
quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser
paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício
seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa:
(Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.(Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

Assumir a obrigação futura com base em uma expectativa de obtenção do recurso


ainda é crime: mesmo que o ordenador de despesa tenha a convicção de que a despesa
assumida será adimplida, com base em recebimentos que a administração tem a fazer,
estará cometendo crime – a res pública não pode ser legada à eventualidade de não haver
aquele recebimento. O valor de reserva deve estar desde logo, na assunção da obrigação,
em poder a administração, não podendo haver risco algum.
O artigo 359-D do CP é tipo peal extremamente aberto. Veja:

“Ordenação de despesa não autorizada (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)


Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei: (Incluído pela Lei nº 10.028,
de 2000)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

O artigo 359-E do CP diz o seguinte:

“Prestação de garantia graciosa (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)


Art. 359-E. Prestar garantia em operação de crédito sem que tenha sido constituída
contragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma
da lei: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

O elemento penal em branco, aqui, são as contragarantias estabelecidas por lei.


O artigo 359-G do CP, já abordado, assim dispõe:

“Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura


(Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa
total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da
legislatura: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000))
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Oferta pública ou colocação de títulos no mercado (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

Por fim, o artigo 359-H do CP diz o seguinte:

Michell Nunes Midlej Maron 126


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“Art. 359-H. Ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou a colocação no


mercado financeiro de títulos da dívida pública sem que tenham sido criados por
lei ou sem que estejam registrados em sistema centralizado de liquidação e de
custódia: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000).”

É claro que se os títulos forem regularmente criados, não há crime. Como é formal,
basta que haja a ordem ou autorização para sua colocação irregular no mercado para que
haja o crime, dispensado qualquer prejuizo material.
Não se confundam estes títulos irregulares com títulos falsos: sendo falsos, o crime
é de estelionato.

Casos Concretos

Questão 1

A Prefeitura Municipal de Riacho Seco, necessitando de recursos para construção


da nova sede para a comarca municipal, sancionou Lei Municipal concedendo bonificação
para os contribuintes que anteciparem o pagamento do IPTU dos próximos 5(cinco) anos.
Pergunta-se:
a) Lei Municipal autorizando a antecipação de tributos como forma de captação de
recursos colide com a Lei de Responsabilidade Fiscal?
b) Qual a natureza do crime de responsabilidade praticado pelo prefeito? O crime
admite tentativa? Qual o elemento subjetivo do tipo?

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Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 1

a) Sim: a lei de responsabilidade fiscal proíbe esta antecipação, porque tal conduta
inviabilizaria as futuras administrações. Esta vedação se impõe a qualquer
ordenador de despesas.
b) Trata-se de crime comum, do artigo 1º, XXI, do DL 201/67, e a tentativa é
possível, se o recurso não chega a ser captado – é crime material. O elemento
subjetivo deste tipo é o dolo de captar o recurso antecipadamente.

“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao


julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara
dos Vereadores:
(...)
XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição
cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de
19.10.2000)
(...)”

Questão 2

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul recebeu recursos para aquisição de


computadores, mas com o tempo de tal modo exíguo, que inviabilizava a concorrência, na
modalidade de técnica e preço, para a aquisição. Os dirigentes da unidade fizeram então
ampla pesquisa de preços e promoveram a compra mais vantajosa, com base no
dispositivo da Lei nº 8.666/93 que autoriza a compra emergencial, sem licitação.
Em auditoria, observou-se a irregularidade do ato, visto que o instituto da emergência
somente é possível quando se caracteriza risco à segurança de pessoas ou situação de
imprevisibilidade.
Responda fundamentadamente:
a) Em qual tipo penal se enquadra a conduta dos dirigentes da Universidade?
b) Considerando que a ordenação de despesa não foi autorizada por lei, mas
estava plenamente justificada, mesmo assim, a conduta dos dirigentes da
Universidade deve ser criminalizada?
c) O Ministro Relator do TCU, ao elaborar o relatório deste caso, que
recomendação faria ao órgão repassador, quanto à liberação dos recursos?

Resposta à Questão 2

a) A falta de tempo não reclama urgência. Em tese, praticariam o artigo 359-D.


ocorre que, na casuística, os administradores obtiveram o melhor resultado
possível da compra, o que provavelmente seria até pior se realizada a licitação,
pelo que o MP entendeu ausente a periclitação do erário. E repare que ainda que
o crime contra as finanças públicas não tenha se aperfeiçoado, nem mesmo o
crime do artigo 89 da Lei 8.666/93, porque ausente o dolo de dano ao erário,
necessário neste tipo:

Michell Nunes Midlej Maron 128


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“Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou
deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou
inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.”

É fato atípico, portanto.


b) Como dito, a conduta, na casuística, foi considerada atípica por falta de
lesividade.
c) A recomendação é que o órgão repassador seja pontual no repasse, a fim de
evitar situações como esta.

Questão 3

O Presidente do Tribunal de Justiça de determinado Estado da Federação foi


denunciado pelo Ministério Público como incurso na conduta tipificada no art. 359-D do
Código Penal. Alega o Ministério Público que a autoridade ordenou despesa sem
autorização legal.
Em sua defesa, o Magistrado alega que, na peça acusatória, inexiste referência à
norma integradora, bem como inexistência de lesão não justificada ao bem juridicamente
tutelado.
Responda fundamentadamente:
a) qual seria a norma penal integradora;
b) qual é o bem juridicamente tutelado eventualmente lesado; e
c) se a denúncia dever ser recebida.

Resposta à Questão 3

a) A falta de referência à norma integradora da norma penal em branco não faz a


denúncia inepta, pela seguinte peculiaridade: se a lei supostamente supriria a
norma em branco, que autorizaria a despesa, sequer existe – simplesmente não
há lei que autorize a despesa –, não há para onde se apontar. A ausência da lei é
que suplementa o tipo, ou seja, a falta de lei é o que torna a conduta criminosa.
b) O bem jurídico é o equilíbrio econômico-financeiro das contas públicas.
c) Não há subsídios suficientes para saber se estão presentes os requisitos para a
denúncia, in casu. Por inépcia, pela motivação apresentada, não.

A respeito, veja a Ação Penal Originária 389, do STJ:

“Apn 389 / ES. AÇÃO PENAL. Relator Ministro NILSON NAVES. Órgão
Julgador - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 15/03/2006. Data da
Publicação/Fonte DJ 21/08/2006.
Ementa: Ação penal originária. Ordenação de despesa não autorizada por lei.
Princípio da irretroatividade (aplicação). Art. 359-D do Cód. Penal (norma penal
em branco). Norma integradora (falta). Crime (não-ocorrência). Denúncia
(rejeição).

Michell Nunes Midlej Maron 129


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1. A lei penal incriminadora não tem efeito retroativo. Assim, porque, à data da
prática dos atos por um dos acusados, não existia lei que tipificasse sua conduta
como crime, nem deveria ter sido oferecida denúncia em relação a ele.
2. O art. 359-D, segundo o qual é crime "ordenar despesa não autorizada por lei",
consiste em norma penal em branco, uma vez que o rol das despesas permitidas e
das não-autorizadas haverá de constar de outros textos legais, entre os quais, por
exemplo, o da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101/00).
3. Se, na peça acusatória, inexiste referência à norma integradora, falha é a
denúncia.
4. Ademais, quando devidamente explicável a despesa, deslegitima-se a
possibilidade de punição da conduta ao menos no âmbito penal. A inexistência de
autorização de despesa em lei constitui, tão-somente, indício de irregularidade.
Para se criminalizar a conduta, é necessária a existência de lesão não-justificada ao
bem jurídico, isto é, às finanças públicas, o que, no caso, não ocorreu. O fato
narrado evidentemente não constitui crime.
5. Denúncia rejeitada.”

Michell Nunes Midlej Maron 130

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