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DOI: 10.1590/1413-81232015213.

26852015 797

A Educação Ambiental como estratégia de mobilização social

artigo article
para o enfrentamento da escassez de água

Environmental Education as a social mobilization strategy


to face water scarcity

Andrezza de Souza Piccoli 1


Débora Cynamon Kligerman 1
Simone Cynamon Cohen 1
Rafaela Facchetti Assumpção 1

Abstract Article 225 of the Brazilian Constitu- Resumo O artigo 225 da Constituição Brasileira
tion establishes that all citizens have the right to estabelece que todos os brasileiros têm direito ao
an ecologically balanced environment, as a com- meio ambiente ecologicamente equilibrado, como
mon good that is essential for a healthy life, and um bem de uso comum do povo e essencial à qua-
that the government and society have the duty lidade de vida saudável, impondo-se ao poder pú-
to protect and preserve the environment for pre- blico e à coletividade o dever de defendê-lo e pre-
sent and future generations. This article outlines servá-lo para as presentes e futuras gerações. Este
a methodology for promoting social mobilization artigo objetiva apresentar uma metodologia de
to address water scarcity developed under the mobilização para o enfrentamento da escassez dos
National Environmental Education and Social recursos hídricos, tendo como pressuposto o Pro-
Mobilization for Sanitation Program (PEAMSS, grama de Educação Ambiental e Mobilização So-
acronym in Portuguese). The main aim of this ar- cial em Saneamento (PEAMSS). Trata-se de um
ticle is to show the importance of education as a estudo orientado pelo método qualitativo do tipo
driving force for empowerment for water resour- bibliográfico documental, com caráter de pesquisa
ces management. It outlines the main concepts of -ação, tendo a educação como propulsora da par-
emancipatory environmental education and then ticipação, mobilização e controle social sobre os re-
goes on to describe the elaboration of a PEAMMS cursos hídricos. Inicia-se pela abordagem teórica,
action plan. It concludes that the universalization a partir dos pressupostos da Educação Ambiental,
of the right to safe and clean drinking water and continuamente com a apresentação do PEAMSS.
access to sanitation is only possible through demo- Comentados e seguidos pela proposição do plano
cratic and participatory water resources manage- de ação. Conclui-se que o alcance e universaliza-
ment. Actions are necessary to evaluate the reach ção dos direitos humanos à água e ao saneamento
of the PEAMSS and define the way ahead for the se darão somente com a gestão de águas de modo
1
Escola Nacional de program. democrático e participativo. A partir deste estudo
Saúde Pública Sérgio Key words Environmental education, Public observou-se que são necessárias ações para avaliar
Arouca, Departamento
de Saneamento e Saúde
participation, Water resources, Sanitation, Public o alcance do PEAMSS e para traçar novos cami-
Ambiental, Fiocruz. Rua Health nhos para implementação do programa.
Leopoldo Bulhões, 1480, Palavras-chave Educação ambiental, Participa-
Manguinhos. 21041-210.
Rio de Janeiro RJ Brasil.
ção social, Recursos hídricos, Saneamento am-
andrezzapiccoli@ biental, Saúde Pública
yahoo.com.br
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Piccoli AS et al.

Introdução otimista. A distribuição dos recursos hídricos, na-


cionalmente é imensamente desigual: 70% estão
Água, elemento essencial, sem o qual o conceito localizados na Região Norte, onde habitam 7% da
de vida, como se conhece, não existiria. No pla- população brasileira; 6% se localizam na Região
neta conhecido como “Planeta Água”, aproxima- Sudeste onde moram 42,63% do total da popu-
damente 97% das águas na Terra são salgadas e lação; 3,3% está na Região Nordeste que abriga
2,493% estão concentrados em geleiras ou regi- 28,91% da população. Portanto, apenas 30% dos
ões subterrâneas de difícil acesso. Para os múlti- recursos hídricos brasileiros estão disponíveis
plos usos, entre eles o consumo humano, existe para 93% da população. Entre 40% a 60% da
apenas 0,007% de água doce disponível em rios, água tratada são desperdiçados no percurso en-
lagos e na atmosfera1. tre a captação e as moradias, em razão de tubula-
Mas no “Planeta Água” encontram-se quase ções antigas, vazamentos, desvios clandestinos e
900 milhões de pessoas sem acesso à água potá- tecnologias obsoletas6. O modo de apropriação e
vel e 2,6 milhões, ou seja, 40% dos habitantes da os tipos de relações mantidas pelos atores sociais
Terra vivem sem serviços de saneamento básico. com os recursos hídricos, ao longo da dinâmica
Mesmo que tardiamente, essa realidade fez com territorial brasileira, conduziram ao atual estado
que a Organização das Nações Unidas (ONU), de degradação ambiental e escassez. Há necessi-
na construção das Metas de Desenvolvimento dade de pensar na descentralização e na maior
do Milênio, reconhecesse a água e o saneamento participação da população na arena político-ad-
como direitos humanos2. ministrativa brasileira no processo de indução de
Em 2010, a ONU aprovou em 30 de setem- políticas governamentais que reflitam preocupa-
bro, duas Resoluções importantes: a de número ções locais7, de modo a transformar este cenário.
15/93, que reconhece o direito humano à água O processo de gerenciamento ambiental, de
e a de número 64/2924, que afirma o direito ao uma forma geral, deve ser orientado pela partici-
saneamento; ambas associadas à condição pri- pação coletiva. A água não pode ser vista somente
mordial de se ter saúde e condições de uma vida como um recurso estratégico e de mercado para a
digna. Trata-se de assegurar o direito humano produção capitalista, incentivando o setor priva-
aos recursos naturais como patrimônio comum. do em detrimento do serviço público e comuni-
Portanto, identificando que todos os seres vivos, tário. Há a necessidade de estabelecer um contro-
situados em realidades plurais e em diversidade le social efetivo sobre a água e a biodiversidade8. É
culturais, possuem esses mesmos direitos. Ob- neste sentido que alguns instrumentos de caráter
serva-se que não há direito à água, se ela não for normativo podem ser apresentados para a conso-
segura para consumo, o que só pode ser atingido lidação deste processo.
com medidas sanitárias básicas. A Lei 9.433/979 instituiu a Política Nacional
O relatório da ONU, “Água para um mundo de Recursos Hídricose consignou por meio da
sustentável”5, apresenta os fatores que afetam a noção de gestão integrada, o plano de recursos
qualidade e disponibilidade dos recursos hídri- hídricos, no âmbito nacional e estadual. Trata-se
cos como: (1) o crescimento da população, (2) o de uma gestão pública colegiada para um con-
processo de urbanização, (3) as políticas de segu- junto de microbacias1, onde se prevalecem os in-
rança alimentar e energética, e (4) os processos teresses da coletividade sobre o particular, pelos
macroeconômicos (globalização do comércio, as Comitês de Bacias Hidrográficas.
mudanças na dieta e o aumento do consumo). Também a Resolução do Conselho Nacional
Tais fatores podem ser caracterizados como de- de Recursos Hídricos (CNRH) nº 98 de 200910,
terminantes da escassez de recursos hídricos, e estabeleceu os princípios, fundamentos e dire-
são exemplificados pela persistência da pobre- trizes para a educação, o desenvolvimento de
za, o acesso desigual ao abastecimento de água e capacidades, a mobilização social e a informação
serviços de saneamento, o financiamento inade- para a Gestão Integrada de Recursos Hídricos no
quado e a informação deficiente sobre o estado Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
dos recursos hídricos, seu uso e gerenciamento. Hídricos (SINGREH). Apresentou os pilares e
O relatório destaca que tais aspectos têm imposto pressupostos, orientados pela reflexão de valores,
restrições à gestão desses recursos e à capacidade hábitos e atitudes, mediados pela relação dialó-
de contribuírem para o alcance de objetivos de gica entre os entes do SINGREH e a sociedade.
desenvolvimento sustentável5. Contribuiu desta forma para o fortalecimento da
Se forem levados em conta tais aspectos, a participação e do controle social na gestão demo-
situação dos recursos hídricos no Brasil não é crática da água10.
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Diante desse cenário a noção de gestão inte- do PEAMSS12 (item 2) e a proposição do plano de
grada assume dimensões, que vão desde o respei- ação em mobilização social para enfrentamento
to e o conhecimento abrangente do ciclo hidroló- da escassez de água (item 3), seguida das conclu-
gico e a preservação de seus usos múltiplos, suas sões e considerações finais.
inter-relações com os ecossistemas; até a admi-
nistração dos recursos hídricos pela coparticipa- Educação Ambiental (EA) e o debate
ção de gestores, usuários e populações locais11. entre emancipação e participação social
Esta participação social por sua vez, só é pos-
sível com a população empoderada, mobilizada Educar é muito mais do que a mera trans-
pela importância da água e dos outros compo- missão de conhecimentos, mas a socialização em
nentes do saneamento. A Educação é o mecanis- diferentes espaços, nos mais diversos contextos,
mo pelo qual se dá este processo, como uma mola considerando-se a cultura e as especificidades de
propulsora da mobilização e participação com cada grupo social. A educação pode ser entendi-
vistas ao controle social sobre os recursos hídri- da como o conjunto de ações, processos, influên­
cos. População organizada, informada e atuante cias, estruturas, que intervêm no desenvolvimen-
na exigência do cumprimento de seus direitos, to humano de indivíduos e grupos na sua relação
com potencial crítico para observar e cumprir ativa com o meio natural e social, num determi-
seus deveres de não degradar e não desperdiçar o nado contexto de relações entre grupos e classes
recurso natural, promovendo a sustentabilidade. sociais13.
Assim como as normas que estabelecem cri- Na Política Nacional de Educação Ambien-
térios e diretrizes para o controle social efetivo, tal (PNEA), caracterizada pela Lei 9.795/9914. A
o Programa Nacional de Educação Ambiental e Educação Ambiental (EA) é descrita como os
Mobilização Social em Saneamento (PEAMSS)12 processos por meio dos quais o indivíduo e a
é um forte instrumento para aplicação prática coletividade constroem valores sociais, conhe-
destas exigências legais. Além disso, o caderno cimentos, habilidades, atitudes e competências
metodológico do PEAMSS12 é uma ferramenta voltadas para a conservação do meio ambiente,
de operacionalização da exigência do cumpri- bem de uso comum do povo, essencial à sadia
mento dos direitos humanos reconhecidos pela qualidade de vida e a sua sustentabilidade. É um
ONU. Tem a educação ambiental para o sanea- componente essencial e permanente da educação
mento como instrumento de formação e reforço nacional, devendo estar presente, de forma arti-
da cidadania, ao estimular a consciência crítica culada e integrada, em todos os níveis e modali-
na busca do direito de todos, para todos. dades do processo educativo, em caráter formal
Este artigo tem como objetivo apresentaru- e não formal.
ma metodologia de mobilização para o enfren- A abordagem estritamente naturalista, dire-
tamento da questão de escassez dos recursos hí- cionada às atividades e ações individualizadas ou
dricos, tendo como pressuposto o PEAMSS12. É de conscientização não atendem à perspectiva da
importante salientar que três autoras desse artigo EA estabelecida pela PNEA. Durante muito tem-
participaram do processo de trabalho para cons- po acreditou-se que promover a sensibilização
trução do PEAMSS. Desta forma, este artigo não das pessoas, reestabelecer a ligação homem-natu-
se resume a uma aplicação do Caderno Metodo- reza, e estimular a sua proteção15, bastavam para
lógico do PEAMSS. Propõe ações mobilizadoras a tomada de decisões acerca dos problemas am-
para elaboração de plano estratégico para lidar bientais. A degradação causada pela utilização até
com a escassez de água, por meio de temas gera- o esgotamento dos recursos naturais e o modo
dores inseridos no arcabouço do PEAMSS, ten- de vida orientado pelo consumismo desenfrea-
do a educação ambiental em saneamento como do, exigem abordagens em educação que visem
eixo. Por este motivo o artigo apresentado se faz transformar as relações entre sociedade, ser hu-
relevante, por evidenciar instrumento de mobili- mano e natureza. Como caracterizado por Paulo
zação social que mostra a articulação entre sane- Freire, em sua pedagogia progressista libertadora,
amento ambiental e saúde, participação social e intervindo no mundo, como ato político. Inter-
qualidade da água por meio da aplicação prática venção que, além do conhecimento dos conteú-
em campo. dos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, im-
Para realizar tal objetivo, apresenta-se a Edu- plica tanto o esforço de reprodução da ideologia
cação Ambiental emancipatória para desenvol- dominante quanto o seu desmascaramento16.
vimento do potencial crítico coletivo (item 1), a Por meio da EA emancipatória, transforma-
síntese do processo de trabalho para elaboração dora, crítica e popular, busca-se articular todos
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Piccoli AS et al.

os níveis e modalidades do processo educativo social de maneira efetiva20. A educação insere-se


em educação ambiental, formal ou não-formal, e neste processo quando questiona-se o como fazer,
fazer com que as visões de mundo sejam discuti- o como possibilitar o empoderamento e o forta-
das, compreendidas, problematizadas e incorpo- lecimento dos sujeitos nos espaços e/ou setores
radas em todo tecido social e suas manifestações onde o controle social faz-se urgente e necessário.
simbólicas e materiais17, colocando homem e A metodologia estabelecida no PEAMSS12 é
ambiente pari passu e reconhecendo as inter-re- estratégica para a participação social, no senti-
lações que necessariamente precisam ser estabe- do que possibilita o aumento do poder, a auto-
lecidas para o equilíbrio das duas dimensões. nomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos
Nesta abordagem a construção de conheci- sociais nas relações interpessoais e institucionais.
mentos se estabelece na esfera coletiva, política Principalmente daqueles submetidos à relações
e problematizadora da realidade, por meio de de opressão, discriminação e dominação social,
ações que busquem reverter a lógica do capital e inseridos em um contexto de mudança social e
mercantilização de tudo. O indivíduo desenvolve desenvolvimento político. Ela promove a equi-
a capacidade de mobilizar as competências para dade e a qualidade de vida por meio de suporte
a tomada de decisões, sempre com o outro, quan- mútuo, cooperação, autogestão e participação
do assume uma postura dialógica. Entender que em movimentos sociais autônomos, com práticas
não é possível pensar pelo outro, para o outro e não tradicionais de aprendizagem e ensino que
sem o outro. A educação é feita com o outro que desenvolvem uma consciência crítica12.
também é sujeito, que tem sua identidade e indi-
vidualidade a serem respeitadas no processo de Programa de Educação Ambiental e
questionamento dos comportamentos e da rea- Mobilização Social para o Saneamento
lidade18. (PEAMSS): a proposta e principais produtos
É neste sentido que a EA dialoga com a saúde
coletiva e com a gestão dos recursos hídricos, na Apresenta-se, aqui, a síntese do processo para
medida em que a educação é um componente es- a elaboração do PEAMSS12. O objetivo deste item
truturante da promoção da saúde e deve ser me- é apresentar uma breve síntese do processo de
diada por ações que condicionam, determinam construção coletiva para a elaboração do progra-
e impactam favoravelmente a qualidade de vida ma e seus principais produtos. Por fim, mas não
das pessoas, e orientada pelo controle e partici- menos relevante, serão apontadas as fragilidades
pação social. e possibilidades do processo de trabalho, quanto
As experiências brasileiras de gestão partici- ao ponto de vista das autoras de modo a subsi-
pativa como os Conselhos Gestores,os Comitês diar a compreensão do leitor.
de Bacia Hidrográfica, até mesmo a exigência O programa é fruto do trabalho compartilha-
normativa do controle social para elaboração do entre Ministério das Cidades, Ministério do
dos Planos Municipais de Saneamento Básico, Meio Ambiente, Ministério da Educação, Minis-
podem ser citados como exemplo. Mas faz-se ur- tério da Integração Nacional, Ministério da Saú-
gente refletir até que ponto esses espaços repre- de por meio da Funasa – Fundação Nacional de
sentam a real articulação e atuação conjunta dos Saúde e Fiocruz e Caixa Econômica Federal12.
atores – gestores, especialistas e populares – pa- A Secretaria Nacional de Saneamento Am-
rao enfrentamento das questões referentes ao sa- biental do Ministério das Cidades criou o Gru-
neamento, principalmente no que tange a gestão po de Trabalho de Educação Ambiental para o
dos recursos hídricos. Saneamento, em 2006, com vistas à construção
A participação social deve possuir caráter de coletiva das diretrizes do PEAMSS, que se incor-
construção coletiva, definindo-se e redefinindo- poraram representantes e ativistas de todos os
se como papel político. De modo que ela seja setores interessados na educação ambiental e mo-
orientada pela mobilização e por meio de ações bilização social para o saneamento. Foi lançado
exercidas pelas diferentes forças sociais19. É es- um edital sobre melhores práticas em educação
sencial um processo de empowerment, mesmo ambiental em saneamento e estabelecida uma
sendo este um termo polissêmico e controverso. banca de avaliação das experiências. Esta selecio-
Empowerment no sentido de que pessoas e gru- nou vinte e cinco práticas, cinco de cada região do
pos apreendem o poder para si mesmos e são país, que foram apresentadas em oficinas deno-
impulsionados na melhoria de suas condições minadas “Observatórios de Educação Ambiental
de vida, aumentando sua autonomia na tomada e Mobilização Social para o Saneamento”21. Em
de decisões para que possam exercer o controle cada região brasileira, nestas oficinas as experi-
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ências foram apresentadas, debatidas dialogica- ficas, grupos para elaboração de Planos Munici-
mente com vistas à construção coletiva das dire- pais de Saneamento, Comitês para elaboração de
trizes do PEAMSS. Após a realização das oficinas Plano Diretor dos Municípios-portanto há uma
regionais, foi iniciada uma articulação em fóruns necessidade de compreender de que forma a es-
presenciais e virtuais para consolidação, dissemi- truturação do programa contribuiu efetivamente
nação e validação dos documentos elaborados para as ações em participação e mobilização so-
nos debates e discussões dos grupos focais. Como cial. É possível apresentar casos de experiências
culminância, realizou-se um Seminário Nacional em mobilização social para o saneamento em
em Brasília com vistas à elaboração coletiva das várias cidades brasileiras, numa breve consulta
diretrizes do PEAMSS sob um documento preli- ao sistema mundial de computadores, tendo o
minar. controle social como prerrogativa. Mas não há
Este programa, estruturado a o longo de 3 registro formal da utilização do PEAMSS como
anos de trabalho, é instrumentalizado pelo “Ca- pressuposto conceitual.
derno Metodológico para Ações de Educação Não existem dados relativos à análise dos re-
Ambiental e Mobilização Social em Saneamen- sultados sobre a continuidade das ações após a
to”12, principal produto do programa. Este ca- implementação do programa, de quais iniciativas
derno traça uma proposta de elaboração de diag- que foram tomadas pelos ministérios de modo
nóstico participativo para tomada de decisões, a consolidar a proposta, efetivamente por meio
realizado de maneira coletiva para um território, da participação e mobilização social, e se foram
embasando o processo decisório participativo. realizadas intersetorialmente ou não. O Depar-
O plano de atuação está estruturado em cinco tamento de Saneamento e Saúde Ambiental da
pilares: (1) a importância da participação social ENSP vem desenvolvendo pesquisa de modo a
e organização comunitária; (2) o planejamento evidenciar tais fragilidades supracitadas e orien-
do diagnóstico participativo; (3) o plano de in- tar novos caminhos para o resgate deste processo.
tervenção participativo; (4) o monitoramento e São ministradas também disciplinas nos cursos
avaliação do processo e (5) a sistematização. de pós-graduação, na instituição, onde o Cader-
Nesse sentido, o programa inverte a lógica no Metodológico do PEAMSS12 é utilizado para
das ações pontuais, possibilita a compreensão a elaboração de potenciais Planos Municipais de
sistêmica do saneamento ambiental e o desenvol- Saneamento. Assim como a publicação deste ar-
vimento de ações educativas com a participação tigo, que traz à baila novamente o Caderno Me-
popular, engajada e consciente, com o exercício todológico do PEAMSS12, como um instrumento
do controle social no enfrentamento de questões que pode ser utilizado em ações em participação
estratégicas12. As diretrizes estabelecidas pelo PE- e mobilização social.
AMSS são a participação comunitária e controle O registro acadêmico pode ser obtido em A
social, a possibilidade de articulação, a ênfase na política federal de saneamento básico e as inicia-
escala local, a orientação pelas dimensões da sus- tivas de participação, mobilização, controle social,
tentabilidade, o respeito às culturas locais e o uso educação em saúde e ambiental nos programas go-
de tecnologias sociais sustentáveis12. vernamentais de saneamento, colaborando para a
Além do Caderno Metodológico para Ações divulgação e internacionalização do processo de
de Educação Ambiental e Mobilização Social em trabalho24. Neste, são caracterizados obstáculos
Saneamento, também são produtos a Cartilha de que foram evidenciados durante o processo de
Educação Ambiental e Mobilização Social em Sa- construção do PEAMSS, como gestores, técnicos,
neamento22, e um vídeo interinstitucional23, que educadores, comunidade e outros representantes
traduz a proposta do Caderno Metodológico tor- apresentam, muitas vezes, despreparo para par-
nando mais claros os caminhos de participação ticipar de projetos que fomentem a ampla par-
comunitária e divulga o processo de trabalho para ticipação, por não estarem acostumados à esta
construção coletiva do PEAMSS, respectivamente. lógica de trabalho. Além disso, a ausência e/ou
Deve-se ressaltar que a publicação do cader- ineficiência de recursos financeiros para proje-
no metodológico se deu em 2009, há 6 anos, mas tos em mobilização social também são fatores
não é de conhecimento geral a continuidade da limitantes. Muitos destes profissionais possuem
integração entre os ministérios por meio de pro- percepção equivocada do conceito de educação
gramas, como se deu no período de elaboração ambiental e mobilização social, sendo que, para
do PEAMSS. Até hoje só ocorreram ações inte- efetiva participação e controle social, alguns de-
gradas em comitês-Comitês de Bacias Hidrográ- safios devem ser transpostos24.
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Piccoli AS et al.

Plano de ação – Uma proposta de trabalho escassez de água5, mas a realidade local oferece-
rá subsídios para e reconstrução destes temas e
Propõe-se neste item, um plano de ação para adaptações às necessidades de cada território.
enfrentamento do problema da escassez de água. Para aprofundar os conhecimentos nesta pri-
É importante salientar que se trata de uma pro- meira etapa, faz-se necessário ir a campo coleti-
posta de trabalho tendo o PEAMSS como funda- vamente, com o objetivo de verificar a realidade,
mento e utilizando sua principal ferramenta me- observar e anotar os aspectos relativos à escassez
todológica, o Caderno Metodológico para Ações de água. São apresentados abaixo os temas-gera-
de Educação Ambiental e Mobilização Social em dores que podem ser relacionados a esta proble-
Saneamento12. As sugestões e possibilidades apre- mática (Figura 1).
sentadas não funcionam como uma receita de Estes temas geradores são, então, trabalhados
bolo. A intervenção é determinada pela dinâmica com conversas informais em campo, encontros
e realidade dos territórios, suas potencialidades e em espaços formais e/ou informais, rodas de
fragilidades. conversa, possibilitando debates na comunidade.
Para iniciar o trabalho, é importante que a Busca-se refletir “o que é necessário conhecer”,
comunidade se reúna e se organize, identificando por meio de perguntas que orientem e que devem
os atores sociais atuantes no território e forman- ser elaboradas pelo grupo de trabalho,com base-
do um grupo de trabalho. Os conselhos interse- nas realidades do território e foco no diagnóstico.
toriais com seus líderes comunitários e gestores, São sugeridas, a seguir, algumas perguntas
a sociedade civil organizada, instituições públicas que podem ser consideradas como orientadoras
e privadas, formais e não formais, movimentos ou como fio condutor deste processo de trabalho
sociais e profissionais atuantes que desenvolvam referente à escassez de água, para cada tema gera-
suas atividades no território. Articular as pessoas dor apresentado na Figura 1.
para dar-se início ao processo de trabalho. Por- O primeiro tema gerador é a situação dos do-
tanto, o trabalho é estruturado em três etapas: a) micílios da comunidade em relação à infraestru-
levantamento de informações e identificação de tura de água. A partir deste tema são sugeridas
cenários; b) sistematização das informações e c) algumas perguntas para orientar este processo:
socialização das informações. Qual é o tipo de abastecimento de água? (rede
O levantamento de informações para identi- pública, poço, chafariz); Qual a frequência que
ficação de possíveis cenários é realizado com base chega água em sua casa (todo dia, uma vez por
em temas-geradores, relacionados “à escassez da semana, uma vez em 15 dias, etc)? Qual a fre-
água” e aos demais correlacionados. O Caderno quência em que chove? Há captação de água de
Metodológico do PEAMSS12 sugere temas gera- chuva? Há algum curso hídrico próximo à sua
dores baseados na pertinência dos mesmos em comunidade (rio, lagoa, lago, charco)? Qual é a
relação às questões da educação ambiental e do qualidade da água que você consome?
saneamento. Neste artigo, são sugeridos 7 temas A partir desse levantamento, ter-se-á a ideia
geradores tendo em vista os determinantes da se este abastecimento supre ou não as demandas

Tecnologias
Impactos sociais
Ambientais Infraestrutura

Escassez
Saúde Pública de Água Políticas públicas e
Programas Sociais

Legislação Participação e
Controle social

Figura 1. Temas geradores relacionados à escassez de água.

Fonte: autoria própria.


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Ciência & Saúde Coletiva, 21(3):797-808, 2016


da comunidade. Em territórios com permanente de doenças de veiculação hídrica. A base da par-
escassez de água, como nas regiões semiáridas é ticipação e controle social sobre o acesso à água é
necessário caracterizar as fragilidades e identi- produto do enfrentamento entre a dificuldade do
ficar quais as estratégias de enfrentamento para acesso à água eo direito de cada cidadão.
este problema. O conhecimento sobre a situação da comuni-
A deficiência em dotação de infraestrutura dade em relação à legislação vigente, quarto tema
relacionada ao abastecimento e tratamento de gerador, também é a base para o controle social
água para consumo humano, está diretamente e participação. A Política Federal de Saneamen-
relacionada aos impactos sociais, afetando dire- to Básico, estabelecida pela Lei 11.445 / 200725, é
tamente os ecossistemas locais e a saúde da popu- um marco para toda a sociedade, mas ela é ain-
lação. Quando essa observação em campo ocorre da desconhecida por grande parte da população.
em relação dialógica com os moradores é possí- Saber se: A comunidade conhece a legislação em
vel estabelecer e registrar com maior acurácia as relação a saneamento? A comunidade conhece
dimensões do problema. seus direitos e deveres em relação à água? Como
O segundo tema gerador é a situação dos a lei 11.445 aborda a questão da água? O que a Lei
domicílios da comunidade em relação às políticas 11.445 propõe em relação à água tem sido aplica-
públicas e programas sociais. É interessante verifi- do na comunidade? Já foi iniciado o processo de
car se a comunidade está inserida em algum pro- elaboração do Plano Municipal de Saneamento?
grama social ou se foi contemplada com alguma As leis em relação ao meio ambiente têm sido
política pública. Como exemplo para o trabalho divulgadas na comunidade? Um dos passos em
com a questão das Políticas Públicas: A comuni- relação ao controle social vem do dever de cada
dade tem conhecimento sobre Plano Municipal cidadão conhecer esta e outras legislações e saber
de Saneamento? E sobre Agenda 21? Há progra- seus direitos para poder cobrar do Estado.
mas como: Com-Vidas, Coletivo Jovem de Meio O quinto tema gerador, a situação da comuni-
Ambiente ou Sala-verde em seu território? Há dade em relação à saúde pública, é orientado pelos
alguma universidade perto? Ela realiza cursos de questionamentos: Já foi realizado algum diagnós-
extensão? Há alguma ONG atuando em sua co- tico de doenças na comunidade? Estas doenças
munidade? Há algum programa governamental estão relacionadas à falta de água de qualidade e
ocorrendo em sua comunidade (Proágua, ProSa- em quantidade necessária? Há unidades de saúde
near, dentre outros)? perto da comunidade? Quais são as doenças mais
A partir do levantamento realizado desde o freqüentes registradas nas unidades de saúde que
início, e com base no que os moradores e/ou o atendem à comunidade? Agentes de saúde fazem
grupo de trabalho registrar é possível verificar se visitação às casas da comunidade? Há algum pro-
há ou não integração entre os programas e polí- grama de saúde para atendimento especial às do-
ticas existentes na comunidade, potencializando enças relacionadas à questão da água?
suas ações. É importante atuar na promoção da saúde
Qual é a situação da comunidade em relação à da comunidade por meio da busca dos fatores de
participação e controle social, como terceiro tema risco da incidência de doenças que estão relacio-
gerador, devem ser analisados desde a elaboração, nadas à falta de água de qualidade e em quan-
implementação, acompanhamento e avaliação tidade necessária. Este entendimento promove a
das políticas públicas e programas sociais imple- mobilização social da comunidade para que esta
mentados na comunidade. Existe um conselho busque junto ao poder público seus direitos a im-
ou fórum de participação social na comunidade? plantação de uma infraestrutura de saneamento
Como os representantes destes grupos são eleitos? de qualidade.
O governo antes de implementar qualquer políti- Os impactos negativos ao meio ambiente e à
ca pública considera as demandas da comunida- saúde humana são analisados pelo sexto tema: A
de? A comunidade participa de algum comitê de situação dos domicílios da comunidade em relação
bacia hidrográfica? Há canais de comunicação na a impacto ambiental. Observando e registrando
comunidade (rádio, jornal, etc)? A comunidade em campo no território se: A água consumida na
participa do controle do orçamento municipal? comunidade vem de poço? É realizado monito-
É por meio desses questionamentos que se ramento na água consumida? Há conhecimento
possibilita o empoderamento da comunidade, se há contaminação da água pelo esgoto? Chove
bem como uma maior conscientização sobre a muito na área onde está localizada a comunida-
importância do acesso à água de qualidade e as- de? Há seca na comunidade? Quais são as princi-
sim, possibilitando a diminuição da incidência pais consequências da seca?
804
Piccoli AS et al.

O conhecimento pela comunidade sobre a A Rede de Desafios é elaborada por meio da


infraestrutura existente em relação ao forne- identificação da interligação entre os problemas
cimento de água e se a água consumida tem a levantados. Como por exemplo, “a escassez de
qualidade exigida, é necessário para o processo água na região semiárida conduz a necessidade
de mobilização e controle social. Saber se a água de busca de água mais distante do domicílio, em
existente na comunidade vem de um poço e se charcos ou poços que podem estar contaminados
perto desse poço há instalação de fossa séptica por falta de infraestrutura de esgotamento sani-
e de que pode estar havendo contaminação da tário e por consequência aumentar a incidência
água, é passo fundamental. Por outro lado, mui- de diarreia na comunidade”, conforme esquema-
tas comunidades assentam-se em áreas protegi- tizado na Figura 2.
das por lei e sem o provimento de infraestrutura Percebe-se, neste exemplo, que a sequência
de saneamento adequado podem contaminar os adotada de problemas envolvidos geram as res-
recursos hídricos. postas aos temas geradores: infraestrutura (falta
O sétimo tema sugerido é a situação dos do- de rede ou poço), política pública e programa
micílios da comunidade em relação à tecnologia so- social (falta de programa governamental nes-
cial. É necessário saber: Há conhecimento sobre ta comunidade), participação e controle social
soluções em infraestrutura em saneamento de- (falta de comissão na comunidade que atue re-
senvolvido dentro da comunidade? As soluções envindicando a melhoria do abastecimento de
tecnológicas são discutidas? Há alguma institui- água), legislação (falta de conhecimento sobre a
ção de ensino atuando junto à comunidade? Há Lei 11.445/ 200725 e do direito a que cada cidadão
pesquisas sobre soluções tecnológicas apropria- tem à agua com qualidade e quantidade necessá-
das na comunidade? Há disposição da comuni- ria e também falta de Plano Municipal de Sanea-
dade em buscar soluções mais apropriadas para mento), saúde pública (aumento da incidência de
o saneamento? diarréia ou de outra doença de veiculação hídri-
A valorização, conhecimento e divulgação ca), impacto ambiental (contaminação do recur-
do saber popular local para enfrentamento dos so hidrico pelo esgoto) e tecnologia social (falta
problemas ambientais é importantíssimo neste na comunidade o uso de cisternas de captação de
processo de mobilização social. Quando se pensa água de chuva e ou desenvolvimento de filtro de
em infraestrutura em saneamento imaginam-se água ou ainda do conhecimento da população de
grandes obras, mas há muitas situações em que que deve ferver a água).Observa-se, também, que
soluções descentralizadas e apropriadas (tecni- cada “desafio” pode originar outras redes.
camente, culturalmente e socialmente) podem A partir de cada problema levantado vai sen-
constituir-se em solução para uma determinada do discutido com a comunidade coletivamente as
comunidade. causas e as possíveis soluções a fim de traçar os
Após o levantamento das informações e iden- possíveis caminhos. As informações obtidas de-
tificação dos cenários, é preciso sistematizar as vem ser socializadas pelos meios de comunicação
informações obtidas para facilitar o seu entendi- existentes na comunidade e convocadas reuniões
mento e assim poder priorizar os problemas e as para o planejamento da intervenção comunitária.
soluções necessárias. Sugere-se como metodolo- Para o planejamento da intervenção comuni-
gia o desenho e elaboração de uma Rede de De- tária serão organizadas oficinas e/ou encontros e/
safios. Esta etapa pode ser realizada em debates, ou rodas de conversa com convidados, sociedade
encontros e oficinas na comunidade com os mo- civil organizada, poder público, escolas, universi-
radores, a partir das observações e registros em dades, comitês de bacia, setores privados e outras
campo realizadas pelo grupo de trabalho. organizações locais. Serão discutidas as priorida-

Aumento da
Busca de água Charcos ou poços incidência de
Escassez de água distante doenças de
contaminados
veiculação hídrica

Figura 2. Esquematização da rede de desafios para o enfrentamento da escassez de água.

Fonte: autoria própria.


805

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des levantadas no diagnóstico e os desafios iden- É necessário assegurar os recursos naturais
tificados, além das medidas a serem adotadas na como patrimônio comum, às realidades plurais
intervenção no território, de modo a enfrentar a e diversidades culturais. Portanto, é fundamental
problemática estudada. a realização de um processo de gerenciamento
Para os problemas e desafios encontrados são ambiental orientado pela participação coletiva.
sugeridas algumas ações a título de exemplo de: E, sobretudo estabelecer o controle social efetivo
mobilização social; comunicação; formação e sobre a água e a biodiversidade. É importante que
tecnologias sociais. Vale relembrar que as ações a água se transforme em uma agenda de política
apontadas, não se esgotam em si mesmas. São as pública, de estratégia social, de patrimônio nacio-
realidades dos territórios e os saberes locais que nal, e de governança democrática e participativa.
irão determinar, e subsidiar o plano de ação lo- As experiências brasileiras de gestão partici-
cal. Então retornando ao exemplo dado sobre a pativa como os Conselhos Gestores, Comitês de
escassez de água e os desafios encontrados, apre- Bacia Hidrográfica, a elaboração dos orçamentos
senta-se o Quadro 1. participativos, até mesmo a exigência normativa
Após a elaboração junto com a comunidade do controle social para elaboração dos Planos
de Plano de Intervenção, é necessário selecionar Municipais de Saneamento Básico, se tomados
e/ou elaborar indicadores para avaliação do pro- como exemplo, são espaços importantes para a
cesso de levantamento de problemas (diagnósti- real articulação e atuação conjunta dos atores. É
co), e/ou que avaliem o processo de implantação necessário então que os atores sociais possam ex-
do plano de intervenção comunitária. pressar-se e tenham ferramentas para reivindicar
A partir da avaliação dos indicadores e a seus direitos, o saber popular deve ser articula-
avaliação do desempenho tanto na fase de diag- do com os outros saberes, fortalecer as redes de
nóstico como na de intervenção, é identificado o conhecimento locais e orientando as decisões do
desempenho destas ações e, no caso do desempe- poder público. É o que determina a Resolução
nho ter sido considerado fraco, é necessário rever CNRH 98/200910, que a educação e a mobiliza-
as ações de levantamento e/ou de intervenção. ção social possam promover a reflexão e ampliar
Para finalizar é realizada a sistematização de a percepção das pessoas para a consciência com-
todo o processo, devendo ser criado mecanismos prometida com a sustentabilidade, equidade e
– sítios na rede mundial de computadores, gru- respeito à vida, com enfoque humanista, dialógi-
pos em redes sociais, jornais e rádios locais, en- co. Fortalecendo a participação e controle social
contros periódicos – para que o todo o material na gestão democrática da água10.
produzido fique disponível para que a comuni- E é neste sentido que a resolução supracitada
dade tenha acesso e o retroalimente. Ao findar do articula-se com os pressupostos do PEAMSS12.
processo considera-se que o principal legado do Um programa que propõe uma metodologia de
PEAMSS é a independência e autossuficiência da educação ambiental para o saneamento, tendo a
comunidade para demandar seus direitos e ava- mobilização social como principal ferramenta. O
liar o seu atendimento. trabalho de construção coletiva é realizado por
meio do envolvimento de atores estratégicos para
que prevaleça o interesse da coletividade sobre o
Considerações finais particular. Moradores e lideranças sociais volta-
das para o desenvolvimento de ações de mobili-
O quadro de escassez de recursos hídricos, no zação, comunicação, formação de tecnologias so-
Brasil, acentua-se historicamente nas regiões no ciais que visem o controle social e a reinvindica-
interior do Brasil, onde há menor densidade po- ção qualificada sobre as ações de saneamento em
pulacional, principalmente no semiárido da re- suas comunidades. Estas ações contribuem para
gião nordeste. No entanto, o descaso ou a falta o melhor planejamento, execução e manutenção
de uma gestão eficaz destes recursos, fez com que dos serviços de saneamento, aumentando as pro-
regiões como a sudeste, em estados de alto po- babilidades de melhoria nas condições de saúde
der aquisitivo, estejam sofrendo com a escassez. da população assistida, sempre tendo como pon-
Um problema sem solução, caso não haja uma to de partida as necessidades locais.
mudança na concepção da gestão e dos planos de O alcance e universalização dos direitos hu-
investimentos econômicos nos municípios mais manos à água e ao saneamento se darão somente
atingidos. Esta necessária mudança só mostrar- com a mobilização social por meio da educação
se-á eficaz se for uma demanda comprometida ambiental para o saneamento. Mediada pela
com a sociedade. população organizada, informada e atuante na
806
Piccoli AS et al.

Quadro 1. Plano de Intervenção Comunitária em Ações de Educação Ambiental.

Ações a serem desenvolvidas

Desafio Mobilização Social Comunicação Formação Tecnologias Sociais

Busca de água Organizar comissão Elaborar panfletos, Identificar Levantar junto às


distante comunitária para e realizar chamadas professores nas universidades, ONGs,
negociar com poder em jornais e rádios universidades escolas técnicas,
público intervenções comunitárias e instituições pesquisadores
em abastecimento de convocando para de ensino e que desenvolvam
água na comunidade. as reuniões e para pesquisa que tecnologias que
organizar a comunidade possam promover contribuam para o
para pressionar o oficinas sobre a problema da escassez
poder público para questão da água, de recursos hídricos no
obter infraestrutura em monitoramento, etc. território. Construção
abastecimento de água Identificar pessoas de cisternas, utilização
Elaborar vídeos na na comunidade de água de reuso, ou
comunidade com que possam ser mesmo observação
depoimentos sobre multiplicadores de técnicas para
a falta de água para participar identificação de locais
para apresentação de atividades com água, etc.
em oficinas, operacionais do
disponibilizando e abastecimento
divulgando nas redes de água como:
sociais. pedreiros, bombeiros
hidráulicos, etc.

Charcos Organização de Elaborar panfletos e Realizar oficinas e Levantar junto


ou poços comissão para outros materiais para atividades práticas universidades, ONGs,
contaminados ir em espaços de cuidados a serem no território sobre escolas técnicas
ensino formais, tomados com vistas à qualidade da água. pesquisadores para
ou Estações de descontaminação da Técnicas de lavagem elaboração de filtros
Tratamento de Água, água. de mãos, limpeza de água ou outras
de modo a buscar de reservatórios ferramentas para
procedimentos de água, descontaminação da
técnicos para descontaminação de água.
descontaminação da alimentos, etc.
água.

Aumento da Organizar grupo de Elaborar panfletos Identificar Levantar junto a


incidência de trabalho e comissão e outros materiais professores, Universidades, ONGs,
doenças de para ir nos espaços que expõem o ciclo pesquisadores que etc. Medidas simples
veiculação formais de ensino, de contaminação e trabalhem com a serem adotadas
hídrica e discutir sobre medidas preventivas monitoramento que diminuam a
causas das doenças para diminuir da qualidade da transmissão de doenças
de veiculação hídrica incidência de doenças água que possam de veiculação hídrica,
e medidas para não de veiculação hídrica. dar palestras na como a fervura de água,
reincidência. comunidade. a descontaminação de
alimentos com o uso de
cloro, etc.

Fonte: autoria própria.

exigência do cumprimento de seus direitos, com torar e cumprir seus deveres de não degradar e
potencial crítico para observar, controlar, moni- não desperdiçar o recurso natural.
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Ciência & Saúde Coletiva, 21(3):797-808, 2016


Recomendações

Sugere-se a continuidade do trabalho pelo


Ministério das Cidades, por exemplo, por meio
do aumento da freqüência de editais para divul-
gação de experiências exitosas em educação e
mobilização social em saneamento. Além disso,
seria importante que houvesse em 2016 uma ofi-
cina para a mobilização novamente do grupo de
trabalho que participou do processo de elabora-
ção do PEAMSS. De modo avaliar o alcance do
PEAMSS, se ele se incorpora às ações interminis-
teriais, e para traçar novos caminhos e possibili-
dades para implementação do programa.

Colaboradores

AS Piccoli, DC Kligerman, SC Cohen e RF


Assumpção participaram da concepção, das
revisões e das correções que resultaram neste
artigo.

Agradecimentos

Ao apoio financeiro do Programa de Excelência


Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior 2015 / 2016 (PRO-
EX - CAPES) do Programa de Pós Graduação
em Saúde Pública da ENSP.
808
Piccoli AS et al.

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Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Aprovado em 04/12/2015
Oficial da União 1999; 28 abr. Versão final apresentada em 16/12/2015

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