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Introdu¢io “Um parente por altanca é uma perna de elefante” Rev. A. L. Bishop, A Selection of Stronga Proverbs, The "Southern African, Journat “of Sclence, ‘Vol. 18, 1923, n. 60. CAPITULO I Natureza e Cultura De todos os prinefpios propostos pelos precursores da sociologla nenhum sem duvida foi repudiado com tanta firmeza quanto o que diz respeito & distingdo entre estado de natureza e estado de sociedade. NBo se pode, com efeito, fazer referénela sem contradig&o a uma fase da evolugdo da hhumanidade durante a qual esta, na auséncia de toda organizacso social, nem por isso tivesse deixado de desenvolver formas de atividade que sic parte integrante da cultura. Mas a distingSo proposta pode admitir inter- Pretagdes mais validas. Os etndlogos da escola de Eliot Smith e de Perry retomaram-na para edificar uma teoria discutivel mas que, fora do detalhe arbitrério do ‘esquema histérico, deixa aparecer claramente a profunda oposigéo entre dois niveis da cultura humana e o caréter revoluciondrio da transforma. ‘go neolitica, 0 Homem de Neanderthal, com seu provével conhecimento da linguagem, suas indiistrias Iticas ¢ ritos funerérios, nfio pode ser con- siderado como vivendo no estado de natureza. Seu nivel cultural 0 op6e, no entanto, a seus sucessores neoliticos com um rigor compardvel — embora em sentido diferente — ao que os autores do século XVII ou do século XVIII atribuiam & sua propria distingdo. Mas, sobretudo, co- mecamos @ compreender que a distingdo entre estado de natureza ¢ es: tado de sociedade’, na falta de significacio histdrica acetavel, apresen- ta um valor I6gico que justifica plenamente sua utilizaco pela socio logia moderna, como instrumento de método. O homem ¢ um ser Diolé- ico ao mesmo tempo que um individuo social. Entre as respostas que dé as excitagées exteriores ou interiores, algumas dependem inteiramente de sua natureza, outras de sua condigéo. Por isso néo hd dificuldade ‘alguma em encontrar a origem respective do reflexo pupilar e da post ‘qo tomada pela mio do cavaleiro a0 simples contato das rédeas. Mas nem sempre a distinglio 6 tio fécil assim. Freqiientemente o estimulo {isico-biolégico e o estimulo psicossocial despertam reagdes do mesmo tipo, sendo possivel perguntar, como jé fazia Locke, se 0 medo da crianca na escuridio explicase como manifestagio de sua natureza animal ou co- mo resultado das histérias contadas pela ama.* Mais ainda, na maiorie dos casos, as causas no sfo realmente distintas e a resposta do sujeito constitut verdadeira integracéo das fontes bioldgicas e das fontes sociats 4 Dirfamos hoje preferivelmente estado de naturesa © estado de cultura. 2 Paree, com, ein, ee myedo do, escuro nko agate nice, digesta uinto. més,’ Gt. W. Valontino, "The Tnnat ‘Basis of Fournalof| 'syehology, vol, ST, 1980. 41 de seu comportamento, Assim, ¢ 0 que se verifica na atitude da mie ‘com relagio a0 filho ou nas emogdes complexas do espectador de uma parada militar. H que a cultura néo pode ser considerada nem simples- mente justaposta nem simplesmente superposta & vida. Em certo sentido substitise & vida, e em outro sentido utilizaa e a transforma para rea lizar uma sintese de nova ordem. Se ¢ relativamente fécil estabelecer a distingdo de principio, a dl fiouldade comeea quando se quer realizar a anélise. Esta dificuldade ¢ dupla, de um lado podendo tentarse detinix, para cada atitude, uma causa de ordem bioidgica ou social, e de outro lado, procurando por que mecanismo atitudes de origem cultural podem enxertarse em compor- tamentos que sio de natureza bioldgica, e conseguir integré-los a si. Ne gar ou subestimar a oposicdo & privarse de toda compreensio dos fe nOmenos sociais, e ao Ihe darmos seu inteiro alcance metodoldgico cor remos © risco de converter em mistério insoltivel o problema da passagem entre as duas ordens. Onde acaba a natureza? Onde comeca a cultura? E possivel conceber varios meios de responder a esta dupla questi. Mas todos mostraram-se até agora singularmente decepcionantes. (© método mais simples consistiria em isolar uma crienca recém-nas- clda e observar suas reagOes a diferentes exeitagdes durante as primeiras horas ou os primeiros dias depois do nascimento. Poderseia entéo su: Por que as respostas fornecidas nessas condiges sio de origem psi- Cobioldgicas, ¢ nio dependem de sinteses culturais ulteriores. A psicolo- gia contemporinea ‘obteve por este método resultados cujo interesse nfo Gove levar a esquecer seu cardter fragmentério e limitado. Em primeiro ugar, as tinicas observagbes vilidas devem ser precoces, porque podem surgit condicionamentos a0 cabo de poucas semanas, talvez mesmo de dias. Assim, somente tips de reagio muito elementares, como certes expressées emocionais, podem na prética ser estudados. Por outro lado, as oxperiéncias negativas apresentam sempre caniter equivoco. Porque per- manece sempre sberta a questo de saber se a reagdo estudada esté ausente por causa de sua origem cultural ou porque os mecanismos fi- sloldgicos que condicionam sou aparecimento nfo se acham ainda mon- tados, devicdo @ precocidade da observagio. O fato de uma criancinha do andar no poderie levar & conclusao da necessidade da aprendizagem, Porque se sabe, a0 contrario, que a crianga anda espontaneamente desde ‘que organicamente for capaz de fazélo.’ Uma situagio ansloga pode apre- sentar.se em outros terrenos. O tinico meio de eliminar estas incertezas seria prolongar a observagio além de alguns meses, ou mesmo de ak guns anos. Mas nesse caso ficamos &s voltas com dificuldades insoliveis, Porque 0 meio que satisfizesse as condigbes rigorosas de isolamento exi ido pela experiencia no € menos artificial do que o meio cultural ao qual se pretence substituilo, Por exemplo, os cuidados da mae durante os primeiros anos da vida humana constituem condic¢éo natural do de- sonvolvimento do individuo. O experimentador achase portanto encerra- do em um circulo vicioso. E verdade que 0 acaso parece ter conseguido as vezes aquilo que © artificio & incapaz de fazer. A imaginagio dos homens do século XVIII 3.M, B. MoGraw, The Neuromuscular Maturation of the Humen Infant, Nova orgie isda 42 ee istrict riot steed tect tS Steeee eee

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