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O que querem os indígenas?

“Queremos que nossos filhos estudem, mas não queremos que a escola apague nossas
tradições, nossas línguas, não queremos nos esquecer de nossa sabedoria ancestral!”
Essa frase foi dita por Yésica y Héctor, representantes dos povos amazônicos, quando se
reuniram com o Papa Francisco na sua visita ao Peru, em janeiro deste ano. O Santo Padre
resgatou essa frase em seu discurso para ressaltar a importância do que disseram. E no
dia em que lembramos a abolição da escravidão dos índios, pode ser que essa mesma
frase nos faça pensar um pouco sobre sua situação atual. Situação essa que o próprio Papa
não duvida em dizer (Sobre os povos amazônicos): “Provavelmente nunca estiveram tão
ameaçados em seus territórios como o estão agora”.
Voltando a frase inicial, podemos observar dois dinamismos que muitas vezes são
tomados como radicalmente opostos. Uma certa tendência a integração, que aqui vemos
pelo desejo da educação, e outra tendência a valorizar suas próprias raízes, sua sabedoria
ancestral. A discussão aqui é muito maior do que a simples valorização ou não desses
povos. É evidente que eles possuem um valor em si e o Papa não se cansa de repetir ao
longo do seu discurso. Aliás, ele reforça isso logo no começo ao dizer: “Louvado sejais
Senhor por essa obra maravilhosa dos teus povos amazônicos...”.
A discussão de verdade parece residir no fato de que esse valor intrínseco não é muitas
vezes reconhecido e respeitado, o que também é evidente. Seja por interesses puramente
econômicos ou ideológicos, passa-se por cima das dignidades inerentes a cada cultura.
Uns dirão: “Sempre foi assim, não há outra forma”, outros responderão: “É preciso
garantir que vivam da sua forma sem que sejam incomodados”. A proposta do Papa
parece estar no meio do caminho. E a frase dos dois indígenas parece trilhar as mesmas
sendas.
É o caminho do diálogo e respeito verdadeiro. Não é imperativo que uma cultura domine
a outra sem levar essa segunda em consideração. Com verdadeiro diálogo, se criam pontes
culturais. Isso se dá, segundo o Papa, na educação. Claro que essa educação, como
sabemos, pode ir contra esse diálogo e muitas vezes ser a mesma ferramenta de alienação.
Mas que aconteça dessa forma, não quer dizer que não possa ser de outra forma. Acho
que esse é o ponto no qual o Papa insiste. É possível entrar em contato com o outro sem
o sufocar.
Isso não parece ser fácil. Sartre nos vai dizer que o que acaba acontecendo é que não
ficamos nem perto nem longe demais dos outros. Em sua metáfora dos porcos espinhos,
ele diz que muita proximidade espeta, mas muita distância congela por conta do inverno
rigoroso. Eu não acho que nem o Papa nem Yésica ou Hector estão falando de uma
distância segura que não machuque e que também salve da morte congelada. O que vemos
parece ser um desejo de comunhão autêntico, de participação na vida do outro, da
sociedade. Mas uma participação tal que não massifique, que não faça desaparecer as
individualidades, os patrimônios culturais.
Será que isso é possível? O Papa e os indígenas parecem expressar esse desejo. Lembro-
me da passagem Bíblica que diz: “Tende em vós aquele sentimento que houve também
em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus
coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,
tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si
mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 5-8).
Não seria o mistério da Encarnação de Cristo o exemplo máximo de diálogo verdadeiro,
nesse caso, entre o divino e o humano? Mas quem hoje está disposto a morrer na cruz
para que o outro seja elevado em dignidade?

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