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GEOGRELHA
Robson Costa1
Rosângela Motta1
José Pires1
Paulo Moraes1
Edson Moura1
Liedi Bariani Bernucci1
Edmar Mencher2
1
Universidade de São Paulo
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
2
Vale S.A.
RESUMO
A camada de lastro é considerada como um dos mais importantes elementos de um perfil estrutural ferroviário,
exercendo um papel singular no comportamento mecânico deste. Diante do desgaste das partículas em função do
acúmulo de tráfego, estas tendem a se degradar, comprometendo parte do seu comportamento mecânico, sendo
que um dos métodos de manutenção utilizados para reabilitação da via é o desguarnecimento, onde o material do
lastro é substituído parcialmente. O objetivo desse artigo é avaliar a qualidade estrutural de uma via férrea com
uma camada de lastro desguarnecida reforçada por dois tipos de geogrelhas. A avaliação foi realizada por meio
de medidas dinâmicas in situ dos deslocamentos e tensões mediante a passagem dos trens. Os resultados
mostraram a influência da utilização da geogrelha como elemento de reforço além da sua importância no
comportamento global da via. Em geral, os valores dos deslocamentos com a utilização da geogrelha mostraram-
se menores, enquanto que a tensões nas interfaces foram maiores, ambos em comparação com a situação sem
utilização do reforço.
ABSTRACT
The ballast layer is considered as one of the most important elements of a railway structural profile, playing a
unique role in its mechanical behavior. Due to the particles abrasion and breakage, because of traffic
accumulation, the grains tend to degrade, compromising this way, part of the track mechanical behavior. In this
case, one of the maintenance methods used for rehabilitation is the cleaning process where the ballast material is
partially replaced. The objective of this paper is to evaluate the structural quality of a railway with a layer of
cleaned ballast reinforced by two types of geogrids. The evaluation was carried out by means of dynamic in situ
measures of the displacements and stresses through over the train’s passage. The results showed the influence of
the use of the geogrid as a reinforcing element besides its importance in the overall railroad behavior. In general,
the values of the displacements considering the use of the geogrid were smaller, while the stresses at the profile
interfaces were higher, both compared to the situation without using the reinforcement element.
1. INTRODUÇÃO
Dentre as atuais ferrovias em operação no território nacional, um importante número destas
possui uma considerável idade de construção, sendo algumas com mais de um século (por
exemplo, a Estrada de Ferro Vitória-Minas, EFVM). Dessa forma, estas não foram projetadas
de acordo com requisitos mais atuais relacionados a diferentes condições operacionais, em
termos de cargas, velocidade, etc. No que se referem às condições operacionais, cargas mais
elevadas podem causar níveis inesperados de tensões na infraestrutura da via com
consequências para a sua estabilidade e durabilidade, enquanto que o aumento de velocidade
provoca o aumento da carga dinâmica sobre a estrutura ferroviária. Esses aspectos têm um
efeito direto e adverso na operação da via férrea em termos de economia e comportamento
mecânico, podendo levar a algumas consequências relacionadas à manutenção e segurança,
como redução do intervalo de manutenção e um nível mais alto de deformações plásticas,
respectivamente.
Ao longo do trajeto, a ferrovia atravessa partes de diferentes solos e frequentemente depósitos
de solos moles como argilas moles e areias não adensadas (areias fofas) encontradas em
condições de baixa resistência ao cisalhamento e alto teor de umidade. Dessa forma, os
aterros construídos nessas áreas devem ser projetados ou melhorados (reforçados) de modo
que as deformações não causem impactos maiores não previstos à geometria e,
consequentemente na operacionalidade da via. De fato, as preocupações sobre os aterros em
solos moles estão relacionadas às características do adensamento do material, acarretando em
excesso de deformações, instabilidade global da estrutura e etc. Tais condições podem
ocasionar fenômenos a impactar a camada de lastro (camada granular superior composta por
grãos cúbicos, graduados entre as frações 22,0 e 63,0 mm) por meio de bombeamento do
material fino (Diâmetro ≤ 9,5 mm, segundo Selig & Waters, 1994) do subleito para a camada
sobrejacente.
De maneira geral, o reforço de uma camada granular consiste, dentre outros aspectos, na
melhoria das propriedades relacionadas à deformabilidade e resistência ao cisalhamento. O
objetivo da melhoria é tornar a construção viável sob circunstâncias onde poderia ser difícil
satisfazer as exigências técnicas nas condições operacionais dentro dos padrões de segurança.
Isso pode ser conseguido, por exemplo, reduzindo e contendo as deformações dentro dos
limites toleráveis. No caso de uma nova linha ferroviária construída, em geral, a
implementação de um método de melhoria do lastro não é um grande problema, sendo muito
mais complexo no caso de uma via em operação, onde há necessidade de uma implementação
de trabalho corretivo.
(d) (e)
Figura 1: geossintético entre (a) lastro e subleito, (b) sublastro e subleito, (c) lastro e sublastro, (d)
lastro novo e camada remanescente, (e) camadas de sublastro (adaptado de Selig e Waters, 1994).
Ainda sobre este aspecto, Indraratna et al. (2013) constaram que utilizar uma relação com
A/D50 (onde “A” é a abertura da malha e “D50” é o diâmetro médio dos agregados) de 1,2
levou a melhores resultados de reforço e que o melhor posicionamento da geogrelha seria 65
mm acima da interface lastro/sublastro, reduzindo em 54 % a deformação permanente
vertical. Além disso, as tensões impostas na camada de sublastro se reduziram com o reforço,
o que salienta a sua caraterística em reduzir as tensões para as camadas subjacentes ao lastro.
Anteriormente, Indraratna et al. (2012) já haviam classificado três zonas distintas de relações
de A/D50: (i) zona fraca de intertravamento (A/D50 < 0,95), (ii) zona ótima de intertravamento
(0,9 ≤ A/D50 ≤ 1,2) e (iii) zona decrescente de intertravamento (A/D50 > 1,20).
Avaliando o movimento da partícula de lastro com o reforço de geogrelha através da
introdução de agregados artificiais instrumentados (SmartRocks), Liu et al. (2016)
observaram que o reforço com geogrelha promoveu um efeito benéfico ao reduzir os
deslocamentos das partículas de lastro, podendo reduzir a deformação permanente e desgaste
por abrasão que causam degradação dos grãos.
Através de ensaios realizados in situ, Indraratna et al. (2010) avaliaram o comportamento da
via reforçada com geocomposto (geogrelha e geotêxtil) na interface entre o lastro (novo e
reciclado) e o sublastro. Os resultados demonstraram o potencial do reforço com geocomposto
em reduzir as deformações verticais e laterais, na medida em que reduziram-se
significativamente as deformações permanentes da camada de ambos os lastros apresentando
reduções nas deformações, significando que o método de reforço com geocomposto se
configurou como sendo uma alternativa econômica nos custos de manutenção e renovação de
vias já existentes.
Fernandes (2005) atestou a viabilidade da utilização dos materiais alternativos (resíduos de
mineração) conjugados com geossintéticos através de diferentes seções de teste na EFVM.
Como resultados, as deflexões totais, levantadas através de viga Benkelman nas seções
reforçadas com geogrelhas (localizadas na parte superior e inferior do sublastro) foram iguais
ou menores em comparação com a seção de referência.
Assim, no presente trabalho irá ser dado ênfase no estudo do comportamento mecânico de
uma via férrea com lastro desguarnecido reforçado com geogrelha. Tal estudo se baseará nas
medições in situ dos deslocamentos e tensões observados através de seções instrumentadas na
EFVM.
3. ANÁLISE DO COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DA VIA
A presente análise baseia-se em um estudo de caso realizado na EFVM, localizada entre os
estados de Minas Gerais (MG) e Espirito Santo (ES). Esta ferrovia possui um comprimento de
carca de 905 km, bitola métrica e cujo primeiro trecho foi construído em 1904. De acordo
com a CNT (2015), em 2014, transportou 126,2 milhões de toneladas úteis entre commodities
e outros produtos. Os trechos selecionados contemplam em geral os seguintes componentes:
trilho TR-68, dormente de aço, lastro, sublastro e subleito.
3.1 Metodologia
No presente trabalho, adotou-se uma metodologia baseada nas seguintes etapas, a saber:
seleção dos trechos a serem avaliados, caracterização in situ e amostragem de materiais do
subleito, desguarnecimento do lastro, instalação de geogrelhas e das células de
pressão/settlement pegs (placas de recalques) e campanhas de medições de deslocamentos e
tensões.
Quanto à seleção dos trechos a serem avaliados, estes foram escolhidos em função do
histórico de desempenho a partir de valores de geometria coletados por meio do carro
controle. Nesse caso, os trechos selecionados foram aqueles que possuíam algum dos seus
componentes em condição estrutural de avançado desgaste e (ou) alto nível de acúmulo de
deformação/perda de geometria.
A análise foi realizada considerando-se um trecho referência, além de outros dois contendo 02
tipos de geogrelhas. O primeiro trecho (X1 - referência) foi constituído pelos componentes da
superestrutura tal como descritos acima, além de uma camada de lastro que se encontrava
colmatada localizada logo acima do subleito. Em função da degradação da camada de lastro,
não foi possível observar a respeito da presença da camada de sublastro. No caso dos dois
trechos contendo as geogrelhas (X2 e X3), os mesmos foram construídos de formas idênticas
excetuando-se pelo modelo do geossintético utilizado. No trecho X2, foi utilizada uma
geogrelha de malha triangular enquanto que no trecho X3, uma geogrelha de malha quadrada,
ambas com valores de aberturas nominais próximas (Figura 4) e contendo um material
geotêxtil (geocomposto).
(a) (b)
Figura 4: Geogrelhas de formatos triangular (a) e quadrado (b).
Os trechos X1, X2 e X3 foram construídos com comprimentos de 30 m, 50 m e 50 m,
respectivamente. A Figura mostra aspectos do perfil de lastro encontrado e locais de ensaios
com Dynamic Cone Penetrometer (DCP).
Figura 5: Aspectos do perfil de lastro encontrado e locais de ensaios com o DCP.
No momento em que os trechos tiveram as suas plataformas expostas, foram realizados
ensaios in situ (DCP) no subleito, além de amostragem desses materiais para análises
laboratoriais em termos de classificação expedita (MCT) e comportamento mecânico (módulo
de resiliência). Ressalta-se que a determinação dos valores de CBR por meio dos ensaios com
o DCP, foram obtidos de acordo com as recomendações da ASTM D 6951/6951 M-09
(Reaprovada em 2015), em que adota a penetração por golpe em cada profundidade e as
equações do US Army Corps of Engineers. Por outro lado, os procedimentos usados na
realização dos ensaios de módulo de resiliência seguiram os recomendados pelo DNIT
134/2010.
Na etapa subsequente, o lastro colmatado em todos os trechos foi desguarnecido, utilizando-se
de uma desguarnecedora de lastro. Durante este processo, parte dos grãos retornou a via após
um processo de peneiramento realizado internamente pela máquina, enquanto que foi
acrescentado uma certa quantidade de lastro novo. Após o processo de desguarnecimento,
foram realizadas as atividades de instalação das geogrelhas e dos dispositivos de
monitoramento de deslocamentos e tensões. As Figuras 6 (a, b e c) mostram detalhes a
respeito do processo de desguarnecimento e instalação das geogrelhas.
(a)
(b) (c)
Figuras 7: Locais de instalação do monitoramento nos trechos avaliados (a) e instrumentações
(células de pressão e settlements pegs) instaladas (b e c).
Quanto às campanhas de medições, foram realizadas um total de quatro intervenções nos anos
de 2016 e 2017. O presente trabalho contempla valores obtidos na segunda campanha
realizada no mês de abril de 2016. Os dados de tensões e deslocamentos da via foram
registrados através de um sistema de aquisição de dados (no caso da célula de pressão) e do
DMD (Dispositivo de Medição de Deslocamentos), respectivamente. Este dispositivo consiste
em uma viga metálica que posiciona os LVDT´s (Linear Variable Differential Transformer)
no patim do trilho e nos settlements pegs previamente locados. O dispositivo possui um
comprimento total de 4,5 metros dos trilhos onde a medição será realizada com o intuito de
eliminar a possibilidade de que o excesso de vibração devido a passagem dos trens possa
influenciar nas leituras realizadas. A Figura 8 mostra o DMD montado em um dos trechos
avaliados durante a medição dos deslocamentos com a passagem dos vagões. Maiores
informações a respeito do dispositivo podem ser obtidas em Costa (2016).
Figura 8: Dispositivo utilizado nas medições de deslocamentos (DMD).
As medições foram realizadas registrando-se os valores de deslocamentos da via mediante a
passagem de diferentes trens. Estes, nas medições consideradas foram de diversos tipos com
diferentes números de vagões, cargas que variaram entre 14,9 e 22,3 toneladas por eixo e
velocidade de aproximadamente 60 Km/h.
4. RESULTADOS
Os resultados obtidos a partir do ensaio DCP e consequente cálculo dos valores de CBR
mostraram valores baixos de capacidade nos primeiros 20 centímetros com ganho
considerável de resistência ao longo da profundidade.
No que se refere ao módulo de resiliência, os valores encontrados para os solos dos trechos
avaliados (compactados na energia normal – EN; e umidade ótima - W) foram semelhantes
(Figuras 9). Considerando-se uma tensão desviadora, σd = 138 kPa e uma relação de tensões
σ1/σ3 = 2, foi obtido em média um valor de módulo de resiliência (MR) de 200 MPa. No caso
de uma tensão confinante, σ3 = 138 kPa e uma relação de tensões σ1/σ3 = 3, obteve-se em
média um valor de MR de 130 MPa. Os resultados mostram em geral uma tendência de queda
do módulo de resiliência à medida que se aumentam os valores de σd e σ3, e com a diminuição
desses níveis tensões, o MR.tende a aumentar para uma faixa situada entre 200 MPa e
300MPa.
(a) (b)
No que se refere às tensões internas ao lastro medidas através das células de pressão, os
valores alcançaram cerca de 120 kPa no trecho X2, enquanto que no trecho X1, estas foram
da ordem de 40 kPa. Em relação ao trecho X3, não foi possível obter tais resultados de tensão
devido a problemas ocorridos na conexão entre a caixa de passagem da fiação da célula de
pressão e o sistema de aquisição de dados.
Ressalta-se que não foi possível durante o processo de reabilitação do lastro manter a
espessura desta camada constante (variando entre 40 cm e 55 cm a partir da base do dormente
de aço). Tal aspecto pode ter contribuído para os resultados e assim, se faz necessário
comparar os resultados obtidos com outros provenientes de campanhas subsequentes.
5. CONCLUSÕES
Em geral, os resultados mostraram a influência e a eficiência da utilização da geogrelha como
elemento de reforço do lastro e a sua importância no comportamento global da via. A
diminuição dos deslocamentos medidos in situ podem vir a diminuir a tendência de perda de
geometria da via, ocasionado custos menores referentes às ações de manutenção.
Ambas as tensões na interface dormente-lastro e aquelas internas ao lastro, em geral,
mostraram-se mais altas com a utilização da geogrelha em comparação com o trecho de
referência.
Ressalta-se que o aumento das tensões conforme visto nas medições realizadas pode acarretar
em um maior confinamento dos grãos de lastro, necessitando de uma avaliação quanto aos
efeitos ocasionados na degradação. Tal aspecto deverá ser avaliado melhor através das
campanhas subseqüentes de medições e outros estudos a respeito.
Agradecimentos
Os autores agradecem as colaborações dos engenheiros Cássio Carmo, Carlos Centurion e Ronaldo G. de Freitas.
A Vale pela parceria em projetos de pesquisa e, principalmente, a toda equipe de manutenção da EFVM.
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