Texto base: LEVI, Giovanni. Introdução. In: ______. A herança imaterial: trajetos de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
O autor começa dizendo que a sociedade camponesa do Antigo Regime viveu
mudanças profundas ao longo tempo em áreas como: comportamentos religiosos e inovações técnicas, vistas como mudanças bruscas e repentinas. Apesar disso, a opinião recorrente é a de que este mundo era imóvel, defensivo, conservador, e fragmentado pela ação de forças externas, e apenas dedicava-se a se adaptar e repropor uma racionalidade própria, que se tornava progressivamente anacrônica e falha. Propor um modelo se tornava difícil, porque a comunidade camponesa (ou as massas populares urbanas) apresentavam em seu interior um processo mutável de divisão e desarmonia, em que não se podem ser descritas como solidária e sem conflitos, no entanto parece existir uma homogeneidade cultural que se manifesta principalmente nos momentos de conflito aberto com as classes dominantes. A tentativa de historiadores e antropólogos de agrupar os comportamentos sob uma única norma explicativa, fez com que oscilassem entre uma caracterização rica, articulada (mas também imóvel) da cultura das classes populares, e uma caracterização desagregada que se devia ao próprio atraso dos princípios econômicos e sociais de tais classes. Dois exemplos são significativos. O primeiro é sobre a economia moral das classes populares, que sugere a existência de uma cultura complexa, em que os direitos da sociedade prevalecem sobre aqueles impessoais da economia, com as revoltas pressionando os exploradores. O segundo (?) nos apresenta a definição de uma cultura popular permeada pelos recursos disponíveis limitados e imutáveis, em que o crescimento econômico não é possível e nem redistribuição de riqueza. Nasce uma guerra paralisante de todos contra todos, um estado permanente de tensão. Esses dois modelos, dentre os quais especialmente o de Thompson, sugerem algo de conservador, pois são entendidos como modelos de comportamento e orientação cognitiva representados por grupos sociais amplamente homogêneos, apresentando o mesmo caráter polêmico que pretendem combater – o teleologismo – que só vê no mundo totalmente mercantilizado do capitalismo a realização plena da racionalidade econômica. Nesse livro, se oferece um modelo de comportamento e perspectiva diferentes, que não partem da ideia de desaparecimento lento de um sistema social ante a consolidação agressiva do poder centralizador do Estado absolutista e a generalização das relações de mercado. A fase do conflito que se refere esse livro é aquela do qual saíram transformados tanto a sociedade local quanto o poder central. O que se propõe não é uma nova interpretação, já que as explicações se limitam a localizar fora das pequenas comunidades rurais o mecanismo de transformação social que destruiu o sistema feudal, abordando a heterogeneidade do processo recorrendo à hipótese de que o modo de adaptação das situações locais é diverso porque também foram diversos os seus pontos de partida. Pg 40