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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CAICÓ
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO BRASIL I

Elisson Diego Mota De Lima

Do ideal ao real na exploração das riquezas do Brasil


Sérgio Buarque de Holanda
João Daniel

Introdução

A pressão coerciva e econômica levou os ibéricos a lançar-se nos mares para


garantir o controle do comércio marítimo e as suas rotas. A fixação dos primeiros
engenhos para produção de açúcar, o uso da força indígena e a tentativa de fazer as terras
vassalas do rei, sãos alguns dos motivos dos povos ibéricos na colonização do novo
mundo nos séculos XVI e XVII, contudo, aprofundando-se na obra Visão do Paraíso, de
Sergio Buarque de Holanda, podemos observar um outro motivo paralelo aos fatores
econômicos, que é o mito do paraíso na terra, uma crença que já veio da idade média e
que vai ter uma repercussão enorme quando os ibéricos se defrontam com a exuberância
e a natureza dos trópicos. É através desse mito que podemos entender o imaginário dos
povos ibéricos que vai além dos fatores econômicos, mas, ao adentrar nos sertões do novo
mundo, os ibéricos rapidamente vão perceber que o ideal é muito diferente do real. Tanto
no Brasil como no Novo México, os povos ibéricos expandiram sua conquista e sua
exploração dos recursos na nova terra, e a ideia do paraíso nos trópicos vai mudando ao
passo que portugueses e espanhóis vão se defrontando com a rebeldia dos nativos e as
guerras contra estes, as doenças, dificuldades de locomoção e transporte dos produtos, os
gastos das expedições e incertezas de lucros, a diminuição dos nativos usados para o
trabalho forçado, a desorganização e os tantos outros inconvenientes retratos por João
Daniel na sua obra, Tesouro no máximo rio Amazonas, algo que certamente colocará um
contraste entre o imaginário edénico europeu e a realidade dos sertões do Brasil.
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Desenvolvimento

Seguindo com as descrições de João Daniel, os relatos que põe em cheque a Visão
do Paraíso presente no imaginário do colonizador português, são diversos. Assim como
no Brasil, o Novo México, pouco a pouco essa visão edênica vai perdendo credibilidade
perante a reflexão da brutalidade da guerra, a ganância pelo ouro e a calamidade das
doenças que assolavam tanto espanhóis como os próprios nativos mexicas, e todo esse
choque passou de uma perspectiva divina, ou seja, tudo que aquilo que resultou da pós
conquista, não passava de castigo divino, porém, essa perspectiva muda e o que antes era
de proveniência divina, passou a ter como culpado por todas as mazelas, o próprio homem
seja ele espanhol ou índio. Desse imaginário espanhol, os nativos irão tomar um certo
“proveito”, sabendo da vontade de ouro dos conquistadores os índios vão falar de lugares
e cidades onde abundam quantidades absurda de ouro, levando os espanhóis a adentrarem
nas matas buscando algo que sequer existia. No cenário dos sertões do Brasil, podemos
observar como essa visão de paraíso na terra perde sua consistência assim que os
portugueses se deparam com a complexidade e a dificuldade nas ações e nas explorações
dos produtos da terra. Sobre esse imaginário português, Sérgio Buarque de Holanda
relata:

Se algum efeito possa ter tido sobre esses moradores de São Paulo, tão hostilizados
pelo autor do relato a Sua Majestade, a porfia de Dom Francisco de Sousa no
prosseguir o sonho dos novos potosi em terras da sua administração, tudo se
desvanecerá desde que, em 1628, retornou o vulto o apresamento Carijó. Nem a
existência de minas de outo verdadeiras, ainda que de pouco haver, nem as
suspeitas ou esperanças de prata e esmeraldas pareciam prometer tão bom sucesso
quanto o que alcançavam as correrias dos predadores de índios. Passados mais
alguns decênios, tão pouca era a lembrança das celebradas jazidas do Sabarabaçu
que o Conselho Ultramarino tomava a seu cargo avivar a memória delas à Câmara
de São Paulo. (HOLANDA, p. 65)

Nas descrições e nos relatos do padre João Daniel, são diversos os


inconvenientes em que essa terra nada parecia um paraíso, mas que para conseguir extrair
algo da terra, era necessário a mão de obra, e por essa, eram caro e muitas vezes sem
retorno algum, seja pela falta do índio para a mão de obra, seja pela fuga ou mortes destes
ou de uma extração que não cobrisse os gastos da viagem, algo que podemos observar no
relato de João Daniel:

O 1º inconveniente são os gastos da viagem, e a incerteza dos lucros; porque não


se prepara, nem expede, uma canoa para as colheitas do sertão com menos gastos
de 300 para 400 mil réis em farinha para comerem os índios, em pagamento dos
mesmos índios, em aguardentes, ferramentas, e mais aprestos necessários da canoa
e ordinariamente compram, ou alugam, os moradores estas canoas por outro tanto,
ou pouco menos dinheiro; e para fazerem estes gastos tomam fiadas nos
mercadores as fazendas e drogas com a esperança, e promessa, de satisfazerem na
torna-viagem. Estes gastos são certos, nem podem ser eles expedir causas, porque
os pagamentos se vão fazendo logo aos índios, assim que vão recebendo pelas
missões, e os índios, tirando pra sí o necessário, deixam o mais para remédio de
suas mulheres, e família, na sua grande ausência. A incerteza e contingência dos
lucros é também certa, porque por mais esperanças que tenha bom sucesso,
ninguém se pode prometer fortuna, porque depende de muitas contingências, como
são de que não fujam os índios, que muitas vezes fogem alguns, e outras vezes
todos, e deixam a canoa, a cabo, só; de que não adoeçam, o que é muito de temer
pelo insano trabalho e má vida, e às vezes grandes fomes, e sedes, que padecem,
especialmente os que vão ao cravo, e salsa, e se embrenham pela terra dentro, e
centro dos matos, onde não comem mais do que algum bocado de farinha que
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levam de provimento, e algumas frutas bravas que encontram, e muitos não acham
água alguma, outras vezes bebem só algum suco, ou agua de cipó, dormindo ao
sereno, isto por 10, 15, e às vezes muitos mais dias contínuos; de que encontrem
boas colheitas na paragens a que aportam, e levantam feitoria, porque muitas vezes
sucede não acharem naquela paragem cacau, v.g., que buscam depois de muitos
dias, ou semanas, que gastam na fatura das feitorias, e descobrimento das matas;
e vêem-se obrigados a buscarem e fazerem de novo outras feitorias com a mesma
contingência, em que gastam todo o tempo, e chegando o tempo da torna-viagem,
se vêem obrigados a voltarem sem nada. (DANIEL, p. 5,6)

A morte dos índios ou o sumiço deles seja pela guerra ou pelo temor a escravidão,
tornava a vida nos sertões um caos para os portugueses, pois era o índio que conhecia o
lugar e era aquele que faria todo o trabalho, e quando não conseguiam os índios,
começavam os incômodos entres exploradores e missionários. E é o que podemos ver em
mais um relato trazido pelo padre:

O 2º inconveniente, e é o principal, é a perturbação dos missionários, o


desassossego dos missionários é grande, e muito grande, porque por mais que
deseje satisfazer todas portarias, e deseje contentar todos os brancos sertanejos,
uma vez não acha índios; outras vezes é necessário despachar os oficiais os matos,
e é necessário mandar em busca-los pelos sítios, outras vezes não querem, e se
escondem pelos matos, e é necessário mandar em busca deles como quem nada
com um furão à caça de coelhos. Outras vezes se vêem obrigados a mandar os
mesmos oficiais por mais preciso que sejam as aldeias; é inexplicável o incomodo,
e desassossego que causam estas Portarias, e a sua execução, aos missionários
porque não vale dizer aos brancos que não há mais índios, que os que havia já tem
partido adiante, porque a nada atendem mais do que a serem servidos; e reparam
pouco em perderem o respeito, em descomporem, e ameaçaram aos missionários.
O desarrancho e o incômodo dos índios é também um dos maiores inconvenientes,
porque as canoas dos moradores por ua parte, as canoas dos militares por outra, e
as expedições dos governos para serviço real, além do desassossego dos
missionários, não deixam sossegar os pobres índios, fazem-nos andar em uma
roda-viva; fora disso ficam suas mulheres viúvas, e seus filhos, e famílias, como
órfãos. Quantos padecem de fome, misérias, por não terem nas aldeias seus pais e
maridos, que lhes busquem de comer? Quantos morrem ao desamparo por tem os
pais ausentes? Quantas vezes os fugidos lhe roubam os sítios, e às vezes os
mesmos filhos, e filhas, que levam consigo por não terem consigo aos pais, que os
defendam? Enfim tudo são desarranchos para os índios, tudo incômodo para suas
famílias, e tudo perdição para as aldeias, missões, e povoações dos índios. Que
seja esta repartição dos índios a perdição das suas aldeias são provas bem clara as
mesmas missões das quais muitas já totalmente se acabaram; outras já no meu
tempo estavam findando; e todas vão em uma manisfesta diminuição, e
decadência, como advertiu já no seu tempo o grande padre Vieria. E se não fossem
os contínuos desvelos dos missionários em praticarem, e descerem dos matos,
copiosos, e repetidos, descimentos com que vão tenteando, e conservando as
missões, já a maior parte delas teria acabado, porque há muitas que, não obstante
serem antes mui numerosas, populosas, apenas já só restava um casal, ou alguma
pessoa da sua nação; em outras já não restava pessoa alguma. Me contou um
missionário que sua missão já contava 30 e tantas nações com que se fora sempre
conservado por outros tantos descimentos, e que das primeiras só contava a fama
pelos livros, e de outras nações apenas restava alguma alma; e pouco depois da
sua, e total expulsão dos jesuítas das missões, tive eu notícia que dita missão
apenas já só tinha cinco índios. (DANIEL, p. 7,8)

Já se pode ter uma noção do contraste do imaginário edênico português diante dos
problemas e das mazelas que enfrentavam e que viriam enfrentar em todos o processo nas
tentativas de extrair as riquezas do novo éden na terra, situado nos trópicos. Sergio
Buarque vai caracterizar o espanhol com uma imaginação mais fértil que o do português,
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e o português, segundo Buarque, vai ser menos criativo na formulação do éden do que o
espanhol e vai ter uma certa racionalidade nesse pensamento baseados em filósofos
cristãos como Santo Isidoro e Agostinho.
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Conclusão

Portanto, a mesma reflexão que pode ser feita no caso do Novo México, onde
pouco a pouco a visão edênica vai dando espaço a outra perspectiva, de que o cenário dá
pós conquista se distância daquele imaginário idealizado pelo espanhol, pode-se atribuir
a mesma reflexão no contexto dos sertões do Brasil. A brutalidade sobre os nativos, o
massacre de muitos e o caos instalado no cenário dá pós conquista no contexto colonial
do Brasil, o que no final das contas, nada se parece com uma visão de um paraíso
idealizado pelos povos ibéricos, e a cobiça pelo ouro e pelo enriquecimento os cegou
diante da barbárie infligida aos povos nativos. É a partir do conhecimento e do
entendimento desse imaginário, ou seja, dessa ideia de um paraíso na terra, que podemos
entender tanto os povos ibéricos daquele período, como também poder identificar alguma
das formas de permanência desse modo de pensar dos portugueses nos dias atuais, algo
que é proposto pelo Sergio Buarque de Holanda.
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Referências Bibliográficas

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no


descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000.

DANIEL, João. Tesouro no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004

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