You are on page 1of 157

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Paulo Audebert Delage

IGREJA EVANGÉLICA ÁRABE DE SÃO PAULO.


Inserção, estruturação e expansão na adversidade-diversidade sócio-cultural da cidade
de São Paulo. (Estudo de caso).

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências da


Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte
dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências da
Religião.

Orientador : Professor Dr. João Baptista Borges Pereira

São Paulo
2009
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
3

Paulo Audebert Delage

IGREJA EVANGÉLICA ÁRABE DE SÃO PAULO.


Inserção, estruturação e expansão na adversidade-diversidade sócio-cultural da cidade
de São Paulo. (Estudo de caso).

Dissertação apresentada no Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião

Aprovado em_________________de_______________________2009.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Professor Doutor João Baptista Borges Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Doutor Ricardo Bitun


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Doutor Oswaldo Mário Serra Truzzi


Universidade Federal de São Carlos
4

À minha esposa Alice e aos meus


filhos Paulo Elias, Débora, Filipe e
Raquel.
5

AGRADECIMENTOS

Minha gratidão ao Deus Soberano e eterno por me ter concedido vida em Cristo;

À minha esposa Alice, companheira fiel e zelosa, que me apoiou e apóia em meu
ministério e vida;

Aos meus filhos Paulo Elias, Débora, Filipe e Raquel pelo apoio e incentivo dados;

Ao pastor Khalil Samara e sua família, por sua prestimosa cooperação;

Aos membros da Igreja Evangélica Árabe de São Paulo por sua atenção;

Ao professor Doutor João Baptista por sua zelosa e sábia orientação e ajuda na
confecção desta dissertação;

Aos integrantes da banca examinadora por seu empenho, dedicação e orientações


preciosas;

Ao Instituto Presbiteriano Mackenzie pela bolsa escolar integral concedida;

Aos colegas de classe, com os quais caminhei junto na construção desta dissertação,
pelo incentivo, ânimo e companheirismo.
6

RESUMO

Árabe cristão e, ainda por cima, protestante? Soa estranho aos ouvidos
brasileiros. Neste trabalho serão tratados aspectos ligados à imigração sírio-libanesa no
Brasil, a situação sócio-religiosa nestes países e seu intento de transplante para o Brasil,
com todas as peculiaridades de harmonia e conflitos, continuidade e ruptura. Neste
sentido, os imigrantes sírios-libaneses (árabes) protestantes formarão sua comunidade
religiosa, a Igreja Evangélica Árabe de São Paulo, sendo esta o objeto de estudo desse
projeto. Sua inserção, estruturação e expansão serão tratadas, visando oferecer subsídio
para estudo desse grupo, uma vez que não há estudos sobre os árabes protestantes em
São Paulo. Trata-se de estudo de caso.

Palavras chaves: Árabe, imigração, evangélica, igreja, protestante.


7

ABSTRACT

Christian, Arab and Protestant too? It definitely sounds strange to Brazilians.


This paper aims to approach aspects concerning the Syrian-Lebanese immigration to
Brazil, the social-religious situation in those countries and intent to come to Brazil,
despite all peculiarities of harmony and conflict, continuities and ruptures. In this sense,
the Syrian-Lebaneses immigrants (arabs) protestants will form their own religious
community, Igreja Evangélica Árabe de São Paulo, being this the focus of this project.
It will also approach the inclusion, structuring and expansion aspects offering
contribution to study this group, since there are no studies on the protestant arabs in São
Paulo. It is a study case.

Key words: Arab, Immigration, Evangelical, Church, Protestant.


8

Sumário

IGREJA EVANGÉLICA ÁRABE DE SÃO PAULO. .................................................. 12


Introdução ................................................................................................................... 12

PARTE I ......................................................................................................................... 21
Capítulo Primeiro: A Imigração Árabe no Brasil...................................................... 21

1) Introdução........................................................................................................... 21
2) Aspectos Gerais da imigração ............................................................................ 24
3) Informações sobre Líbano e Síria ...................................................................... 26
3.1) Síria ............................................................................................................. 28
3.2) Líbano ......................................................................................................... 29

4) Distinções ........................................................................................................... 31
4.1) Turco ........................................................................................................... 31
4.2) Árabe ........................................................................................................... 32
4.3) Sírio-Libanês ............................................................................................... 33

5) Imigração de sírios e libaneses........................................................................... 34


5.1) A presença do sírio e libanês no Brasil anteriormente a 1871 .................... 34
5.2) Causas motivadoras da imigração ............................................................... 35
5.2.1) Econômicas .......................................................................................... 35
5.2.2) Sociais .................................................................................................. 36
5.2.3) Político-religiosa .................................................................................. 37
5.3) Destino ........................................................................................................ 38
5.4) Conceito de imigrante ................................................................................. 39
5.5) Fases da Imigração ...................................................................................... 40
5.5.1) Primeira fase: ( 1880-1920) ................................................................. 40
5.5.2) Segunda fase: ( 1921-1942) ................................................................. 41
5.5.3) Terceira fase: (1943-1970) ................................................................... 41
5.5.4) Quarta fase: ( 1975-1990) .................................................................... 43
5.6) Fatores de incentivo à imigração para o Brasil ........................................... 44
5.6.1) Geo-político.......................................................................................... 44
5.6.2) Mão-de-obra agrícola ........................................................................... 44
5.6.3) Mão-de-obra industrial......................................................................... 44
5.6.4) Legislação imigratória.......................................................................... 45
5.6.5) Mobilidade social ................................................................................. 45
5.6.6) Liberdade religiosa e multiplicidade étnica ........................................ 46
5.7) Características da imigração sírio e libanesa no Brasil ............................... 47
5.7.1) Urbana .................................................................................................. 47
5.7.2) Autônoma ............................................................................................. 48
5.7.3) Auto-subvencionada............................................................................. 49
5.7.4) Individual ............................................................................................ 50
5.7.5) Temporária ........................................................................................... 50
5.7.6) Geografia.............................................................................................. 51
9

6) Estruturação da imigração sírio e libanesa......................................................... 52


6.1) Econômico................................................................................................... 52
6.2) Social........................................................................................................... 56
6.3) Educacional ................................................................................................. 58
6.4) Geográfico................................................................................................... 59

Capítulo Segundo: Religião, religiosidade e etnia. ........................................................ 61


1) Introdução........................................................................................................... 61
2) O mosaico original ............................................................................................. 62
2.1) Muçulmanos ................................................................................................ 62
2.1.1) Sunitas .................................................................................................. 63
2.1.2) Xiitas .................................................................................................... 64
2.1.3) Drusos .................................................................................................. 65
2.1.4) Alawitas................................................................................................ 66
2.2) Cristãos........................................................................................................ 66
2.2.1) Maronitas.............................................................................................. 66
2.2.2) Melquitas.............................................................................................. 67
2.2.3) Ortodoxos: ( Greco-ortodoxos) ............................................................ 67
2.2.4) Jacobitas e Armênios gregos ................................................................ 68
2.2.5) Protestantes .......................................................................................... 69

3) Harmonia e conflito?.......................................................................................... 73
3.1) Harmonia..................................................................................................... 73
3.2) Conflitos ...................................................................................................... 74

4) Transferência para a colônia: ............................................................................. 77


4.1) A língua ....................................................................................................... 77
4.2) A família...................................................................................................... 78
4.3) A aldeia ....................................................................................................... 79
4.4) A Religião ................................................................................................... 82
4.4.1) Muçulmanos ......................................................................................... 83
4.4.2) Drusos .................................................................................................. 84
4.4.3) Greco-ortodoxos................................................................................... 84
4.4.4) Maronitas.............................................................................................. 85
4.4.5) Melquitas.............................................................................................. 85
4.4.6) Protestantes .......................................................................................... 86

PARTE II........................................................................................................................ 88
Capítulo Terceiro: Igreja Evangélica Árabe de São Paulo ........................................ 88

1)Introdução............................................................................................................ 88
2) Delimitação ........................................................................................................ 89
3) Histórico ............................................................................................................. 90
3.1)Antecedentes ................................................................................................ 90
3.2) Estabelecimento .......................................................................................... 91
10

3.2.1) Designação do Ministro ....................................................................... 92


3.2.2) Vinda e propósito do ministro.............................................................. 93
3.2.3) Condução de atividades........................................................................ 93
3.2.4) Contatos e arregimentação ................................................................... 94
3.2.5) Início das reuniões................................................................................ 94
3.2.6) Aquisição da Propriedade..................................................................... 96
3.2.7) Organização da Igreja........................................................................... 97
3.2.8) Edificação e Consagração do Templo.................................................. 97

4) Estrutura ............................................................................................................. 98
5) Atuação Social.................................................................................................. 100
5.1) Lar Pró-Velhice Água da Vida.................................................................. 100
5.2) Ações Assistenciais ................................................................................... 101
5.3) Suporte ao Imigrante ................................................................................. 101
5.4) Espaço de Cultura...................................................................................... 102

6) Serviços Religiosos .......................................................................................... 102


6.1) Estudos Bíblicos e Oração ........................................................................ 103
6.2) Escola Bíblica Dominical.......................................................................... 103
6.3) Culto Dominical ........................................................................................ 104
6.4) Realizações Eventuais ............................................................................... 105

7) Linha Teológica................................................................................................ 105


7.1) Sacramentos .............................................................................................. 107
7.1.1) Batismo .............................................................................................. 107
7.1.2) Eucaristia ou Ceia do Senhor ............................................................. 108

8) Ritos de passagem ............................................................................................ 108


9) Vínculos Organizacionais ................................................................................ 109
10) Expansão ........................................................................................................ 110
11) Perdas ............................................................................................................. 110
Considerações finais ..................................................................................................... 112
Referências Bibliográficas............................................................................................ 115
Anexos .......................................................................................................................... 119
Anexo 1 Mapa ...................................................................................................... 119
Anexo 2 Mapas..................................................................................................... 120
Anexo 3 Quadro com número de imigrantes sírios e libaneses............................ 121
Anexo 4 Quadro com indústrias de sírios e libaneses em 1920 em SP ................ 123
Anexo 5 Documento do Supremo Conselho da Síria e Líbano............................ 124
Anexo 6 Foto Rv. Khalil Simão Haci................................................................... 125
Anexo 7 Documento Sínodo Evangélico da Síria e Líbano ................................. 126
Anexo 8 Folheto de Evangelização em árabe....................................................... 127
11

Anexo 9 Folheto de Evangelização em árabe....................................................... 129


Anexo 10 Folheto de Evangelização em árabe..................................................... 130
Anexo 11 Folheto de Evangelização em árabe..................................................... 131
Anexo 12 Folheto de Evangelização em Português ............................................. 132
Anexo 13 Capa e contracapa do Evangelho de Lucas em árabe .......................... 133
Anexo 14 Entrevista com o Reverendo Vladimir de Lima Júnior ....................... 134
Anexo 15 Entrevista com o pastor Khalil Samara................................................ 137
Anexo 16 Entrevista com o pastor José Lopes ..................................................... 142
Anexo 17 Entrevista com Adina Abrahão............................................................ 145
Anexo 18 Fotos do culto dominical...................................................................... 147
Anexo 19 Fotos do templo ................................................................................... 150
Anexo 20 Culto de oração e estudo bíblico em quinta-feira. ............................... 153
Anexo 21 Foto com Rev. Hagi Khoury e Rev. Kalil Samara............................... 154
12

IGREJA EVANGÉLICA ÁRABE DE SÃO PAULO

Inserção, estruturação e expansão na adversidade-diversidade sócio-cultural da cidade


de São Paulo. (Estudo de caso).

Palavras Chaves: Árabe, imigração, igreja, protestante.

Introdução

Tem esta dissertação como objeto de pesquisa a Igreja Evangélica Árabe de São
Paulo, em uma abordagem da trajetória dos árabes (sírios-libaneses) protestantes
(evangélicos) desde a saída do Líbano até sua chegada ao Brasil, bem como seu
desenvolvimento e situação atual como comunidade protestante estabelecida e
expansionista. Serão tratadas as questões relativas às barreiras enfrentadas e superadas
no âmbito da diferença (diversidade) cultural e linguística, do país de imigração, bem
como no aspecto religioso em um ambiente de tradição predominantemente católica
romana (adversidade).
A tarefa de escrever sobre este assunto se me afigura como um grande desafio.
Afirmo isto respaldado no fato de que não tenho formação no universo da pesquisa de
campo. Quer na teologia ou no Direito (minhas formações de graduação e pós-
graduação lato sensu), as incursões por mim feitas são, notadamente, no mundo dos
livros, da pesquisa bibliográfica. A noção do grave risco que corro não me escapa, mas
o sentimento e o desejo de ultrapassar esta fronteira são mais fortes que o temor do
risco.
Os grupos sociais identificados por sua etnia, língua ou outros elementos
culturais, bem como os sub-grupos que se distinguem de seus “patrícios” pelo fator
religioso, por exemplo, foram e continuam sendo alvo de interesse das ciências sociais
no âmbito da Academia. Neste sentido o estudo de um grupo cuja língua é o árabe
(mundo de prevalência islâmica), a origem sírio-libanesa (com predominância cristã
ortodoxa) e a religião protestante, fugindo às identificações ou características mais
comuns aos de sua etnia e cultura, é merecedor de atenção e interesse. A peculiaridade
distintiva relativa à religião é elemento justificador desta pesquisa em seu âmbito social.
13

Trata-se de uma comunidade de religião cristã (universal), com forte expressão étnica
(língua árabe), mas que tem apelo expansionista universalizante.

É inegável que o acervo de literatura sobre a imigração árabe em São Paulo é


bastante expressivo, com livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o
assunto, de autores como Oswaldo Truzzi, Wady Safady e outros.
A partir da segunda metade do século XX se terá sistematização de dados com a
clássica obra de Knowlton : “Sírios e Libaneses; mobilidade social e espacial”. Nestas
obras os aspectos ligados à chegada, inserção, expansão e ascenção dos imigrantes e
seus descendentes, são abordados com atenção à sua atuação no comércio, na medicina
e em outros segmentos da vida paulistana. Sua mobilidade social e espacial, bem como
sua participação no desenvolvimento e enriquecimento cultural têm sido, igualmente,
trabalhados.
As manifestações religiosas predominantes entre os árabes sírios e libaneses,
tais como, o islamismo e as tradições cristãs de caráter não protestante (maronita,
melquita, ortodoxa), têm recebido atenção de estudo dos cientistas sociais, conforme
terei oportunidade de referir neste trabalho. Nota-se, no entanto, um aspecto lacunoso
quanto à análise do movimento religioso protestante junto a esta comunidade de língua
árabe. Pode-se perceber tal fato na obra “Memórias da Imigração: libaneses e sírios em
São Paulo”, em um volume de 769 páginas, onde constam 54 entrevistas (entre 67
entrevistados), havendo apenas dois protestantes. (Greiber e outros. 1998, p.14 e 768).
Na tese de doutorado de Gattaz (julho de 2001) na lista de entrevistados há apenas um
protestante, mas cuja entrevista não é transcrita em seu trabalho.
A percepção do senso-comum, quanto ao universo árabe, é de rejeição à idéia da
presença cristã entre eles, e se se pensa em protestantes ocorre um aprofundamento
maior nesta separação, causando espanto e estranheza a idéia de uma Igreja Árabe
Evangélica (protestante). A literatura acadêmica nesta área é escassa, senão totalmente
inexistente. Knowlton, em sua obra citada anteriormente, faz menção acerca da presença
de protestantes na leva de imigrantes e afirma: “Um número considerável de sírios e
libaneses protestantes emigrou para o Brasil, na sua maioria presbiterianos...”
(KNOWLTON. 1961. p.98), mas quase nada fala sobre os protestantes. Outra referência
será feita por ele na mesma obra: “Os presbiterianos mantiveram uma organização
religiosa separada durante vários anos. Quando faleceu o último ministro, a igreja
desintegrou-se. Os presbiterianos da colônia estão inativos ou aderiram aos templos
14

presbiterianos maiores da cidade”. (p.178). Não há referência a outra igreja protestante.


Ocorre apenas uma citação sobre adesão às seitas batistas, “The Holiness” e à
Adventista do Sétimo Dia, “ao lado de membros brasileiros” (p.178). Assim, esta
pesquisa, mesmo em sua limitação, se justifica academicamente por vir a oferecer
subsídio à compreensão e percepção deste grupo étnico em sua manifestação religiosa
de tradição cristã protestante.
Este trabalho, assume uma linha de estudo ligado à Etnia e Religiosidade, e visa
a engrossar um filete de dissertações vinculado à imigração e suas manifestações
religiosas no campo da cultura brasileira, que são: A Construção de uma comunidade
utópica no Oeste Paulista,1 onde se relaciona a imigração leta com a Igreja Batista;
Alvorada: Negros e brancos numa congregação Presbiteriana em Londrina – Um
estudo de caso2, no qual se trabalha o aspecto da presença e convivência de pessoas
destas duas cores de pele; Missão Caiuá: um estudo da ação missionária protestante
entre os índios Guarani, Kaiowá e Terena3, trabalha a questão do relacionamento entre
índios e missionários; Um véu sobre sobre a imigração italiana no Brasil4, enfocando a
origem da Congregação Cristã no Brasil e imigração italiana; Terra Nostra em
mudança: Identidade étnica, identidade religiosa e pluralismo numa comunidade
italiana no interior paulista5, enfoca a presença protestante no meio de uma colônia
italiana, do pós guerra, no interior de São Paulo; Coreanos Protestantes na periferia de
São Paulo. Um estudo de caso6, ação missionária coreana entre os imigrantes desta
etnia; Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Russa no exílio em São Paulo: etnicidade e
identidade religiosa. Um estudo de caso7, trata da atuação desta igreja junto aos
imigrantes russos; Delírios religiosos e estruturação psíquica – “O caso Jacobina
Mentz Maurer e o episódio Mucker” – Uma releitura fundamentada na Psicologia
Analítica8, aborda o movimento messiânico Mucker (alemães) sob esta vertente da
psicologia ,Os mórmons em Santa Catarina: origens, conflitos e desenvolvimento9,
aborda este movimento religioso e seu crescimento em Santa Catarina (ligado à

1
Heldo Mulatinho. Tese de doutorado . USP, 1976.
2
José Martins Trigueiro Neto. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.
3
Jonas Furtado Nascimento. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.
4
Gloecir Bianco. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005.
5
Marivaldo Gouveia. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005
6
Elson Isaac Santos Araújo. Dissertação de mestrado. Mackenzie , 2005.
7
Maurício Loiacono. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006
8
Heloisa Mara Luchesi Módolo. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006.
9
Rubens Lima da Silva. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.
15

imigração alemã); Igreja Húngara Reformada10; A imigração holandesa e a Igreja


Reformada no Paraná11 ; Uma Igreja Protestante coreana na cidade de São Paulo, 12;
e alguns projetos em andamento :Missionários protestantes sul-coreanos na cidade de
Jandira-SP-, Daniel H. Cho Lin; Luteranismo e imigração alemã pomerana no Espírito
Santo, Gladson Cunha; Igreja Ortodoxa Árabe em São José do Rio Preto, Daniel Maia.
Estes trabalhos foram e são orientados pelo professor João Baptista Borges Pereira,
professor do programa de mestrado em Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, à exceção do trabalho de Jonas Furtado do Nascimento que
teve a orientação do Dr. Antônio Gouveia de Mendonça.
Algumas questões ligadas à IEASP serão levantadas, para as quais respostas serão
apresentadas, visando fazer conhecida esta igreja e seus aspectos particulares.
A comunidade alvo deste estudo foi estabelecida com o propósito de buscar fazer
adeptos entre outras manifestações religiosas, mesmo entre não árabes, naquilo que se
chama de proselitismo, ou sua criação e estabelecimento vinculam-se ao apoio a ser
oferecido aos imigrantes libaneses de fala árabe e levá-los à conversão, ou ainda
buscava ser apenas um lugar de acolhimento aos professantes da fé comum, com o fito
de garantir-lhes a estabilidade e permanência em sua crença ou fé?
O traço religioso de fé protestante (evangélica) seria e é fator de rejeição ou
repulsa entre os seus patrícios, trazendo-lhes maiores dificuldades de adaptação e
estruturação no Brasil, ou tal fator não é relevante quando se trata da questão étnica, ou
seja, o ser árabe?
Tem havido abertura, a fim de não ser uma comunidade exclusivamente para
pessoas de fala árabe, levando à mudança de uma concepção de religião étnica para uma
postura etnicizada, observando a perspectiva da tipologia das religiões étnicas,
universais, universais etnicizadas e étnicas-etnicizadas.13
A Igreja Evangélica Árabe de São Paulo (IEASP) tem sua ênfase inicial no
suporte ao imigrante de língua árabe, mormente o sírio-libanês, oferecendo-lhe apoio
religioso para sustentação de sua fé de caráter protestante ou evangélico, embora
houvesse desejo de alcançar os patrícios e trazê-los à conversão religiosa. Tem sua

10
Simone Lucena. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.
11
Wilson de Lima Lucena. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2009
12
Silvana Maria P. Silva. Dissertação de mestrado. Mackenzie 2009.
13
Apontamentos de aula ministrada pelo Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira em 15/04/2008 e
13/05/2008, no programa de mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
16

função de rede de apoio ao imigrante que necessita de suporte nos primeiros tempos de
adaptação à realidade na qual está agora inserido.

A ênfase e a dimensão acentuadamente étnicas, visando atender aos imigrantes


de fala árabe e originários do Líbano e Síria, perderam sua força e nitidez, vindo a
ocorrer o interesse por atingir os “nativos” ou naturais, tornando-a universalizante. O
caráter universalizante do cristianismo choca-se com a visão étnica deste grupo
religioso e, de certo modo, a leva a universalizar-se. A ambivalência e tensão estão
presentes, inegavelmente. Os serviços religiosos em língua árabe e portuguesa
demonstram o interesse em atingir também os jovens de língua portuguesa e facilitar a
participação dos filhos e, principalmente, netos dos imigrantes, evitando sua migração
para outras tradições religiosas ou igrejas que não a de “seus pais”.
A manifestação religiosa pode ser elemento gerador do sentido de vinculação e
identidade entre seus integrantes e participantes, reforçando o aspecto identitário e de
pertencimento. Tal circunstância pode conduzir ao fechamento em si mesmo e ocasionar
a constituição hermética de pertença com tendência de exclusividade aos seus
integrantes, tornando-se um gueto religioso. No intuito de evitar este perigo a IEASP
promoveu a abertura para a recepção de membros de língua não árabe e de não
descendentes de sua etnia, fazendo evidente a característica universal da religião cristã.
Peter Berger e Thomas Luckman, em sua obra conjunta “ A Construção Social
da Realidade”, afirmam: “De momento, é importante acentuar que a relação entre o
homem, o produtor, e o mundo social, produto dele, é e permanece sendo uma relação
dialética, isto é, o homem (evidentemente não o homem isolado mas em coletividade) e
seu mundo social atuam reciprocamente um sobre o outro. O produto reage sobre o
produtor”. (1978, p.87), deixando ver a inter-relação entre construir a realidade social e
o ser por ela construído . Berger, em sua obra “O Dossel Sagrado” assim se expressa:
“A sociedade é um produto do homem( ... ) Pode-se também afirmar, no entanto, que o
homem é um produto da sociedade”. (1985, p.15).
Para ele este processo dialético se dá em três momentos:
“São a exteriorização, a objetivação e a
interiorização.[...] A exteriorização é a contínua efusão do ser
humano sobre o mundo, quer na atividade física quer na
atividade mental dos homens. A objetivação é a conquista por
parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma
realidade que se defronta com os seus produtos originais como
facticidade exterior e distinta deles. A interiorização é a
17

reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens,


transformando-a novamente de estruturas de mundo objetivo
em estruturas da consciência subjetiva. É através da
exteriorização que a sociedade é um produto humano. É através
da objetivação que a sociedade se torna uma realidade sui
generis. É através da interiorização que o homem é um produto
da sociedade” ( Op.cit,1985. p16).

Nesta mesma direção é afirmado por Ódea: “Existe aqui uma relação dupla. Não
apenas as condições sociais influem no aparecimento e na difusão de idéias e valores,
mas as idéias e valores, uma vez institucionalizados numa sociedade, influem nas ações
dos homens.” ( ÒDEA. 1969, p.79). A reciprocidade no construir e ser construído fica
estampada neste texto, afirmando esta dialética social.
Neste sentido pode-se ver que a IEASP é agente de construção (integração)
social em relação aos seus integrantes e é, ao mesmo tempo, construída por eles à
medida que vai se adaptando às mudanças ocorridas no passar do tempo. A experiência
religiosa é elemento preponderante na cultura de determinada sociedade, sendo este um
fator que integra a fundamentação de grupo. Assim vê-se que: “só se pode designar sob
o termo de grupo a unidade social que possua, ao mesmo tempo, estrutura
suficientemente consistente e resistente e um conjunto de normas bastante estáveis”.
(MAISONNEUVE, 1967. p59).
A IEASP é fruto do que se chama “Protestantismo de Imigração” distinto do que
se chama protestantismo de missão (Mendonça, 2008, p28). A igreja será composta, em
seu início, por árabes (libaneses e sírios), e seu propósito era expandir-se dentro das
fronteiras de sua etnia. Encontra-se aqui um dado interessante visto que o missionário
vem para trabalhar entre os imigrantes (de imigração), mas seu propósito é a difusão do
evangelho e fazer conversos (de missão). Sua vinda passa a ter duplo propósito: cuidar
dos e assistir aos árabes protestantes (sentido de pastoreio) e evangelizar (comunicar a
mensagem cristã na visão protestante) aos patrícios e, só mais tarde, aos brasileiros. É,
portanto, em seu início, uma religião de tradição universal (cristianismo), mas de linha
étnica (árabe libanesa), porém forçada a universalizar-se, ou seja, visando retomar sua
vocação universal de “fazer discípulos de todas as nações” (Bíblia Sagrada. Mateus,
28:19 ). É possível aplicar-se a IEASP o que Mendonça fala sobre o protestantismo de
modo geral no Brasil: “O protestante não aparece, não se apresenta, não se insere de
modo sensível na política, na cultura. Não há um impacto protestante na sociedade
brasileira”. (MENDONÇA. 2008, p.27).
18

O aspecto social das redes é, também, levado em conta, devido à sua


importância para a integração e inserção do imigrante no universo novo em que foi
lançado, já que a Igreja é vista como destes elementos de grande valor para o apoio e
socorro ao imigrante, como nos fala Ana Cristrina Braga Martes: “As igrejas são
‘comunidades restritas’ onde os mecanismos de controle social são mais claramente
definidos, a ponto de fazer com que seus integrantes sintam alguma segurança de que
estão integrando uma rede de reciprocidade positiva. É neste sentido que as igrejas
foram aqui tomadas como exemplos de ‘espaços seguros’ para a sociabilidade”.
(MARTES, 1999, p.189).14
As redes sociais têm grande relevância na experiência de imigração, trazendo
consigo alguns benefícios de ordem social tais como: inserção, auxílio quanto a
emprego, amparo de moradia, minimização da saudade, manutenção da língua e cultura.
Martes assim se expressa:
“As redes sociais, geralmente de parentesco, amizade
ou mesmo religiosas, são fundamentais para explicar como
brasileiros chegam aos Estados Unidos, sobretudo porque elas
ajudam a reduzir o custo psicológico e econômico da
emigração[...]De modo geral, é por meio das redes que são
veiculadas informações e opiniões que condicionam a opção a
favor da emigração [...] É olhando para as redes sociais que se
pode explicar por que os imigrantes se dirigem para um
determinado país e não para outro e como chegam ao país de
destino”. (op. cit. P.73).

As obras de Clark Knowton, Oswaldo Truzzi, Wadih Safady e a tese de André


Gattaz serão norteadoras e base para a formulação dos aspectos ligados à imigração
árabe de modo geral e, particularmente, para o Brasil, sendo referencial indispensável
para qualquer proposta de trabalho acadêmico sobre tal assunto.
Quanto à metodologia, além dos aspectos teóricos e bibliográficos, envolvendo
as questões ligadas à imigração, redes sociais e religião, este trabalho utilizará o método
quantitativo e o qualitativo.
Quanto ao primeiro serão levantados informes de caráter empírico, tais como :
número de membros, grupos internos de atividades, organizações de caráter assistencial;
estrutura de ensino para faixas etárias distintas, e outras.

14
Trata-se de obra sobre imigração de brasileiros para os EUA, na região de Boston, mas as aplicações e
princípios são compatíveis com a imigração de modo geral, incluindo-se a dos árabes (sírios e libaneses)
protestantes para o Brasil, uma vez que guardam semelhanças em suas histórias e evolução. Nota do
autor.
19

Quanto ao segundo (qualitativo), serão trabalhadas, entrevistas informais e a


observação participante (que já tem acontecido nos serviços religiosos às quintas-feiras
e domingos) nas atividades da igreja em sua dinâmica eclesiástica e cerimônias. Serão
consultados e analisados documentos como atas, estatutos, regimentos (que nos forem
liberados), bem como boletins internos informativos e outros elementos que apresentem
relevância ao trabalho. Será analisada também a vertente religiosa do protestantismo a
que está ligada a IEASP, ou seja, sua formulação teológica e confessional, forma de
governo e liturgia.
A estrutura básica desta dissertação contará com a introdução, a seguir em sua
primeira parte trará a abordagem da Imigração árabe, onde serão apresentados, no
primeiro capítulo, aspectos de informações sobre a Síria e Líbano, seguidos de
distinções entre “turco, árabe e sírio-libanês”; as causas motivadoras da imigração sírio-
libanesa para o Brasil sob a ótica econômica, social e político-religiosa; a destinação
dos emigrantes sírios e libaneses e o conceito de imigrantes; as fases (períodos) que
caracterizaram a imigração sírio-libanesa para o Brasil, num total de quatro, cobrindo de
1871 a 1990; fatores que funcionaram como incentivadores da imigração para o Brasil;
seis características desta imigração, finalizando a primeira parte serão vistos quatro
segmentos da estruturação destes imigrantes, com ênfase na figura emblemática do
mascate.
O segundo capítulo tratará da questão religiosa, abordando a religião no Líbano
e Síria, sua harmonia e conflitos. Será, a seguir, apresentada a situação destas religiões
no contexto da imigração no Brasil, buscando destacar o protestantismo, foco principal
deste trabalho.
A segunda parte, apresentará o terceiro capítulo, no qual se tratará da Igreja
Evangélica Árabe de São Paulo, de modo particular, observando seus aspectos de
estrutura ritualística, teológica, espaço físico, rol de membros, histórico de organização,
participação no apoio ao imigrante, ação religiosa de reforço da crença de seus membros
e busca de novos adeptos e outros elementos ligados a este grupo, inclusive seus
vínculos com outras comunidades no Brasil. Seguido pelas considerações finais,
referências bibliográficas e anexos.
Esta pesquisa é metodologicamente um estudo de caso, isto é, está restrita à Igreja
Evangélica Árabe de São Paulo, cuja sede encontra-se na Rua Vergueiro 1845, Vila
Mariana, na cidade de São Paulo-SP. Embora seja tratado o aspecto histórico de seus
primórdios, nosso maior interesse será a partir de sua organização formal o que
20

determinará nosso corte de atuação. Em sendo um estudo de caso, não se pretende que
seus dados sejam generalizados.
21

PARTE I

Capítulo Primeiro: A Imigração Árabe no Brasil.

1) Introdução:
É possível falar e viver a “isenção plena” ou a “total neutralidade” quando se
trata de abordar determinado assunto ou desenvolver certa pesquisa? Esta questão tem
sido alvo de acalorados debates acadêmicos e aquela idéia positivista da neutralidade
absoluta como exigência para o pesquisador, vai deixando de existir, dando lugar à
compreensão da participação e envolvimento do pesquisador, embora deva este buscar
manter certa objetividade quanto à pesquisa desenvolvida. Neste sentido podemos ver
que a colocação feita por Ruth Cardoso mostra que a revisão sobre este mito da
neutralidade está presente e tem força expressiva:
“A perspectiva é frequentemente limitada a uma auto-análise,
mas certamente traduz uma inquietação. Arrisco afirmar que a
subjetividade que não fomos treinados para controlar teima em
se fazer presente e isto porque ninguém mais defende a noção
de “neutralidade” que os manuais positivistas propunham como
condição de ciência [...] Os conceitos de neutralidade e
objetividade são frequentemente esgrimidos como armas para
garantir a legitimação do saber científico. Por isso mesmo, é
fácil abandoná-las, e seria produtivo promover um debate sobre
o estado desta questão”. (DURHAM, et al. 2004. p 104).

Em ambiente narrativo de conquistas, revoluções, batalhas e história de


determinado povo e civilização, muitos aspectos adquirem conotação de lenda15, saga16
ou mito17, fazendo com que os fatos sejam, muitas das vezes, apresentados com matizes
e coloridos de forma a enriquecer e enobrecer os protagonistas, diminuindo seus senões
e aumentando-lhes as virtudes. Assim, os narradores acabam por valorizar os aspectos
vistos como positivos e nobres daqueles sobre os quais escrevem ou falam e minimizam
os aspectos não tão enobrecedores ou indesejáveis em seus personagens heróicos e
bravos.

15
“Por lendas, entendo as tradições, tanto orais como escritas, que relatam as aventuras de pessoas reais
no passado, ou que descrevem os acontecimentos, não forçosamente humanos, que dizem haver ocorrido
em lugares reais” J.G. Frazer in: Dicionário de Ciências Sociais V. 1 p.164. 1987.
16
“Lenda medieval acerca de figuras ou eventos notáveis dos países escandinavos. Qualquer lenda antiga
acerca de feitos heróicos”. Dicionário Michaelis, p.1876.
17
“Exposição de uma idéia ou de uma doutrina sob uma forma voluntariamente poética e narrativa, onde
a imaginação ganha asas e mistura as suas fantasias com as verdades subjacentes”. Lalande, 1996 p.689.
22

Em relação aos “árabes” que imigraram para o Brasil, isto pode ser visto na obra
de Salomão Jorge “Album da Colônia Sírio Libanesa no Brasil” na qual narra algumas
destas histórias heróicas e enaltecedoras das virtudes dos injustiçados “turcos” nestes
rincões brasileiros (páginas 121 a 130).
Também encontramos este modo de verem-se a si mesmos, no depoimento dado
por Camilo Ashcar ( de formação presbiteriana e deputado à época) em entrevista
concedida a Cristiane A. Cury, ao falar sobre a participação dos descendentes sírios-
libaneses (árabes) na política brasileira. O registro é longo, mas de real valor na
demonstração desta visão heróica de si mesmos:
“A sua pergunta me obriga a dar uma resposta um
pouquinho mais ampla sobre a evolução da coletividade
libanesa no Brasil. Há várias fases desta evolução. A
primeira foi a dos bandeirantes do comércio, dos libaneses
que adentraram os sertões de São Paulo, Minas Gerais,
Mato Grosso, sobretudo, levando nos seus ombros uma
mala com mercadorias para fazer trocas ou vender
utilidades de primeira mão e foi esta fase a dos pioneiros
libaneses no Brasil. Após esta fase pioneira ou heróica
veio a segunda fase sucessiva de integração social. Os
libaneses passaram a conviver em pequenas vilas e
povoados, formando uma lojinha, ao lado da Igreja, ao
lado da escola, ao lado da farmácia, e começando a viver
aquela forma incipiente dos futuros municípios. Foram se
integrando aos costumes das famílias locais e ganhando a
simpatia e a colaboração dos brasileiros, sobretudo pela
sua boa vontade em servir. Depois, veio uma terceira fase,
da consolidação do comércio. Passaram a ter um pouco
mais de recursos, abriram-se as primeiras lojas, as
primeiras fábricas, os primeiros teares, as primeiras
indústrias incipientes, e foram crescendo até se tornarem
capitães da indústria e do comércio. Depois desta fase
sucedeu-se a fase da cultura. Já com a posição econômica
definida, os sírios e libaneses quiseram que seus filhos
tivessem uma formação cultural mais aperfeiçoada, talvez
por influência da cultura libanesa, que é uma tradição.
Então, enquanto os pais se sacrificavam na atividade
econômico-financeira ou em coisas paralelas, os filhos
eram enviados para as escolas, para se prepararem para
profissões liberais e se formaram em todos os ramos da
atividade, exercendo hoje até cátedras universitárias com
muito brilhantismo. Depois dessas fases, dessa integração
toda, e por projeção da sua cultura, do seu valor pessoal e
da sua participação na vida histórico-cultural do país, é
que surgiu a fase política. Então, destacando-se pela
qualidade de sua vida familiar, pela correção de seu
caráter, pela dedicação ao trabalho, pela cultura, talvez até
23

por alguns recursos econômicos, e pela qualidade de


liderança que o libanês tem naturalmente - que é um
diplomata por natureza- os descendentes de libaneses
foram sendo convocados para os primeiros cargos
públicos: vereadores, prefeitos, deputados e foram
ascendendo até governadores de estado, até ministros de
estado, como agora ocorre.” (FAUSTO e outros. 1995, p
48-49)

Para não ser longo em excesso neste ponto, registro apenas outro exemplo desta
forma de narrativa lendária e histórias quase míticas dos antepassados, apresentado por
Truzzi : “Sua perspicaz capacidade de adaptação à nova pátria impressionou a ponto de
gerar narrativas em que fábula e realidade se confundiram , como no episódio relatado
por Tanus Jorge Bastani, em seu livro “Memórias de um mascate”. Conta o autor o caso
do libanês Kalil, que, julgado morto por seu companheiro Miguel, foi por este
encontrado doze anos depois feito cacique de uma tribo amazônica”. (TRUZZI. 2005
p.76).
É fato que há contrastes em relação a esta forma heróica de se ver os imigrantes
árabes, registrados por escritores que, influenciados por elementos de preconceitos
raciais e culturais, darão ao “árabe-turco” outra roupagem não tão dignificante,
conforme se lê em Alfredo Ellis Júnior e citado por Truzzi em sua obra “De Mascates a
Doutores, sírios e libaneses em São Paulo” (p. 25).
Houve tempo em que escondia as crianças ao chegar um “turco” pois a figura
destes indivíduos estava associada ao fato de que estes “comiam crianças”, tendo esta
inverdade acarretado grandes dificuldades a estes imigrantes. Estas formas caricaturadas
são impostas a grupos que fogem ao padrão do igual, ou que sejam diferentes como, por
exemplo, os ciganos, acerca dos quais, em minha infância, ouvia que as crianças não
deveriam ficar à vontade nas ruas quando houvesse ciganos, porque estes roubavam as
crianças e as levavam ou comiam.
As narrativas da sagacidade e ladineza destes árabes com suas trapaças no
comércio, foram registradas e esteriotiparam o “turco”. Taufik Duon em sua obra “A
emigração sírio-libanesa às terras da promissão” tenta amenizar este aspecto do espírito
argentário e ganancioso presente no “árabe-turco” ao escrever: “Seria a maior injustiça
esquecer-lhe as raras qualidades que tanto construíram e beneficiaram, para culpá-lo de
futilidades perdoáveis, cometidas sob a pressão de necessidades prementes, e talvez em
escala maior por todos os outros imigrantes, sem exceção.Também aquelas futilidades
se assemelham às manchas de sangue e lama que no campo de batalha são sinais de
24

honra, enquanto no tempo de paz a menor delas merece severo castigo.”(DUON. 1944,
p112). Ele mesmo registra a famosa e conhecida história do “turco” que vendeu a um
negro iletrado e ignorante um pano de um metro quadrado como se fossem quatro
metros, medindo a peça em todas as laterais, ou a de que alguns vendiam uma espécie
de líquido capaz de ocasionar gravidez. ( DUOUN. 1944, p. 113).
Buscando evitar as exaltações infundadas e impróprias (fruto natural de
manifestação de auto-estima étnica), mas rejeitando, igualmente, a postura
preconceituosa de subvalorização (fruto do desplante por ver o desenvolvimento e
crescimento do outro não meu igual), buscar-se-á a apresentação de aspectos gerais e
específicos sobre a imigração sírio-libanesa para o Brasil e, particularmente, a presença
protestante entre eles com sua inserção, fixação e expansão no seio do povo e da cultura
de nosso país.

2) Aspectos Gerais da imigração:


No processo migratório (emigração-imigração) há fatores que são específicos e
próprios de certos grupos e caracterizam sua experiência, mas há elementos que podem
ser percebidos como comuns aos imigrantes em lugares e momentos distintos. Neste
ponto focaremos alguns aspectos que podem ser vistos como ecumênicos ou gerais nos
processos migratórios. Knowton apresenta alguns destes aspectos:
“Para possibilitar a emigração são indispensáveis certas
condições. Primeiro, a liberdade pessoal de emigrar deve
existir. Um indivíduo não pode emigrar se não estiver livre de
laços e obrigações feudais que o prendam a determinada
localidade. Segundo, a pessoa deve saber da existência de outra
terra para a qual seja possível deslocar-se. Terceiro, essa outra
terra deve apresentar vantagens conhecidas ou supostas sobre o
país natal. Quarto, é preciso que o indivíduo esteja descontente
com a sua situação na vida e deseja mudá-la ou melhorá-la.
Quinto, deve haver facilidades de transporte
adequados”(KNOWLTON. 1961, p 18-19)

No texto acima vê-se que se fala no país de origem e no de destino, além de


referir ao fato do desejo-interesse de sair. Borges Pereira agrega a estes aspectos citados
outros dois que merecem ser aqui referidos e transcritos:
“Pode-se sustentar a tese de que, além dos parâmetros
gerais de integração válidos, ao que parece, para todos os
grupos étnicos, há trajetórias específicas de inserção calibradas,
em larga medida, pelas peculiaridades raciais e culturais do
grupo e pelo projeto de pertencer e de como pertencer à nova
sociedade. Ímplicita neste processo, há que se reconhecer a
25

existência de ‘duas vontades’, social e politicamente


construídas, que se convergem: ‘a vontade’ do país em receber e
a ‘vontade’ do grupo em ser recebido” 18

Truzzi em um artigo intitulado “Redes em processos migratórios” percebe a


migração como um “processo social”, e faz referência a Charles Tilly para distinguir um
mero e simples deslocamento geográfico (viagem) de uma experiência migratória
genuína, envolvendo a distância entre a origem e o destino, bem como a ruptura daquele
que imigra em relação a seu lugar de origem. Cita a classificação de migrações
apresentada por Tilly e que transcrevo:
“a) Locais: quando o indivíduo se desloca a um
mercado (seja este de trabalho, terras, seja mesmo matrimonial)
geograficamente contíguo, que normalmente já lhe é familiar.
b) Circulares: quando o indivíduo se desloca a um
mercado por determinado intervalo de tempo definido, ao cabo
do qual retorna a sua origem.
c) De carreira: em que o indivíduo se desloca
respondendo a oportunidades de ocupação de postos oferecidos
por uma organização a que pertence ou associados a uma
profissão que já exerce.
d) Em cadeia: que envolve o deslocamento de
indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações
fornecidas por parentes e conterrâneos já instalados no local de
destino” . ( Apud. Truzzi. Revista de Sociologia da USP, V.20,
nº 1 2008. p.200).

A esta altura torna-se importante estabelecer o sentido das palavras emigração e


imigração, bem como o uso de cada uma delas com acepção genérica e abrangente em
termos do movimento social de pessoas e populações. Neste sentido Gattaz nos oferece,
de modo simples e direto, a distinção e o uso: “ Os termos emigração e imigração
distinguem-se quanto ao ponto de vista no sentido do movimento migratório:
formalmente usa-se emigração para o movimento de saída e imigração para a chegada
ao novo país. O segundo termo, entretanto, acabou por tornar-se mais abrangente,
englobando o movimento migratório como um todo e o status do indivíduo após o
processo migratório (afinal, todo imigrante emigrou de algum lugar).” ( GATTAZ.
2001, p.33).

18
Pereira, João Baptista Borges. “Os imigrantes na construção histórica da pluralidade étnica brasileira”.
(Revista USP nº.46, 2000 p.10).
26

3) Informações sobre Líbano e Síria:


Os imigrantes “árabes” ou “turcos” que vieram para o Brasil são originários, em
sua grande maioria, destes dois países: Líbano e Síria. Ambos são antiqüíssimos, com
inclusão nos textos da Bíblia (Antigo e Novo Testamentos), sobretudo a Síria, vista
como uma das grandes potências do mundo nos dias dos reis de Israel (cerca de 1.000
a.C), inclusive fazendo incursões nos territórios de Israel, logrando êxito nestas
empreitadas e subjugando-o.
Estes dois países têm em comum uma estrutura social que se baseia em três
pilares fundamentais à sua percepção como povo. São eles: a) família; b) religião; c)
aldeia. (KNOWLTON. 1961, p 167; TRUZZI. 2005, p 3). É interessante que Truzzi não
insere a língua árabe e justifica: “Embora a região territorialmente pertença ao chamado
mundo árabe moderno, e seus habitantes efetivamente serem falantes da língua árabe, os
sírios e libaneses identificam-se, sobretudo, com a religião professada e com a região ou
aldeia de origem, elementos fundadores de suas identidades, muito mais que com o
estado-nação, existente para eles na época da emigração. Em consequência, a identidade
árabe lhes soa artificial...”. ( TRUZZI. 2005, p 2).
Vejamos alguns aspectos destes três pilares:
a)Família:
Esta instituição é central à vida cultural destes dois povos. Faz-se distinção
entre a família em sua manifestação variada. Podemos recepcionar de Knowlton estes
conceitos: “Há três tipos de grupos familiais patriarcais entre os habitantes das aldeias
sírias ou libanesas. O primeiro, a família conjugal [...] A segunda e mais importante
unidade familial é a família grande que consiste em três gerações. A terceira entidade
familial da aldeia é o grupo de parentela”. (KNOWLTON. 1961, p 167-168). A primeira
é composta dos cônjuges e filhos ainda não casados e não tem grande peso na
sociedade. A segunda é o centro de maior importância. Vivem as três gerações sob o
mesmo teto e o avô patriarca é o chefe. O comportamento e matrimônio são controlados
pela família grande. Ao morrer o patriarca, os filhos mais velhos formarão suas famílias
grandes. A da terceira categoria agrega todas as famílias grandes com antepassado
paterno comum e normalmente estão em um mesmo bairro ou aldeia.

b)Religião:
Este assunto será tratado em separado no capítulo dois desta dissertação. Apesar
disto alguns aspectos serão fornecidos. A religião está arraigada nestes povos e “quase
27

equivale à nacionalidade” (KNOWLTON. 1961, p 168). As religiões destes países


podem ser separadas em dois grandes grupos : cristãos e muçulmanos. Cada um destes
grupos tem suas divisões internas. Os cristãos são classificados em: maronitas,
melquitas, (de confissão Católico Romana) Greco-ortodoxos, sírios ortodoxos,
protestantes (presbiterianos, batistas e outros). Os muçulmanos são: xiitas, sunitas,
drusos e alauitas. Houve épocas de convivência respeitosa e até harmoniosa (embora se
verificasse setorização com bairros ou aldeias de predominância maronita, ou ortodoxa,
ou muçulmana) e épocas de conflitos sangrentos com milhares de mortes.

c)Aldeia:
A prevalência para estes povos era da aldeia sobre a unidade nacional, ou seja,
sua consciência era de identificação maior com a aldeia. Truzzi traduz isto de maneira
muito apropriada: “Um relevo caprichoso[...] dificulta a comunicação, estimulando o
localismo das comunidades e acentuando diferenças, divisões e preconceitos. Se a
família constitui elemento fundamental de reprodução de valores –entre os quais a honra
familiar desempenha papel de destaque-, a aldeia representa o locus onde tais valores
foram cultivados e onde as gerações anteriores da família viveram”. (TRUZZI. 2005, p
3). Esta forma de ligação à aldeia ou cidade será reproduzida na terra para onde
imigraram, quando da criação de clubes e instituições cujos nomes (Homs, Zahle,
Rachaya, Syrio, Monte Líbano, etc) revelam esta postura bem fragmentária ou
segmentada, no nítido espírito de aldeia menor. Fora da aldeia é como estar em terra
estranha, mesmo dentro do próprio país.
Esta região foi palco de conflitos bastante violentos e longos, sendo
apresentados nos noticiários, levando estes países a serem alvo de atenção. No entanto,
mesmo com a presença na mídia, ainda ocorre alguma confusão quanto à sua
localização, divisão geográfica e estruturação política, sendo comum referir-se a sírio-
libanês como se fosse de um único país. Na verdade são dois países autônomos e
distintos e o mapa a seguir apresentado nos oferece a idéia do que seja a região e a
divisão geográfica entre Síria e Líbano, evitando confusões e equívocos neste sentido de
localização e visualização geográfica.
28

(TRUZZI. 2005, p7)

3.1) Síria:
Embora seja um país que tenha alcançado sua independência em 1945, sua
existência, como nação e país, remonta a tempos antiquíssimos no Oriente (2 Samuel
8:6; Isaías 7:2; 7:8 entre outros) integrando o panorama das potências nos tempos
iniciais da monarquia hebréia.
Sua história registra que em 1516 foi subjugada pelos turcos otomanos, passando
a ser designada Grande Síria (ou Síria), incluindo o atual território da própria Síria e do
Líbano, persistindo tal situação até 1918, quando ao final da Primeira Guerra o Império
Otomano caiu. (TRUZZI. 2005, p 1-2).
Seu território constava de uma área de 650 por 250 Kms. Com a queda do
império Otomano, as potências européias assumiram o controle da região, ficando a
França com o controle, sob o regime de Mandato, mas que passou a ser, de fato,
“protetorado”. Salomão Jorge registra: “Eis as palavras do deputado francês
Angoulvant, publicadas em 1926 em “Le Journal”: ‘Confundimos a fórmula do
mandato com a do protetorado. Quisemos administrar esses países como se se tratasse
de colônias da África ou da Indo-China, em lugar de nos limitarmos a representar, ante
29

os povos que os habitam, o papel de árbitros, conselheiros e controladores’ ”. (JORGE.


s/d, p 526). Esta postura francesa será vista quase como um golpe e no Brasil passará a
ser conhecida como “perfídia ocidental” (TRUZZI. 1992, p.45). Não houve, senão,
entendimento de que tal atitude foi uma traição promovida pelas potências aliadas, que
contaram com a ajuda destes “dois países” para tornarem-se vitoriosas no conflito de
1914-1918.19
A independência veio, como dito, em 1945, após o término do conflito
conhecido como Segunda Guerra Mundial, ensejando à Síria estruturar sua política
própria, mesmo que às vezes tumultuada e conflitiva (anexo 1).
A Síria pode ser vista, no campo religioso, como de predominância muçulmana
com xiitas, sunitas e drusos compondo a estrutura islâmica do país. A topografia é de
predominância desértica, com planícies e também região beira-mar (Mediterrâneo). A
sede do governo está em Damasco.

3.2) Líbano:
À exemplo da Síria, o Líbano também é citado na Bíblia e sua história é muito
antiga (Dt.,1:4; 2Cr.2:8 ; Ct.3:8; Is.60:13). Sua capital é Beirute, sendo uma das quatro
cidades litorâneas. Já foi chamada de “a Suiça do Oriente Médio não só em função de
seu sistema financeiro, mas também por ser uma cidade rica no aspecto cultural e
tolerante socialmente” (GATTAZ. Tese de doutorado, 2001, p 112). Mas, devido às
guerras civis e conflitos ocorridos na segunda metade do século vinte, esta situação foi
drasticamente mudada e apresentada pelas redes mundiais de televisão.
A predominância é de relevo montanhoso em seu pequeno território que mede
10.400 Km2 ou 1/55 da superfície da França, sendo cerca de 210 Kms de comprimento
e a largura entre 40 e 70 Kms. (SALEM. 1969, p 22-24).
Os libaneses fazem questão de vincular sua origem aos povos fenícios, a fim de
lhes fazer render crédito como povo avançado e intelectual, além de desbravadores e
navegadores intimoratos, e os criadores do alfabeto. Tais elementos são vistos como
características distintivas superiores em relação aos sírios. Estes, por sua vez, lembram
que: “ Para revidar a vaidade libanesa, lembraram-se que, por ser montanhoso, o
Líbano, ao longo de sua história, sempre acolhera fugitivos e ladrões” (TRUZZI. 1992,
19
Em 1916 foi firmado um acordo entre a França e Grã-Bretanha, conhecido como Sykes-Picot. Por este
acordo o Império Otomano seria partilhado em três zonas: azul, pertencente à França; vermelha,
pertencente à Grã-Bretanha e parda, pertencente à Palestina, onde seria colocada uma administração
internacional, cuja forma seria decidida após consulta à Rússia. (HAJJAR. 1985, p 220). (Mapa anexo 2).
30

p.22). Esta forma de verem-se dá uma conotação de superioridade ao libanês: “O


libanês é frequentemente bilíngue e pode ter acesso direto às duas maneiras de pensar, a
dois universos espirituais dos quais ele sente pertencer-lhe, por vocação natural, o
direito de ser o intermediário” (SALEM. 1969, p 103) e lhes serve de suporte para
justificativa frente aos sírios. Truzzi afirma: “Verdadeira ou não, o relevante é que o
apelo à origem fenícia lhes é bastante conveniente em termos da construção e da
manipulação da própria identidade da colônia, lhes coloca no sangue as habilidades do
comércio e o gosto pela aventura (os fenícios foram hábeis navegadores, estabelecendo
rotas comerciais por todo o mediterrâneo) e de quebra lhes dá sociedade numa das
invenções mais importantes da civilização: o alfabeto” ( TRUZZI. 1992, p 21-22) .
A manifestação religiosa predominante no Líbano é a cristã, embora atualmente
esta superioridade já não se mostre tão acentuada, devido ao “avanço” muçulmano.
Sua trajetória política após 1918 é complexa. Os franceses passaram a dominar
(19/10/1918) com a designação do “Haut Comissariat Général”. Em maio de 1920
ocorre a chamada declaração do “Grande Líbano”, sendo que em maio de de 1922 foi
eleita a primeira Câmara dos deputados e a República Libanesa declarada em 23 de
maio de 1926 e eleito o primeiro presidente. (SAFADY. 1966, p 95).
Deve-se notar, no entanto, que apenas em 22 de novembro de 1943 é
consolidada a independência, ocorrendo a retirada francesa e estabelecimento de
domínio pleno pelos libaneses em 31 de dezembro de 1946.
Em seu universo político complexo, um instrumento de estruturação política
ficou conhecido como “Pacto Nacional Libanês”, sendo um acordo de cavalheiros entre
muçulmanos e cristãos para a boa e pacífica convivência. Este pacto é assim resumido
por Safady:

“1- Os cristãos não pedem proteção estrangeira.


2- Os muçulmanos não pedem anexação a outros estados árabes
e respeitam os limites atuais do Líbano.
3- A presidência da República, a chefia do exército e da
segurança são cristãos maronitas.
4- O chefe de governo, muçulmano sunita.
5- O presidente do parlamento, muçulmano chiita.
6- O sub-chefe de governo e do parlamento, cristão-ortodoxo.
7- Os deputados são na proporção de seis cristãos e 5
muçulmanos, totalizando, agora, 99 deputados.”(SAFADY.
1966 p 96-97)
31

Embora este pacto seja visto como um intento de pacificação e coexistência


tranquila pela sua estrutura mista, a desproporção acabou por ser motivadora de
conflitos sérios, devido ao aumento da população muçulmana.
Gattaz assim se expressa:
“Nas décadas seguintes, o Pacto Nacional fracassou
devido ao fato de basear-se em duas asserções falsas: 1) que o
consenso da elite refletia a opinião popular e comunal; 2) que o
balanço populacional permaneceria estável na razão existente
entre cristãos e muçulmanos no início da década de 1940. Estes
falsos pressupostos estiveram na raiz dos conflitos de 1958 e
dos anos 1975-1990.” (GATTAZ. 2001, p 11).

4) Distinções:
A designação “imigração sírio-libanesa” é indicativa de incorporação destas
duas nações ou países como sendo ou enfeixando uma única realidade, ainda que isto
não corresponda, de fato, à verdade.
Assim, como se faz necessária distinção entre Síria e Líbano (sírio e libanês), im
é imprescindível que se façam, também, algumas distinções quanto a certos
designativos destes imigrantes, a fim de haver melhor compreensão do assunto.

4.1) Turco:
Nos primórdios da imigração dos oriundos da Síria e Líbano, a designação dada
a todos eles indistintamente era a de “turcos”. Knowlton se refere a isto deste modo:
“Todos os imigrantes do Oriente Próximo foram classificados como turcos até 1892,
quando os sírios passaram a ser inscritos separadamente. Como o Líbano era
considerado parte da Síria até a primeira Guerra Mundial, todos os libaneses foram
incluídos entre os sírios”. (KNOWLTON. 1961, p 37).
De fato, o motivo da dominação turca-otomana sobre a região sírio-libanesa,
fazia com que os documentos, inclusive passaportes, fossem expedidos pela autoridade
turca (império turco), fazendo seus portadores serem, portanto, vistos como cidadãos
turcos. Truzzi comenta este fato e assevera:
“Como até o final da Primeira Guerra Mundial, quase a
totalidade dos imigrantes da colônia veio ao Brasil com
passaportes turcos, foram identificados com o seu dominador, o
que lhes causou imenso dissabor. O fenômeno não se restringe
ao Brasil. Também na Argentina (e provavelmente em outros
países da América Latina) sírios e libaneses foram e ainda são
32

comumente chamados de turcos. Esta primeira denominação se


fixou.” (TRUZZI. 1997, p 68).

Dessarte, deve-se ter claro que a designação de turco não se aplica, in casu, ao
indivíduo nascido na Turquia, já que o número de turcos imigrantes para o Brasil foi
quase nula (TRUZZI. 1997, p.68 ). Tal designação foi e é vista como pejorativa e
repulsiva pelo sírio e o libanês. Os imigrantes reagiam e reagem com certa rudeza a tal
identificação. Isto é apontado por Jorge Amado em seu Romance “Gabriela cravo e
canela” em relação à figura do “turco” Nacib, que repelia com veemência e irritação tal
apodo:
“-Turco é a mãe!
- Mas, Nacib...
- Tudo que quiser, menos turco. Brasileiro – batia com a mão enorme no peito
cabeludo- , filho de sírios, graças a Deus.
- Árabe, turco, sírio é tudo a mesma coisa.
- A mesma coisa , um corno! Isso é ignorância sua. É não conhecer geografia. Os turcos
são uns bandidos, a raça mais desgraçada que existe. Não pode haver insulto pior para
um sírio que ser chamado de turco”. (AMADO. 1975, p 45).

4.2) Árabe:
Esta é uma questão um pouco mais complexa e sutil que a anterior, cujo aspecto
histórico é bem nítido e determinante da designação feita como turco. A dificuldade se
mostra porque os libaneses se vêem não como árabes, mas como descendentes dos
fenícios e têm seu orgulho ligado fortemente a isto. (SAFADY. 1966, p 193-194).
Salem fala da invasão árabe no século VII como geradora de grande movimento
migratório, sendo este ponto apresentado como elemento “arabizante” da região com
implantação da língua, costume e religião. (SALEM. 1962, p 32).
Truzzi trata desta questão e busca estabelecer o conceito adequado e diz o
seguinte:
“A designação ‘árabe’ é bastante artificial, embora
tanto cristãos quanto muçulmanos no geral orgulhem-se de suas
raízes culturais árabes de um passado longínquo. É sensato
duvidar que um número significativo de imigrantes tenha
alguma vez discutido questões a respeito de quem é árabe e o
que isto representa. Tais questões tornaram-se relevantes apenas
em círculos intelectualizados, preocupados com o movimento
de unificação árabe internacional. No contexto pós Segunda
Guerra, o termo árabe ganhou mais robustez em virtude da
polarização com os judeus, tendo a criação do Estado de Israel
em 1946 e, posteriormente, a humilhação da derrota na Guerra
33

dos Seis Dias em 1967 contribuído para tal. Entretanto esta


identificação no Brasil nem de longe chega a ter o mesmo
significado que nos Estados Unidos. Lá a identidade árabe
significa muito mais, provavelmente em razão da ostensiva
política externa pró-Israel cumprida pelo governo
americano”.(TRUZZI.1992, p 23).

Jorge Safady traz alguns aspectos importantes sobre o termo árabe e o sentido
adequado a lhe ser dado. Vejamos: “O termo ‘árabe’ não é sinônimo de ‘islam’ ou
‘muçulmano. ‘Árabe’ significa ‘ocidental’. Com o tempo, o termo ‘árabe’ (árabi-árab-
gharb) generalizou-se. Foi dado também aos habitantes do deserto. Nos últimos dois mil
anos, o termo veio a ser aplicado com frequência à vasta península arábica e aos seus
povos...O termo não significa uma raça etnicamente reconhecida. Ao contrário, os
povos árabes, em todas as suas épocas históricas, eram e continuam sendo de uma
heterogeneidade étnica... ‘Árabe’ não representa uma religião, nem uma raça, nem um
Estado determinado. Corresponderia aos termos ‘americano’, ‘europeu’, ‘asiático’,
‘anglo-americano’, etc”. (SÁFADY. s/d, p 133-134).

4.3) Sírio-Libanês:
Podem ser encontradas ocorrências de designação composta com sentido de
unidade no âmbito geo-político: austro-húngaro, techecoeslovaco e outros. A indicação
é para determinada região como única, mas com unidades formadoras, sejam estas
independentes ou não.
Esta situação é aplicável ao caso “sírio-libanês”, ao mencionar-se como unidade
geo-política aquilo que, na verdade, não é uno. Knowlton faz distinção adequada ao
referir-se à imigração de sírios e libaneses e a mobilidade destes dois grupos. Ele
mesmo oferece explicação para esta forma unívoca de percepção: “Como o Líbano era
considerado parte da Síria até a primeira Guerra Mundial, todos os libaneses foram
incluídos entre os sírios”. (KNOWLTON. 1961 p37).
Truzzi também coloca a questão de modo bastante interessante quando faz
referência ao “turco” Nacib, criado por Jorge Amado: “Tal como no caso de Nacib, o
restante da sociedade brasileira não dispunha de nenhum elemento para distinguir
libaneses de sírios e suas respectivas origens. Nesse processo, foram agrupados numa
categoria menos precisa e mais geral, fundidas suas identidades nessa coletividade
maior, fruto da interação que o restante da sociedade mantinha com o grupo” (TRUZZI.
2005, p 56).
34

Embora falantes do árabe, geograficamente fronteiriços e outrora compostos na


chamada “Grande Síria”, não são uma unidade e fazem questão de verem-se
distintivamente : “sírios queriam ser chamados de sírios e libaneses de libaneses”.
(TRUZZI. 1997, p. 68).

5) Imigração de sírios e libaneses:

5.1) A presença do sírio e libanês no Brasil anteriormente a 1871:


Como foi dito, as histórias destes povos em terra brasileira se revestem de
elementos heróicos e, às vezes mitológicos. Fala-se da presença fenícia no Brasil
remontando-se aos tempos do Antigo Testamento. As inscrições, ditas fenícias, na
Pedra da Gávea são oferecidas como prova desta presença em solo brasileiro, na
tentativa de enfatizar a ação, sobretudo, libanesa em nossa pátria.
Informações nos são dadas sobre elementos árabes cristãos aqui chegados com
os portugueses. Afirma Salomão Jorge que : “Tomé de Souza, em 1548, trouxe em sua
companhia alguns ‘cristãos do oriente’, que eram libaneses, únicos orientais que
professavam a religião de Cristo...” (JORGE. s/d, p 83).
São do registro de Salomão Jorge os trechos a seguir e que, apesar de possíveis
exageros e ufania, indicam a presença de “turcos” no Brasil. Seguem os apontamentos:
“ Muitos dos libaneses que já se achavam estabelecidos na Capital Brasileira, na época
imperial, possuíam recursos pecuniários e ajudavam os compatriotas... O Vice-Rei do
Brasil, naquele ano (1808), Conde de Arcos...obteve então o beneplácito do libanês
Anacleto Elias, rico proprietário no Campo de Santana, que lhe cedeu a moradia.” E
ainda: “ Quando, em 1808, D. João, El Rei de Portugal, veio para o Brasil, não
encontrou nenhum solar digno de sua pessoa. Um “turco” (como o povo chamava
qualquer libanês naquele tempo), aliás um libanês legítimo...comerciante no Rio...e cujo
nome de origem em língua árabe era Antun Elias Lupos, tendo depois de sua chegada ao
Brasil e ter vivido alguns anos em Portugal, adotado seu nome em idioma português
para o de Elias Antônio Lopes, imediatamente ofereceu sua quinta para residência
imperial. Aceito o oferecimento passou D. João a residir nela...Esse local tornou-se
...Paço de São Cristóvão onde nasceu o Imperador D. Pedro II, sendo hoje o Museu
Nacional...No Museu Histórico e Geográfico Nacional poderão ser vistos a fotografia e
o documento relativos a essa cessão”. (JORGE. s/d, p 87-89).
35

Mesmo desconsiderando alguns aspectos que poderiam ser vistos como


excessivos, as indicações da presença de “turcos” no Brasil, ainda que pequena e
restrita, parece ser sustentável.

5.2) Causas motivadoras da imigração:


O sistema de causa e efeito não deve ser visto como o “modus operandi” dos
movimentos sociais. Mas, por outro lado não se pode desprezar o fato de que sempre
haverá causas que hajam motivado o desencadeamento do processo, ou os elementos
geradores do fenômeno. Na literatura pesquisada os autores apresentam causas ou
fatores que influenciaram a imigração para o Brasil.
Martes faz uma abordagem interessante sobre o assunto relativo a imigração ao
falar de duas correntes: “A corrente denominada political approach relaciona a
emergência dos fluxos migratórios a uma série de constrangimentos e incentivos
políticos definidos no interior dos chamados Estados Nacionais. Ela enfatiza o alto grau
de indução dos movimentos migratórios ao considerar que as nações, através de
legislação e de políticas governamentais , modelam os padrões de imigração...”, e a
clássica push and pull theory (atração e repulsão) que, basicamente, alinha fatores que
atraem (presentes no lugar de destino do imigrante) e aqueles que afastam ou repelem
em seu lugar de origem. (MARTES. 2000, p 33-34). Sem aprofundar este campo de
debate, será adotada (à exemplo dos autores pesquisados) a teoria básica que oferece as
causas, ou melhor, os motivos da saída da terra de origem em demanda de outras .

5.2.1) Econômicas:
Alguns aspectos são alinhados pelos estudiosos do tema e apontados como
geradores da “febre migratória”. Knowlton (p 25) e Truzzi (2005, p.6) apresentam o
declínio da produtividade agrícola pelo empobrecimento do solo e o crescimento
populacional, tornando impossível à pequena propriedade rural gerar a manutenção da
família cada vez maior. A incapacidade de subsistência fará com que seja buscado, em
outra terra, o sustento. Esta tese é admitida também por Gattaz: “O fator que se encontra
na origem da emigração libanesa, e que ao longo dos anos desempenhou importante
papel, é constituído pelo conjunto de necessidades econômicas e materiais decorrentes
da relação entre a pequena produtividade agrícola e a alta densidade populacional que
desde meados do século XIX caracterizou aquele país”.(GATTAZ. 2001, p 72).
36

A entrada de produtos estrangeiros, devido ao implemento dos transportes


marítimos, fez com que o labor artesanal ficasse prejudicado, afetando a renda familiar.
A construção do canal de Suez ensejou o comércio de seda japonesa, que aliada à
invenção do rayon acabou por eliminar a sericicultura (‘bicho da seda’) a a fabricação
artesanal deste produto.
Outro fator apresentado por Knowlton foi a praga da ‘phylloxera’ (cerca de
1890) que atingiu os vinhedos, destruindo as plantações e impossibilitando a produção
de vinho (KNOWLTON. 1961, p 26). Fala ainda do “banditismo e extorsão”,
submetendo todos à “instabilidade e violência”, sem haver garantia quanto ao
patrimônio físico ou de bens conquistados (p 24-25).

5.2.2) Sociais:
É evidente que as causas econômicas têm conotação social. Mas, aqui trata-se do
aspecto chamado “imigrante torna-viagem” (KNOWLTON. 1961, p 26). Estes
indivíduos que retornavam às aldeias depois de algum tempo de emigração, vinham
com discursos laudatórios e entusiastas sobre as terras estrangeiras, as facilidades,
recursos e vantagens lá existentes, além de mostrarem uma razoável quantia de dinheiro
trazida consigo ou já enviada à terra natal.
Outro aspecto de ordem social está ligado aos envios ou remessas de valores
feitos à família, que poderia então melhorar a residência ou adquiri-la, ou comprar uma
propriedade rural, gado, loja, etc, gerando a ascensão social e angariando o prestígio
entre os demais da aldeia ou cidade.
A facilitação para emigrar, oferecida por aqueles que estavam instalados nos
países de destino, oportunizando aos familiares a ida com certa segurança de encontrar
lugar de estada e trabalho a realizar, foi outro fator importante.
Deve ser levado em conta ainda o aspecto da diferença entre o salário nos países
de origem e os de destino. Knowlton registra a transcrição de um relatório de
missionários protestantes que fala sobre o assunto: “Um analfabeto vai para a América e
no curso de seis meses manda um cheque de $300 ou $400 dólares, mais do que o
salário de um professor ou de um pastor em mais de dois anos.” (KNOWLTON. 1961,
p 30).
37

É apontado ainda o aspecto da “facilitação” do financiamento da viagem por


agiotas com juros garantidos pelas hipotecas de propriedades de família. Os líderes das
aldeias eram comissionados por imigrante enviado (KNOWLTON. 1961, p 27).
Aqui neste ponto, não posso deixar de registrar como tal processo é similar ao
fenômeno migratório ocorrido na região de Governador Valadares-MG-, onde residi por
26 anos. A idéia de ir e voltar, de adquirir a casa e uma “terrinha”, os contatos que já
estão nos EUA e facilitam a ida, a ascensão e status social do “filho na América” e os
“consules” (agenciadores agiotas), a escassez de oportunidade de emprego, a diferença
de remuneração, são pontos convergentes e dignos de nota no sentido da percepção
similar do processo de emigração-imigração.

5.2.3) Político-religiosa:
A religião é fator de grande força e importância na estrutura da sociedade, seja
formando, seja justificando o comportamento, costumes, etc. No Líbano e Síria isto não
era e não é diferente, sendo fator inegável na composição do movimento migratório.
De acordo com a informação dada por Knowlton(op.cit. p19)a invasão dos
territórios do Líbano e Síria pelo Egito, em 1831, estabelecendo igualdade entre
muçulmanos e cristãos, ocasionou a entrada de missões estrangeiras, protestantes ou
não, plantando escolas e fazendo o elo no contato com o ocidente. Com a saída dos
egípcios os conflitos eclodiram, tendo seu climax em 1860 com camponeses maronitas
(cristãos) combatendo seus senhores drusos (muçulmanos). Estima-se em 10 mil
cristãos mortos neste conflito. As potências estrangeiras acabam por intervir nesta
situação e a presença ocidental se torna mais evidente. Estes combates e conflitos em
desfavor dos cristãos fizeram com que muitos deles emigrassem.
Truzzi registra que Alixa Naff discorda desta tese: “Naff argumentou que
perseguições na Síria, forçando cristãos a emigrarem, constituiu um mito forjado
sobretudo por políticos árabes na América após o fim da Primeira Guerra Mundial.
Ponderou esta autora que os mais interessados em propagar tal tese foram os maronitas,
ardentes defensores do Líbano sob o regime de protetorado francês. Junto às entrevistas
que recolheu entre informantes cristãos, afirma que em nenhuma delas o tema das
perseguições veio à baila”. (TRUZZI. 1997, p 23).
Outro fator apontado é a conscrição. Até 1909 os cristãos que integravam o
Império Turco eram liberados do serviço militar. Gattaz afirma que: “...em 1903, os
38

turcos instituiram o alistamento militar dos cristãos do Líbano para os auxiliarem nas
guerras dos Balcãs – obrigação da qual até então eram isentos – forçando muitos jovens
a emigrar como meio de fugir ao recrutamento”. (GATTAZ. 2000, p 74). O tratamento
imposto aos cristãos e o receio de ser enviado à guerra levaram muitos a emigrarem.
Gattaz alinha outro elemento (também dado por Knowlton) que foi o de
“oposição ao regime de mandato francês”. (p 76). Ao verem que após a Primeira Guerra
Mundial, não fôra concedida a independência e que as atitudes da potência estrangeira
(França) eram similares ou piores que as dos turcos, existindo acentuada desigualdade,
onde até “ o cavalo do oficial francês era distinguido com o dobro da ração do cavalo do
sírio ou do libanês” ( JORGE. s/d p 526) a revolta foi grande e também a desilusão,
fazendo com que muitos deixassem o país.

5.3) Destino:
O movimento migratório envolve o lugar de onde se vai e aquele para onde se
quer ir. Assim a pergunta se impõe: quais eram os destinos preferidos dos sírios e
libaneses e por que os elegeram? Alguns destinos são apresentados: Estados Unidos,
Canadá, Argentina e Brasil. (TRUZZI. 2005, p 6)
Dentre os possíveis o mais procurado eram os Estados Unidos, sendo este o país
que mais recebeu imigrantes entre 1880 e 1930 (TRUZZI. 2005, p 8), pelo fato do
contato com os missionários americanos que chegaram à região no final do século XIX
e a familiaridade com a língua inglesa. Embora os Estados Unidos fossem o destino de
maior interesse, muitos acabaram redirecionando sua destinação, uma vez que não
puderam entrar naquele país por não obterem visto de entrada por problema de saúde
(tracoma – doença que afeta os olhos -) ou analfabetismo (KNOWLTON. 1961, p 34).
Deve-se considerar a existência de muita má fé e ludibrio, conduzindo indivíduos ao
Brasil (e não aos EUA), sob a alegação de que “tudo era América”.
Neste contexto passa-se a ser formada a chamada “imigração em cadeia” que
Gattaz assim define: “estímulo da emigração daqueles que ficaram, pelos excelentes
resultados econômicos atingidos pelos imigrantes pioneiros”.(GATTAZ. 2000, p 80).
Truzzi também alinha este fator que fez do Brasil o destino de tantos ao dizer: “Por
último, cumpre ressaltar o contínuo processo de realimentação que representou a
importação de parentes e conterrâneos pelos já estabelecidos. Não há dados precisos a
esse respeito no Brasil, mas tudo indica que esse efeito de cadeia foi responsável por
enormes parcelas de imigração síria e libanesa”.(TRUZZI. 1997, p 56). Esta “cadeia” é
39

formada por aqueles que são chamados de “emigrantes de torna-viagem”.


(KNOWLTON. 1961 p 35).
O fruto deste movimento foi o aumento significativo do fluxo de imigração no
Brasil, conforme comentário de Wadih Safady: “Os primeiros grupos que voltaram à
terra natal introduziram em todo o Líbano as boas notícias sobre o Brasil, seu povo
pacífico, sua hospitalidade e a facilidade de trabalho. Daí, começaram a aumentar em
número os pretendentes de deslocamento para o Brasil, e os navios aumentavam cada
ano seus passageiros...imigrantes ‘ben-árabes’ ”.(SAFADY. 1966, p 163).
Assim é possível concluir que o Brasil veio a ser destino do emigrante sírio-
libanês devido às dificuldades de ingresso nos EUA; ardil das companhias de
navegação; incentivo dos imigrantes “torna-viagem” com informações favoráveis sobre
o Brasil e a presença de parentes.
A viagem destes emigrantes em busca de seus destinos era feita de navio, sendo
a rota estabelecida da terra de origem até um porto europeu ocidental (costumeiramente
em Marselha, França) e daí para as Américas, fosse qual fosse esta América. (TRUZZI.
2005, p 8).

5.4) Conceito de imigrante:


A conceituação sobre imigrante não foi sempre a mesma no Brasil, tendo
significados diferentes em momentos diversos na história, até firmar-se adequadamente
em data já mais próxima da segunda metade do século XX. Registra-se o escrito de
Knowlton sobre isto: “As autoridades brasileiras antes de 1834 definiam como
imigrantes todos os estrangeiros de terceira classe que desembarcavam em portos
brasileiros. Estrangeiros viajando na primeira e segunda classe eram considerados
turistas ou visitantes [...] Em 1934 passaram-se leis redefinindo o termo ‘imigrantes’.
Imigrantes passaram a ser as pessoas entradas no Brasil para exercer um ofício ou
profissão por mais de trinta dias. Não imigrantes eram indivíduos que permaneciam no
Brasil até trinta dias [...] em 1938 dois novos termos foram adotados, ‘permanentes’ e
‘temporários’. [...] temporários são turistas, viajantes, passageiros em trânsito, técnicos,
cientistas, etc, que entram no Brasil por vários períodos sem a intenção de residência
definitiva. Permanentes são pessoas vindas ao país em busca de um lar definitivo”.
(KNOWLTON. 1961, p 35-36).
40

5.5) Fases da Imigração:


A imigração sírio e libanesa no Brasil não foi homogênea ao longo do tempo, ao
contrário, conheceu oscilações bem significativas, motivadas por situações no Brasil,
nas terras de origem ou mesmo internacionais.
Wadih Safady apresenta a idéia de fases da imigração em um sentido diferente
do que tomaremos aqui. Neste trabalho o sentido é cronológico e temporal, enquanto
para Safady trata-se do desenvolvimento sequencial do imigrante nas fases de
“penetração, estabilização e integração” (SAFADY. 1966, p 178-179).
Será utilizada a tábua cronológica proposta por Gattaz (2001), ainda que o
interesse maior deste trabalho se ligue às duas primeiras fases ali apresentadas.

5.5.1) Primeira fase: ( 1880-1920)


Este é o período do desbravamento e do pioneirismo, do heroísmo e das
narrativas lendárias. Os motivos geradores estão ligados às questões apontadas
anteriormente como os conflitos religiosos, comprometimento da indústria caseira pela
importação da seda e outros produtos, crescimento da “família grande”, ou seja, três
gerações tendo que obter seu sustento do mesmo pedaço de terra já cansado pelo uso ao
longo de séculos, entre outros.
Embora esta fase seja apontada como tendo início em 1880, Knowlton aponta o
ano de 1871 como marco oficial da imigração sírio-libanesa no Brasil: “Entretanto,
outro número do mesmo boletim em 1945 consigna os primeiros imigrantes como tendo
entrado no Brasil em 1871. [...] À luz dessa evidência o ano de 1871 é aceito como data
em que os primeiros sírios e libaneses entraram no país”.( KNOWLTON. 1961, p 37) .
Nesta fase a imigração foi lenta, havendo nos primeiros 20 anos ( 1871-1891) o
registro de apenas 156 sírios e libaneses (turcos) entrados no Brasil. (KNOWLTON.
1961, p 37). Registra-se que houve ausência de entradas (ou registro delas) em doze
diferentes anos deste período ( 72, 75, 76, 78, 79, 82, 86-90) e em nenhum ano houve
mais de 50 imigrantes. (KNOWLTON. 1961, p 39-40).
A partir de 1892 há um forte movimento imigratório, coincidindo com relatórios
de missionários americanos no Líbano que falam de uma saída vertiginosa do país. “A
febre migratória não dá indícios de diminuir chegou a tornar-se uma mania. Tirou de
nossas igrejas alguns dos seus membros mais úteis; muitos dos professores dão sinal de
inquietude. [...] A emigração, como um fermento possante agita todas as aldeias e
povoados de nosso campo.[...] As cartas que escrevem, as histórias que narram, e o
41

dinheiro que trazem, acrescentam ímpeto ao movimento.” (KNOWLTON. 1961 p 29


30).
O auge deste período será em 1913 registrando 10.886 “turcos” e 215 sírios.
(KNOWLTON. 1961, p 40). Deve-se notar que os sírios passaram a ser registrados
como tais a partir de 1892 e os libaneses apenas em 1926.
O início da Primeira Guerra Mundial trará consigo uma desaceleração ao
processo, baixando da casa dos milhares para a das centenas, retomando os milhares em
1920. A informação censitária daquele ano (1920) acusou a presença de 19.290 turcos-
asiáticos no estado de São Paulo e 5.988 na capital. (TRUZZI. 1992, p 9). (Anexo 3)

5.5.2) Segunda fase: ( 1921-1942)


Nesta está compreendido o término da Primeira Guerra Mundial , bem como a
instituição do “mandato francês”, embora houvesse a proclamação da República do
Líbano em 1922, criando o chamado “Grande Líbano (GATTAZ. 2001, p 67), até a
independência.
A dominação factual francesa e seus arbítrios, desmandos e preferências, fez
com que ocorresse uma nova movimentação migratória para o Brasil. Questões de
ordem político-ideológicas e sócio-econômicas são dadas como justificativas para a
imigração neste período, cujos números são apresentados a seguir. O total consignado
por Knowlton é de 78.637 “turcos”; 20.538 sírios e 5.206 libaneses, ou seja, 104.381
“turcos sírios-libaneses” sem computar armênios, marroquinos, egípcios e argelinos.
(KNOWLTON. 1961, p 41).
Digno de nota o fato de que entre 1920 e 1930 “flutuou entre um e cinco mil,
com 7.308 no ano máximo, 1926”. (op. cit. p38). As condições críticas de pós-guerra
no Líbano e os desmandos da França neste período são apontados como causa deste
aumento de fluxo; enquanto que a depressão americana e mundial (1929), a implantação
do sistema de quotas de imigração no Brasil e a eclosão da Segunda Guerra Mundial
reduziram significativamente a imigração, justificando os números baixos no final do
período. (KNOWLTON. 1961, p 40-41). (anexo 3)

5.5.3) Terceira fase: (1943-1970)


Esta fase e a seguinte têm uma modificação quanto ao elemento imigrante,
passando a ser de maioria muçulmana: “Mais recentemente, nos anos 1950 e 1960, a
42

imigração de muçulmanos libaneses em certa medida atualizou as trajetórias sociais


seguidas pelos antigos imigrantes...” (TRUZZI. 2005, p 48).
Há neste período alguns aspectos peculiares quanto aos fatos motivadores da
imigração. Situa-se no término da Segunda Guerra Mundial que traz nova configuração
de força entre as potências, redesenhando a geografia de algumas regiões, inclusive a
Palestina. Estão inseridos também a independência do Líbano (1943) e da Síria(1945) e
a criação , na região, do Estado de Israel (1947). Deste modo podem ser vistos como
fatores motivacionais para a imigração os seguintes:
1º) Conflitos:
Em 1947 a Assembléia Geral da ONU colocou em votação a proposta de criação
de um “Estado Judeu” e de um “Estado Árabe”, devendo haver administração da ONU
até 1948. (GATTAZ. 2001, p 93-94). Esta situação tornou-se conflitiva em termos dos
interesses de ambas as partes; os judeus desejavam conseguir mais e os árabes não
queriam só aquilo que fora oferecido. A Inglaterra antecipa sua retirada dos territórios e
em maio de 1948 é proclamado o Estado de Israel. Tal ambiente de instabilidade faz
explodir o conflito de 1948 chamado “Guerra da Palestina” (para árabes) ou “Guerra da
Independência” (para judeus) ou “Desastre” (para palestinos). (GATTAZ. 2001, p 97).
2º) Independência e nacionalismo:
Em 22 de novembro de 1943 dá-se a oficialização do Dia da Independência do
Líbano (TRUZZI. 2005, p 92). A necessidade de assentar os interesses e estabelecer a
boa convivência, gerou uma estrutura que acabou por ser, posteriormente, motivo de
conflitos. Oficializa-se o “Pacto Nacional Libanês”, definindo-se o esquema do governo
e ocupação dos cargos nos moldes já apresentados neste trabalho (item 3.2). Para
Gattaz, este pacto falhou e tornou-se elemento de conflito por não refletir a opinião
popular e comunal e desconsiderar que o balanço populacional (cristão-muçulmano) não
se manteria estável.
3º) Refugiados e aumento populacional:
Ao término dos anos 1960 o conflito entre palestinos e israelenses estava em
ebulição. A Organização para Libertação da Palestina havia sido expulsa da Jordânia
como “indesejada”. Seu destino foi o Líbano onde instalou seu comando, aproveitando
a presença de refugiados palestinos. Esta situação e a estrutura de apoio oferecida pela
OLP aos palestinos, fizeram com que mais e mais refugiados chegassem e entrassem no
Líbano, ocasionando um “inchaço” populacional e geração de bolsões de desigualdades
cada vez mais evidentes. O equilíbrio estava comprometido e eclode mais um conflito
43

(1973) arrasando aquele “oásis do Oriente”. Tal contingente de refugiados representou


um problema quanto ao desemprego e falta de trabalho, provocado pelo excesso de
mão-de-obra. Isto acabou por incentivar a emigração (sobretudo de jovens) para países
que sinalizassem com melhores condições de vida

5.5.4) Quarta fase: ( 1975-1990)


A guerra civil no Líbano em 1975 tornou-se fator determinante de grande êxodo
da região, levando muitos a buscar outros países nos quais pudessem tentar realizar seus
sonhos de vida melhor e em paz.
A pacificação vem em 1991 e o Líbano está sob ocupação Síria. Foi tempo
trágico para a região. Gattaz afirma que “estes militantes (palestinos) viam o Líbano
como a melhor base para lançar ataques contra Israel...” (GATTAZ. 2000, p 117). O
mesmo autor entende que não se tratava de um conflito religioso e escreve: “...deve-se
notar que estes campos têm objetivos claramente políticos e nunca a defesa da religião
esteve em jogo; o campo majoritariamente formado por cristãos – a coalização do status
quo – buscava preservar o sistema político libanês tradicional, enquanto que o campo
principalmente muçulmano buscava transformar ou derrubar aquele sistema através de
uma coalização revisionista”(GATTAZ. 2000, p 119). No entanto, seria, a meu ver,
muito ingênuo negar o aspecto religioso como forte ingrediente no conflito, inclusive
com os conhecidos “crimes do RG”20.
O Líbano estava fragmentado, setorizado e dividido. Os jovens alistavam-se nas
milícias para obterem algum sustento. Os que assim não faziam emigravam. Não havia
emprego ou perspectivas muito dignas. Informações sobre um país onde não existia
guerra ou segregação religiosa e que oferecia oportunidades de trabalho e sustento
dignos, foram vitais para motivar a saída de tantos jovens neste período. O Brasil volta a
ser visto como “terras de promissão”, recuperando a história da obra de Duoun editada
em 1944.
O saldo desta trágica guerra fraticida é apresentado em números por Gattaz:
144.240 mortos, dos quais 129.816 civis; 197.506 feridos; 17.415 desaparecidos;
950.000 pessoas deixaram o país, sendo 650.000 cristãos e 300.000 muçulmanos. Isto
para uma população estimada em 3.000.000 de pessoas em 1975. (op. cit 136).

20
Estes crimes são assim chamados pelo fato de que a cédula de identidade no Líbano tem indicação da
confissão religiosa do indivíduo, sendo assim, muitos foram sequestrados, torturados ou mortos por
terem em suas carteiras de identificação a sua filiação religiosa. ( GATTAZ, André. Op. Cit. 2001, p120).
44

5.6) Fatores de incentivo à imigração para o Brasil:


Fatores de incentivo podem ser apresentados como incrementadores da
imigração para o Brasil em termos gerais (italianos, alemães, espanhóis e outros). Estes
fatores serão tratados a seguir, sendo que aos sírios e libaneses podem ser aplicados os
três últimos apontados. O destino dos emigrantes árabes incluía os Estados Unidos,
Canadá e outros, inclusive o Brasil. Embora não fosse o de primeira escolha, o Brasil
tornou-se um destino muito procurado e veio a ser o país com o maior número de
imigrantes e descendentes de libaneses em todo o mundo. (GATTAZ. 2001, p 157).
Knowlton apresenta três fomentadores da imigração no Brasil (op. cit. p 35).
Gattaz recepciona dois deles e acresce outros três (op. cit p 158). Assim temos os
seguintes fatores:

5.6.1) Geo-político:
Este é o mais antigo entre todos a serem apontados e liga-se à tentativa de se
colocar um “equilíbrio” no regime de latifúndios presente no Brasil do século XIX,
fazendo com que houvesse o surgimento de uma classe ou segmento de pequenos
proprietários rurais e, ao mesmo tempo, se alcançaria o povoamento de áreas ainda
inexploradas do território brasileiro. Os imigrantes seriam ideais na execução deste
plano como agentes de “colonização” de tais glebas e regiões. (KNOWLTON. 1961, p
33).

5.6.2) Mão-de-obra agrícola:


A abolição da escravatura em 13 de maio de 1888 com a Lei Áurea, decretou o
final legalizado da mão de obra escrava no Brasil, já enfraquecida pelas leis do Ventre
Livre (1871) e do Sexagenário(1885). A reposição destes braços na lavoura precisava
ser feita e o caminho encontrado foi o da mão de obra imigrante. Algumas formas de
vantagem e incentivo foram oferecidas aos que viessem, visando o deslocamento para
as zonas rurais e agrícolas, sobretudo nas fazendas cafeeiras no Rio, São Paulo e Minas
Gerais. A promessa e possibilidade de ter “sua terra”, despertou em muitos o interesse
em vir para o Brasil, embora não fosse o caso específico dos sírios ou libaneses.

5.6.3) Mão-de-obra industrial:


O Brasil do final do século XIX e início do século XX começava a
industrializar-se. Este processo acelerou-se e a mão-de-obra disponível foi se esgotando.
A prioridade concentrava-se em pessoal especializado, mas a necessidade premente veio
45

determinar a liberação para a entrada do operariado. Os pátios industriais de São Paulo e


estados do sudeste (Capital Federal, Rio de Janeiro e Minas Gerais) precisavam ser
supridos e preenchidos, à exemplo de Juiz de Fora ,que veio a ser conhecida como a
“Manchester Mineira”, devido à grande quantidade de indústrias têxteis de médio e
grande porte ali instaladas.

5.6.4) Legislação imigratória:


Se comparado aos Estados Unidos, este fator fez com que o Brasil se tornasse
mais indicado, devido às leis mais rígidas naquele país. Mesmo havendo, desde o
Império, permissão de ingresso de determinado tipo de imigrante, foi com o advento da
República que o movimento se expandiu vertiginosamente. Em 1889 foi regulamentada
a imigração que liberava a entrada de europeus não deficientes físicos, embora negros e
asiáticos estivessem excluídos. Além disto, a concessão da nacionalidade foi ampliada
pela Constituição de 1891, tornando brasileiros os estrangeiros que aqui residissem,
salvo se declarasse renúncia a este direito. (GATTAZ. 2001, p 162). Houve, também,
alguma forma de subsídio aos imigrantes europeus quanto ao auxílio para sua viagem de
vinda ao Brasil e início de trabalho.
No “Estado Novo”, com Vargas, a legislação tornou-se restritiva, estabelecendo-
se o regime de cotas de imigração, favorecendo os europeus de formação especializada,
além do aspecto do interesse no “branqueamento” da população brasileira. Nisto os
sírios e libaneses foram ajudados, pois apesar da língua e costumes exóticos para o
Brasil, guardavam certa semelhança com o brasileiro médio e eram brancos. A
legislação, grosso modo, foi elemento favorável para que a imigração se verificasse no
Brasil.

5.6.5) Mobilidade social:


Aquele que sai de sua terra para emigrar, enfrentando os desafios da empreitada
em estabelecer-se em outro país e cultura, nutre o desejo de ter uma condição melhor de
existência na terra para onde vai, ou alcançar renda para fazer melhorar sua condição
social na sua terra natal, para a qual espera retornar. Neste aspecto o Brasil oferecia
condições para que o imigrante pudesse alcançar mobilidade ascensional na estrutura
social. Esta possibilidade era comunicada por aquele que voltava à sua terra para buscar
parentes ou casar-se e fazia, deste modo, acender nos demais o desejo de emigrar.
46

Ao que trabalhasse com afinco e se dedicasse com empenho ao labor, a


possibilidade de crescimento se apresentava. Em particular no caso do sírio e do libanês
sua escalada era percebida na trajetória de vendedor ambulante (mascate) a pequeno
comerciante estabelecido com sua “lojinha” e atacadista e mesmo industrial. É digno de
nota o fato de que já a primeira geração de sírios e libaneses estivesse alcançando
graduação universitária como médicos, advogados e engenheiros e ingressando na vida
política como legisladores e executivos. Truzzi faz o seguinte registro: “Assim, graças
às condições relativamente favoráveis da inserção comercial dos libaneses, aos poucos,
sobretudo a partir dos anos 30, começou a se configurar como um cenário possível a
entrada de seus filhos no mercado (diga-se de passagem, então em plena formação) das
profissões liberais. Seria inadequado afirmar que essa opção apresentou-se de modo
irrestrito à colônia como um todo...”. (TRUZZI. 2005, p 73).

5.6.6) Liberdade religiosa e multiplicidade étnica:


Estes dois elementos são difíceis de serem encontrados em um mesmo país. Por
vezes se terá multiplicidade étnica, mas restrição religiosa ou vice-versa. O Brasil é
visto como um país de tolerância religiosa e étnica. Havia e há a idéia dominante da
existência de relações fraternas, cordiais e de simetria entre todas as etnias e religiões no
Brasil. A história do Brasil aponta, porém, para a intransigência religiosa e
favorecimento do credo cristão de tradição romana, também registra a forma
discriminadora com o índio, negro e amarelo.
O fato de que no final do século XIX e início do século XX a laicização (teórica)
do Estado, bem como a abolição da escravatura trouxeram esta idéia de liberdade e
igualdade, é inegável. No entanto, a realidade estava um tanto distante desta bela pintura
ideal.
Este “mito da democracia racial” é apresentado por Borges Pereira nestes
termos:
“O mito da democracia racial expressa-se e comprova-
se através de certas evidências cuidadosamente selecionadas: a)
Um sistema de etiqueta extremamente polido, que preceitua não
ser de bom-tom ser indelicado com as pessoas, fazendo
referências a seus eventuais “defeitos” (“defeitos” referem-se ,
neste caso, às peculiaridades raciais ou culturais). Neste plano
periférico as relações sociais e individuais no Brasil compõem
outro mito cultivado no país, o mito da cordialidade brasileira.
b) A grande vocação histórica da sociedade brasileira em
aceitar, sem maiores resistências, as influências estrangeiras,
47

evidenciadas no sincretismo cultural do país. c) O grande


número de híbridos da população, principalmente de mulatos, a
indicar falta de preconceitos do branco em aceitar parceiros( em
geral, parceiras) sexuais de outras raças, mesmo a negra. d) A
existência de personalidades que se destacaram em vários
planos da vida nacional, “a despeito de suas características
étnicas”. Essas personalidades, sempre citadas, funcionam
como personagens-mito a reforçar a idéia da democracia racial”
(PEREIRA. 2000, p 9).
O Brasil era visto como terra sem conflitos, lutas fraticidas ou guerras. Poder
adorar seu deus na forma que julga ser a correta e ser respeitado; se ver recebido “sem
reservas”, sendo tratado como “igual”, foram informações dadas aos seus patrícios
sobre o que eles encontrariam nas terras brasileiras e que seus conterrâneos não
conseguiam desprezar.

5.7) Características da imigração sírio e libanesa no Brasil:


Embora os movimentos migratórios tenham ou guardem alguns aspectos comuns
entre si, há aqueles, no entanto, que particularizam ou especificam determinado
movimento e determinado povo. Neste sentido a imigração sírio e libanesa no Brasil
apresenta aspectos que lhe são peculiares e distintivos de outros, se comparada com a
italiana, alemã ou japonesa. Podem ser alinhados os seguintes aspectos característicos
desta imigração:

5.7.1) Urbana:
Os sírios e libaneses eram, em sua terra natal, ligados ao solo, à agricultura. Mas,
embora tivessem esta ligação à terra, de modo surpreendente não se colocaram
vinculados ao campo ou à agricultura. Borges Pereira comenta em seu artigo já citado o
seguinte: “Dentre os cinco contingentes migratórios citados, os italianos, alemães e
japoneses podem ser tomados como exemplos de imigrantes rurais, enquanto os sírio-
libaneses e os judeus, como expressão de imigrantes urbanos [...]Como os judeus e, até
certo ponto, como os espanhóis, os sírio-libaneses excluíram de seu projeto migratório a
zona rural e se instalaram nas cidades, desempenhando funções urbanas” (PEREIRA.
2000, p 11 e 19).
Pode-se encontrar informação sobre este fato também em Truzzi, que afirma:
“...os libaneses e os sírios reúnem simultaneamente duas características que lhes
emprestam esta singularidade: são razoavelmente bem distribuídos entre as diversas
regiões do território brasileiro e, ao mesmo tempo, apresentam um alto índice de
48

ocupações urbanas”. (TRUZZI. 2005, p 40). Ainda o mesmo autor escreve: “Além
disso, Knowlton recolheu em suas entrevistas elementos que o fizeram deduzir que os
primeiros mascates obtiveram muito má impressão da miséria em que vivia a população
rural no Brasil, contribuindo para o seu afastamento do campo.” (TRUZZI. 1992, 51-
52). De fato, Knowlton afirma que o sistema agrícola brasileiro de monocultura
latifundiária do café, algodão e açucar era estranho aos sírios e libaneses; não possuíam
capital para adquirir terras, o que os faria empregados braçais nas fazendas e por último,
não haviam vindo para o Brasil com interesse de permanência. (KNOWLTON. 1961, p
136).
Por um motivo ou outro, vê-se que sua preferência foi pelo núcleo urbano,
mesmo que no interior do país. Preferiam as cidades (grandes ou pequenas) onde
montavam suas bases de atuação para seu empreendimento primeiro de subsistência: o
comércio autônomo ambulante, ou mascateação.

5.7.2) Autônoma:
O “turco” não queria ser empregado, ou melhor, desejava ser dono de si mesmo.
Não era de seu interesse ser trabalhador subordinado a patrão, mesmo na indústria, onde
seria colocado em situação subalterna. Seu desejo e vontade de autonomia e
independência o levam ao comércio ambulante inicialmente (mascateação), que será
alvo de apreciação em lugar próprio nesta dissertação.
Truzzi reproduz uma afirmação de Ellis Júnior que diz: “Nas baixas camadas, o
syrio prefere ser o mascate ambulante, vendendo meias, sabonetes, carretéis, etc. Jamais
ele vestirá o ‘over-all’ do operário industrial ou empunharia a enxada do lavrador”
(apud TRUZZI. 1992, p 73).
Knowlton também reconhece esta propensão para tal forma de comércio
desenvolvida por estes imigrantes e registra sua forma de agir: “Não tinham preço fixo,
vendiam pelo que achavam que o mercado podia pagar e viviam com muito pouco. Se o
freguês não podia pagar a dinheiro, o mascate aceitava em troca borracha, gado, café,
ouro, ou qualquer produto. Os sírios e libaneses também estavam dispostos a conceder
crédito até por um ano de cada vez. Devido à sua flexibilidade e disposição de correr
riscos, poucas nacionalidades podiam competir com eles”. (KNOWLTON. 1961, p
138).
49

Levando sua mercadoria, fazendo seu horário, exercendo sua liberdade de fixar
preço e prazo e regateando com habilidade, fosse com sua canastra e matraca, cesta de
verduras, caixa com quinquilharias, ou loja posta, sua marca era ser seu próprio patrão.

5.7.3) Auto-subvencionada:
Com a abertura dos portos às nações amigas, realizada por D. João VI em sua
vinda para o Brasil, oportuniza-se a entrada de estrangeiros no Brasil. O Brasil, já no
final do século XIX, passava por significativas mudanças na esfera política, social e
econômica. A proclamação da República (1889) antecedida pela abolição da escravatura
(1888), traçaram novos rumos na vida econômica do país. A necessidade de reposição
de mão de obra no campo para a continuação da exploração cafeeira era urgente.
Algumas providências foram tomadas como incentivo à vinda de imigrantes para o
Brasil, sobretudo para o europeu. Uma destas foi o subsídio das passagens e auxílio na
manutenção durante certo período após a chegada ao Brasil.
Isto foi tão necessário que os agricultores paulistas fundaram em 1886 a
Sociedade Promotora da Imigração. Esta organização tinha o propóssito de recrutar
imigrantes na Europa (de preferência na Itália – o ideal branco, católico, europeu,
civilizado), pagar as passagens da família e ajustar contratos nas fazendas (GATTAZ.
2001, p 161).
No entanto, os sírios e libaneses não foram alcançados com este benefício e as
despesas de sua viagem, chegada, estada e inserção no Brasil era de sua inteira
responsabilidade. Deste modo eles não estavam enquadrados no modelo de
“colonização”, nem na de imigração subvencionada. Estabeleceram o que se chama de
imigração voluntária. Gattaz fala sobre isto: “Em História Econômica do Brasil, Caio
Prado distingue e nomeia os dois tipos de imigração: ‘Este processo de recrutamento e
fixação dos imigrantes passou a ser denominado imigração subvencionada, reservando-
se o nome de colonização ao primitivo sistema de localização de imigrantes em
pequenas propriedades agrupadas em núcleos’ Ao lado deste destes dois modelos,
posteriormente surgirá a imigração voluntária da qual os libaneses são o grupo mais
representativo” (GATTAZ. 2001, p 160). Truzzi também registra este fato: “De inserção
marcadamente urbana na nova terra, ao contrário dos outros grupos anteriormente
provenientes da Europa Ocidental...os sírios e libaneses –também em contraposição a
50

outras etnias- vieram por conta própria, o que por eles é referido orgulhosamente como
prova inequívoca de um espírito altivo”. (TRUZZI. 1997, p 20).

5.7.4) Individual:
Na estrutura do “colonato” ou da “imigração subvencionada” estava presente o
núcleo familiar completo, possibilitado pelos incentivos oferecidos por estes sistemas
aos imigrantes beneficiados. Como o modelo do imigrante sírio e libanês era diferente e
os custos seus, ocorria o fenômeno da imigração individual, além do fato de que se
alimentava o desejo de ficar rico e voltar logo.
O mais comum era que o jovem (normalmente sexo masculino) ou o chefe da
família (não o patriarca velho) viesse e conseguisse numerário suficiente para patrocinar
a vinda de outros integrantes da família ou toda ela, dependendo do caso.
É feita por Knowlton uma comparação com outras nacionalidades e conclui: “A
diferença entre as várias nacionalidades pode-se explicar do seguinte modo: 1º) Os
imigrantes sírios e libaneses eram geralmente rapazes. 2º) A maioria dos sírios e
libaneses não veio em busca de um lar, mas para fazer fortuna e depois voltar ao país
natal antes de se casar...” (KNOWLTON.1961, p 93).
Esta característica foi detectada e apontada por Truzzi, que faz o registro sobre o
fato da vinda de imigrantes nas primeiras levas ser de solteiros, ou seja, não de família
completa : “Uma vez que vieram solteiros e quase sempre com a determinação de
retornar à terra de origem depois de amealhar durante alguns anos algum capital que os
fizesse viabilizar a vida...” (TRUZZI. 1992, p 52).

5.7.5) Temporária:
Esta peculiaridade está presente, embora a idéia de transitoriedade veio tornar-se
para muitos permanência e fixação no Brasil. Truzzi afirma que até o final da primeira
década do século XX “ o cálculo dos emigrantes era de que alguns anos de América
seriam suficientes para lhes assegurar uma vida familiar próspera, em suas aldeias”.
(TRUZZI. 1997, p 30). Para ele, este padrão de desejar o retorno predominou até 1910,
sendo que alguns “fatores cumulativamente engendraram uma mudança do caráter de
imigração de temporário para permanente” (op. cit. 31). No entanto, o próprio Truzzi
entende que a Guerra Civil do Líbano (1975-1990) levou muitos a emigrarem
provisoriamente apenas para escapar do período da guerra e alimentavam o sonho de
51

retornar, mas sem concretização, devido às condições desfavoráveis lá existentes depois


dos conflitos.
Mesmo com a fixação de muitos, a mobilidade de entrada e saída de tantos
confirma a tese da não permanência ou do desejo de voltar, ao apontar 21.223 saídas
(45%) para um total de 47.361 entradas entre 1908-1939 conforme informação
oferecida pelo próprio Truzzi. ( TRUZZI. 1997, p 30).

5.7.6) Geografia:
Deixando de lado o aspecto heróico exacerbado e o idealismo mítico de Camilo
Ashcar, em resposta dada a uma repórter e cujo texto foi registrado no livro “Imigração
e Política em São Paulo” (p 48-49), pode-se enxergar este ponto como real distinção em
relação a outros grupos, ou seja, a capilaridade dos sírios e libaneses no território
brasileiro. Ashcar assim se expressa: “[...] Os libaneses passaram a conviver em
pequenas vilas e povoados, formando uma lojinha, ao lado da igreja, ao lado da escola,
ao lado da farmácia e começando a viver aquela forma incipiente de futuros
municípios”.(FAUSTO e outros. 1995, p 48).
A figura do mascate e a famosa “lojinha” fizeram, e esta última ainda faz, parte
da saga destes imigrantes que se espalharam pelos vários estados brasileiros, tornando
sua presença evidente e até forte. Neste sentido Borges Pereira escreve: “A trajetória de
integração do grupo tem como ponto inicial a exploração de pequenos empreendimentos
comerciais e a venda à prestação, como o mascate de mercadorias pelas áreas do país
onde o comércio regular não alcançava”. (PEREIRA. 2000, p 19). Estas áreas são os
sertões e interiores de todo o território brasileiro de então.
Ainda que mereça reserva a afirmação retumbante de Salomão Jorge de que
“hoje, em qualquer localidade do Estado de Minas Gerais lá está o libanês[...] não existe
um só cantinho que não entrou em contato com o peregrino civilizador. Não existe uma
só necrópole mineira que não tenha um túmulo de um libanês” (JORGE. s/d, p 96-97),
não se pode desconsiderar o fato de que a penetração deste grupo de imigrantes foi e é
excepcional. Encontramos os Nacib, Saad, Taufik, Salum, Farad, Farid, Adad, Halid
Hilel e outros tantos nomes de origem árabe nestes nosso milhares de municípios
brasileiros.
Este aspecto não se apresenta em outras etnias devido a certa limitação
geográfica ou espacial pelo fato de sua formação de colonato ou de território rural e
52

agrícola, dificultando sua disseminação em outras regiões. Wadih Safady faz, de modo
mais comedido que Salomão Jorge, uma breve análise de inserção destes imigrantes em
MT, MG, PR, SC, RG, Norte e Nordeste, sem mencionar São Paulo, Rio de Janeiro e o
Distrito Federal da época (cidade do Rio de Janeiro), oferecendo uma idéia do alcance
da inclusão destes imigrantes no território brasileiro. (SAFADY. 1966, p 182-190).
Coletamos alguns números oferecidos por Knowlton sobre a presença destes
imigrantes nos estados brasileiros e os reproduzimos a seguir, sendo referentes ao ano
de 1920: Acre:627; Alagoas:6; Amazonas:811; Bahia:1206; Ceará:268; Distrito
Federal:6.121; Espírito Santo:810; Goiás:528; Maranhão:625; Mato Grosso:1.232;
Minas Gerais:8.648; Pará:1460; Paraíba:60; Paraná:1.625; Pernambuco:355; Piauí:188;
Rio de Janeiro:3.200; Rio Grande do Norte:55; Rio Grande do Sul:2.665; Santa
Catarina:488; São Paulo:19.285; Sergipe:47. (KNOWLTON. 1961, p 68).

6) Estruturação da imigração sírio e libanesa:


Quatro aspectos serão trabalhados neste item, buscando oferecer uma visão
sobre um modo como se estruturaram os imigrantes sírio-libaneses na sociedade
brasileira. Este assunto foi tratado por Knowlton, focando a mobilidade social e espacial
desses grupos no Brasil, sendo esta sua obra referência obrigatória no assunto. Já em
dias atuais Truzzi tem se especializado nesta área e seus livros têm trazido grande
contribuição e subsídio para a compreensão das questões relativas aos imigrantes sírios
e libaneses e seus descendentes. Serão tratados, como foi dito, quatro segmentos desta
estruturação: econômico, social, geográfico e educacional. Todos são de significativa
importância e relevância estando intimamente ligados numa estrutura de
correspondência e cooperação.

6.1) Econômico:
Faz parte do anedotário nacional o espírito argentário desses filhos da Síria e do
Líbano e seus descendentes. Crescemos ouvindo as referências jocosas “ao lojinha”, “a
bachincha”, ao modo sagaz e ardiloso do negociante “turco”, com sua habilidade de
vender o “invendível” e obter lucro em tudo. Motejos e galhofas à parte, não se pode
negar a atuação desses divulgadores do “comércio ambulante” nesse país. Penso não ser
inadequada a figura usada por Camilo Ashcar ao referir-se a eles dando-lhes o título de
“bandeirantes do comércio”
53

A evolução na esfera econômica alcançada por esses imigrantes é apresentada


sem variação, com seus momentos distintos: mascate; pequeno comerciante, atacadista e
industrial. “Começando como mascates, passaram para o comércio a varejo e depois por
atacado e finalmente para a indústria.” (KNOWLTON. 1961, p 66-67). Neste sentido
vemos a entrevista de Ashcar, registrada no livro Imigração e Política em São Paulo e
já referida neste texto. (Fausto e outros. I995 p 48-49). Truzzi faz o seguinte registro:
“Assim, as grandes fortunas comerciais e industriais da colônia nas décadas de quarenta
e cinqüenta sairão justamente das famílias que mais anteriormente se puseram a trilhar a
cadeia mascate – varejista – atacadista – industrial.” (TRUZZI. 2005, p60).
Desde o início da imigração, seja em São Paulo ou em outro destino no Brasil,
ligaram-se estes imigrantes ao comércio independente, buscando ser o dono de seu
próprio negócio e o gerente de si mesmo, sem submeter-se ao patrão ou à enxada. No
ponto inicial dessa trajetória encontra-se a figura legendária, folclórica e emblemática
que merecerá aqui especial atenção; o mascate.
O Mascate:
Wadih Safady fala sobre a fase de penetração dos sírios e libaneses no Brasil, da
seguinte maneira: “A primeira fase dos imigrantes bem-árabes no Brasil caracterizou-se
pela sua penetração por intermédio do mascate que veio a ser chamado depois de turco”.
(SAFADY. 1966, p 178).
A figura do mascate passou a ser o elemento identitário coletivo unificador
(talvez mais que a língua) desses imigrantes, levando Truzzi a afirmar: “celebrizado em
prosa e verso pelos intelectuais da colônia, de fato a figura do mascate constituiu a única
base possível de identidade coletiva de uma colônia fragmentada entre diferentes
religiões e regiões de origem”. (TRUZZI. 1992, p 67).
Eles não se limitaram a São Paulo, seja capital ou interior. Embrenharam-se por
Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Amazonas, Pará e outros estados, sempre levando
suas mercadorias para comercializar como possível. Knowlton registra o seguinte: “Não
tinham preço fixo, vendiam pelo que achavam que o mercado podia pagar, e viviam
com muito pouco. Se o freguês não podia pagar com dinheiro o mascate aceitava em
troca, borracha, gado, café, ouro ou qualquer outro produto. Os sírios e libaneses
também estavam dispostos a conceder crédito até por um ano de cada vez. Devido à sua
flexibilidade e disposição de correr riscos poucas nacionalidades podiam competir com
eles. (KNOWLTON. 1961, p 138).
54

Fosse carregando no ombro sua mala ou caixa com os utensílios a serem


comercializados, fosse sobre o dorso de animais que substituíam, agora, o fardo pesado
de levar as cargas, ou pelos rios amazônicos nos pequenos barcos chamados regatões
que “subiam os rios a reboque dos gaiolas, espécie de barco maior e depois iniciavam a
remo um comércio perigoso, considerado ilegal pelos donos de seringais que desejavam
controlar a produção de borracha em suas propriedades.”(TRUZZI. 2005,p 16), este
incansável vendedor lá estava. Nessa estrutura de comércio, prestaram um grande
serviço, pois facilitavam ao trabalhador rural comprar e abastecer-se fora da “venda” do
coronel,21 onde os preços eram altíssimos. Claro se torna o fato de ser isto fonte de
conflitos com alguns fazendeiros e ”coronéis”.
Por que sendo esses imigrantes ligados à terra em seus portos de origem, aqui no
Brasil dedicaram-se à mascateação e ao comércio? Truzzi oferece alguns motivos para
a ocorrência desse fenômeno e que merecem ser aqui tratados.
1º) Inexigência de especialização e recurso vultoso: Começava por auxiliar um
comerciante experiente nesta função, e tão logo conseguia adquirir algum domínio
rudimentar para expressar-se em português, montava sua própria “mala”. As
mercadorias eram de baixo custo, ou mesmo cedidas para pagamento posterior à venda
feita. Deste modo tal atividade tornava-se altamente atraente, apesar de sua dureza e
desgaste. Fosse dia quente, frio ou chuvoso o trabalho era feito com rigor e zelo.
2º) Conhecimento rudimentar do idioma: A relação com as pessoas não integrantes de
sua etnia era de natureza estritamente comercial e seu vocabulário se reduzia a dar preço
e anunciar a mercadoria como “bachincha”. Isto também o fazia (obrigava) a interagir
com os nativos e desenvolver seu vocabulário ainda que seu sotaque não desaparecesse
nunca.
3º Acúmulo de capital: Esse tipo de empreendimento aliado à frugalidade e restrições a
que se submetiam os mascates, possibilitava um acúmulo de capital capaz de gerar a
condição de estabelecer-se como pequeno comerciante e seguir a trajetória de progresso
e ascensão. Truzzi registra: “trabalhando duro e gastando o mínimo para sobreviver era
relativamente segura a possibilidade de se amealhar um certo capital, sobretudo para os
indivíduos solteiros, os que vieram sem a família.”(TRUZZI. 1992, p 57).

21
Sistema ainda usado em certos lugares, fazendo com que o empregado compre na ‘venda’ da fazenda
por preço muito mais caro, tornando-o endividado com o patrão e impossibilitado de pagar a dívida.
Deste modo o proprietário da terra acaba recuperando o valor pago ao empregado. Nota do autor.
55

4º Vínculo familiar: Mesmo que estivesse ligado a alguém na condição de ajudante,


era por breve tempo, além do que geralmente tratava-se de um patrício ou parente. Este
vínculo era ensejador de auxílio nos negócios quanto ao fornecimento de mercadoria
sem pagamento à vista. A mercadoria era conseguida com alguém que já mascateara e
agora tinha seu próprio negócio estabelecido (loja).
A este empreendimento de caráter itinerante como mascate, seguia-se a escalada
ascensional como pequeno comerciante ou lojista. Este é outro aspecto a ser
considerado, sobretudo em dois lugares específicos, sendo um em São Paulo (Rua 25 de
Março e adjacências) e no Rio de Janeiro (Rua da Alfândega – região conhecida como
S.A.A.R.A – Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega).
Marcadamente o setor de armarinho, tecidos e confecções foi o preferido por sírios e
libaneses em São Paulo, contando com 224 estabelecimentos ao todo, isto em 1907
(KNOWLTON. 1961, p 144). Truzzi também faz menção a este fato ao afirmar: “Eles
iniciaram a ocupação de posições mais favoráveis no comércio atacadista de fazendas e
armarinhos e na indústria de confecções durante a década e 20 enriquecidos pelos bons
lucros auferidos durante a guerra, quando a importação interrompeu-se”. (TRUZZI.
1992, p 61).
Knowlton fornece informações, com base nas guias de impostos na cidade de
São Paulo, sobre a situação da constituição de firmas sírias e libanesas inscritas. Afirma
ele: “Em 1920 havia 538 firmas sírias e libanesas inscritas. Dessas, 58%, ou 312
companhias vendiam armarinhos e fazendas. Outros 14%, ou 74, vendiam confecções e
calçados a varejo. Outros 12%, ou 64, exploravam mercearias e casas comerciárias de
cereais, frutas, e outros produtos agrícolas. Havia também 16 bares sírios ou libaneses e
7 barbearias localizadas na Rua 25 de Março e adjacências.” (KNOWLTON. 1961, p
146).
A expansão do negócio trazia o esperado e previsível, ou seja, sua colocação
como atacadista. Havendo-se beneficiado com a interrupção das importações no período
da Primeira Guerra Mundial e obtendo significativo aumento de capital, tornaram-se
atacadistas, principalmente na área de tecidos e armarinhos. Truzzi registra que: “ À
medida que os negócios da colônia se multiplicavam com novos estabelecimentos
operando no varejo, algumas firmas mais prósperas mudaram para a Rua Florêncio de
Abreu a fim de operarem também no atacado.”(TRUZZI, 1992, p 61).
O topo da escala atingida por eles é a indústria. Knowlton registra o início deste
movimento da seguinte forma: “Durante os últimos anos de 1900, um pequeno número
56

de sírios e libaneses puseram-se a manufaturar, em pequenas fábricas, qualidades


inferiores de fazendas, fitas, rendas, bordados, meias e confecções logo vendidos por
mascates e viajantes. Eram todas indústrias que requeriam um capital mínimo. Podia-se
instalar uma pequena fábrica com quatro ou cinco empregados numa sala alugada,
usando máquinas de costurar de segunda mão. Era muito comum que irmãos e parentes
cooperassem no mesmo negócio. Um dirigia a fábrica enquanto os outros viajavam para
vender os produtos. Havia muitos revezes e falências, mas gradualmente essas
indústrias prosperaram. Outros, observando os êxitos, montavam fábricas idênticas”.
(KNOWLTON. 1961, p 143). Nesse sentido também Truzzi nos informa: “O
recenseamento de 1920 confirma os ramos preferenciais ocupados pela etnia: dos 91
estabelecimentos industriais sírios e libaneses anotados, 65 operavam no setor de
confecção e 12 no setor de têxteis dos quais 8 no sub-setor de malharias e meias.
Aqueles que nesta época deram este passo provavelmente não se arrependeram.”
(TRUZZI. 1992, p 62). Esses números são reproduzidos de Knowlton (KNOWLTON.
1961, p 145) (Anexo 4).
Evidente é o fato de que nem todos tornaram-se atacadistas de fama ou capitães
de indústria como os Jafet e Calfat, mas não se pode negar a estruturação desta linha:
mascate, lojista, atacadista, industrial. Truzzi dá, como justificativa para esta escalada,
três fatores e assim registra:
“Qualquer balanço da bem-sucedida saga das colônias síria e
libanesa em termos de sua ascensão econômica não pode deixar
de destacar 3 elementos básicos que deram sustentação ao
processo como um todo: a) um perfil de distribuição
demográfico ocupacional singular; b) as relações de
complementaridade e de ajuda mútua estabelecidas no interior
da colônia; c) o contínuo processo de importação de parentes e
conterrâneos pelos já estabelecidos”.(TRUZZI. 2005, p 39-40).

6.2) Social:
A inserção do imigrante na estrutura social do país onde se instalou é,
costumeiramente, difícil e longa. Surpreendentemente este aspecto não ocorreu com o
sírio e libanês no Brasil que experimentou uma inclusão relativamente rápida, embora
esses imigrantes mantivessem alguma estrutura de fechamento em si (colônia) com a
endogamia.
Pode-se atribuir este rápido processo ao fato da ascensão econômica e também à
presença de pequeno contingente feminino na imigração. Knowlton afirma que “os
57

turcos-árabes têm o mais alto índice de proporção dos sexos, 229,9 homens por 100
mulheres, muito mais alto que o de qualquer outra nacionalidade.” (KNOWLTON.
1961, p 51). Esta defasagem acabou por levar muitos a buscar o casamento com
brasileiras ou imigrantes de outras etnias (italianas e portuguesas).
Não se pode olvidar, neste ponto, a importância e influência da culinária árabe
(sírio-libanesa) em nosso meio. Tal influência não se dá apenas como produto da
imigração, mas da presença árabe na península ibérica por cerca de 700 anos. A
incorporação e inclusão de pratos árabes à cozinha brasileira é inegável com a
multiplicação dos restaurantes especializados nestas iguarias, além de estarem presentes
nos bares e “botecos”, e nos lares brasileiros. Temos o quibe, a esfiha, o tabule, a
coalhada, o pão sírio, a fatuche (salada), o falafel e outros. Wadih Safady faz referência
aos doces, dentre os quais encontramos o halãni, o cnãfi, o be’laua, o ataief .
(SAFADY, 1966, p.227).
A participação política é de igual modo, elemento forte neste campo da inserção
social, onde se percebe a presença do sírio libanês mais efetiva que outros contingentes
como alemão, suíço, japonês. Borges Pereira refere-se a este fato e reconhece que : “No
plano político, a partir de 1930, a participação do sírio-libanês é cada vez mais
acentuada, suplantando todos os demais grupos de imigrantes, com exceção dos
italianos. Desde 1934 já havia membros do grupo na Câmara Federal, e em 1948, 28
municípios do estado de são Paulo – o mais desenvolvido do país- tinham prefeitos de
origem síria libanesa. (PEREIRA. 2000, p 20).22
Embora a língua seja um fator que tenha dificultado sua inserção, já que era bem
distinta do português, no entanto, deve-se notar que há uma contribuição significativa
do árabe em nosso vocabulário. Tal fato antecede à imigração também, uma vez que
esta marca cultural se deu devido à ocupação árabe na Península Ibérica , que perdurou
do século VII até 1492 quando ocorreu a queda de Granada e seu retorno ao domínio
cristão. Embora não haja registros de que tenha ocorrido localidades (vilas, cidades,
regiões) em que se falasse o árabe (a exemplo do que se deu com alemães), sendo este
restrito ao ambiente do lar, clube, espaço sagrado ou colóquio entre “patrícios”, muitas
palavras estão integradas ao nosso vocabulário por exemplo: alicate, almofada, alameda,
almoxarifado, mesquinho, baldio, etc.

22
Sobre este assunto é merecedor de atenção, para mais detalhes, o capítulo: “ Sírios e libaneses em São
Paulo: a anatomia da sobre-representação”, escrito por Oswaldo Truzzi, e que integra o volume
“Imigração e Política em São Paulo” – FAPESP, 1995.
58

Este fenômeno relativo à inserção social pode ser notado hoje, de forma mais
nítida, com a presença de descendentes sírios e libaneses em famílias de brasileiros ou
integrantes de outras etnias, diluindo mais e mais os aspectos distintivos étnicos para
formação deste brasileiro mesclado e médio.

6.3) Educacional:
Esse ponto é muito relevante dentro da perspectiva de inserção na sociedade
brasileira. A formação cultural era vista como forma de projeção do indivíduo e sua
etnia, que acabava sendo elevada se o seu integrante também o fosse. Knowlton afirma:
“A educação tem sido talvez um dos canais mais importantes de mobilidade social pelos
quais os sírios e libaneses tem subido a escala social.” (KNOWTON. 1961 p 142).
Alguns chegaram ao Brasil já formados em cursos universitários, a maioria deles
formados pela Universidade Americana de Beirute, sucessora do Colégio Protestante.
Os integrantes desta categoria fundaram em 1922 uma sociedade de ex-alunos desta
universidade com cerca de 70 membros ou sócios. Truzzi entende a importância da
presença desses profissionais e afirma: “Esse transplante de profissionais já formados
para o Brasil com toda a certeza constituiu uma atrativo suplementar às vocações
médicas da colônia.” (TRUZZI. 2005, p 75). É dele a informação de que dentre dez
(10) médicos formados no Líbano e Síria e radicados em São Paulo, seis eram formados
pela UAB. (TRUZZI, 1997, p.134).
Houve sempre um cuidado no investimento com a educação por parte dos
imigrantes sírios e libaneses, sobretudo desses últimos. Tal zelo mostrou-se presente
desde o início e já nos anos 30 os resultados podiam ser vistos. Neste sentido Truzzi
comenta que: “O balcão comercial esteve longe de representar o ponto final da trajetória
de ascensão sócio econômica trilhada maciçamente pela colônia. Paralelamente à
expansão de seus interesses em atividades comerciais e industriais, a penetração de
descendentes de libaneses e sírios nas chamadas profissões liberais (advocacia,
medicina, engenharia) constituiu a outra alternativa perseguida com bastante êxito por
significativas parcelas da colônia.” (TRUZZI. 2005, p 72-73).
Como dito, foram preferidas as áreas de medicina (Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo) com dois alunos de origem síria ou libanesa na abertura
desta escola em 1913; direito (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo),
havendo 7 alunos matriculados em 1927, chegando a 97 alunos em 1950; engenharia
59

(em menor número), na Politécnica com matrícula já em 1917 e no Mackenzie com


matrícula em 1925. (KNOWLTON. 1961, p 161-162).

6.4) Geográfico:
Pode-se, às vezes, perguntar para onde se dirigiu um determinado contingente de
imigrantes ao chegar em certo país. No caso do “turco” no Brasil a pergunta é: para
onde não se dirigiram? De fato a capilaridade da presença desses imigrantes e de seus
descendentes em todos os quadrantes do país é incontestável. Truzzi registra uma frase
de Guilherme Kurban em uma entrevista dada a ele: “Por menor que seja a cidade,
encontra-se turco com lojinha. (TRUZZI. 1997 p 53).
Embora hajam chegado no Rio de Janeiro em 1871 e em São Paulo em 1880,
nos primeiros anos do século 20 o destino deles tornou-se a região amazônica, sendo o
Amazonas e o Pará os estados mais procurados. O motivo desta preferência foi a
borracha, pois esta determinou grande circulação de dinheiro na região e gerou a
formação de povoados de seringueiros, onde se podia alcançar grande lucro com o
comércio de varejo realizado pelos mascates. Comentando sobre isto Truzzi nos diz:
“O resultado foi que do Acre ao Pará não havia cidade de alguma expressão onde os
sírio-libaneses e seu comércio característicos estivesse ausentes”. (TRUZZI. 2005 p 18).
Após a Primeira Guerra Mundial, com o declínio da borracha muitos desses imigrantes
fazem a viagem de retorno ao Rio de Janeiro e São Paulo.
Outro centro de atração foram as jazidas (minas) e zonas agrícolas crescentes no
estado de Minas Gerais. A região de Governador Valadares e Teófilo Otoni tem ainda
hoje, forte presença sírio e libanesa com famílias tradicionais, sendo seus descendentes
não mais lojistas, mas profissionais liberais ou fazendeiros. Knowlton assevera que:
“Estabeleceram-se eles pelo estado todo e desempenharam papéis importantes no
progresso do comércio e da indústria. Em muitas vilas e cidades praticamente todo o
comércio a varejo estava em suas mãos. (KNOLTON. 1961, p 66).
Outro ponto do interesse destes imigrantes foi, sem dúvida, a então Capital
Federal, a cidade do Rio de Janeiro. Ali se instalaram nas proximidades da Rua da
Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos Aires, criando posteriormente o que ficou
conhecido como S.A.A.R.A.
A grande preferência, no entanto, foi pelo estado de São Paulo e, particularmente
sua capital. A presença desses imigrantes era ostensiva e marcante. Isto se pode
comprovar pelos números oferecidos por Knowlton em sua obra já citada (p71):
60

“Quase metade, 49.3%, do número total de sírios e libaneses residentes no Brasil viviam
no estado de São Paulo[...] Em 1934 da população total de 25.620 sírios, 34% (8.734),
estavam concentrados na capital.”
No início alojaram-se em bairros periféricos de aluguéis baixos. À medida em
que suas condições financeiras melhoravam, mudavam-se para a Rua 25 de Março e
suas adjacências, instalando a loja na frente e residindo nos fundos ou no andar
superior. A mobilidade geográfica ocorre à medida da prosperidade econômica e o
deslocamento vai em direção ao Ipiranga e à Vila Mariana, sendo esta a segunda maior
colônia na capital. A mobilidade continua e se dirige posteriormente à região da
Avenida Paulista e finalmente para o setor da Avenida Brasil, esses dois últimos em
região nobre da capital. (KNOWLTON. 1961, p 185).
As informações censitárias de 1920 e registradas por Knowlton, apontam a
presença dos “turcos” pelos vários estados brasileiros, mostrando que tais indivíduos se
faziam presentes nesses rincões brasileiros com suas canastras, matracas ou “lojinhas”.
(KNOWLTON. 1961, p 68).
61

CAPÍTULO SEGUNDO: RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ETNIA

1) Introdução:
O senso comum consegue perceber a presença, força e influência da religião em
uma sociedade. Os cientistas sociais não fogem a esta regra, os quais mesmo não sendo
professantes de qualquer forma de religião, como agnósticos ou ateus, reconhecem a
importância da religião na estrutura e tecido social, seja de modo positivo ou negativo,
construindo ou destruindo, dignificando ou brutalizando, promovendo a inovação
(ÓDEA. 1969, p 27) ou justificando, ou reforçando o comportamento
tradicional.(BERGER. 2005, p 55).
Este fato da influência religiosa não é diferente no meio dos imigrantes sírios e
libaneses, que trouxeram consigo, em sua bagagem cultural, além da forte identificação
com a aldeia (geográfica-espacial), com a família grande (afetiva-social) e com a língua
(sócio-cultural), as manifestações religiosas existentes em seus países de origem.
Não é possível descartar o fato de que se buscará reproduzir, nas novas terras de
moradia, o aspecto geo-espacial da terra originária com os seus clubes e associações; a
preservação da língua na manifestação de permanência desse traço, ainda que no
interior da casa; a grande família com “ampliação” da moradia para agasalhar as
pequenas famílias ou criar condições para que morem juntos (bairros); e a religião com
a edificação e construção de seus templos e espaços sagrados para o exercício particular
de seu culto, na conformidade de sua crença e fé, seja ela de que matriz for. Este aspecto
da religião é, de fato, marcante e impressivo de tal modo que Knowlton registra que :
“Na Síria e no Líbano a religião é quase equivalente à nacionalidade”. (KNOWLTON.
1961, p 168).
A religião não pode ser desconsiderada por qualquer pesquisador que trate da
imigração árabe (sírio-libanesa) para o Brasil, sob pena de seu trabalho ser visto como
deficiente e incompleto. Knowlton reservou grande parte de sua pesquisa a este
segmento (páginas 98-102; 168-171; 175-179), de igual modo André Gattaz em sua tese
(201-224 e referências esparsas) e também Wadih Safady (230-313). As obras de Truzzi
tratam deste tema e a religião faz parte do escopo de capítulos de suas obras citadas
nesta dissertação.
É digno de nota e consideração o fato de que esta região é o berço ou local de
nascimento das três grandes religiões monoteístas do mundo, a saber, o judaísmo, o
62

cristianismo e o islamismo, o que torna estes países singulares e merecedores de atenção


quanto a esta esfera de indiscutível importância social e antropológica.
Neste capítulo, dedicaremos nossa atenção a este tema, buscando oferecer uma
visão da religião na Síria e Líbano (sobretudo no tempo da emigração) e sua
transplantação para o Brasil, na tentativa de reproduzir aqui os modelos existentes em
sua terra natal.

2) O mosaico original:
Ao tempo do início da imigração sírio-libanesa no Brasil e até metade do século
XX, estes dois países tiveram uma configuração religiosa em que, grosso modo, a Síria
era de predominância muçulmana e o Líbano predominantemente cristão. (TRUZZI.
2005, p 2).
Este fracionamento maior comporta uma fragmentação interna bastante
significativa com os muçulmanos divididos em xiitas, sunitas, drusos e alauitas;
enquanto os cristãos são ortodoxos gregos, maronitas, melquitas ou Greco-católicos, e
protestantes. Cada segmento deste merecerá consideração em separado, com suas
origens, tradições, ensinos e peculiaridades.

2.1) Muçulmanos:
A imigração deste grupo religioso foi muito pequena nas primeiras levas ou
fases, sendo que depois da segunda metade do século XX intensificou-se e veio a ser,
atualmente o maior contingente (TRUZZI. 2005, p 8). Safady nos informa que: “Os
muçulmanos no Brasil (sunitas e chiitas) formaram sempre uma minoria que não vai
além de 150 famílias, concentradas principalmente em São Paulo” (SAFADY. 1966, p
303).
A origem desta religião se liga à figura de Maomé23 (570 a 632 d.C). A religião
islâmica (Islã: submissão a Deus) tem em Alah seu único Deus e Maomé seu profeta.
Os seguidores são chamados maometanos (de Maomé) ou muçulmanos (palavra

23
Há divergência quanto ao nome do profeta. J. Cabral grafa: Mohammad Ibn Abdullah Ibn Abd Al-
Muttalib Ibn Hãshim ( 2003. p 104). Já na página eletrônica educacao.uol.com.br/biografias/ult 1789 u
637.jhtm-50k, encontramos: Muhammad Bin Abdullah Bin Abdul Mutalib Bin Hachim Bin Abd Mannaf
Bin Kussay.
Maomé é uma forma ocidentalisada de Muhhamad (não muito aceita) cujo significado é “altamente
louvado”. (Cabral. 2003, p 104).
63

francesa e de origem árabe ‘muslim’) cujo significado é “aquele que se entrega de corpo
e alma a Deus”. (CABRAL. 2003, p 103).
Trata-se de religião de caráter revelacional e fundamentada em seu livro
sagrado, o Alcorão (Al Quram). Assim pode-se ler: “A palavra Alcoração literalmente
significa “leitura por excelência” ou “recitação”. Enquanto o ditava a seus
companheiros, o Profeta lhes assegurava que era a revelação Divina que ele havia
recebido”. (Alcorão. 1979, p xxiii). Tais revelações foram dadas pelo anjo Gabriel a
Maomé, durante um período de 23 anos. As informações neste sentido nos falam que :
“A revelação da primeira surata do Alcorão deu-se há exatamente 1364 anos, no mês de
Ramadã do ano 1º da Missão, ou seja, agosto de 610 D.C. Deu-se por intermédio do
anjo Gabriel, que lhe apareceu e lhe transmitiu o Alcorão surata por surata[...]A
revelação deu-se no início da Missão de Maomé, prolongando-se até o seu falecimento,
ou seja, durante vinte e três anos”. (Alcorão. 1979, p x-xi). O Alcorão é composto de 30
livros, contendo 144 suratas (capítulos) e 6.216 versos (aiat), sendo as revelações dadas
em parte em Meca e parte em Medina (Alcorão. 1979, p xix). O registro e compilação
destas revelações foram feitos pelos companheiros-discípulos do Profeta, já que Maomé
era analfabeto ou iletrado (Alcorão. 1979, p xii), sendo gravados em pedaços de couro,
pedras lisas ou folhas de tamareiras.
O início do calendário muçulmano é dado como 622, quando ocorreu a Hégira
(separação), ou seja, a saída de Maomé de Meca (sua cidade natal) para Medina.
Os pilares (arkan) desta religião são: a) Recitação do credo (shabada); b) Oração
(ibadat) cinco vezes por dia voltados para Meca e às sextas-feiras em conjunto; c) O
jejum (saum) durante o mês do Ramadã; d) Distribuição (zakat) de esmolas; e)
Peregrinação a Meca, pelo menos uma vez na vida, onde se encontra a CAABA, que
segundo a tradição muçulmana foi a pedra negra trazida do céu pelo arcanjo Gabriel.
Quatro grupos como representantes desta tradição religiosa serão apresentados,
cuja presença sempre foi forte na Síria e no Líbano: sunitas, xiitas, drusos e alawitas.

2.1.1) Sunitas:
Este grupo é considerado o representante do islã ortodoxo e criador da Sunna, ou
seja, a coleção de tradições ligadas a Maomé e seus antigos seguidores. “O Alcorão o
livro do Islã, foi escrito através da tradição oral de “Hadith” (narrativa oral tradicional,
baseada na cadeia de autoridades sucessivas [...] o conjunto de “Hadith” dá a
64

SUNNA)”. (HAJJAR. 1985, p 52). Estas tradições evoluíram e cristalizaram-se em um


sistema de alta complexidade com leis comunitárias e de cunho social, ao qual se
denominou Sharia. Cabral entende que isto forneceu coesão à comunidade. Para ele “o
princípio do “ijma” permaneceu central, sendo que “o ‘ijma’ é o consenso de toda a
comunidade, mas, na prática, é apenas o dos estudiosos das leis”. (CABRAL. 2003,
p.108).
Na Síria e Líbano os sunitas gozavam de destaque social e eram detentores de
grandes fortunas. Salem nos dá uma visão razoável da presença deste grupo no Líbano
ao afirmar: “Em maioria citadinos exercendo o comércio e as profissões liberais e
possuindo algumas das mais polpudas fortunas do Líbano, os sunnites(sic) ocupam no
plano político e social uma situação de primeiro plano devido principalmente ao fato
que [...] eles têm o privilégio de constituir uma população urbana instalada desde longa
data na região mais favorecida do país”. (SALEM. 1969, p.57).

2.1.2) Xiitas:
Pode-se encontrar a grafia em português um pouco modificada; shiita. Este
grupo traz em seu bojo uma série de subdivisões, as quais não podem ser aqui
analisadas em separado. Será feita referência à principal delas chamada dos “doze
avos”, por crerem no último dos imãs, ou “Mahdi”, sendo este o décimo segundo
descendente de Ali, genro de Maomé. O imã é a figura de maior autoridade no Islã. Os
sucessores de Maomé (cuja nomeação do primeiro foi feita por ele) têm a qualificação
garantidora da interpretação inspirada e correta do Alcorão. São os que possuem a
verdadeira interpretação da Sharia, bem como sua correta aplicação. Os califas, ou
líderes religiosos, devem ser escolhidos entre os descendentes da família do Profeta,
sendo rejeitada qualquer outra linha de escolha. Seus mestres de ensino são os
mujtahidum, dentre estes os aiatolás são os mais importantes.
Neste aspecto da sucessão xiita o registro da observação de Hajjar é importante:
“Se o sunismo, islamismo ortodoxo, acredita e pratica a sucessão democrática ou de
consenso; o xiismo contesta este tipo de prática crendo na sucessão como descendência
do profeta Ali. Para os xiitas, o sucessor de Mohamad deveria ter sido Ali, seu genro”.
(HAJJAR. 1985, p 53). Esta maneira de ver a sucessão tem determinado conflitos
sangrentos entre sunitas e xiitas até hoje.
65

No Líbano, estavam ligados às atividades mais simples ou subalternas na escala


social. Salem testifica sobre isto e afirma: “Habitando as regiões, de recursos naturais
limitados, por muito tempo negligenciados pelo poder público e cujo equipamento
sócio-econômico continua deficiente, os xiitas entregam-se em sua grande maioria à
agricultura e à criação ou como pequenos proprietários (Líbano sul) ou como colonos
trabalhando nas explorações dos grandes proprietários rurais (Bekaa, Hermel). Os que
se estabeleceram na aglomeração beirutiana fornecem uma boa parte do subproletariado
da capital e são obrigados para sustentar os encargos de uma família, geralmente muito
numerosa, de se contentarem com profissões mais humildes: camelôs, choferes de taxi,
garção(sic) de cafés,etc...”(SALEM. 1969, p. 58).

2.1.3) Drusos:
A grafia pode variar para druses ou druzos. A origem do nome está ligada a
Muhammad Al-Dárasi (ou Alfaiate). A origem deste grupo está no Egito (início do
século XI) fundado pelo califa Al-Hakim. Distancia-se, em certo sentido do Islã
tradicional, e tem caráter secreto ou fechado, devendo-se nascer druso e ser ali
“iniciado”, pois só para estes são divulgados os “sigilos e conceitos éticos muito sábios
e respeitáveis” (HAJJAR. 1985, p 55). Admitindo algum sincretismo com o hinduismo,
aceita a reencarnação das almas. (SALEM. 1969, p. 60). A poligamia não é permitida.
São, em sua maioria, de certa posição social, detentores de terras ou profissionais
liberais. Em uma entrevista o druso Nahim Hachid afirma: “Minha religião é muito
respeitosa e rigorosa nos costumes: o fumo e a bebida são proibidos[...]Os drusos
verdadeiros que participam das rezas mais sagradas, não podem nem pensar em beber
nem nada, por isto considero minha religião de alto nível”. (GREIBER et al. 1998,
p.342).
Quanto à sua posição, sobretudo no Líbano, são apresentados como: “Grandes
proprietários de terra ou pequenos trabalhadores, os druzes são também em número não
negligenciável, citadinos de Beirute, onde praticam o comércio e as carreiras liberais
[...] Os druzes do Líbano são mais ou menos 150.000 ou seja a metade dos efetivos do
conjunto da comunidade. A outra metade habita uma parte nas montanhas de Hauran ao
sul da Síria, chamada por esta razão, o ‘Jebel Druze’”. (SALEM. 1969, p. 61).
66

2.1.4) Alawitas:
Não é um ramo muito conhecido em nosso contexto. Embora seja um ramo do
islamismo e integre a rede de grupos muçulmanos, possui um certo caráter de
ecumenicidade com costumes cristãos. Sua presença é muito forte na região do litoral
norte da Síria , onde vivem cerca de três milhões de alawitas. No Iraque a estimativa é
de que 60% dos muçulmanos seja de alawitas. Observam rituais islâmicos como o
Ramadãm, Adha e outros, mas também festejam o Natal, a Páscoa e veneram os
ancestrais. (HAJJAR. 1985, p 56).

2.2) Cristãos:
O fenômeno da subdivisão não é estranho ao segmento religioso de tradição
cristã. Os cristãos podem ser agrupados em: igrejas orientais ligadas a Roma (uniatas),
sendo a Maronita e a Melquita (greco-católica), além da própria Igreja de Roma; a
oriental não romana (ortodoxa grega), ou seja, aquela que segue o rito bizantino; as
consideradas seguidoras das heresias antigas como o monofisitismo24, a saber, as
Jacobitas e Armênia grega; e os protestantes, com predominância presbiteriana.

2.2.1) Maronitas:
O nome dado a este grupo está ligado ao monge Maron (final do século IV) que
estabeleceu um monastério na região montanhosa da Síria, com propósito de cultivar a
santidade e a fé cristã autênticas. Sobre a origem deste ramo do cristianismo lemos:
“São Marão: Padre e anacoreta. São Marão que morreu por volta de 410 d.C., vivia
retirado numa montanha na região de Apaméia (Aphamiah, atual Kalaat AL-Mudiq), no
Vale de Orontes (Síria). (GREIBER et. al. 1998, p.55). Seus seguidores resistiram ao
monofisitismo e ao islamismo. Experimentaram sérias perseguições, mas permaneceram
em suas convicções. Ligada a Roma, submetendo-se à autoridade papal, conserva o rito
da Igreja de Antioquia e a língua assíria ainda é usada. Seu chefe é o patriarca de
Antioquia e de todo o Oriente, sendo que o Papa confirma a eleição deste patriarca, feita
pelos bispos. É o maior grupo cristão (ligado a Roma) na Síria e Líbano.
Knowlton nos informa que “...os maronitas aceitam plenamente as doutrinas da
Igreja Católica Romana. [...] A principal diferença é que entre os maronitas os padres
são casados”. (KNOWLTON. 1961, p. 170). Este costume, conforme afirmativa de
24
Em sentido bem simples trata-se de crença doutrinária de que Jesus Cristo possuía apenas uma
natureza, a divina. (CAMPOS. 2005, p 39) e (HAGGLUND. 1981, p 83-84).
67

Safady, parece não mais ocorrer: “Os costumes maronitas não mudaram no Brasil. As
vestimentas dos padres são as mesmas. [...] O padre maronita é celibatário por tradição.
Os antigos padres eram casados. Em nossos dias esse costume não está em vigor.”
(SAFADY. 1966, p. 288).
Em relação à posição social dos maronitas, valemo-nos, mais uma vez, de Salem
que nos oferece informação nestes termos: “Instalados na cidade, os maronitas, ocupam,
na hierarquia social, uma posição proeminente, menos no comércio e na indústria do
que nas profissões liberais e nos quadros de administração”. (SALEM. 1969, p. 68). São
vistos como o maior grupo cristão e de maior influência no contexto do Líbano e um
pouco menos na Síria.

2.2.2) Melquitas:
São conhecidos também como gregos católicos. Seu nome tem sua origem
ligada à palavra MÁLEK (rei em árabe). Isto deveu-se ao fato de serem partidários do
rei (imperador) romano, que adotou posição contrária aos monofisitistas em sua heresia
sobre a Pessoa de Cristo ter apenas uma natureza e não duas (a divina e a humana).
Salem observa que “os gregos católicos constituem a segunda grande comunidade
católica do Líbano, vindo imediatamente após a maronita. (SALEM. 1969, p. 69). José
Khoury em entrevista coligida por Betty L. Greiber afirma que: “Foram os jacobitas que
deram o apelido ‘melquita’, que quer dizer malek, rei, basileus ou basílicos em grego, e
nós somos melquitas, porque fomos da mesma opinião que o rei, só por causa disso.
Nós nos honramos com isso e, desde o século V, somos conhecidos com esse nome”.
(GREIBER et. al. 1998, p. 487). Adotam o rito bisantino e ligam-se ao patriarcado
católico melquita de Antioquia e todo o Oriente. Adotam, na liturgia, a língua grega e
árabe.
Em relação ao aspecto sócio-profissional, Salem sustenta que: “os grecos-
católicos repartidos nas diferentes regiões do Líbano, são menos homogêneos que os
druzes ou os xiitas ou mesmo maronitas e os ortodoxos. Em Beirute encontram-se
muitos deles, no comércio e nas profissões liberais. (SALEM. 1969, p. 73).

2.2.3) Ortodoxos : ( Greco-ortodoxos)


Este é o maior grupo cristão entre todos os já citados e está ligado ao Patriarcado
de Antioquia. Sua ligação é com a ortodoxia de Calcedônia e não de Roma. Hajjar nos
68

informa que: “A autoridade suprema na Igreja Católica, Apostólica Ortodoxa é o Santo


Sínodo Ecumênico, que se compõem (sic) de todos os Patriarcas chefes das igrejas
autocéfalas e os Arcebispos Primazes das Igrejas autônomas, que se reunem convocadas
pelo Patriarca Ecumênico de Constantinopla e sob sua presidência”. (HAJJAR. 1985, p
47). Rejeitam o dogma da infalibilidade papal (o que os distancia de Roma) e imagens
(permitidos apenas ícones). Os ritos são realizados na língua grega e árabe, sendo este
de maior prevalência. São rompidos com Roma desde 1054. Nichols nos diz: “Mas a
contenda entre o Leste e o Oeste continuou com discussões amargas por causa de
pequenas diferenças de doutrinas e ritos, até 1054. Então, depois de nova contenda entre
o papa e o patriarca, o primeiro pronunciou um anátema contra o segundo e contra os
que o apoiavam. Este foi o rompimento final”. (NICHOLS. 1978, p. 68-69). Foi
radicalizada com o dogma da infalibilidade papal declarada pelo Concílio Vaticano em
1870. Em 1958 com a realização do Concílio Vaticano II e a flexibilização gerada por
João XXIII no contato com o Patriarca Ecumênico Atenágoras I, ocorre uma maior
aproximação, mas ainda permanecem separadas. (HAJJAR. 1985, p 48).
Algumas informações nos são dadas por Knowlton sobre este grupo. “Os
aldeões preferem um sacerdote casado deve ele casar-se antes de ser ordenado...O
vigário é uma das mais importantes personagens da aldeia...Durante o serviço religioso,
os dois sexos são rigorosamente segregados. Os homens ocupam a parte anterior da
igreja, e as mulheres ficam na retaguarda atrás de uma tela”. (KNOWLTON. 1961, p.
170). Deve-se notar que este costume de segregação dos sexos já não se verifica no
Brasil. A principal cerimônia religiosa ainda é a missa.
Os informes dados por Salem nos levam a conhecer algo sobre a posição social
dos integrantes deste ramo cristão: ”A aristocracia e a grande burguesia beirutinas são
ainda hoje, numa grande proporção, ortodoxos, a despeito do fluxo, na capital, de
dezenas de milhares de membros das outras comunidades”. (SALEM. 1969, p. 75).

2.2.4) Jacobitas e Armênios gregos:


Ambos formam um grupo expressivo no contexto do Líbano, principalmente.
Rejeitam a decisão do Concílio de Calcedônia e não admitem as duas naturezas (divina
e humana ) em Cristo. Os Jacobitas chegam a 17.000 e os armênios a 125.000, o que é
uma representação significativa (SALEM. 1969, p. 76).
69

2.2.5) Protestantes:
A região da Síria e do Líbano é, como foi dito, lugar de origem das três grandes
religiões monoteístas do mundo. Os judeus tiveram o início de sua chamada e formação
como povo (e religião) por meio de Abrão nas cercanias destes dois países.
A presença cristã nesta região é, também, muito antiga. O apóstolo Paulo (ainda
com o nome de Saulo e judeu) vai a Damasco (capital da Síria) para destruir um núcleo
de cristãos que se encontrava ali e exercia forte influência na conquista de judeus para a
fé cristã (Atos dos Apóstolos, 9: 1-9).
Também os muçulmanos, que conquistaram a região no século VII da era cristã,
têm o começo de sua religião nesta região, ainda que não seja exatamente no atual
espaço geográfico que configura tais países.
A presença cristã está, portanto, claramente estabelecida desde os primórdios
nesta região. No entanto, a presença da tradição cristã protestante só ocorrerá no século
XIX. Knowlton afirma : “Os primeiros missionários norte-americanos, presbiterianos,
chegaram à Síria e ao Líbano em 1829 procedentes de Malta. Instalaram-se em Beirute
e logo após a chegada abriram escolas para educar correligionários e treinar futuros
ministros”. (KNOWLTON. 1961, p. 19). Embora não fale com precisão sobre o ano,
Salem aponta o século XIX como o da chegada dos protestantes ao Líbano, afirma que
estas missões foram ativas no Oriente, e seu proselitismo ajudou a obter adesões.
(SALEM. 1969, p 77). Também Safady nos informa sobre a presença de missões
protestantes na região e seu propósito: “As missões americanas fundaram, também, em
muitas cidades, igrejas e escolas anexas cursos primários masculinos e femininos. Essas
escolas destinavam-se a encaminhar seus estudantes para as escolas de grau médio”.
(SAFADY. 1966 p. 18).
À exemplo da Igreja Presbiteriana do Brasil, o protestantismo no Líbano e Síria
tem seu início quase na mesma época, sendo igualmente chamado “protestantismo de
missões”25, ou seja, trata-se do envio de missionários (americanos e ou europeus), com
o propósito de anunciarem sua fé e conquistarem novos adeptos, numa forma de
convencimento e proselitismo religioso. Pode-se ler na entrevista de Ramiz Gattaz,
registrada por Greiber cujo teor revela alguma jocosidade, o testemunho da ação de
missionários: ”Na nossa aldeia, Ibl Es Saqi, havia uma minoria de protestantes. A
origem é ortodoxa, mas eu não sei por que cargas d’água apareceram lá uns
25
Difere do protestantismo de imigração, quando grupos de imigrantes trazem seus ministros para lhes
conduzir em seus ritos e cerimoniais religiosos, sem preocupação de expansão ou proselitismo entre os
nativos das terras para as quais se deslocaram.( MENDONÇA. 2005, p. 28)
70

missionários, desses ‘Aleluia’ cantando hino bonito etc. Eles devem ter embarrilhado o
nosso avô[...] Então meu avô paterno resolveu aderir à religião protestante e nossa
família toda foi se convertendo”. (GREIBER et. al. 1998, p. 749).
Esta tradição cristã, chamada protestantismo ou, também, evangélica, tem sua
relação e ligação com a estabelecida Igreja Evangélica do Líbano, cuja linha teológica e
de governo se vincula à fé reformada calvinista e presbiteriana. O testemunho de Salem
é relevante neste ponto: “Os protestantes no Líbano são hoje perto de 30.000. A maior
parte deles está agrupada no seio da Igreja Evangélica do Líbano, de tendência
presbiteriana. Mas acham-se igualmente Anglicanos, Batistas e as pequenas seitas...”.
(SALEM. 1969, p.76).
Deve-se registrar que em 1960 foi oficializada junto aos órgãos públicos da Síria
e Líbano a organização do Supremo Conselho Evangélico da Síria e Líbano (órgão
representante oficial dos evangélicos). O documento encontra-se escrito em árabe e sua
tradução vai a seguir, conforme oferecida pelo Pastor da Igreja Evangélica Árabe de São
Paulo, Kalil Samara .
“Declaração dos Representantes das Igrejas Evangélicas Oficializadas no País :
Supremo Conselho Evangélico da Síria e Líbano.
Nós somos os dirigentes (presidentes) espirituais das Igrejas Evangélicas,
representando, cada um de nós, a sua denominação abaixo mencionada.
Unidas estas denominações de cidadãos evangélicos libaneses e outras nações árabes e
armênios, declaramos que este Supremo Conselho Evangélico é ligado por meio de seu
Estatuto e seu Regimento Interno, que serão aceitos e observados por todas as igrejas
mencionadas, sendo este o representante de todas elas, esclarece que a denominação
evangélica é a mesma denominação protestante, recebendo este nome (evangélica)
oficialmente, por voto unânime, em assembléia, sendo admitida nos órgãos oficiais do
governo em 29 de fevereiro de 1960”. São signatários deste documento: o Sínodo
Evangélico Presbiteriano do Líbano; Aliança das Igrejas Evangélicas Armênias do
Líbano; Igreja Evangélica de Deus em Beirute; Igreja Evangélica dos Amigos; Igreja
Evangélica Adventista do Líbano; Igreja Evangélica Episcopal de Beirute; Igreja
Evangélica Nazareno de Beirute; Igreja Batista do Líbano; Igreja Evangélica Aliança
Cristã de Beirute. O presidente deste conselho, à época, era o Rv. Dr. Farid Aoudel , da
Igreja Evangélica Presbiteriana Nacional de Beirute. Este órgão representa as igrejas
evangélicas (protestantes) junto ao Poder Público. É a “voz oficial”. (Anexo 5)
71

De modo similar ao que ocorreu com os missionários protestantes no Brasil, um


26
dos meios utilizados para alcançar seus propósitos foi o da instalação de colégios ,
visando formar os seus novos conversos ou seus filhos, bem como alcançar outros com
a influência dentro da escola. Safady, que foi aluno do colégio protestante registra: “No
momento em que entrei no Colégio Superior de Suk-al-Gharb a mudança de ambiente
foi radical. Deixou de ser o das velhas tradições de minha al-daiá (aldeia) e veio a ser
um centro missionário evangélico americano, cheio de religiosidade e de estudos
bíblicos [...] Ensinava-se a Bíblia, em árabe, nos dois primeiros anos substituindo assim
as aulas de língua [...] A frequência ao templo era obrigatória aos domingos de manhã e
às quartas-feiras à noite... Muitos freqüentadores rotineiros, na maioria novos
protestantes, estavam sempre presentes, além dos alunos”. (SAFADY. 1966, p. 26 e 30).
Neste sentido, Greiber registra a entrevista de Michel e Virginie Saad, do que seleciono
o seguinte: “Eu sou ortodoxo. A família Saad é 99% ortodoxa, mas tenho dois tios
protestantes, um deles (tio materno) entrou no protestantismo quando chegou a missão
dos americanos a El bled; eles arranjavam dois ou três meninos; levavam eles para o
colégio e ensinavam a religião também. Esse se tornou Assis (pastor protestante em
árabe), porque era um grande orador...o outro...uma inglesa...mandou para a Inglaterra
estudar e tornou-se protestante e Assis”. (GREIBER et al. 1998, p 740).
Dentre estas instituições de ensino, a mais importante foi o Colégio Protestante
Sírio”, que veio tornar-se a Universidade Americana de Beirute, fundada em 1860.
(TRUZZI. 1997, p 133).27
Embora haja muito pouco material (pelo menos em português) sobre o
protestantismo naquela região e aspectos ligados à emigração, o registro do testemunho
de Safady (não protestante) é relevante quanto ao aspecto da implantação e inserção do
protestantismo no Líbano e região, assim lê-se: “ O estudo em minha terra de origem
restringia-se ao ensino religioso. As várias missões estrangeiras, que foram fator
preponderante no renascimento cultural moderno do Líbano, expandiram-se no País e
fundaram escolas de tôdas as categorias, anexas ou separadas das próprias missões e de
suas igrejas. Entre essas missões, as americanas se destacaram e, em segundo plano, as
francesas, inglêsas, russas e italianas”. (SAFADY. 1966, p.17).

26
No Brasil os presbiterianos criaram o Mackenzie College, que veio a ser a Universidade Presbiteriana
Mackenzie e o Instituto Gammon em Lavras-MG. Os metodistas também deram ênfase à educação
criando o Instituto Grambery em Juiz de Fora, e colégios que vieram a tornar-se universidades como a
UNIMEP ( Piracicapa-SP), entre outras. Nota do autor.
27
Wady Safady aponta a data de 03 de dezembro de 1866 como a que “começou a funcionar este grande
instituto educacional...” ( SAFADY. 1966, p 39).
72

Não se poderia deixar de registrar o depoimento de Safady sobre a Universidade


Americana de Beirute, no tocante ao valor do protestantismo na formação de muitos
jovens imigrantes (e não imigrantes) cultos naqueles países: “Num recente comentário
da revista Time, seu redator afirmava que os formandos pela Universidade Americana
de Beirute, nas várias representações dos países na ONU, eram em número superior aos
graduados por qualquer outra Universidade, pois a maioria dos delegados árabes tinham
obtido seus títulos nesse estabelecimento [...] Realmente, “Al-Kuliah”, “The Protestant
College”, que veio depois da primeira guerra mundial a ser a Universidade Americana
de Beirute, sempre foi considerado como centro de cultura do mais alto nível e de todos
os países árabes [...]Todos os árabes respeitavam este nome por ser fonte de cultura e
sabedoria[...]O renascimento cultural árabe...foi continuado e ampliado pelos
missionários americanos, quando começaram sua ação religiosa e cultural na Síria e
Líbano, em 1820 [...]Nesses homens, formados pela Universidade Americana de
Beirute, está simbolizado o renascimento cultural árabe dos tempos modernos”.
(SAFADY. 1966, pp37-38)
Em relação à emigração, é digno de nota que os missionários protestantes viram
tal fenômeno como um problema para eles e seus projetos na região, levando em conta o
impacto sobre as igrejas que se haviam instalado. Knowlton refere-se aos relatórios dos
missionários, publicados em 1888, os quais se reportam ao problema: “A febre
emigratória não apresenta indícios de diminuir. Chegou a tornar-se uma mania. Tirou
das nossas igrejas alguns dos seus membros mais úteis; muitos dos professores dão
sinais de inquietude. (KNOWLTON. 1961, PP. 29 e 30). Portanto, pode-se perceber
certo sucesso do empreendimento missionário quanto a números, ou pelo menos,
indicativo de certa presença de alguma influência já neste início de sua implantação.
O 55º relatório anual da Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana
nos Estados Unidos da América (PCUSA), cuja transcrição é feita a seguir nos informa
sobre a emigração sob a ótica dos missionários: “... A emigração, como um fermento
possante, agita tôdas as aldeias e povoados do nosso campo. Todo o mundo está em
movimento e ninguém parece pensar em ficar, desde que possa , de um jeito ou de
outro, arranjar dinheiro suficiente para pagar a viagem[...] Há homens, meninos,
mulheres e crianças de Zaleh em todas as grandes cidades do Novo Mundo, na Austrália
e nas ilhas de todos os mares. A crônica de suas experiências formará um estranho
capítulo na história da Síria moderna.”(KNOWLTON. 1961, p 30). Pode-se perceber
existir indicação de que nem todos ali citados sejam protestantes, mas, por outro lado,
73

nota-se que membros das igrejas haviam emigrado, gerando inquietação nos
professores. Estes emigrantes trarão consigo sua crença e seus valores para as terras do
Brasil.

3) Harmonia e conflito?
A religião, com sua capacidade de apaixonar as pessoas, pode se tornar
instrumento de litígios e conflitos profundos. A história universal faz, sobejamente,
registro desta triste e infausta verdade. Perseguições entre judeus e cristãos; guerras
entre cristãos devido a divergências teológicas; países inteiros mergulhados em
conflitos de ordem religiosa entre integrantes de uma mesma fé (cristã), como a Guerra
dos Trinta anos28, a Revolução Puritana29na Inglaterra; os combates entre cristãos e
muçulmanos nas Cruzadas. Os conflitos na Índia entre hindus e muçulmanos; a Irlanda;
Cosovo; Bósnia, e outras tantas que poderiam ser alinhadas aqui.
Na Síria e Líbano, isto não foi diferente. Esta “colcha de retalhos” religiosa,
experimentou rupturas por muitas vezes, com derramamento de muito sangue.
Evidentemente houve momentos de paz e tranqüilidade, com tolerância e convivência,
mas que foram entremeados de distúrbios, escaramuças e embates violentos.

3.1) Harmonia:
Em entrevistas colhidas, Gatttaz admite a idéia da prevalência da harmonia, onde
“todos os grupos sempre conviveram pacificamente” (GATTAZ. 2001, p 201). Segundo
este autor, de acordo com narrativas bibliográficas, pode-se apontar exemplos de
mistura confessional e a segregação existente como “de caráter social” (p 202).
Algumas destas entrevistas são reproduzidas a seguir: “Em Alepo – Halep – tinha uma
convivência boa entre as três religiões...A maioria era muçulmano, parte era cristão,
parte judeu...Tinha bairros de judeus, bairro de cristãos, bairros de muçulmanos...A
gente vivia isolados (sic), mas sem agressão nenhuma, era um isolamento cultural...”
(p. 202). “A nossa cidade, Ibl ES-Saqi, era formada de dois bairros, um cristão e o outro
druso...E na vivência das duas zonas, havia uma tolerância, religiosamente falando

28
Trata-se de guerra entre católicos e protestantes da Alemanha, ocorrida de 1618 a 1648, havendo a
interferência de Gustavo Adolfo (Rei da Suécia) em favor dos protestantes. Em 27 de outubro de 1648 a
guerra terminou com a celebração da Paz de Westphalia. (WALKER. V.II, 1967, p 128-129).
29
Revolução ocorrida na Inglaterra e comandada por Oliver Cromwell, nos anos de 1643 até a
implantação da República com a vitória dos exércitos do Parlamento e condenação e decapitação de
Carlos I em 30 de janeiro de 1649. Nota do autor.
74

extraordinária...(...) Haja vista que os chekhs deles, em toda ocasião festiva ou religiosa,
vinham visitar meu pai como mentor da Igreja Presbiteriana. Ao mesmo tempo, os
bispos das Igrejas Ortodoxa e Católica Melquita, nunca visitaram suas igrejas, sem vir
visitar meu pai”. (p. 203). “Na nossa cidade, éramos como irmãos entre as religiões
diferentes. Lá tem muito católico, ortodoxo, presbiteriano, druso (...). Toda a vida a
convivência foi como uma família só”. (p 203). “A convivência entre as religiões em
Beirute para nós era normal. Nós pessoalmente não tínhamos problemas de religião com
ninguém, até hoje não temos problema de religião. Sempre existiu uma convivência
entre as religiões no Líbano, até hoje existe. Essa convivência só se perturbou nos
momentos de guerra, nos momentos de crises nas interferências estrangeiras”. (p 203-
204).
É possível que esta forma de ver, não reflita uma situação ligada a tempos
anteriores à primeira Guerra Mundial e, certamente, não reflete o contexto posterior a
1975. Além disso, esta região sempre esteve sob interferência estrangeira até 1946,
enfrentando crises e guerras, o que é indicativo de uma certa constância de conflitos.
Embora se deseje passar a idéia de paz, harmonia, convivência e cooperação, há
relatos sobre o aspecto oposto a este, ou seja, os de conflitos e lutas. A afirmação de
Gattaz será o fecho deste parágrafo e se percebe que havia relatividade pacífica nesta
questão da relação inter-religiosa: “É unânime entre os entrevistados, portanto, que
antes da guerra a convivência inter-religiosa no Líbano era relativamente pacífica,
embora variasse desde as relações discriminatórias às verdadeiras reações de amizade e
ligação familiar – o que é corroborado pelas demais fontes que se referem ao assunto.
Todos, quando se referem à própria posição frente às demais seitas, destacam suas
atitudes tolerantes e ecumênicas”. (p. 204).

3.2) Conflitos:
Ao se fazer a leitura de entrevistas coligidas por Greiber nota-se que, embora
haja um intento em minimizar o fato, a presença de choque e conflitos está patente :
“Mas essa história de que, no tempo dos turcos, os cristãos não podiam andar na
calçada, só podiam andar na rua, não é verdadeira. Não no nosso tempo! O que dizem é
que eles não podiam andar à direita da calçada...As ruas têm direita e esquerda Os
cristãos não podiam andar à direita; mas meu pai não sofreu isso”. (GREIBER et al.
1998, p 39). Alguma forma de restrição ou barreira existia e isso é fruto de
discriminação social e religiosa.
75

Na entrevista de Nabih Salamah, fica clara a segregação e intolerância, mesmo


que as pessoas não a queiram ver. O trecho da entrevista é revelador quanto a isso: “Os
choques entre cristãos e muçulmanos eram apenas choques locais; se um cristão passava
pelo bairro muçulmano batiam nele. Lá é dividido em bairros, quando o bairro é cristão
é tudo cristão, quando o bairro é muçulmano, é tudo muçulmano”. (GREIBER ET al.
1998, p 507). Percebe-se que há existência de bairro ou distrito formado por integrantes
de certo credo, sugerindo uma situação de isolamento, segregação ou gueto. Ramiz
Gattaz em sua entrevista corrobora com esta visão ao declarar: “Nós, do Líbano, sempre
entendemos que, por sermos cristãos temos mais direitos. Por causa disso, fomos
relegando os drusos os muçulmanos e outros a um segundo plano. Esta é uma
interpretação minha, muito pessoal, por que não creio que houvesse essa divisão ou
mesmo esse ódio entre religiões diferentes”. (GREIBER et al. 1998, p 749). Pode-se
perceber que há dificuldade em admitir a situação de conflito e segregação, mesmo
sendo por ele descrita. O desejo quanto ao ideal de convivência parece ser bloqueio à
percepção da realidade dura da segregação.
A presença de tensões e conflitos religiosos na Síria e no Líbano não são
desconhecidos por Truzzi que, aliás, os reconhece e confirma ao referir-se a este assunto
nos seguintes termos: “Os sírios e libaneses, em sua terra de origem, constituíram um
grupo relativamente marcado por conflitos de natureza étnica regional e religiosa. Seria
fastidioso e inoportuno rememorar a extensa cronologia de conflitos envolvendo essas
populações”. (TRUZZI. 1992, p.13). Ele mesmo fala ainda que “sendo a inserção étnica,
religiosa e regional tão decisiva em sua terra natal, a vinda ao Brasil não poderia
significar de uma hora para outra a anulação de tantas tensões pregressas”. (op cit p.15).
Essas diferenças e rivalidades acabaram por se transportar para a colônia. Afirma que
tais diferenças foram reacesas e aponta algumas bases históricas para tais distinções, das
quais se ressalta: “uma população majoritariamente cristã (sobretudo maronita) no
Líbano em contraposição a uma população majoritariamente muçulmana na Síria...Ao
longo do século XIX, a política imperialista dos governos europeus apoiando diferentes
seitas cristãs (França: católicos maronitas e melquitas; Rússia: ortodoxos orientais;
Inglaterra anglicana: drusos e às vezes cristãos) apenas exacerbou a divisão entre
muçulmanos e cristãos, os primeiros sentindo-se humilhados em relação aos últimos,
sempre favorecidos; “. (TRUZZI. 1992, p 20).
Sobre este assunto de conflito religioso, Knowlton, ao tratar das causas
religiosas da emigração, faz referência ao fato de que “após a retirada dos egípcios,
76

desenvolveu-se um sentimento de hostilidade entre os maronitas no norte do Líbano e


os drusos no sul”. (KNOWLTON. 1961, p 20). Ainda que ele reconheça outras causas
para esta rivalidade, afirma as de caráter religioso.
Conflitos e choques em 1841 e 1845 (KNOWLTON. 1961, p 20) antecedem ao
Grande Conflito ou Massacre ocorrido em 1860. Este conflito visto como de caráter
social, tem sua predominância religiosa inegável. Trata-se de luta “civil” entre drusos
(liderados por Said Jumblat) e cristãos maronitas. Este conflito ou massacre de 1860
com os drusos opondo-se aos cristãos, chamado também de Al Háraque (“O
Movimento”), teve a participação dos turcos que recebiam os cristãos foragidos
tiravam-lhes as armas e então os deixavam à sorte ante os muçulmanos locais. O saldo
de mortes entre os cristãos é estimado em 11.000 em Damasco, podendo ser o dobro em
todo o Líbano. (GREIBER ET al. 1998, p. 21).
Para tentar resolver esse conflito houve intervenção de potências européias
(França. Inglaterra, Rússia e Prússia) e em 1861 estabelece-se acordo para
administração do “Monte Líbano”. A região ainda se encontrava sob o domínio turco,
mas teria um governante (mutassarrif) cristão, mas não libanês, que seria indicado pelo
sultão otomano e aprovado pelas potências européias. Haveria também um conselho
administrativo representado por todos os segmentos religiosos, além de força policial.
Este sistema perdurou até 1915 quando foi nomeado um governador turco até o final da
Primeira Guerra (1918). (GATTAZ. 2001, p. 60).
Esta solução gerou certo equilíbrio e os conflitos cessaram, embora as diferenças
permanecessem. Após o término da Primeira Guerra e a não concessão da
independência do Líbano e da Síria, conflitos voltaram a ocorrer, sendo, mais uma vez,
de ordem social, política e religiosa. Gattaz assim se expressa sobre isto: “Durante as
duas décadas seguintes, a política libanesa foi dominada pelo conflito entre as
comunidades católicas apoiadas pela França, e as comunidades sunitas e Greco-
ortodoxas, que rejeitavam a legitimidade do Estado libanês e a supremacia política
maronita, lutando pela incorporação do Líbano ou parte dele a um Estado árabe maior”.
(GATTAZ. 2001, p.69).
A independência destes países (1943 e 1946) trará certa estabilidade e
apaziguamento. No entanto, o fermento estaria agindo de maneira não perceptível, até
que a massa viesse a ser totalmente levedada, com resultado trágico nos anos de 1970.
O ano de 1975 traz a eclosão da guerra civil no Líbano e que durará até 1990. A
avaliação de Gattaz é de que não se trata de conflito religioso, mas político, com
77

cristãos desejando preservar o sistema tradicional libanês de “privilégios”, enquanto


muçulmanos querem sua derrubada (op cit. p 119). Mas, o caráter religioso é inconteste
e inegável e o próprio Gattaz escreve: “Em Beirute, o lado ocidental (incluindo a região
ao sul da cidade), em que se encontram o porto, o aeroporto e os acampamentos
palestinos, tornou-se reduto dos muçulmanos, enquanto o lado oriental, mas próximo ao
Monte Líbano e à sede do governo em Baabdat, manteve-se área exclusiva dos cristãos .
O espaço intermediário tomado pelo mato, ficou conhecido como “linha verde”- através
do qual franco-atiradores visavam cidadãos só por pertencerem ao outro lado...”( p.121).
Atualmente vemos alguns distúrbios e conflitos ocorrendo e, em certa medida, o
histórico peso religioso está presente. Mas, isso já não é objeto de interesse dessa
dissertação.

4) Transferência para a colônia:


Os elementos fortemente presentes na vida dos sírios e libaneses, já apontados
na introdução deste capítulo serão trazidos ou transplantados para a nova terra, ou a
terra de adoção. Embora venham a sofrer pressão de aculturação e aproximação com
uma identidade “abrasileirada”, (GATTAZ. 2001, p. 188) no intuito de se fazerem mais
aceitáveis aos naturais, e angariar mais simpatia e possibilidade de penetração na
sociedade; a língua, a aldeia, a família e a religião acompanharão os emigrantes em sua
jornada e estes tentarão preservá-las em sua pátria adotiva, inclusive estabelecendo as
distinções existentes em sua própria terra natal. Neste sentido pode-se ver que “...as
dissenções entre sírios e libaneses foram aqui no Brasil recriadas, sobretudo a partir do
fim da Primeira Guerra Mundial, quando movimentos nacionalistas de emancipação
ganharam força”. (TRUZZI. 1997, p 96). A afirmação de Gattaz quanto a este ponto é
significativa, a fim de mostrar este aspecto de tentativa de preservação da cultura: “Os
libaneses encontraram, nos clubes regionais e nas igrejas e mesquitas os espaços de
sociabilização em que suas tradições podiam ser mantidas sem o receio do olhar
preconceituoso do cidadão brasileiro”. (GATTAZ. 2001, p 189).

4.1) A língua:
Este, talvez seja o elemento comum a todos estes imigrantes, e será trabalhado
no recesso da casa por eles e sua primeira geração no Brasil. Algumas escolas e colégios
serão fundados no intuito de se fixar o árabe na vida das gerações seguintes (TRUZZI.
78

1992, p 16). O árabe é usado também nos rituais religiosos, nas reuniões sociais da
colônia e na descontração do clube.
A segunda e terceira gerações, como normalmente acontece com imigrantes que
não se tornam herméticos socialmente com formação de guetos, perdem o contato com a
língua e deixam de falar, até pelo fato de buscarem ser mais parecidos com os naturais e
almejar identificação plena. Claro que houve e há exceções, mas a colocação feita por
Knowlton parece haver se efetivado: “Quando a geração atual morrer, o uso do árabe
desaparecerá aos poucos”. (KNOWLTON. 1961, p 182).
O interesse pela valorização da língua árabe levou à criação, em 1944, do Centro
Brasileiro de Cultura Árabe, sendo que este deveria ser o meio pelo qual seria mantida
uma cadeira de árabe e um professor na Faculdade de Filosofia na USP, já que havia
certo interesse, à época, pela língua e cultura árabe. No entanto, esta iniciativa não
perdurou por muito tempo. O professor da cadeira Taufik Kurban, acabou por demitir-
se, gerando uma interrupção de muitos anos dos estudos árabes na USP. (TRUZZI.
1992, p 25).
Alguns aspectos, inclusive o econômico com a valorização do petróleo e a crise
mundial, reacenderam o interesse pelo árabe e hoje há uma estrutura bem estabelecida,
inclusive com pós-graduação na USP, ligada à cultura árabe. Neste sentido a colocação
feita por Knowlton cumpriu-se em relação à colônia, cujos descendentes
desconsideraram a língua, mas não se efetivou quanto à língua e cultura árabes, que se
mantêm vivas, sobretudo com as novas levas de imigrantes muçulmanos após os anos
1950 e que se ligam fortemente ao Corão.

4.2) A família:
Este elemento é de grande importância (como visto) na vida e cultura dos povos
sírio e libanês. A estrutura da família é de caráter eminentemente patriarcal e se
apresenta em três espécies; a conjugal, a família grande (a mais importante nas origens
destes povos) e a de parentela. (KNOWLTON. 1961, p 167-168).
Uma transposição de caráter absoluto não é possível, mas a tentativa de
reprodução na nova terra é nítida. Em São Paulo, depois de morarem em bairros de
periferia, o primeiro núcleo de “colônia” foi a Rua 25 de Março e adjacências. Neste
setor os imigrantes se instalavam com suas lojas na parte inferior ou frontal do imóvel,
ficando a parte posterior ou superior para a moradia. Nesta habitação vão sendo
79

recebidos os familiares, até que possam estabelecer-se e repetir o processo, formando


um núcleo de famílias.
À medida que prosperava, o imigrante buscava os integrantes de sua família, a
fim de que se instalassem junto dele ou mesmo com ele. Este sistema vai se tornando
rarefeito devido à condição da colônia, e o eixo começa a deslocar-se da família grande
para a conjugal, que veio a ser, no Brasil, a mais importante. (KNOWLTON. 1961, p
173). Embora continue sendo nitidamente patriarcal, com autoridade última do pai,
ocorre certa flexibilização do papel feminino, havendo este alcançado destaque e
importância, seja na área da formação acadêmica ou na participação no mercado de
trabalho.
Mesmo com a mobilidade social que determinou a geográfica, a noção de
família ou “colônia” prevaleceu. Quando deixaram a 25 de Março, dirigiram-se para a
região da Vila Mariana, vindo a ser este núcleo a maior “colônia secundária”, formando
uma “grande família”. Ao se deslocarem para a região da Avenida Paulista e depois
para bairros considerados de classe alta repetiram, de certa forma, o modelo; mas a
idéia de “colônia” já não está mais tão evidente, preferem ver-se diluídos nesta grande
manifestação da brasilidade. (KNOWLTON. 1961 p 185).

4.3) A aldeia:
Este é outro elemento de grande significado e importância na base identitária do
sírio e do libanês (TRUZZI. 2005, p 3). A aldeia é uma espécie de universo próprio,
onde a noção de mundo (macro) quase se dissipa. Esta idéia é apresentada por
Knowlton que fala da lealdade e vinculação do sírio e do libanês à sua aldeia: “Os sírios
e libaneses dedicam o máximo de sua devoção à sua aldeia ou cidade, e têm pouca
consciência de unidades políticas maiores. Dentro de sua aldeia, o aldeão vive toda a
sua vida”. (KNOWLTON. 1961, p 171). Deve-se levar em conta que esta observação
refere-se à condição do final do século XIX e primeira metade do século XX. Tal
situação sofreu alguma modificação devido à interação promovida pelas
telecomunicações e também a melhoria dos transportes.
Os imigrantes buscaram “reproduzir” sua aldeia ou vínculo com sua terra natal
por meio de instituições sócio-recreativas ou associações sócio-culturais. Truzzi capta e
interpreta muito bem a tese da psicanalista, Claude F. Hajjar, na qual justifica o grande
número de instituições sírio-libanesas como sentimento de culpa e até luto pela
emigração já que abandonaram sua “terra mãe”, mesmo que Hajjar não use estas
80

palavras.(HAJJAR. 1985, p130). A reprodução do texto de Truzzi é interessante:


“Hajjar, psicanalista, atribui a profusão de instituições fundadas pelos sírios e libaneses
à culpa e ao luto decorrentes da experiência migratória. Ela relaciona o fenômeno à
década de 20 quando os imigrantes se desiludiram de voltar aos seus países de origem,
deixando de encarar a imigração como uma condição provisória”. (TRUZZI. 1992, p
16). Há, também, o aspecto do estabelecimento de tais instituições como de competição
de status, seja da aldeia (cidade) ou dos indivíduos, que se apresentam como os mais
bem sucedidos em comparação aos outros.
Este vínculo ou ligação à terra natal (cidade ou aldeia, mais até que ao país) será
percebido claramente na colocação de nomes nestas instituições, que serão como
“espelho” de sua vila ou aldeia; são os clubes Alepo, Antioquina, Marjioun, Rachaia,
Gaze, Zahle, Homs e outros. É interessante que Gattaz sustenta que os cristãos
estabeleceram clubes regionais, enquanto muçulmanos buscaram estabelecer entidades
mais abrangentes (GATTAZ. 2001, p 193). O motivo para este fenômeno pode ser o
fato de que o muçulmano enfatiza mais o aspecto étnico (árabe) e religioso
(muçulmano) que o regional ou nacional.
A ênfase na designação dos clubes e associações com os nomes das cidades, tem
seu ponto culminante com dois eventos significativos. O primeiro se deu em relação ao
Hospital Sírio-Libanês, que tinha seu nome apenas como hospital Sírio, vindo depois
receber a composição atual. O segundo caso é o dos clubes recreativos. Reproduzo
Truzzi neste particular: “O mesmo ocorreu com o Esporte Clube Sírio, fundado em
1917, que abrigava parte da coletividade síria e libanesa de São Paulo. Os libaneses
tentaram judicialmente introduzir o nome libanês. Não tendo conseguido, fundaram em
1934 o Clube Atlético Monte Líbano”. ( TRUZZI. 1992, p 24).
Tal situação leva a uma indagação quanto ao aspecto de cooperação ou não no
âmbito da colônia, ou melhor, da união ou não dos integrantes deste grupo. As
indicações são contrapostas, onde às vezes temos declarações de ajuda e harmonia e, às
vezes, testemunhos de desunião ou conflito.
Neste sentido o ponto de vista da psicanalista Hajjar é interessante, ao observar
que: “A coletividade árabe, em geral, está de tal forma dividida por diferenças religiosas
e econômicas, rivalidades de famílias e de religião, ciúmes pessoais, que não foi
possível organizar uma sociedade que representasse a coletividade como um todo”.
(HAJJAR. 1985, p 130). O mito da unidade-união parece ficar estremecido ante este e
outros depoimentos registrados.
81

O ideal romântico de ajuda e amparo é fulminado no depoimento de Ramiz


Gattaz e registrado por Greibber : “Há uma coisa importante a observar: o nosso patrício
não é prestativo como diz o brasileiro, afirmando que patrício ajuda patrício...Há uma
lenda que corre entre os brasileiros de que o “turco”, o sírio-libanês, progride na vida
porque um ajuda o outro. Se houver, é muito raro. O que sei é que um é muito fechado
em relação a outro. Claro, não procura massacrar, mas essa coisa que o judeu tem, nós
não temos”. (GREIBER et al. 1998, p 749). O registro da opinião de Guilherme Afif
Domingos, feito por Truzzi, caminha nesta direção: “A colônia árabe não é unida, não é
unida porque é difícil você dizer “colônia árabe”. Os povos falam a língua árabe, mas
nela existem cisões profundas devido a problemas de religião. Então aqui inicialmente
era colônia sírio-libanesa, depois, hoje ainda, tem as divisões de colônia síria, de colônia
libanesa, mas no facho do individualismo dessas colônias é que nós vamos ver que elas
acabam se fechando por cidades”. (TRUZZI. 1992, p 18).
Na percepção de Truzzi a complexidade da colônia, fez com que algumas
distinções ou diferenças aflorassem, por fermentação de clérigos e ou intelectuais
(TRUZZI. 1992, p 21). Ele mesmo reconhece, no entanto, que houve (e há) uma relação
de auxílio mútuo e amparo recíproco, ao registrar: “O segundo elemento significativo da
trajetória dos libaneses e sírios diz respeito às relações de complementaridade e de ajuda
mútua estabelecida no interior da colônia. Estas se manifestaram num sem número de
mecanismos que se desenvolveram, desde a acolhida dos recém-chegados pelos já aqui
residentes até o ápice das relações de complementaridade que se estabeleceram entre
industriais e grandes comerciantes”. (TRUZZI. 2005, p 40).
Assim, a “aldeia” reproduzida no Brasil é ponto identitário como sírio e libanês,
mas ao mesmo tempo é elemento distintivo como sírio e libanês ou como beirutino,
“homsense” , damasceno, etc. Termino este tópico com a transcrição de Truzzi: “Várias
tentativas de se formalizar a cooperação entre outros empreendimentos foram frustradas
porque as linhas divisórias de religião, parentesco e origem não puderam ser
transpostas. O que até certo ponto mostra que, na prática, os sírios e libaneses
conseguiram distinguir bem seus negócios de suas desavenças. Neste caso inverteu-se a
máxima:‘Inimigos, inimigos; negócios à parte’”. (Patrícios: sírios e libaneses em São
Paulo. p 55).
Percebe-se, portanto, que esta situação de tentativa de continuidade e
prolongamento da terra mãe existirá forte nos primeiros imigrantes. No entanto, a
descontinuidade se imporá à segunda e, certamente, à terceira geração, para a qual não
82

há referência de raiz a clã, aldeia ou cidade com a mesma importância e valor dado
pelos antecessores.

4.4) A Religião:
Este é outro elemento de relevância identitária para esta leva de imigrantes, que
trazem consigo suas crenças e fé particular. A religião, no contexto sírio e libanês, é
marcante não só no sentido espiritual, mas também no aspecto político (SAFADY.
1966, p 230).
A observação feita por Hajjar neste particular, sobretudo pelo fato de ser ela
psicanalista, é importante, pois reforça a tese do vigor e pujança da religião nestes
países e na cultura árabe. Ela afirma: “No mundo árabe, a religião é mais importante
que a identidade nacional. Cada grupo religioso é considerado uma comunidade
separada dentro do Estado”. (HAJJAR. 1985, p 46).
De modo idêntico às instituições ou associações de caráter sócio-filantrópico-
cultural que buscam reproduzir ou recriar a “terra mãe” em solo estrangeiro, a religião
também protagoniza este processo. Os credos que compunham o mosaico religioso na
Síria e Líbano serão também vivenciados no Brasil, mais ou menos intensamente;
mantendo-se por algum tempo distinto ou sendo absorvido na estrutura religiosa
predominante do catolicismo romano, ou, ainda, diluindo-se na multifacetada
manifestação da religiosidade brasileira. Mais uma vez a observação de Hajjar é
pertinente e reforça esta linha de pensamento: “Tanto a igreja quanto a mesquita ou
outro local para orações, apesar de transportados para o Brasil pelos imigrantes, foram
incapazes de reter seus membros ou manter sua posição na nova terra”. (HAJJAR. 1985,
p 77). Vê-se, com base neste depoimento e análise de uma psicanalista, que a
continuidade-descontinuidade se manifesta também na esfera da religião. A diminuição
da força da religião (fidelidade) como se via nos “pais” se verifica e, à exemplo dos
clubes e associações, esta já não é um ponto de relevância tão acentuado. O afastamento
ou não devotamento estreito à fé dos antepassados se verifica. Este fenômeno se percebe
entre os evangélicos, que não se ligam ao seu grupo religioso étnico, mas se “diluem”
entre os protestantes já instalados e brasileiros.
Não se pode desconsiderar, no entanto, a importância da religião (igreja,
mesquita, sinagoga, templo, etc) na vida do imigrante, no contexto novo em que se
encontra distante de sua terra natal e, muitas vezes, de sua gente-família. A observação
da pesquisadora e psicanalista Hajjar é muito pertinente, e reforça esta idéia do valor
sócio-afetivo da religião: “No primeiro período de vida do imigrante, a instituição
83

religiosa tem um papel central, pois as cerimônias e rituais árabes matam a saudade da
pátria, fornecem ligação com a terra natal e fazem lembrar aos imigrantes a cultura o
modo de vida de sua gente; é um refúgio dos problemas da vida no Brasil.” (HAJJAR.
1985, p 78).
Este aspecto é ressaltado por Martes ao tratar da imigração brasileira para os
Estados Unidos da América, ao afirmar: “As igrejas são ‘comunidades restritas’ onde os
mecanismos de controle social são mais claramente definidos, a ponto de fazer com que
seus integrantes sintam alguma segurança de que estão integrando uma rede de
reciprocidade positiva. É neste sentido que as igrejas foram aqui tomadas como
exemplos de ‘espaços seguros’ para a socialidade”. (MARTES. 1999, p.189).30
Algumas informações serão oferecidas sobre as religiões praticadas por estes
imigrantes e sua situação no Brasil.

4.4.1) Muçulmanos:
Embora haja seitas dentro do Islã, a abordagem será feita de modo genérico
quanto a esta religião, sem maiores diferenciações à exceção dos drusos.
Os muçulmanos têm comunidades expressivas em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e
Foz do Iguaçu. Em São Paulo a mais antiga mesquita é a Brasil, fundada em 1929
ligada à Sociedade Beneficente Muçulmana. Há também a mesquita xiita do Brás (cerca
de 20.000 membros) entre outras. Em Curitiba encontra-se a mesquita Ali Ibn Abu
Talib, construída em 1977 e que congrega cerca de 15.000 pessoas, sunitas e xiitas,
apesar de suas peculiaridades. No Rio de Janeiro há uma única mesquita ligada à
Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro. Há uma em Jacarepaguá, mas
está desativada por questões entre a comunidade e o construtor. Existe também o clube
alauita, na Tijuca, que congrega os partidários deste segmento (alauita). A comunidade
muçulmana no Rio de Janeiro atinge a marca de 5.000 pessoas. (REVISTA USP. 2005,
pp 230-249).31
Temos a informação da existência das seguintes mesquitas no Brasil, conforme
dados fornecidos por Hajjar: “São Paulo –capital- Mesquita Brasil, Santo Amaro, São
Miguel Paulista, São Bernardo; interior- Campinas e Barretos. Paraná: Curitiba,

30
É obra que versa sobre imigração de brasileiros para os EUA, na região de Boston, mas as aplicações e
princípios são compatíveis com a imigração de modo geral, incluindo-se os sírios e libaneses protestantes
no Brasil, uma vez que guardam semelhanças em suas histórias e evolução. Nota do autor.
31
Trata-se do artigo de Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, intitulado: Ritual, etnicidade e identidade
religiosa nas comunidades muçulmanas no Brasil. Nota do autor.
84

Londrina, Paranaguá, Ponta Grossa, Guarapuava e Foz do Iguaçu. Mato Grosso:


Cuiabá. Mato Grosso do Sul: Campo Grande e Dourados. Distrito Federal: Brasília. Rio
de Janeiro: Rio de Janeiro e Nova Iguaçu”. (HAJJAR. 1985, p 203-204). Estes dados
podem estar desatualizados e não consta a de Jacarepaguá, que pode ser a de Nova
Iguaçu.

4.4.2) Drusos:
Este grupo teve seu centro de aglutinação em Teófilo Otoni-MG- a partir de
1898, chegando a contar 176 membros da família. Espalharam-se após a morte do
patriarca. Após a Primeira Guerra Mundial a imigração drusa foi mais intensa, e foram
criadas duas grandes associações: Belo Horizonte; Rabtah Druza e em São Paulo; Lar
Druzo Brasileiro desde 1969. Estão presentes em vários estados do Brasil.

4.4.3) Greco-ortodoxos:
Os que, no Brasil, professam esta crença, estão ligados (como sírios e libaneses)
ao patriarcado de Antioquia, sediado em Damasco.
Conforme Wady Safady são quatro os períodos desta congregação no Brasil. No
entanto, deve-se observar que seu escrito é de 1966, portanto, dados mais atualizados
não são ali contemplados. Ele dá como início das atividades o ano de 1898 com a
chegada do primeiro padre Mussa Abu Haidar. O início é na Rua 25 de março,
mudando-se em 1903 para a Rua Florêncio de Abreu. Em 1904 é inaugurada a Igreja de
Nossa Senhora da Natividade na Rua Itobi. Em 1922 cria-se o arcebispado. Em 1939
adquire-se o terreno da Rua Vergueiro 1.515 onde é construída a bela catedral ortodoxa
de São Paulo, consagrada em 1942. Os ortodoxos mantém em seus rituais as línguas
grega e árabe, mas também o português.(SAFADY. 1966, pp 230-247).
Knowlton informa que alguns costumes antigos já não são mais observados tais
como: separação entre os sexos na hora do serviço religioso, congregação permanecer
todo o tempo em pé. Informa ainda que muitos deixaram esta tradição religiosa e ela se
manteve enfraquecida na maioria das localidades. “A Igreja Greco-Ortodoxa mesmo nas
grandes cidades permaneceu fraca [...] Até nas grandes comunidades de imigrantes com
igrejas ortodoxas estabelecidas, um grande número de imigrantes permaneceu afastado
da igreja...” (KNOWLTON. 1961, p 175-176).
85

Hajjar nos dá uma relação de igrejas ortodoxas no Brasil , conforme segue: São
Paulo-capital-: Igreja Nossa Senhora da Natividade, Liceu São Miguel, Catedral São
Paulo, Igreja do Culto Sírio Ortodoxo Antioquina e para todo o Oriente, Igreja São
Jorge,. Santos: Igreja de São Jorge. São José do Rio Preto: Igreja e sede episcopal.
Bauru: Igreja Ortodoxa São Jorge. São Carlos: Sede da Igreja Ortodoxa. Goiás:
Goiânia: Igreja de São Nicolau, Anápolis: Igreja de São Jorge. Minas Gerais: Guaxupé:
Igreja de São Elias, Belo Horizonte: Igreja e sede episcopal. Rio de Janeiro: Igreja de
São Nicolau. (HAJJAR. 1985, p 195-197).

4.4.4) Maronitas:
Embora tenham sido os primeiros da colônia a construir uma capela (1897 na
Rua 25 de março), usavam templos católicos cedidos para seus ritos. Muitos acabam por
se ligar à Igreja Católica Romana por questões de adaptação e privilégios em colégios.
Fundaram a Sociedade Maronita de Beneficência que socorria os carentes e até
“repatriava” alguns imigrantes (SAFADY. 1966, p 279). Em 1903 fundam a primeira
igreja maronita em São Paulo e em 1931 a Missão Libanesa Maronita do Brasil, no Rio
de Janeiro.
Hajjar nos fornece a relação de templos: São Paulo: Sociedade Maronita de
Beneficência, Igreja Maronita, Igreja Nossa Senhora do Líbano. Rio de Janeiro: Missão
Libanesa Maronita no Brasil, Igreja Matriz Nossa Senhora do Líbano. (HAJJAR. 1985,
p 199).

4.4.5) Melquitas:
Esta corrente religiosa cristã é de vínculo católico romano e, segundo Safady,
está ligada ao clero brasileiro desde 03 de maio de 1946. O lançamento da pedra
fundamental da Igreja Nossa Senhora do Paraíso ocorreu em 23 de agosto de 1951. A
inauguração se deu à Rua Paraíso n. 800 em São Paulo, no dia 20 de julho de 1952.
Desde 1941 têm , no Rio de Janeiro, a Igreja de São Basílio.(SAFADY. 1966, p 271 e
173). Não têm expressão significativa no Brasil e, como os maronitas, devido sua
vinculação com Roma, muitos acabaram por ligar-se ao romanismo. Suas igrejas são:
Rio de Janeiro: Igreja de São Basílio. São Paulo: Igreja Nossa Senhora do Paraíso.
(HAJJAD. 1985, p 201).
86

4.4.6) Protestantes:
Este segmento é o foco de interesse desta pesquisa e, como já foi dito, as
referências aos protestantes são muito escassas. Não julgo que seja por preconceito, mas
devo admitir que a pouca influência ou “visibilidade” haja determinado tal fato. Neste
sentido Knowlton chega a dizer que: “Atualmente não há nenhuma seita protestante
ativa embora tenham vindo muitos protestantes. Estas mantiveram um ministro e
reuniram-se durante um certo número de anos, mas hoje estão inativos” (KNOWLTON.
1961, p 188). Esta cessação deveu-se à morte do Assis (pastor) protestante Rv. Khalil
Simão Hacy, que aos 88 anos faleceu em 1944, tendo sido o fundador da Igreja
Protestante Síria. Este ministro veio ao Brasil pela primeira vez em 26 de outubro de
1899 e retornou à sua terra em 02 de maio de 1904. É ordenado pastor em 27 de janeiro
de 1907 e retorna ao Brasil em 1920. No Natal deste mesmo ano organiza a Igreja
Protestante Síria, permanecendo como seu pastor até 1935, quando já idoso aposentou-
se. ( DUOUN. 1944, p 225).
Hajjar nos apresenta um sucinto relato sobre esta igreja e este ministro, do que
transcrevo o seguinte: “A igreja foi instalada inicialmente, à Rua da Liberdade, 55 e
pouco depois passou para a Rua Florêncio de Abreu, 72, onde permaneceu até fins de
1924; posteriormente mudou-se para o salão de segundo andar do prédio 105 do Parque
D. Pedro II”. (HAJJAR. 1985, p 80).
Em relação aos presbiterianos, especificamente, Knowlton registra que estes
acabaram por ligar-se a outras igrejas após a morte de seu último ministro. Transcrevo
seu relato: “Os presbiterianos mantiveram uma organização religiosa separada durante
vários anos. Quando faleceu seu último ministro a igreja desintegrou-se. Os
presbiterianos da colônia estão inativos ou aderiram aos templos presbiterianos maiores
da cidade”. (KNOWLTON. 1961, p 178). Não fica claro que instituições são estas,
quem é o ministro e quando morreu, não se podendo fazer uma afirmação sobre tal
organização ou pessoa, infelizmente.
É fato que os presbiterianos árabes utilizaram templos evangélicos para seus
cultos. Esta informação é factual e depois desta “inatividade” chegou ao Brasil, oriundo
do Líbano, o ministro Ráji Mokdessi Khury (falecido em 2007) como representante
oficial da Igreja Protestante (presbiteriana). A informação de Safady é elucidativa: “ Em
São Paulo Al-Kassis Ráji efetua missas (sic) dominicais cada primeiro domingo do mês,
87

à Rua Vergueiro nº 2407.” (SAFADY. 1966, p 302). A igreja cujo endereço é


mencionado por Safady é a Igreja Presbiteriana da Vila Mariana.
No Brasil há vários núcleos de protestantes árabes, sendo que dois destes são
Igrejas organizadas, a saber: Igreja Evangélica Árabe de São Paulo e Igreja Evangélica
Cristã Árabe em Foz de Iguaçu. Há congregações em Cubatão (SP), São Bernardo do
Campo (SP), São José do Rio Preto (SC), Goiânia (GO), Rio de Janeiro (RJ), Ponta
Grossa (PR), Curitiba (PR) e Brasília (DF). Há o chamado Movimento Cristão Árabe,
cuja sede está em Foz do Iguaçu e que congrega cristãos protestantes no Brasil. Estas
informações foram coligidas junto ao pastor Kalil Samara, chegado ao Brasil em 1976 e
pastor da IEASP desde 1998.
Safady diz que “a comunidade protestante dos bem-árabes chama a seu templo
de: Igreja Evangélica Árabe” (p. 302), esta igreja tem sua sede à Rua Vergueiro, 1845,
Vila Mariana, São Paulo , e será o alvo do capítulo seguinte desta dissertação.
88

PARTE II

Capítulo Terceiro: Igreja Evangélica Árabe de São Paulo

1)Introdução:
Os protestantes, no Brasil, têm sua história, excluídos os franceses no Rio
(século XVI) e os holandeses no Nordeste (século XVII), ligada ao início do século XIX
com a “Abertura dos Portos às Nações Amigas”, protagonizada por D.João VI, Rei de
Portugal, quando de sua vinda com a Corte portuguesa para o Brasil (1808), fugindo de
Napoleão Bonaparte.
Embora a presença protestante venha ocorrer, neste primeiro momento, em
caráter de imigração, a partir do meado do referido século as missões protestantes
começam se estabelecer no Brasil. São congregacionais, presbiterianos, metodistas
seguidos por outros. É um processo gradativo e lento, mas permanente e definitivo.
Entre os imigrantes chegados no Brasil, no final do século XIX, estão os
chamados “turcos”, na verdade sírios e libaneses, que têm sua vinda a partir de 1871.
Entre estes já se conta a presença de protestantes e com certa representatividade
numérica (KNOWLTON. 1961, p 98). No entanto, não se compuseram ou se
organizaram como protestantes, formando ou estruturando qualquer comunidade
professante desta fé. As dificuldades ligadas aos aspectos próprios de instalação em
nosso país, com cultura diferente e predominância religiosa distinta da protestante
(católica romana), fazem com que mantenham sua fé restrita à manifestação larária e
familiar, ou, então, ligada às comunidades protestantes já existentes, mesmo com a
barreira da cultura e língua.
O conflito entre o ideal (comunidade protestante de língua árabe-étnica) e o real
(diferenças culturais evidentes – diversidade e predominância quase total de religião não
protestante-adversidade) leva à acomodação nos primeiros tempos, conduzindo os
imigrantes sírios e libaneses protestantes a aderirem aos “templos presbiterianos
maiores nas cidades” (KNOWLTON. 1961, p 178). Assim, o enfrentamento e a
89

superação da diversidade-adversidade se imporia como um fator a mais na experiência


desafiadora destes imigrantes. Valeria a pena o preço alto a ser pago?
A ambientação e aproximação com a cultura local e dominante não era algo a ser
rechaçado ou repudiado por eles naquele contexto. A necessidade de estabelecimento e
acolhimento (aceitação) eram muito importantes e, mesmo, fundamentais. Não se pode
dizer tratar-se de uma forma de assimilação, já que não foram “assimilados”. Tomamos
aqui o conceito de assimilação como “o processo pelo qual um grupo étnico se
incorpora noutro, perdendo (a) sua peculiaridade cultural e (b) sua identificação étnica
anterior”. (OLIVEIRA. 1976, p 26). Não foram, portanto, incorporados, apenas aliaram-
se. Pode-se admitir como sendo um tempo de “identidade renunciada”, sendo esta algo
“que não presume ausência total, mas algo a ser recuperado. Isto deve ser enfatizado
porque o que é latente pode se tornar uma realidade viva e, assim, uma ponte do passado
para o futuro”( Apud. OLIVEIRA. 1976, p 28) e “uma identidade latente que é apenas
‘renunciada’ como método e em atenção a uma praxis ditada pelas circunstâncias, mas
que a qualquer momento pode ser atualizada, invocada” ( Op. Cit. p 12).
Neste sentido, haverá, gradual e paulatinamente, o desejo de estabelecimento de
comunidade protestante de fala árabe, a fim de congregar os iguais, resgatando a
plenitude da identidade étnica árabe e a fé protestante trazida de sua terra natal, com
toda a carga de risco de estruturação hermética de pertença com exclusividade de seus
integrantes.
A tensão se fará presente entre a demanda universalista do cristianismo, a
necessidade de aproximação aos naturais para sua adesão e a força étnica com sua noção
de pertença e exclusividade como sírio-libaneses árabes e traços diacríticos. Neste
ambiente de conflito silente, vai triunfando a perspectiva não étnica, com abertura
cultural, ainda que se mantenha a presença de elementos ligados à língua durante alguns
serviços religiosos.

2) Delimitação:
O tema árabe-protestante oferece um desafio muito grande no contexto brasileiro
e, particularmente, no paulistano. Não se fará, neste trabalho, abordagem de todo o
aspecto ligado ao movimento religioso que envolve os protestantes árabes ou seus
descendentes. A presença de imigrantes de língua árabe e seus descendentes em igrejas
(comunidades) protestantes é significativa. Há comunidades em São José do Rio Preto,
Cubatão, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, São Bernardo do Campo, Curitiba, Ponta
90

Grossa e uma outra igreja organizada em Foz do Iguaçú. Estas podem ser objeto de
estudos acadêmicos, no propósito de se obter uma visão mais apropriada da situação
destes imigrantes neste contexto religioso protestante. No entanto, a abordagem aqui
feita é restrita à Igreja Evangélica Árabe de São Paulo (IEASP), cuja localização é Rua
Vergueiro, 1845, Vila Mariana. São Paulo- SP; com suas peculiaridades e propriedades,
constituindo-se um estudo de caso, sem que seus dados sejam aplicáveis de modo
generalizado.

3) Histórico:
Na obra clássica sobre imigração sírio-libanesa no Brasil, escrita por Knowlton,
encontramos a afirmação de que “um número considerável de sírios e libaneses
protestantes emigrou para o Brasil, na sua maioria presbiterianos. Durante certo número
de anos mantiveram congregações independentes, que, com o tempo, se dissolveram até
a supressão de reuniões puramente sírias ou libanesas. Muitos se tornaram inativos ou
se converteram às Igrejas Católicas ou Ortodoxas, e outros filiaram-se às Igrejas
Protestantes fora da colônia”. (KNOWLTON. 1961, pp 98-99).
Podem ser vistos, nesta declaração, alguns aspectos de valor e importância
dentro de nosso foco de interesse.
- Número considerável de protestantes emigrantes da Síria e do Líbano;
- A maioria destes do ramo presbiteriano;
- Mantiveram (por certo tempo) congregações próprias (étnicas);
- Migraram (alguns) para outras religiões de caráter cristão não protestante;
- Outros, filiaram-se às Igrejas Protestantes nacionais locais.
Percebe-se a tentativa de manutenção do aspecto étnico aliado ao religioso
(protestante árabe) quando do estabelecimento das chamadas “congregações
independentes”. Mas, ao mesmo tempo, a não resistência à pressão de minimização das
diferenças com o “universo circundante”, levará à desativação (“supressão”) de tais
comunidades e à adesão às Igrejas já existentes (facilitação) fora da colônia, sejam
protestantes ou não.

3.1)Antecedentes:
A IEASP é uma Igreja independente, cuja organização ocorreu nos meados de
1960. No entanto, antes de sua organização formal (embora não exista uma linha
histórica vinculante direta), houve, pelo menos, uma tentativa de se estabelecer e, de
91

fato, se estabeleceu certa Igreja Protestante de língua árabe em São Paulo. Pode ser
apontada como antecedente da IEASP, ainda que não antecessora, a Igreja Protestante
Síria, sendo esta cristã, protestante e de etnia árabe (síria).
Pode-se ter a informação com Knowlton nos seguintes termos: “Atualmente não
há nenhuma seita protestante ativa, embora tenham vindo muitos protestantes. Estes
mantiveram um ministro e reuniram-se durante um certo número de anos, mas hoje
estão inativos” (KNOWLTON. 1961, p 188). A referência aqui feita é à Igreja
Protestante Síria fundada pelo Assis (pastor em árabe) Rev. Kalil Simão Hacy. Este
ministro veio ao Brasil pela primeira vez em 26 de outubro de 1899. Retornou à sua
terra em 1904. Lá faz seus estudos teológicos e foi ordenado ministro em 27 de janeiro
de 1907, voltando ao Brasil em 1920. No dia 25 de dezembro deste mesmo ano organiza
a Igreja Protestante Síria, da qual será o pastor até 1935, quando, já idoso, aposentou-se.
Faleceu em 1944, aos 88 anos de idade (DUOUN. 1944, p 225). (Anexo 6).
Safady registra: “Em 1922, a comunidade protestante agrupou-se ao redor do
ministro Khalil Racy, recém chegado do Líbano. Al Kassis Khalil (Kassis ou assis, em
árabe, significa ministro) alugou um grande salão na Rua Florêncio de Abreu, 72 e
efetuou os cultos dominicais regularmente, durante vários anos. Assisti a muitas missas
(sic) naquele salão por ser pegado ao meu consultório. A frequência era numerosa, de
famílias ben-árabes ilustres. Uma placa de bronze foi colocada na porta com os
seguintes dizeres, em português e em árabe: ‘Igreja Evangélica Síria’. O nome sírio
abrangia, na ocasião, o genérico dos ben-árabes”.(SAFADY. 1966, p 301). Deve-se
notar que embora a placa diga Evangélica, o título dado por Safady em seu livro é
IGREJA PROTESTANTE SÍRIA (op. cit. p 301), nome dado, também, por Duon. A
Igreja foi estabelecida, em seu início, na Rua da Liberdade, 55, seguindo depois para a
Rua Florêncio de Abreu, 72 onde funcionou até 1924. A sede final foi o salão do
segundo andar do prédio 105 do Parque D. Pedro II (HAJJAR. 1985, p 80). Ao
extinguir-se a Igreja, os bens foram vendidos e o valor doado aos pobres.
De fato, o longo período de 1935 até 1960, marcará uma dilatada “inatividade”
de organização de comunidade protestante árabe em São Paulo, com os imigrantes e
seus descendentes participando dos serviços religiosos em outras igrejas protestantes
brasileiras.

3.2) Estabelecimento:
Há uma informação oferecida por Safady de que “em São Paulo Al-Kassis Ráji
efetua missas dominicais (sic) cada primeiro domingo do mês, à Rua Vergueiro nº
92

2407” (SAFADY. 1966, p 302). Tal informe refere-se ao fato da retomada de atividades
de culto para a colônia e em caráter étnico (em árabe), sendo já chamada de Igreja
Evangélica Árabe.
Pode-se perceber uma estrutura de linha de tempo para a instalação e
organização desta Igreja nos seguintes termos:

3.2.1) Designação do Ministro:


O ministro Reverendo Hági Azar Khoury vem do Líbano com documento oficial
do Sínodo Nacional Evangélico da Síria e Líbano, que o apresenta como representante
entre os “falantes de árabe”. A tradução deste documento é feita a seguir, estando a
cópia do original em inglês em anexo (anexo 7).

“Beirute, Líbano
Outubro 1, 1963.
A quem interessar possa:
Este visa certificar que o Rev. Ragi Azar Khoury é um pastor
ordenado do Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano e que
ele é o representante oficial do Sínodo entre os evangélicos falantes do
árabe do Brasil, América do Sul, desde 1956. Está ele, ainda,
autorizado a pregar o Evangelho, a organizar igrejas, e realizar todos
os outros serviços pastorais de acordo com os princípios do sistema
presbiteriano de governo e doutrina.
Dado no primeiro dia de outubro de 1963.” (Tradução própria)

Este documento é assinado pelo Rev. Ibrahim M. Dagher, secretário, trazendo


abaixo o carimbo do Sínodo Nacional Evangélico da Síria e Líbano.
Vê-se de tal peça que, embora o Rev. Ragi32 seja reconhecido como
representante desde 1956, só em 1963 é que ocorre a expedição do referido documento.
Nele alguns pontos de interesse se realçam:
- Credenciamento e respaldo oficial do Sínodo Nacional de sua terra de origem;
- Autorização para organizar igrejas, embora não seja dito que apenas entre árabes, mas
o que se pode depreender pelo fato de ser representante entre os “evangélicos falantes
do árabe”;

32
Há alguma variação de escrita no primeiro nome. A prevalência é Ragi, conforme se lê no documento
emitido pelo Sínodo. Nota do autor.
93

- Subordinação de seus “serviços pastorais” aos moldes do governo e doutrina


presbiterianos, delineando os contornos de sua forma de ação e vínculo religioso.

3.2.2) Vinda e propósito do ministro:


Do documento transcrito é possível perceber que o propósito do respaldo e ou
encaminhamento do ministro Ragi é a evangelização para organizar igrejas,
particularmente entre os sírios-libaneses e outros falantes do árabe, bem como cuidado
pastoral e assistência espiritual a eles e seus familiares. Portanto, evangelização,
organização e cuidado.
Não se pode determinar se ele veio como imigrante para trabalhar (em sua
vinda) como os demais, ou se veio com propósito exclusivo e determinado do exercício
do “ministério religioso”. Não há, no documento, uma exclusividade neste sentido, mas
autorização e respaldo oficial do Sínodo quanto à atividade pastoral-evangelizadora
entre os árabes.

3.2.3) Condução de atividades:


A condução de suas atividades está vinculada ao propósito de sua vinda. Tem o
destaque para afirmação como pastor e “representante oficial do Sínodo”. Esta
formalização lhe dá o vínculo com esta organização e o coloca em um lugar distintivo
entre os seus patrícios. Sua condição de imigrante trabalhador, em termos da esfera não
religiosa, não afeta sua condução de atividade religiosa. Ele é ministro religioso oficial.
É fato que o Rev. Ragi desenvolveu atividade comercial, da qual recebia ou
auferia seu sustento e de sua família. Era proprietário de uma loja para noivas na cidade
paulista de Campinas, onde residia. Este é um aspecto a ser considerado, pois ainda na
atual estrutura da IEASP, seu pastor com formação teológica e ordenação formal, Rev.
Khalil Samara, é um pequeno industrial do ramo de artefatos plásticos e embalagens,
não percebendo salário da Igreja. Esta parece ser uma diretriz presente nestas
comunidades, onde o pastor recebe alguma ajuda ou benefício (moradia, por exemplo),
mas não tem seu sustento dependente da Igreja.
As atividades do Rev. Ragi eram conduzidas secularmente para seu sustento em
sua loja, mas, paralelamente, desenvolvia sua atuação na Igreja, cumprindo o propósito
de sua indicação do Sínodo: serviço religioso (pregar o Evangelho, organizar igrejas e
praticar os atos pastorais-sacramentos).
94

3.2.4) Contatos e arregimentação:


A inatividade dos serviços religiosos protestantes entre os árabes precisava ser
superada e tais serviços retomarem sua dinâmica. Mas, as dificuldades existiam e seu
retorno seria um processo um pouco longo e demorado. Os contatos serão estabelecidos
à base dos relacionamentos parentais, sociais e comerciais. O Rev. Ragi residia em
Campinas (onde também mantinha seu comércio), mas sua base de atuação pastoral
mais destacada se fez em São Paulo, para onde vinha toda semana.
O elemento mais preponderante neste momento foi a pessoalidade, ou seja, o
contato, por meio de visitas, aos já protestantes frequentadores de outras igrejas
evangélicas, aos seus familiares e aos que se mostravam interessados nesta nova
congregação de fé cristã. O Rev. Ragi casara-se com Rosa Abud, filha de um presbítero
da extinta Igreja Protestante Síria, que lhe dará todo apoio no projeto de arregimentação
e aglutinação dos antigos membros daquela igreja, ensejando início de atividades em
casas.
Havia um número razoável de árabes que alimentava o desejo de retomar as
atividades religiosas protestantes em língua árabe, restabelecendo ou organizando uma
nova Igreja. Deste modo, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960 intensificam-se
os contatos e o sonho começa a tornar-se realidade, primeiro reunindo-se como Igreja
Árabe em templo cedido, depois adquirindo propriedade e estabelecendo-se.

3.2.5) Início das reuniões:


Assim, o início da década de 1960 encontra estes imigrantes sírio-libaneses e ou
seus descendentes realizando encontros, reuniões e cultos nos lares e espaços cedidos
em templos evangélicos em São Paulo. Fazem, em 1961, solicitação à Igreja
Presbiteriana de Vila Mariana para uso de suas dependências. Neste primeiro pedido
não lograram êxito: “O Conselho resolve comunicar à Igreja Árabe que lamenta não
poder atender ao seu pedido de realizar seus trabalhos em nosso templo aos domingos
pela manhã (11:30) em virtude de o salão estar ocupado nesse horário.” ( Livro 3 -Ata
272 de 21/06/1961). Reenviam solicitação com nova proposta de dia e horário: “É lida
uma carta, de 28/09/1961 da Igreja Evangélica Árabe, informando que passará a usar
nosso templo, para seus cultos vespertinos, somente nos lº e 3º domingos de cada mês.”
( Livro 4 - Ata 275 de 29/11/1961), o que lhes é concedido. Assim, passam a reunir-se
aos domingos, e Safady nos dá esta informação: “Em São Paulo Al-Kassis Ráji efetua
95

missas (sic) dominicais cada primeiro domingo do mês , à Rua Vergueiro nº 2407. A
comunidade protestante dos ben-árabes chama seu templo de: ‘A Igreja Evangélica
Árabe”. (SAFADY. 1966, p 302).
Este período durará, aproximadamente 06 anos, estendendo-se até 1967. A
gratuidade da cessão do espaço corre risco de desaparecer: “Resolve-se oficiar à Igreja
Evangélica Árabe, informando-a de que, em face de nossas despesas de manutenção do
prédio, bem como de outras, relacionadas com assistência social, funcionários e
construção, somos levados a solicitar-lhes que cooperem conosco, financeiramente,
ofertando todo mês, à nossa tesouraria, CR$40.000,00 (quarenta mil cruzeiros), como
retribuição ao uso do salão social do Edifício Isaac de Mesquita, aos domingos, no
período das 15 às 18 horas.” (Livro 4 - Ata 315 de 06/05/1964). Em resposta a esta
solicitação registra-se o seguinte: “Recebe-se ofício da Igreja Evangélica Árabe, datado
de 25/05/1964, em resposta ao nosso ofício solicitando uma oferta mensal para auxílio
no pagamento de despesas pelo uso do salão social desta Igreja, salão este que vem
sendo cedido àquela Igreja gratuitamente há muitos anos. Em vista dos termos contidos
nesse ofício, em que a Igreja Evangélica Árabe declara que nada pode pagar pelo uso do
salão, alegando entre outras coisas que se trata de uma comunidade pobre e pequena,
resolve-se responder argumentando a respeito das razões alegadas e pedindo que, pelo
menos, sugiram uma quantia mensal que possam pagar para auxiliar as despesas dos
nossos zeladores que também os assistem.” (Livro 4 – Ata 316 de 03/06/1964). Há nova
tratativa do assunto sobre contribuição à IPVM: “Toma-se conhecimento de carta de
25/05/1964, da Igreja Evangélica Árabe, na qual, acusando o recebimento de nosso
ofício de 12/05/1964, alega diversas razões para não contribuir com qualquer
importância para os cofres da Igreja, em retribuição ao empréstimo que há longos anos
lhe fazemos do nosso salão social para realização dos seus cultos; é aprovada a redação
de nova carta, datada de 23/07/1964, em que reiteramos nosso pedido de contribuição,
retificando: em que expusemos nossas razões e analisamos a situação, deixando que o
assunto ficasse ao final entregue às mãos daquela entidade.”(Livro 4 - Ata 319 de
05/08/1964). Parece ter permanecido a gratuidade, ou não acontecer a contribuição
solicitada.
O término deste período de uso da IPVM será em 1967, conforme se lê:
“Resolve-se oficiar à Igreja Evangélica Árabe fixando até 21/12/1967 o prazo de uso de
96

nosso salão social, visto que a Igreja dele necessita para as reuniões da UPA
(adolescentes) e para os ensaios do coro.” (Livro 4 – Ata 375 de 04/10/1967).33
Assim, movidos pelas circunstâncias, bem como a própria concepção de Igreja
(no cristianismo de modo geral e na mentalidade árabe) foram levados à necessidade de
reunirem-se em lugar próprio dedicado ao “seu culto”; o seu templo, ter a sua igreja.
Deixam de usar o templo da IPVM, uma vez que já haviam adquirido o terreno
localizado na Rua Vergueiro, 1845, onde existia uma velha casa (abandonada), mas que
lhes viria a servir de local de culto e onde construiriam o templo da Igreja Evangélica
Árabe de São Paulo, onde se encontra até hoje.

3.2.6) Aquisição da Propriedade:


Os ben-árabes estavam se reunindo, realizando seus cultos, mas ainda não
tinham o templo próprio. O sonho continuava a ser acalentado. Próximos ao lugar onde
se reuniam (Igreja Presbiteriana da Vila Mariana) e na mesma calçada, um pouco
adiante, havia uma velha casa abandonada e que vinha sendo usada por pessoas
extremamente carentes. O Rev. Ragi e outros membros começam a movimentar-se no
sentido de tentarem adquirir aquele imóvel. Conseguem descobrir o dono e as
negociações começam e, por fim, chega-se a um valor de interesse das partes. A
propriedade é comprada e com esforços da própria comunidade árabe protestante, por
meio de dízimos e ofertas dos membros e simpatizantes, promoção de almoços, chás,
bazares e outras atividades, vai sendo pago o financiamento feito. Tal vitória foi fruto de
ingente esforço, já que a comunidade não era grande e nem dotada de significativa força
econômica.
Além da mera aquisição do imóvel (feita com muito empenho), havia
necessidade de reformas, pois, como dito, tratava-se de uma casa abandonada e estava
em péssimas condições de habitabilidade. Estas reformas implicavam em quase uma
nova construção. Contam, neste tempo, com ajuda de algumas figuras de maior
expressão como a do deputado Camilo Ashcar, que conseguiu, junto aos órgãos
públicos, ajuda para a limpeza da área e parte da recuperação da propriedade, localizada
na Rua Vergueiro, 1845. Continuaram os almoços, chás e atividades para angariar
recursos e fazer frente a tais reformas.

33
Os livros aqui apontados são os livros de Atas do Conselho da Igreja Presbiteriana de Vila Mariana.
Nota do autor.
97

3.2.7) Organização da Igreja:


O sonho se concretizava. A organização34 da Igreja se dá com a realização da
Primeira Assembléia em 19 de março de 1967 às 18h00, com 52 membros presentes,
passando a existir não apenas de fato, mas de direito. Os estatutos da Igreja são
aprovados, sendo muito simples em sua estrutura primitiva. Estes dados estão
constantes nos documentos da IEASP, mas que não foram liberados para consulta ou
reprodução para serem anexados; mas foram fornecidos ( por informação oral)
gentilmente pelo Rev. Kalil, pastor da igreja. Seus contornos serão modificados,
ampliados e adaptados posteriormente, para adequação às leis regentes à época, como
de sorte acontece às demais igrejas no país, chegando à estrutura administrativa atual.

3.2.8) Edificação e Consagração do Templo:


A casa que abrigava a Igreja deveria ser reformada para tornar-se, de fato, um
templo. Novo desafio. A empreitada é iniciada e, mais uma vez, a comunidade se
mobiliza com suas atividades peculiares para levantamento de recursos para as reformas
necessárias. A consagração do templo ocorre no dia 25 de novembro de 1979 em
concorrida cerimônia. A IEASP tinha, agora, não apenas sua sede, mas seu templo. A
construção não tem a exuberância, o tamanho e imponência dos templos da Igreja
Ortodoxa, ou da Igreja de Nossa Senhora do Paraíso (ambas em São Paulo), mas tem
seus traços simples e modestos, buscando, em sua fachada, fazer lembrar as construções
de arquitetura árabe, para realçar sua identidade étnica árabe, conforme se pode ver nas
fotos em anexo.
Em seu interior não há luxo, ícones ou imagens, como é próprio de igrejas
protestantes. Há na lateral direita de quem entra no templo, dois quadros com inscrições
em árabe, sendo um deles a saudação costumeira do apóstolo Paulo: “Graça, e paz a vós
outros” (I Co.1:3) e o outro dito de Jesus: “Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará”.( Jo.8:32).
Infelizmente a escritora Claude Fahd Hajjar, na lista de templos árabes em São
Paulo, não faz referência à Igreja Evangélica Árabe (em plena atividade), embora se
refira à Igreja Protestante Síria que não existe desde 1935.

34
Por organização não se entende a consagração do templo, mas a constituição da Igreja legal e
civilmente, passando a existir como Igreja dentro dos padrões exigidos e reconhecidos pela lei civil
brasileira. Nota do autor.
98

Um fato interessante é que a Igreja Árabe que utilizou outros templos para suas
reuniões e cultos, abrigará, em seu templo, uma comunidade evangélica em formação.
Trata-se da Igreja Renascer em Cristo (do pastor Hernades, hoje apóstolo), que alugou o
espaço (templo e dependências) para funcionamento de seus serviços religiosos (cultos,
reuniões, etc). Este tempo foi relativamente longo cobrindo dos anos de 1982 a 1990.
Não era cessão gratuita, mas aluguel. O motivo da escolha foi devido à localização de
muito fácil acesso e a proximidade com o metrô Ana Rosa. Por parte da IEASP a cessão
foi oportuna , pois sua propriedade era pouco utilizada e havia muita ociosidade quanto
às dependências. Embora as linhas doutrinárias e litúrgicas destas duas igrejas não
fossem tão próximas, houve uma convivência respeitosa neste período.

4) Estrutura:
A IEASP tem uma estrutura, por sua gênese presbiteriana, com feições à desta
tradição religiosa protestante. Assim, a Igreja conta com um Conselho Administrativo
composto pelo seu pastor presidente e outros cinco (5) presbíteros35 (não pastores).
Estes últimos são eleitos pela assembléia geral dos membros da IEASP por um período
de dois (2) anos, podendo ser reeleitos sem limite de vezes. Estes homens devem, ainda,
se submeter a um curso básico teológico de dois (2) anos. Este conselho é presidido
pelo pastor presidente, que é o pastor da Igreja. O governo, no entanto, não é de caráter
democrático representativo nos moldes presbiterianos, mas congregacional, onde a
assembléia decide, inclusive questões ligadas à admissão ou demissão de membros,
disciplina e outras. O Conselho leva à assembléia os assuntos tratados previamente, mas
a autonomia de decisão é da igreja reunida em assembléia, em moldes batista de
governo. Pode-se perceber uma certa mescla de sistema governativo entre presbiteriano
e congregacional (batista).
Há, também, um conselho fiscal composto por três membros eleitos pela
assembléia, que formam uma espécie de comissão de exame de contas , cujo relatório é
apresentado à assembléia para conhecimento e aprovação.
O pastor (ministro regularmente ordenado) é eleito pela assembléia geral para
mandato de 04 anos, podendo ser reeleito sem limite de vezes, para o cargo de
presidente do conselho. Ocorre que, para o cargo de pastor, não existe outro candidato,
sendo o exercício do pastorado quase que vitalício, embora com mandatos sucessivos.

35
Homens eleitos pela assembléia da Igreja e regularmente ordenados, com função de auxiliar o pastor na
administração da igreja, no cuidado dos membros e na aplicação da disciplina eclesiástica. Nota do autor.
99

Não há designação superior de pastor, ou seja, não há órgão superior de supervisão ou


deliberação (como presbitério, diocese, ou algo assim), a decisão é da igreja local, sem
interferência de órgão colegiado ou individual superior. Caso haja fator que desabone o
pastor quanto à conduta, este poderá ser destituído pela assembléia e outro será
conduzido ao cargo.
Por informação do Rev. Kalil sabe-se que, para ser pastor da Igreja, é necessário
ser árabe (natural), ou descendente de árabe e falante deste idioma. À medida que o
tempo passa, a possibilidade de um falante árabe descendente (nascido no Brasil) vir a
ser pastor se coloca mais vivamente.
O pastor da Igreja não recebe nenhum tipo de remuneração por seu trabalho
pastoral. Seu sustento deve vir de sua atividade profissional, seja comércio, indústria,
emprego assalariado ou outra fonte. Os pastores Wladimir e José em suas entrevistas
confirmam esta posição e entendem que tal postura está ligada à cultura árabe. O pastor
não deve depender da igreja para seu sustento. Isto lhe dá maior autonomia e
independência, além de certa autoridade entre os integrantes da igreja. A própria dona
Rosa (esposa do pastor Ragi) incentivou ao pastor José para que buscasse uma formação
secular e conseguisse seu sustento.
Há, na estrutura da Igreja, a presença de diáconos,36 também eleitos pela
assembléia por período de dois (2) anos, e com reeleição sem limites. A ordenação
feminina não é permitida, sendo o atual pastor radicalmente contra, como se pode ver
em sua entrevista.
A Igreja conta com sociedade de jovens, que tem reuniões às sextas-feiras nos
lares e aos sábados no templo. Participam ativamente do culto na condução de cânticos
em português e em árabe.
Embora a IEASP já tenha contado com uma forte e operosa Sociedade
Auxiliadora Feminina (SAF), organizada em 06 de março de 1966, atualmente este
grupo está menos ativo, embora ainda continue a existir e auxiliar nos trabalhos de
caráter social que são desenvolvidos pela igreja. Atividades como, por exemplo, curso
de culinária árabe, são desenvolvidas pelas mulheres, contando com uma organização
estabelecida com estrutura formal (diretoria).
Não foi possível realizar uma verificação aprofundada sobre o aspecto ligado à
membresia (número de membros) da Igreja, uma vez que os documentos que poderiam

36
Homens eleitos pela assembléia da igreja e regularmente ordenados, tendo a função de cuidar da ordem
do culto, estrutura física do templo e auxílio aos carentes e necessitados. Nota do autor.
100

fornecer este material, tais como atas da igreja e do conselho, arquivo, estatutos e afins,
não foram liberados (por parte da diretoria) para exame e exposição de dados. O que se
percebe é uma presença bem pequena de pessoas nos cultos, sejam os de quinta-feira,
sejam os de domingo (alcançando 30 a 40 nestes e 8 a 15 naqueles), embora o pastor
afirme haver algumas centenas de pessoas registradas no rol, este número elevado
engloba os que já saíram para outras igrejas, deixaram de frequentar ou mesmo
faleceram. O não acesso a estes dados traz certo prejuízo para a pesquisa, pois dificulta
saber sobre nível de instrução, profissão, estado civil e outros aspectos ligados aos
integrantes da IEASP. Ressalto que o pastor Kalil sempre se mostrou solícito e pronto a
me atender, fornecendo-me as informações que poderia conceder, permitindo-me acesso
a fotos, alguns documentos e participar das atividades da IEASP, tendo também a
simpatia dos participantes dos cultos e reuniões da igreja.
A presença de crianças é muito pequena. Vê-se que com um número pequeno de
membros assíduos na frequência aos cultos, e sendo este pequeno número de pessoas já
mais idosas, fora da idade de ter filhos pequenos, é natural que o número de crianças
seja quase nenhum. O Pastor José, em sua entrevista, aponta o fato da presença bem
pequena de crianças e a elevada faixa etária dos freqüentadores na década de 80.
Este é um fator que inspira preocupação, já que pode significar (caso não haja
ingresso de jovens por conversão ou transferência de outras igrejas para lá) o risco de
não haver continuidade da igreja em um futuro não muito distante. Este fenômeno tem
sido verificado em igrejas protestantes na Europa e em regiões rurais no Brasil. É uma
espécie de não reposição de pessoal, ou de não renovação da vida, pelo fato de não
existirem crianças na igreja, nem jovens que possam ter filhos e trazê-los e conservá-los
na fé ali praticada. Não existe, nestes casos, nem sequer o chamado crescimento
vegetativo, ou seja, o crescimento apenas por meio dos filhos nascidos da própria igreja.

5) Atuação Social:
Neste ítem será focado o aspecto de atuação social em termos de ação-serviço
social e rede de apoio social.

5.1) Lar Pró-Velhice Água da Vida:


A colônia árabe teve uma atuação significativa na área social, com instituições
de amparo e assistência a carentes, idosos, doentes e outros. Entre estas temos a
101

Sociedade da Mão Branca, Orfanato Sírio, Sociedade Beneficente de Moças, etc. Hajjar
nos oferece uma lista imensa (dezenas) de entidades de caráter sócio recreativas
estabelecidas por imigrantes árabes e seus descendentes, mostrando o interesse do árabe
neste segmento (HAJJAR. 1985 pp 205-215).
A IEASP seguiu neste fluxo, dentro de suas limitações, e estabeleceu na região
de Campinas (próximo ao local de residência do Rev. Ragi) o “Lar Pró-Velhice Água da
Vida”. Esta instituição teve o início de suas atividades no final dos anos 70, cuidando e
abrigando idosos. A construção consta de refeitório, cozinha e doze alojamentos
(quartos) para os internos. Em 1994 esta instituição deixou de ser gerida pela IEASP e
passou ao Poder Público para administração. Questões de ordem administrativa levaram
a esta decisão de entrega e perda de controle e coordenação da casa. Fatores que
contribuiram para isto foram a idade do Rev. Ragi e de sua esposa e a distância de São
Paulo, sede da Igreja.

5.2) Ações Assistenciais:


A Igreja procura manter um sistema de auxílio e ajuda a carentes, por meio de
assistência ou socorro imediato, com distribuição de cestas básicas de alimentação, além
de campanhas de solidariedade de agasalhos e cobertores.

5.3) Suporte ao Imigrante:


Martes afirma que as igrejas são uma excelente estrutura de apoio ao imigrante,
sendo elemento de grande importância na rede social de suporte e ajuda aos que chegam
em um país na condição de imigrantes (legal ou ilegal) e que necessitam de contato e
vínculos culturais (MARTES. 1999, p 189).
A IEASP está, de certa forma, ligada a este conceito, embora já tenha estado
engajada de modo mais ativo no passado. A igreja mantinha 03 aposentos (uma vez que
o pastor morava em Campinas e não nas dependências do templo) que serviam de apoio
temporário de moradia aos imigrantes que chegavam. A limitação é evidente, mas o
princípio estava posto. Além do aspecto de recepção e hospedagem imediata, oferecia-
se a possibilidade de informações de trabalho e colocação entre os “patrícios”, fazendo
com que houvesse esta inserção primeira com a ajuda dos membros da Igreja, às vezes,
no próprio comércio. Esta prática vai se tornando menos evidente, até porque o fluxo de
imigrantes de hoje, em sua maioria, é de muçulmanos, que procuram seus referenciais
102

religiosos de apoio (mesquita), bem como o fato de ligações familiares já estruturadas e


estabelecidas no Brasil, facilitando a inserção social e no trabalho, sem dependência da
Igreja para tal fim.
Neste sentido, embora tenha havido no passado e haja, ainda hoje, alguma forma
de suporte, não se pode afirmar que atualmente a IEASP seja um ponto de referência
como rede social de apoio ao imigrante árabe, seja para albergá-lo ou promover sua
inserção no mercado de trabalho.
O pastor José afirma não ter havido nenhuma forma de apoio ou sustentação ao
imigrante recém chegado do Líbano e Síria. Sua declaração é incisiva quanto a isto.
Assim, mesmo havendo discreta atuação apontada pelo Rev. Khalil., não se pode
afirmar que a IEASP tenha tido no passado, ou tenha atualmente uma vocação de apoio
e amparo ao imigrante, nos moldes que se vê, por exemplo, entre as igrejas brasileiras
nos Estados Unidos no acolhimento aos imigrantes lá chegados.

5.4) Espaço de Cultura:


Não é possível afirmar que a IEASP tenha, nos dias atuais, uma vocação de
afirmação da cultura árabe. Entende-se, aqui, por cultura todo o acervo de costumes,
língua, hábitos, ritos, festas e celebrações, entre outros aspectos, que está ligado a certo
e determinado grupo étnico.
Neste sentido, aquela que é objeto deste estudo, mantém a presença da língua
árabe como traço cultural e étnico, mas esta não é a única, dividindo espaço com o
português. No entanto, embora não possa ser considerada um “espaço de afirmação
cultural árabe”, ocorrem atividades (mesmo que esporadicamente) ligadas a este aspecto
vinculado à cultura. Exemplo disto é a realização de cursos de culinária árabe, onde se
vê o interesse pela promoção e divulgação da cozinha árabe (traço cultural), mesmo que
haja também alguma forma de expressão religiosa com a chamada devocional: leitura da
bíblia e oração. Há também cultos de gratidão por ocasião da data de independência do
Líbano, Síria, Jordânia e outros. Não há, no entanto, festas ou comemorações de cunho
cultural de valor relevante dentro do ambiente da IEASP.

6) Serviços Religiosos:
Por serviços religiosos entende-se, aqui, as atividades regulares e constantes da
expressão comunitária de culto. Estão excluídos os congressos, encontros eventuais,
103

palestras, e outras atividades que não podem ser caracterizadas como de rotina ou
costumeiras na estrutura da vida eclesiástica desta comunidade. São englobados aqui as
chamadas reuniões de oração, estudos bíblicos, cultos doutrinários, cultos de
evangelização e adoração, entre outros.

6.1) Estudos Bíblicos e Oração:


Minha presença nestes cultos (observação participante) foi bastante regular
(alcançando mais de 20 vezes), inclusive manifestando opinião sobre o tema tratado,
quando solicitado. O dia da realização deste serviço religioso é quinta-feira, no horário
de 20h00.
Normalmente há um número não muito grande de participantes. Número este
que oscila entre 08 a 15 pessoas, incluindo familiares do pastor. O programa é, em
geral, conduzido pelo pastor, constando de orações espontâneas, cântico de hinos do
hinário Cantor Cristão e outros avulsos, sendo alguns em árabe, alguns em português.
Aqueles têm sua fonação passada para o nosso alfabeto, na tentativa de dar condições
aos não falantes do árabe de também cantarem neste idioma. Quando o pastor da Igreja
(Rev. Kalil) é quem dirige o culto, o estudo é feito em português e também em árabe, já
que há falantes e não falantes do árabe. Normalmente há presença de brasileiros
visitantes e que não são árabes, nem descendentes. Ocorre, por vezes, o cântico
individual de algum hino unicamente em árabe.
O propósito neste culto é o estudo da Bíblia, ou melhor, de textos ou trechos da
Bíblia, orientando e instruindo a Igreja no aspecto ético e doutrinário. É, em essência,
ressalvado o aspecto da língua, muito parecido com cultos realizados nas igrejas
protestantes tradicionais ou históricas, que ocorrem durante a semana.

6.2) Escola Bíblica Dominical:


Não há realização de Escola Bíblica Dominical37 regularmente para adultos. Esta
atividade ocorre para as crianças, quando de composição de sala infantil, o que não é
regular, ou seja, também acontece eventualmente. Para os adultos não há classe de
estudo nos moldes de uma Escola Bíblica Dominical regular. Ocorre, no entanto, uma

37
Trata-se de atividade de educação religiosa nas igrejas protestantes, onde se tem a realização ou
apresentação de lições com estudos bíblicos em salas ou classes, que observam as diferenças faixas
etárias, desde o berçário até os adultos, com propostas e materiais adequados às repectivas faixas etárias.
Nota do autor.
104

vez por mês, no horário do culto dominical, em conjunto, a ministração de estudo


bíblico. Existe espaço físico (salas) para a realização de tal atividade, mas não ocorre
atualmente. A presença de crianças no culto matutino dominical é muito pequena, o que
pode determinar o não funcionamento de salas para elas. Como fruto da observação
participante, foi possível constatar o fato da não realização destas atividades nas vezes
em que lá estivemos.

6.3) Culto Dominical:


Este é o principal serviço religioso comunitário da IEASP. Os cultos dominicais
têm seu início às 10h30 e se estendem até por volta de 12h00. Este é um culto mais
formal do que os realizados às quintas-feiras. O pastor traja (costumeiramente) terno e
gravata e se posiciona à frente da comunidade, no púlpito, para a condução do serviço e
pregação, ou apresentação do sermão. A composição da liturgia se faz com orações,
cânticos (jovens têm participação efetiva) em árabe e português e pregação com base
em algum texto lido na Bíblia. A pregação é, por vezes, em árabe e português, embora
mais em português que em árabe. Por exemplo, no culto em memória de Gataz Mitre
(02/08/2009), o sermão foi integralmente apresentado em português, talvez por haver
número expressivo de visitantes não falantes do árabe.
A manutenção da igreja é feita por meio das ofertas, contribuições e dízimos dos
membros ou frequentadores da igreja. Em todos os cultos dominicais é feito o
levantamento destas ofertas e dízimos, com discrição e sem apelos nos moldes das
comunidades neo-pentecostais. O pastor Kalil nos informou que esta atitude (ofertar) é
entendida como um ato de culto, devendo fazer parte da celebração da igreja.
A IEASP é uma igreja protestante histórica e tradicional em sua manifestação de
culto, ou seja, não existem ocorrências pentecostais ou carismáticas de glossolalia (falar
línguas ininteligíveis), de revelações diretas da parte de Deus como sendo profecias,
inspiração ou revelação (indicação) direta do Espírito Santo sobre quem e o que se vai
pregar naquele culto. Há ordem e sobriedade na condução de todo o processo litúrgico,
ainda que seja, ao modelo protestante, simples e sem ostentação de roupas, paramentos,
etc.
A mudança ocorrida, levando à pregação em português, é relativamente recente.
Até 1992 a pregação era inteiramente em árabe e o pastor da igreja (Rev. Ragi) entendia
que a Igreja Árabe deveria ter seu culto em árabe, pois as outras igrejas já tinham a
pregação em português, além de ser esta sua marca de identidade. A admissão do
105

português como língua na pregação, se dará devido à presença de pessoas que já não
entendiam (nem falavam) o árabe, e que acabavam indo para outras igrejas, já que não
conseguiam entender o que se cantava ou falava. Este fenômeno ocorria principalmente
entre os jovens. Percebeu-se também que este era um instrumento não adequado na
tentativa de ganhar adeptos à fé ali alimentada e difundida. O pastor Ragi passa a
admitir que o sermão seja apresentado em árabe e traduzido para o português.
A liturgia38 é simples, contando com o uso de instrumental contemporâneo como
teclado, violão, guitarra e bateria. O uso do hinário tradicional ainda permanece, sendo
utilizado o hinário Cantor Cristão, sendo este o hinário oficial das igrejas batistas
históricas e tradicionais no Brasil. Ocorre, também, o emprego de cânticos avulsos
(chamados “corinhos” ou cânticos espirituais) muito apreciados e tocados pelos jovens.
Desse modo, pode-se dizer que as atividades de culto comunitário e público da
IEASP se resumem em dois dias da semana e em dois encontros.

6.4) Realizações Eventuais:


Algumas atividades de caráter eventual ocorrem na IEASP, tais como:
congressos, encontros, seminários, conferências e outros. No mês de junho de 2008
ocorreu o congresso “Jovens com Propósito”. Este evento objetivava “capacitar jovens
para o evangelismo e despertá-los para missões” ( Boletim Dominical da IEASP do dia
11/05/2008). Quatro congressos árabes evangélicos do Brasil já foram realizados e em
outubro de 2009 ocorrerá mais um, que reunirá árabes evangélicos de várias partes do
Brasil. Os propósitos destes congressos são variados, como a adoração, a instrução
doutrinária e a preparação para os desafios da evangelização entre os árabes no Brasil.

7) Linha Teológica:
O cristianismo não é monolítico em sua manifestação, e possui vários segmentos
em sua estrutura de formulação teológico-doutrinária. Podemos alinhar três grandes
vertentes desta manifestação de fé: o catolicismo romano, o ortodoxo oriental e o
protestantismo em suas manifestações diversas.

38
Termo usado no contexto protestante para apontar a forma de condução do serviço de culto público,
constando de orações , hinos, pregação, confissão, intercessão e outros atos. Nota do autor.
106

A IEASP é uma igreja que se denomina evangélica, o que a coloca dentro deste
universo protestante.39 Sua origem está, devido à pessoa de seu fundador pastor Ragi
Khoury, ligada ao Sínodo Evangélico do Líbano e Síria, cuja vinculação é ao
protestantismo de tradição presbiteriana, como se percebe do documento emitido por
este sínodo ao credenciar o Rev. Ragi como seu representante junto aos falantes do
árabe no Brasil.
Desta forma, a IEASP assume e adota uma postura teológica de tradição
presbiteriana, recepcionando, como referencial confessional, a Confissão de Fé de
Westminster40. O pastor Kalil mostrou-se esquivo em sua entrevista quanto à afirmação
confessional da igreja, mas em conversas várias durante o período de preparo desta
dissertação, afirmou ter a IEASP a Confissão de Fé de Westminster como seu
referencial doutrinário. A admissão de tal Confissão a torna, em teoria, uma igreja de
tendência calvinista, já que a referida confissão teve forte influência deste modo
teológico de pensar e reflete, obviamente, os aspectos próprios e particulares desta linha
teológica, inclusive com a doutrina da Soberania de Deus, Seus decretos e suas
defluências.
No entanto, como ocorre em alguns setores do presbiterianismo no Brasil, existe
certo distanciamento, ou tensão, entre esta posição confessional presbiteriana calvinista
adotada e o discurso ( praxis) na apresentação da mensagem religiosa. Esta tensão se dá
pelo fato de ser o discurso religioso (pregação) de caráter arminiano41, ou seja, com
forte carga de responsabilidade do indivíduo na deliberação de sua salvação, sendo dele
a responsabilidade de escolha de seu destino final e eterno, estando a ação de Deus
condicionada à decisão do indivíduo. Minimiza-se, portanto, no discurso a contundência
da confissão de fé adotada, embora esta seja assumida como expressão doutrinária,
teológica e confessional da IEASP.

39
Evangélico e protestante, neste momento, são tomados como idênticos, como sendo herdeiros ou frutos
do movimento da Reforma Religiosa do Século XVI, que veio a ser conhecida como Reforma Protestante.
Nota do autor.
40
“A Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo maior (1648) e o Catecismo menor (1647) foram
redigidos na Inglaterra, na Abadia de Westminster, por convocação do Parlamento. A assembléia
funcionou de 1º/7/1643 a 22/2/1649. O objetivo primário era a revisão dos Trinta e nove artigos.
Trabalharam no texto da confissão 121 teólogos e 30 leigos nomeados pelo Parlamento (20 da Casa dos
Comuns e 10 da Casa dos Lordes), 8 representantes escoceses, 4 pastores e 4 presbíteros, os melhores e
mais preclaros homens que possuía”.(MAIA. 2007, p 19).
41
Jacó Armínio (James Arminius - 1560-1609) fora aluno de Teodoro de Beza ( sucessor de Calvinmo
em Genebra), e rejeitou a doutrina da predestinação (eleição) conforme ensinada por Calvino e seus
sucessores. ( MAIA. 2007, p 18).
107

Não se estabelece aqui qualquer forma ou modo de avaliação, crítica ou


julgamento quanto à postura ou admissão desta ou daquela corrente teológica, nem se
esta é certa ou errada. Apenas é feita a constatação, pela observação participante, deste
fato da distinção entre a adoção teórica da teologia confessional calvinista e a prática do
discurso de cunho arminiano na pregação.

7.1) Sacramentos:
A IEASP admite, como as igrejas protestantes de modo geral, apenas dois
sacramentos, chamados também de ordenanças, que são: o Batismo e a Eucaristia ou
Ceia do Senhor.

7.1.1) Batismo:
Podem ser destacados dois pontos peculiares a este sacramento no contexto da
Igreja Árabe: a forma e os batizandos, ou seja, como se batiza e a quem se batiza.
Quanto à forma existe uma flexibilidade entre o modo aspersionista e o
imersionista. É deixado ao arbítrio e vontade daquele que receberá o batismo. A decisão
cabe, portanto, ao batizando e o pastor ministrará o modo escolhido pelo novel
integrante da comunidade. A prevalência tem sido (atualmente) a imersão, que ocorre
em templo de igrejas batistas ou em rio, já que não há batistério na IEASP, mesmo
porque sua diretriz inicial era presbiteriana em todos os seus aspectos, incluindo a
prática aspersionista de batismo.
Em relação àqueles que devem ser submetidos ao rito batismal, ressalta-se a
necessidade de batismo aos egressos do catolicismo romano, catolicismo ortodoxo,
religiões não cristãs e as ditas seitas cristãs como mórmons, testemunhas de Jeová e
outras.
Verifica-se a quase inexistência da prática do pedobatismo, ou seja, do batismo
infantil. Esta era prática adotada pela IEASP até 1999, quando então deixou-se de
observar tal procedimento. Assim, para alguém ser submetido à cerimônia do batismo é
necessário o exercício pessoal de fé e declaração disto formalmente perante a Igreja,
com aceitação e declaração de adoção dos princípios da fé cristã evangélica ou
protestante. Esta mudança, segundo informação do atual pastor Kalil Samara, foi
admitida pelo pastor Ragi depois de refletir que a grande maioria daqueles que haviam
sido por ele batizados na infância, não estava mais na igreja. A partir deste ano (1999) a
108

IEASP, praticamente, deixou de ministrar o batismo infantil, embora o pastor Kalil em


sua entrevista afirme que se os pais são fiéis frequentadores e desejarem, ministrará o
batismo à criança. Há, em meu modo de ver, influência para adoção desta postura, pelo
fato de ter o atual pastor da igreja origem batista.
Mais uma vez pode ser percebido o aspecto de tensão entre a confessionalidade
admitida; “Não só os que de fato professam a sua fé em Cristo e obediência a ele; mas
também os filhos de pais crentes (ainda que só um deles o seja) devem ser batizados”
(Confissão de Fé de Westminster, capítulo XVIII, IV) e a prática da igreja. É
admissível, frente a estas realidades, que a identidade da igreja esteja sendo redefinida
ou reconstruída, perdendo seu delineamento presbiteriano de governo e sua linha
calvinista de doutrina e confessionalidade orientada pela referida Confissão.
Neste sentido a continuidade vai sendo quebrada e a ruptura se impõe. A
descontinuidade de caráter étnico-cultural vai sendo assimilada, ao mesmo tempo que a
descontinuidade de caráter teológico e doutrinário.

7.1.2) Eucaristia ou Ceia do Senhor:


Este rito ou cerimônia sacramental é realizado na IEASP, de modo similar ao
praticado nas igrejas protestantes ou evangélicas. Sua realização ou ministração consta
da entrega dos dois elementos materiais do rito, a saber, o pão e o vinho (ou suco de
uva), e a distribuição é para aqueles que estejam formalmente ligados (não afastados da
comunhão) às igrejas evangélicas das quais sejam membros. A Ceia do Senhor não é,
portanto, restrita aos membros da IEASP, mas extensiva aos evangélicos de modo geral.
A celebração está incluída no culto regular dominical da igreja, ocorrendo todo o
primeiro domingo de cada mês, salvo quando haja algum fator que possa determinar a
mudança do dia estabelecido.

8) Ritos de passagem:
Integram, neste contexto, tais ritos o casamento e o funeral. Nestas cerimônias
não há manifestação diferente do que se pode presenciar em outras comunidades ou
igrejas cristãs protestantes ocidentais. A influência ocidental cristã é inegável e tem
feito com que aspectos culturais étnicos não sejam recepcionados nestes ritos ali
praticados.
109

O casamento ocorre nos moldes cristãos ocidentais, com a noiva em vestes


tradicionais e sua entrada, a orientação pastoral aos noivos e a bênção das alianças.
O ofício fúnebre é feito também no templo (mas não necessariamente) e não
guarda nenhum aspecto inusitado em relação ao modo comum ocidental de cerimônias
protestantes. Não existe culto pela alma do falecido, mas pode-se ter o culto em
memória (ou memorial) , no qual se agradece a Deus a vida e o exemplo do falecido.
Mas, em nenhum caso há qualquer forma de intercessão a favor do morto.

9) Vínculos Organizacionais:
Há, no universo do protestantismo, igrejas ou comunidades que são autônomas,
independentes e sem vinculação federativa ou distrital em relação a outras. As igrejas
protestantes históricas (mesmo pentecostais) têm sua estrutura de vínculo, seja ao
distrito episcopal (metodista), presbitério e sínodo (presbiterianos), à convenção
estadual ou nacional (batistas), ao ministério (assembleianos), para citar apenas alguns
exemplos. A IEASP não está, formalmente, vinculada a qualquer convenção ou sínodo,
ou distrito no Brasil. Mantém uma relação de parceria, não subordinação eclesiástica,
com a Convenção Batista Brasileira (tradicional)42, para estabelecimento de Igrejas no
Oriente Médio incluindo Iraque, Líbano, Síria.
Pela placa fixada na entrada de seu templo pode-se perceber que houve, no
passado, alguma vinculação com o Sínodo Evangélico do Líbano e Síria (presbiteriano)
e que se mantém muito palidamente. Os estatutos atuais (por informação do atual
pastor) da igreja contemplam um vínculo com o Supremo Conselho Evangélico da Síria
e Líbano, com o intuito de facilitar o estabelecimento de igrejas naqueles países, embora
esta formalização de vínculo não haja ainda ocorrido. Deve-se notar, no entanto, que
este vínculo ou relação não significa ingerência daquela instituição eclesiástica dentro
da vida administrativa e doutrinária da IEASP.
A IEASP participa e tem envolvimento com o chamado Movimento Árabe
Cristão,43 cujo propósito é a evangelização de árabes, buscando levá-los à adesão da fé
cristã de tradição protestante. Deve-se notar, no entanto, que a IEASP não tem vínculo
de subordinação, nem admite a interferência desta organização em seus assuntos
internos e organizacionais.
42
A CBB é o órgão máximo da denominação batista no Brasil. Congrega, no Brasil, os batistas de caráter
não pentecostal. Existe desde 1907; congrega e auxilia as igrejas batistas (históricas tradicionais) em sua
estrutura de integração e espaço de identidade, comunhão cooperação (http://www.batistas.com).
43
Trata-se de movimento missionário com sede em Foz do Iguaçu, PR. Tem o própósito de alcançar
árabes com a mensagem religiosa cristã e, também, preparar cristãos para este trabalho entre os árabes,
sobretudo entre os muçulmanos, seu maior foco. Nota do autor.
110

O atual pastor da igreja, Rev. Kalil, informa da existência de um projeto para,


junto com a Igreja Evangélica Árabe de Foz do Iguaçu, criarem uma convenção de
Igrejas Evangélicas Árabes no Brasil, mas, as igrejas locais manterão sua autonomia, o
que o pastor faz questão de ressaltar em sua entrevista. Assim, firma-se, mais uma vez,
a estrutura de governo de caráter batista.

10) Expansão:
A IEASP tem, na pessoa de seu atual pastor, uma atuação bastante forte no
estabelecimento de igrejas na região do Oriente Médio. Em parceria com a Convenção
Batista Brasileira países como o Líbano, Iraque, Síria e da África (Sudão) têm
atividades da igreja sendo desenvolvidas e comunidades são ali estabelecidas. Embora
não seja uma iniciativa da IEASP, ela está envolvida com a cessão de seu pastor para
estas realizações.
Atividades de evangelismo são também desenvolvidas pela igreja no âmbito de
São Paulo. Tais programações envolvem reuniões para jovens em seu templo, visitas e
realização de cultos em lares de pessoas que assistiram a algum culto no templo, ou que
seja amigo de algum membro da Igreja; distribuição de literatura em português e em
árabe (folhetos). Todas estas atividades são realizadas com o propósito de expansão e
alcance de outras pessoas, a fim de levá-las à conversão com a adesão à fé evangélica
no âmbito da Igreja Evangélica Árabe de São Paulo.
Os folhetos (anexos 8-12) em árabe são distribuídos em lugares públicos ou
direcionados. O folheto, por exemplo, que tem a figura de uma mulher rodeada de
estrelas cujo título é: “O mandamento da virgem Maria para todos os cristãos”, visa
alcançar àqueles que têm em Maria (católicos ou ortodoxos gregos) um ícone para
veneração. A igreja imprimiu, também, exemplares do Evangelho (em árabe) escrito por
Lucas para distribuição e evangelização entre os falantes do árabe (anexo 13).
Todas estas realizações visam levar a IEASP a uma retomada de crescimento em
número de membros. Os esforços de seus membros e de seu pastor são no sentido de
levá-la a uma expansão e conquista de pessoas para a fé cristã evangélica.

11) Perdas:
A IEASP é uma comunidade protestante ou evangélica de feição ou linha
tradicional com raízes presbiterianas e, atualmente, de inclinação batista. Neste sentido,
111

a exemplo das igrejas protestantes tradicionais ou históricas, enfrenta o dilema da


“situação de mercado” (BERGER. 1985, p 149) na competição e concorrência religiosa,
com o conflito de manter sua estrutura tradicional e correr o risco do esvaziamento, ou
adaptar-se fazendo com que seu conteúdo seja revestido de forma mercadológica
aceitável e palatável, no oferecimento de seu “produto ou mercadoria”. Ela tem
enfrentado esta encruzilhada que demanda decisão de consequências significativas no
contexto de crescimento e expansão.
A Igreja Evangélica Árabe tem “perdido” membros, pois tem optado por manter
sua postura de tradição evangélica com teologia confessional, sem vender-se aos apelos
do “mercado”. Sua abertura em relação ao uso da língua portuguesa e participação dos
jovens em uma liturgia menos formal, têm sido fatores que minimizam as perdas (que já
foram maiores), mas não são impedimento para que se verifique a saída de pessoas para
as igrejas mais dadas aos apelos emocionais como as pentecostais e neo-pentecostais, e
outras com promessas de caráter de sucesso imediato. Também não significa render-se
ao apelo do “mercado”, mas uma adaptação sensata e própria às mudanças do tempo
presente.
É possível observar que a fidelidade aos princípios tradicionais tem determinado
a postura doutrinária e litúrgica da IEASP, o que lhe tem custado a saída de membros e
a não adesão ou ingresso de número significativo de novos convertidos à fé por ela
professada e vivida.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao principiar estas considerações finais, devo admitir que alimentava, ao iniciar


este projeto, uma expectativa muito grande em relação à possibilidade de deparar-me
com aspecto de excentricidades ou extravagâncias (em meu modo ocidental de ver) no
ambiente da IEASP, devido aos traços étnicos e culturais deste universo oriental árabe.
No entanto, deparei-me com um quadro diverso daquele que se formara em meu
imaginário. Sucedeu-me o que sucede a muitos pesquisadores: fui surpreendido com o
que encontrei e levado a redefinir minhas pressuposições.
Ao inteirar-me das atividades e manifestações religiosas dessa comunidade,
pude perceber que toda a representação ligada a uma visão (supostamente exótica) do
árabe, estava ausente na vida daquela igreja, quase que em sua totalidade. Algumas
hipóteses levantadas ou formuladas tiveram que ser modificadas, e isto pelo confronto
com a realidade percebida na IEASP, devido à minha observação participante por mais
de um ano.
Considero, assim, que a Igreja Evangélica Árabe de São Paulo teve sua ênfase
inicial no suporte ao imigrante de língua árabe, mormente o sírio-libanês, e professante
da fé protestante, oferecendo-lhe apoio religioso para sustentação desta sua fé, a fim de
suportar a adversidade do meio religioso (católico) e cultural, onde se veria inserido.
Esta proposta primeira de ação da IEASP manteve-se e foi, de certa forma, causa de seu
enfraquecimento ou esvaziamento, pois o suporte à fé representava, também, suporte de
identidade étnica do grupo. Essa característica, por sua vez, ligava-se aos antigos (os
velhos, os idosos) ou aos filhos dos imigrantes mais velhos e que já eram adultos,
fazendo com que os mais jovens, desejosos da identificação com seu mundo
(brasilidade) não árabe, buscassem comunidades que não trouxessem mais este
marcador de distinção ou diferença étnico-religiosa.
É possível perceber que, ao contrário de outras experiências entre imigrantes, a
exemplo dos brasileiros nos Estados Unidos da América do Norte, a IEASP não se
mostrou ativa ou forte na função de rede de apoio social ao imigrante, no que respeita
ao suporte e estrutura de amparo nos primeiros tempos de adaptação à nova realidade na
qual se viu inserido. Sua atuação, no passado, foi acanhada (pequena), e hoje percebe-se
ser menor do que o vivenciado no passado. Não seria equivocado afirmar que a IEASP,
nos dias atuais, não se enquadra no que se pode chamar de rede social de apoio. Esta
113

não é uma função presente, existente ou desenvolvida por ela. O entendimento é que
esta função era (e é) da família do imigrante e não da Igreja.
Quanto ao aspecto do reforço da fé dos imigrantes árabes (sírio e libaneses)
protestantes, vai, como foi dito, perdendo seu tônus ou vigor, passando a existir,
gradualmente, o desejo (ou necessidade) de alcançar os nativos. Aquele ideal “de árabe
para árabe”, começou a diluir-se. A imposição do caráter universalista (ecumênico)44 do
cristianismo conflitará com a visão ou dimensão étnica restritiva desta comunidade,
empurrando-a para abertura à presença e influência da cultura não-árabe. Deixa de ser,
portanto, essencialmente étnica para ser universalizadora, onde o traço da língua árabe
está, residualmente, presente, na maior parte dos serviços religiosos ou nos contatos
sociais após tais serviços.
O conflito entre a continuidade e a descontinuidade se impôs e se impõe de
modo claro, perceptível e forte. O dilema é: manter as tradições, cultura e costumes
(continuidade) e tender a desaparecer por que os jovens não se identificam mais com
isto, ou quebrar esta linha e se amoldar em um amálgama ou misto (em uma troca de
costumes) com a cultura dos não árabes. Na IEASP esta ambivalência vai sendo
resolvida com a assimilação de costumes e cultura do protestantismo brasileiro. A opção
é a adaptação.
O uso da língua portuguesa em maior espaço que a árabe, é indicativo do rumo
assumido pela igreja. Este caráter identitário árabe está sendo refeito e reconstruído, ou
seja, há um processo de reconstrução ou “refazimento” da identidade étnica-cultural do
grupo. Claro que tal processo é tenso e denso, pois os antigos e falantes do árabe,
devido ao uso do português em maior escala, sentem que já não é árabe, e os de fala
portuguesa não sentem que seja brasileira, mas ainda árabe, e eles não são árabes. As
perguntas “o que somos” ou “quem somos” tornam-se difíceis de serem respondidas
com objetividade. Para um árabe, não é árabe; para um brasileiro, não é brasileira.
Nesta linha de percepção a IEASP, por causa de sua flexibilização, deixou de ser
um grupo fechado e restrito com sentido hermético de pertença, para tornar-se uma
comunidade aberta na busca de construir nova “feição”, fugindo à rotulação de “gueto
religioso”, mas com o preço da perda de sua identidade claramente estabelecida em sua
gênese.

44
“oikoumenne”: Palavra grega cujo sentido é “todo mundo”, “todas as pessoas”. (Englishman’s Greek
Concordance – Zondervan. P 527).
114

Este mesmo fenômeno relativo à busca da construção de nova identidade pode


ser percebido na esfera de sua identificação (identidade) como ramo cristão do
protestantismo. Sua “vocação” ou estabelecimento ocorrem como herdeira e
mantenedora da tradição presbiteriana entre os árabes no Brasil (documento do Sínodo).
Vê-se, no entanto, que esta identidade vai sendo, também, redefinida, a fim de ser
reconstruída. Novamente percebe-se a tensão: somos presbiterianos (Confissão de Fé de
Westminster), mas também somos batistas, o que, de certo modo, importa dizer que não
somos nem aqueles, nem estes, pois já não sustentamos o que os primeiros sustentam,
mas não assumimos o que estes últimos propõem. Esse redirecionamento identitário
teológico não é fruto de pressão externa (Igreja Romana, Ortodoxa ou outras), mas, sim,
devido à liderança atual interna, cuja formação é batista. Mais uma vez ouve-se: “Ser ou
não ser. Eis a questão”.
Embora possam ser percebidos traços de cultura árabe como, por exemplo,
alguns escritos em árabe nos quadros da parede do templo, a fachada do templo
evocando arquitetura moura, não se pode afirmar que a IEASP, hoje, seja um local de
reforço da cultura árabe. O próprio pastor admite não haver este tipo de interesse, salvo
em cultos de gratidão pela independência de algum país árabe. A riqueza da cultura
árabe não se vê de forma marcante neste espaço chamado de árabe. O conflito
identitário é emblemático aqui, pois a fachada do templo é de característica árabe, mas o
interior é de templo cristão protestante ocidentalizado (bancos, púlpito ao centro e mais
alto, cruz, instrumentos, etc).
Em suma constatamos que a IEASP está no processo de desconstruir e
reconstruir sua identidade. Continuará sendo árabe (no nome), mas cada vez menos
árabe na manifestação do traço cultural mais distintivo: a língua. Manterá sua gênese
presbiteriana (não pode negá-la), mas sua atualidade e futuro, devido à formação de sua
liderança, conduzirão à identificação de governo e doutrina batista. Não se questiona
aqui se esta ou aquela é melhor ou pior, apenas faz-se a constatação do fato.
Permanece, finalizando, o traço identitário (ainda que de certo modo genérico)
“Evangélica”, sinalizando que continuará a ser uma comunidade de caráter cristão,
firmando sua base de fé e vivência nos princípios da teologia protestante.
115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Alcorão Sagrado. Versão portuguesa diretamente do árabe por Samir el Hayek,


apresentação de S.E. Dr. Abdalla Abdel Charur Kamel. São Paulo. Tangará Expressão
Editorial. 1979.
AMADO, Jorge. Gabriela, Cravo e Canela. São Paulo. Círculo do Livro S.A. 1975 .
BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião. São Paulo-SP- Paulos, 1985.
____________________ Um rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do
sobrenatural. Petrópolis, Vozes, 1973.
____________________ e LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade:
tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis, Vozes, 1976.
Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e
Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri- SP : Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
CABRAL, José. Religiões, seitas e heresias à luz da Bíblia. 5ª ed. Rio de Janeiro.
Scripurae Publicações. 2003.
CAMARGO. Candido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda: uma interpretação
sociológia. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1961
CAMPOS, Heber Carlos de. A união das naturezas do Redentor. São Paulo. Editora
Cultura Cristã. 2005.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial Portugal e Brasil-colônia. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
Confissão de Fé de Westminster. 17ª edição. São Paulo : Cultura Cristã, 2005.
CRESPI, Franco. A experiência religiosa na pós-modernidade. Bauru-SP. EDUSC,
1999.
DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri e TRUZZI, Oswaldo Mário Serra (organizadores) .
Estudos Migratórios: perspectivas metodológicas. São Carlos. EdUFSCar, 2005.
Dionário Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo : Companhia
Melhoramentos, 1998.
DUOUN, Taufik. A emigração sírio-lebanesa às terras da promissão. São
Paulo.Tipografia Editora Árabe. 1944.
116

DURHAM. Eunice R. ‘et al’; organizadora Ruth C.L. Cardoso. A aventura


antropológica. Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
ELIADE. Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972
_______________ O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Editora
Martins Fontes, 1991.
EVANS PRITCHARD, Edward E. Antropologia social da religião. Rio de Janeiro:
Campus, 1978
FAUSTO, Boris. Negócios e ócios: histórias da imigração. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997
______________ et al. Imigração e política em São Paulo. São Paulo.Editora Sumaré:
FAPESP. 1995.
FILORAMO, Giovani e Carlo Prandi. As ciências das religiões. São Paulo-SP. Paulus,
1999.
GATTAZ, André Castanheira. História Oral da Imigração Libanesa para o Brasil- 1880
a 2000. Tese de doutorado apresentada na FFLCH-USP. São Paulo. 2001.
GREIBER, Betty Loeb, e outros. Memórias da Imigração: Libaneses e Sírios em São
Paulo. São Paulo. Discurso Editorial. USP – Filosofia.1998
HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre- RS. Concórdia. 1981.
HAAJAR, Claude Fahd. Imigração Árabe, 100 anos de reflexão. São Paulo-SP. Ícone
Editora. 1985.
HELOU, Bourhan. Memórias de um imigrante. Editora ( não constante) , sd.
Imigrante Libanês em São Paulo. Estudo da Fala. FFLCH – USP, 1989.
JORGE, Salomão. Album da Colônia Sírio-Libanesa no Brasil. São Paulo- SP.
Sociedade Impressora Brasileira. s/d.
KNOWLTON, S. Clark. Sírios e Libaneses: Mobilidade social e espacial. São Paulo.
Anhamb. 1961.
LALANDE, André. Vocabulário Técnico e crítico da Filosofia. 2ª edição. São Paulo :
Martins Fontes, 1996.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Historia del Cristianismo. Tomo 2.Argentina. Casa
Bautista de Publicaciones. 1967
LEONARD, Emile. O protestantismo brasileiro. São Paulo: ASTE, 2001
LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria Mendes; orgs. E apr. Discutindo
Identidades. São Paulo- SP: Humanitas/ CERU, 2006.
117

MAIA, Hermistein. Fundamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Mundo Cristão,


2007.
MAISONNEUVE, Jean. A psicologia social. São Paulo- SP. Difusão Européia do
Livro. 1967.
MARTES, Ana Cristina Braga. Brasileiros nos Estados Unidos: um estudo sobre
imigrantes em Massachusetts . São Paulo : Paz e Terra , 1999
MARTINS, Daniel Maia. Imigrantes cristãos ortodoxos sírios-libaneses na cidade de
São Paulo- religião e identidade. Comunicação apresentada em congresso (não
publicado).
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo : Cosac Et Nify, 2003.
MENDONÇA, Antonio Gouvea. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no
Brasil. São Paulo: EdUSP , 2008.
__________________________ e VELASQUEZ FILHO, Prócoro. Introdução ao
protestantismo no Brasil, 2ª ed. São Paulo: Editora Loyola, 2002.
MIRANDA NETTO, Antônio Gracia (coord. ger.). Dicionário de Ciências Sociais 2ª
ed. Rio de Janeiro. Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1987
NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo- Casa Editora
Presbiteriana. 1978.
ÓDEA, Thomas . Sociologia da religião. Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. São
Paulo- SP. 1969.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo- SP.
Livraria Pioneira Editora. 1976.
PEREIRA, João Baptista Borges. Artigo: Os Imigrantes na construção histórica da
pluralidade étnica brasileira. Revista USP, São Paulo n.46, p. 6-29, junho/agosto 2000.
_____________________________ Artigo: Identidade Protestante no Brasil Ontem e
Hoje. Religare: Identidade, Sociedade e Espiritualidade. BIANCO, Gloecir e NICOLINI
Marcos (orgs). São Paulo. All Print Editora, 2005.
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Artigo: Ritual, etnicidade e identidade religiosa.
Revista USP. Coordenadoria da Comunicação Social, Universidade de São Paulo. N.67,
setembro, outubro, novembro 2005. São Paulo- SP.
POUTIGNAT, Philippe; FENART, Jocelyne Streiff. Teorias de etnicidade. Seguido de
Grupos Étnicos e Sua Fronteiras de Frederick Barth. Tradução Élcio Fernades. São
Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
118

REICHERT, Rolf. Atlas Histórico Regional do Mundo Árabe . Universidade Federal da


Bahia- Centro de Estudos Afro-orientais. Sedegra- RS, 1969.
Revista de Estudos Árabes. Ano 1- número 2, 1993. Centro de Estudos Árabes. FFLCH-
USP. SP.
Revista USP. Coordenadoria de Comunicação Social, Universidade de São Paulo. N.67,
setembro, outubro, novembro 2005. São Paulo-SP.
SAFADY, Jorge S. A Imigração Árabe no Brasil 1880-1971. Vol. I Tese de
doutoramento apresentada à FFLCH- USP. São Paulo. Edições Garatuja SP, 1972.
SAFADY, Wadih. Cenas e Cenários dos caminhos de minha vida. Belo Horizonte- MG.
Estabelecimentos Gráficos Santa Maria. 1966.
SALEM, Jean. O povo libanês: ensaio de antropologia. São Paulo.Editora Van Grei,
1969.
TRUZZI, Oswaldo Mário Serra. Patrícios: Sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo.
HUCITEC, 1997.
__________________________ Sírios e libaneses: narrativas da história e cultura. São
Paulo. Cia. Editora Nacional, 2005.
__________________________ De Mascates a Doutores: sírios e libaneses em São
Paulo. São Paulo. Editora Sumaré : FAPESP.1991.
__________________________ Redes em Processos migratórios.Tempo Social USP,
v.20, n.1 , junho 2008.
WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. V. II. São Paulo. ASTE. 1967.
WASH, Joaquim. Sociologia da religião. São Paulo : Edições Paulinas, 1990.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo : Editora
Martin Claret, 2001.
WILLENS, Emílio. Dicionário de Sociologia (verbete etnia). Porto Alegre. Editora
Globo. 1950.
119

ANEXOS

Anexo 1 Mapa

(HAJJAR. 1985, p 103)


120

Anexo 2 Mapas

(HAJJAR. 1985, p 104-105)


121

Anexo 3 Quadro com número de imigrantes sírios e libaneses


122

(KNOWLTON. 1961 pp 39-41)


123

Anexo 4 Quadro com indústrias de sírios e libaneses em 1920 em SP

(KNOWLTON. 1961, p 145)


124

Anexo 5 Documento do Supremo Conselho da Síria e Líbano

Documento original do Supremo Conselho Evangélico da Síria e Líbano.


125

Anexo 6 Foto Rv. Khalil Simão Haci

(DUOUN. 1944, p. 227)


126

Anexo 7 Documento Sínodo Evangélico da Síria e Líbano


127

Anexo 8 Folheto de Evangelização em árabe


128

Folheto para evangelização. (História da Mulher Samaritana – João 4)


129

Anexo 9 Folheto de Evangelização em árabe

Folheto para evangelização. ( Título: Alguém ama você)


130

Anexo 10 Folheto de Evangelização em árabe

Folheto para evangelização.(Título: Onde você passará a eternidade?)


131

Anexo 11 Folheto de Evangelização em árabe

Folheto para evangelização.( Mandamento de Maria para todo cristão – João 2)


132

Anexo 12 Folheto de Evangelização em Português

Folheto em português para distribuição entre jovens.


133

Anexo 13 Capa e contracapa do Evangelho de Lucas em árabe

(Evangelho segundo Lucas. Impresso em árabe para evangelização).


134

Anexo 14 Entrevista com o Reverendo Vladimir de Lima Júnior

1) Seu nome completo


Vladimir de Lima Júnior

2) Lugar e data de nascimento


São Bernardo do Campo-SP / 16.06.1982

3) Sua formação acadêmica (teológica e secular)


Licenciatura e Bacharelado em Educação Física, Universidade de Mogida das Cruzes
UMC, ano 2000 a 2003.
Bacharel em Teologia, Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São
Paulo, ano 2004 a 2007.

4) Seu projeto de trabalho (resumido e específico: pretendo ir... e fazer....)


Evangelizar os árabes da região do Golfo (não gostaria de dizer o nome do país por
motivo de segurança, visto que seu trabalho será lido por muitas pessoas), através do
plantio de uma Igreja, mesmo que “subterrânea” (termo para igreja escondida) onde o
trabalho será realizado através de uma escola de futebol, e atenção a pessoas com
deficiência.

5) Por que trabalhar na IEASP? Como foi seu ingresso ali?


Para iniciar uma adaptação aos costumes, língua, hábitos, enfim, a cultura árabe para
minimizar o choque cultural na chegada ao campo. Desenvolver o ministério pastoral
com o povo o qual irei trabalhar. O ingresso na IEASP se deu através da APMT –
Agência Presbiteriana de Missões Transculturais, que fez o pedido para que pudesse
iniciar esta adaptação e ao mesmo tempo colaborar com a Igreja.

6) Há quanto tempo está trabalhando lá?


Iniciei o trabalho em janeiro de 2008 (1 ano e 7 meses) e ficarei lá até dezembro de
2009.

7) Qual sua função ou atuação? (Fazer o quê?)


Sou pastor colaborador. Atuo na área do ensino, pregação, aconselhamento, colaboração
na área de Louvor da Igreja, trabalho com jovens e visitação.

8) Recebe algum tipo de remuneração (oferta, salário ou outro?). Se negativo, qual


o motivo de tal postura ? ( em sua opinião).
Não recebo remuneração de nenhum tipo. Isto se dá pelo acordo feito entre a APMT e o
pastor da igreja. Na conversa ele alegou que não iria me remunerar. Eu poderia ir a
Igreja aprender, mas que não receberia nada por isso.
Colocando minha opinião agora, acredito que isso seja uma cultura da igreja, pelo fato
de que todos os pastores, até onde sei, que pastorearam a igreja tinham uma
remuneração extra-igreja (trabalho “secular”) e por isso não necessitavam da
remuneração da igreja. Assim a igreja foi acostumada a não pagar pastor, entendendo
que ele deve ter sua remuneração proveniente de um trabalho secular.

9) Como é a atuação (programa) dos jovens?


Os jovens nunca têm um programa pré-estabelecido, como cultos periódicos ou
encontros periódicos. A cada época do ano há um número de jovens diferentes. A
135

rotatividade é enorme, entretanto há sempre um número certo de jovens, os filhos do


pastor e alguns outros. Estes sempre estão na igreja e decidem a programação de acordo
com o interesse, tempo, necessidades deles e de outros.
Por 5 meses (agosto a dezembro de 2008) tivemos cultos periódicos aos sábados com
um número bem expressivo, mas por alguns motivos, estes terminaram na entrada do
novo ano. Os jovens que frequentam a igreja são muito firmes nas programações e na
atuação dos programas da igreja.

10) Tem havido (neste tempo em que você tem ali cooperado) algum crescimento
significativo ?
Não. Como dito anteriormente, o crescimento dos jovens e da igreja em geral não é
expressivo. Algumas poucas famílias e pessoas chegaram, por exemplo, este ano a
igreja, mas nada significativo.

11) Tem havido algum decréscimo (diminuição) em relação à presença?


Não. Também não há um decréscimo de famílias e pessoas na igreja. Talvez uma ou
duas se retiram mas nada expressivo. A igreja mantém nestes dois anos praticamente o
mesmo grupo de pessoas.

12) É de seu conhecimento se há projetos específicos para evangelização de árabes?


Qual?
Projetos específicos da IEASP de evangelização de árabes, no meu entendimento não
há. Entretanto, tanto o pastor, como alguns membros da igreja, têm uma grande atuação
no evangelismo dos árabes que estão em seu círculo social (trabalho, família, amigos)
através da visitação.

13) Há projetos de evangelização de não árabes (brasileiros)? Qual?


Também não há projetos específicos de evangelismo a não árabes. O mesmo acontece
com a evangelização citada acima. Quero deixar claro que as vezes há uma
programação específica de evangelismo de toda a igreja, mas isto é esporádico, e não
um projeto específico.

14) Há atividade específica com crianças? Se negativo, por quê?


Não há. O número de crianças da igreja é extremamente pequeno. Esporadicamente
alguns jovens da igreja retiram as crianças do templo na hora do culto, para uma sala
separada, para fazer atividades, como vídeo, cânticos entre outros.

15) Há funcionamento regular de Escola Bíblica Dominical ? Se negativo qual o


motivo?
Não há. Na minha visão, pelo fato do culto começar as 10h30m e já estarem
acostumados a isto. Já houve tempos em que a EBD funcionava antes do culto, mas com
o passar do tempo isto não ocorreu mais.

16) Em sua opinião o traço étnico árabe ainda é forte na IEASP? Tende a
diminuir? Poderá perder esta característica? Motivos.
Sim. Creio que 90% dos membros são árabes e/ou descendentes. Porém este número
tende a diminuir. Isto porque hoje, os descendentes já são maioria. Os próximos filhos
já nem serão descendentes, porque serão filhos de pais brasileiros. Com relação a perder
a característica, creio que será difícil, mas não impossível. Isto porque há muitos
membros, que amam a sua cultura e/ou sua origem e não vão querer que isto se perca.
136

Entretanto, se novos árabes não chegarem a igreja, no passar mais umas duas gerações,
este traço poderá ser perdido.

Obs: Entrevista obtida por meio de correio eletrônico.


137

Anexo 15 Entrevista com o pastor Khalil Samara

Entrevista com o pastor Khalil Samara, pastor da Igreja Evangélica Árabe de São
Paulo. Esta entrevista é para a dissertação de mestrado sobre a Igreja Evangélica
Árabe.
Paulo: Pastor Khalil, qual é o local de seu nascimento?
Calil: Foi Beirute, Líbano.
Paulo: O senhor veio para o Brasil em que data?
Calil: 15 do Outubro 76.
Paulo: O propósito de sua vinda foi para pastorear a igreja, já era pastor, ou para
questão ligada a comércio, trabalho, coisa assim?
Calil: Bom, foi enviado para evangelizar o trabalho... fazer trabalho evangélico com os árabes
aqui. Evangelismo. Eu era na época como evangelista. Não era pastor. E cheguei aquela época
enviado da Igreja Nacional de Bagdá... de Beirute para fazer o trabalho de evangelismo de
árabe. Ficamos sabendo que aqui no Brasil tem maior número de árabes imigrantes. Então, eu
cheguei aquela data... a propósito era isso.
Paulo: O pastor que iniciou a Igreja Árabe é o pastor Ragi Khouri. Os contatos que ele
fez no Brasil para estabelecer esta igreja foram primeiro em que termos ou em que
locais?
Calil: É, foi aqui em São Paulo, né. Mas ele conheceu a família da esposa dele em Campinas
onde, acho que por causa do comércio, mudaram para lá. E a família dela era... o pai dela era
o presbítero da igreja que começou nos anos, nos anos 24, 28, através do pastor Khalil Haci.
Paulo: A Igreja Árabe começou as suas atividades em que locais?
Calil: É... começou em casas primeiro, né. Quanto nos anos 20, começaram em casas e depois
eles formaram uma comunidade evangélica Síria lá na região de 25 de Março, até uns 34.
Depois um... falecimento do pastor e a chegada do outro pastor, então começaram novamente
em casas, em Campinas, São Paulo, nos Santos. Então eles visitava as famílias que estavam
na época da Igreja Evangélica Síria, na época.
Paulo: Usaram, também, templos de outras igrejas evangélicas?
Calil: É, depois que se estabeleceram um entendimento, a continuação do trabalho, houve um
movimento assim de avivamento do trabalho evangélico árabe no Brasil. Então eles, pelo
crescimento deles, não podiam reunir mais em casas. Então começaram na Igreja Americana,
depois a Igreja Armêmia, depois, antes de comprar aqui, foi realizado cultos por dois, três
anos, na Igreja Presbiteriana de Vila Mariana.
Paulo: A aquisição da propriedade aqui na Rua Vergueiro 1845, ela ocorreu de que
maneira? Foi financiamento, foi oferta dos membros?
Calil: É claro que uma igreja ter oferta dos membros, mas agora como foi pago, eu não
participei, mas quanto eu cheguei em 76 eles estavam pagando é... dívidas pra o Banco
Noroeste na época. Pode ser uma... uma parcelamento da casa ou outra coisa, não sei. Mas é,
quando cheguei em 76 eles fizeram a compra, deve ser nos anos 60. Então é... eu não
participei exato sobre... mas eu creio pelo documentado e do arquivo, eu... eles quitaram e tem
registro em nome da Igreja Evangélica Árabe.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe foi organizada em que ano?
Calil: É... em 1967. Foi organizada oficialmente, com o estatuto dela. Então é... naquela
assembléia, a primeira assembléia oficial, em 1967, eu não me lembro o mês, mas nesse ano
foi é... foi organizado oficialmente a igreja com estatuto, com tudo.
Paulo: A consagração do templo foi em que ano?
Calil: Foi 1979. A consagração, depois a construção do templo da igreja, né, atual. Então foi
em 1979 a sua consagração.
138

Paulo: A Igreja Evangélica Árabe teve alguma atuação na área social, por exemplo, com
alguma creche, algum lugar pra idoso, coisa desta ordem?
Calil: A igreja trabalhou, é... e até que muito esforço da parte da igreja, é... tivemos, é... o
trabalho com idosos chamado “Lar pro Velhice Água da Vida”, uma... uma instituição foi
registrada com CGC... e tivemos uma propriedade na região de Campi... na região de
Valinhos, é... deveria ter 4, 5.000 metro quadrado, foi construído 12 apartamentos, um salão
social, um restaurante... um lugar pra refeições, um lugar pra... pra o cultos. Mas nos anos
40... 94,95, se apresentou um processo contra o pastor, contra a esposa dele e contra o Lar pro
Velhice Água da Vida, que levou o processo até dois mil quatro, dois mil três, por mau
testemunhos, por um processo maldosos de grupos espíritas, é... com apoio da prefeitura de
Valinhos naquela época, é... e conseguiram que retirar essa propriedade da igreja. Foi
realmente um caso muito, hã... muito desagradável naquela época, com tudo o que a igreja fez
através da pessoa do pastor, da esposa dele, do próprio dinheiro deles financiaram lá do
próprio ofertas da igreja, do trabalho da igreja e... hoje nós perdemos, né.
Paulo: Em termos de apoio como se fosse uma rede social de apoio ao imigrante. A
Igreja Árabe teve alguma participação em que termos?
Calil: Num temos um orgum... um órgão ou departamentos com essa especialidade, é...
durante época como pastor aqui passaram num total mais de 10 pessoas e famílias
necessitadas, é... eles tinham alguns meses que tinham chegado, ou alguns nas primeiras
semanas. Então nós ajudamos essas pessoas assim de... de instalá-los, alguns nós alugamos
uma casa, alguns foram colocados num pensão, alguns foram encaminhados para uma
instituição de... de tratamento de drogas e outras coisa, né, que pessoas, alguns foram
retirados de rua e algumas pessoas estavam de passagem na frente da igreja e onde viram que
igreja evangélica árabe tocaram a porta, estava com fome e estavam com necessidade, alguns
mesmo falam português e... então, nós ajudamos essas pessoas dentro do possível.
Paulo: Em termos de vínculo de estrutura federativa, vamos assim dizer, a Igreja
Evangélica Árabe tem alguma relação com alguma federação de igrejas, ou
confederação, ou organização, seja nacional ou internacional?
Calil: É...desda fundação da Igreja Evangélica Árabe, ela sempre foi independente, ela não
está ligada a nenhuma federação ou nenhuma denominação, é... assim, é... aqui no Brasil não
foi, e... estamos trabalhando para... para sendo... já foi encaminhado, já foi aceitado registro
de igreja, ela ligada ao Supremo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano. É um, assim, é...
termo de...de... a igreja tem toda independência, toda liberdade de se organizar internamente,
só ela ligada, assim formal com essa Supremo Conselho Nacional da Síria e do Líbano, por
qualquer necessidade futura esse conselho que ele tem que suprir necessidade da Igreja
Evangélica Árabe, qualquer porventura, qualquer, é... necessidade futura que aparece, é... o
alvo é isso.
Paulo: Há uma placa indicativa da situação ligada antigamente ao Sínodo...
Calil: Sim...
Paulo: ... Evangélico da Síria e do Líbano. Ainda há alguma relação?
Calil: É... tudo povo que veio aqui na Igreja, mesmo em 67 da sua fundação, é... a Igreja
sabendo com... que a Igreja Evangélica Árabe de São Paulo ligada ao Sinódo Presbiteriano
Evangélico da Síria e do Líbano. Só quanto eu fui com a liderança presbiteriana do Brasil,
principalmente da pastor Agripino e equipes e eu aproveitei pra tirar essa... porque não tem
contato, num tem cartas, e nós somos uma igreja no Ocidente, no Brasil, que ligada a esse
sínodo, e... e eu descobri que oficialmente não foi nada registrado, não tem registro nenhum.
Só na fundação da igreja foi feita essa placa e antes do falecimento do pastor ele diz que ele
tinha colocado isso porque ele desejava muito, como ele foi enviado da presbiteriana, foi
enviado do sinódo, como missionário pra cá na época da igreja, na época da fundação da
igreja, diz que era pra mim, é... registrar se houve algum problema com a diretoria que estava
139

na época nos sinódos e alguns tive mau entendimento com pastor e ele questionou e registrou
isso.
Paulo: Há um interesse em estabelecer, por exemplo, uma federação de igrejas
evangélicas árabes no Brasil?
Khalil: Nós estamos trabalhando agora pra criar... já temos um trabalho, é... igreja registrada
lá em Foz do Iguaçu, nós temos um trabalho em São José dos Campos, nós temos trabalho em
São José do Rio Preto. São trabalhos congregacionais, é... congregação, trabalho em casas
ainda, e nós temos trabalho em Cubatão. Então esses trabalhos nós estamos trabalhando para
fortalecer esses trabalhos e formar essas igrejas. Já estamos encaminhando vários assuntos
entre a liderança pra formar a Convenção Evangélica Árabe do Brasil.
Paulo: Com relação ao serviço religioso, aos cultos, aqui na Igreja Evangélica Árabe,
qual é a língua usada e quais os dias da semana em que esses cultos ocorrem?
Khalil: Bom, nós utilizamos, é... praticamente a língua portuguesa, enquanto algumas pessoas
idosas, pessoas que não entendem bem o português, nós utilizamos a língua árabe também,
e... nossos cultos são nas quintas-feiras, terças-feiras cultos em casas, para as famílias,
quintas-feiras estudo bíblico aqui, é... sextas-feiras cultos em casas para os jovens, sábados
trabalho dos jovens aqui na Igreja e Domingo pela manhã Escola Dominical e o culto da
igreja.
Paulo: A escola dominical tem funcionamento regular, todos os domingos, para as
crianças e adultos, só para as crianças?
Khalil: É trabalho pra criança fizemos... fazemos um domingo por mês um estudo de assunto
bíblico.
Paulo: Em termos das cerimônias que a Igreja Evangélica Árabe realiza, algumas
chamam de sacramentos, outras ordenanças, quais as que a Igreja Árabe pratica?
Khalil: É... ordenanças... nós ordenamos o ano passado alguns diáconos... o ano interior,
retrasado também alguns presbíteros, e... quanto surgir necessidade nós utilizamos.
Paulo: E termos dos sacramentos ou das ordenanças, quais que a Igreja Evangélica
Árabe pratica, por exemplo, batismo, Ceia do Senhor?
Khalil: Não entendi.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe usa também a prática do batismo e da Ceia do
Senhor? Há essas cerimônias na Igreja Evangélica Árabe, o batismo, a Santa Ceia?
Khalil: Sim, é... nós praticamos a Ceia aqui no templo, e... o batismo sempre praticamos nos
rios.
Paulo: A prática do batismo é só para os adultos ou envolve também a prática do
batismo de crianças?
Khalil: É... eu particularmente batizo as crianças quanto vê pai a mãe pratica fé verdadeira. É
pra mim como representar a criança como Cristo foi representado, mas pra mim batismo
bíblico é batismo depois da fé. Se a criança tem dois anos e ele apresentou fé, eu batizo ele.
Se ele não tem essa fé, pra mim não tem idade. Tem criança que batizada com nove anos, com
doze, com quinze, mas sempre é batizado por mim, essa pessoa, quanto ele apresenta a fé
verdadeira em Cristo e na palavra de Deus.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe é uma igreja confessional, no sentido de aceitar e
assumir uma confissão de fé específica? Se positivo, qual a confissão que ela adota?
Khalil: Olha, francamente, é... faz nesses últimos quinze anos, nós praticamos uma fé e
doutrina somente bíblica. A gente, é... nem pra direita e nem pra esquerda. Usamos e
praticamos somente conforme a doutrina bíblica. Você vai falar é presbiteriano, é batista, ou
assembleiano, é... hoje a gente passa uma dificuldade no Oriente Médio porque todas essas
doutrinas e essas denominações pra nós como Evangélicos Árabes, foi introduzida do
Ocidente. Qual é a nossa doutrina, a nossa prática? Muitas vezes nós encontramos uma prática
nossa. Muitas vezes é diferente: a gente fala presbiterianos e nos não agimos dentro da
140

confessão da fé da Westminster, o da Armenianos, do da... então a gente, a gente não


consegue indaptar com essas, é... deno... essas filosofias da denominação do Ocidente. É, e eu
creio que nós temos uma prática, se você vai falar qual a prática, qual a denominação da
Igreja Evangélica Árabe, eu falo que é a doutrina mais simples da Bíblia: crer será convertido
pela regenerado pela graça, batizado em água por imersão, e viver o crescimento, né,
habitação... a presença do Espírito na vida que ele nos ensina e que nos leva a crescer. O
crescimento da Igreja, o crescimento natural de Deus. Então... você vai falar: mas vocês
praticam uma fé presbiteriana? Sim. Vocês praticam uma fé batista? Sim. Nós não temos
diferença. A única diferença que nós tivemos é batismo de crianças. Se os pais apresentam fé
verdadeira praticante, pra mim não tem problema nenhum batizar criança, porque eu tenho a
certeza que Espírito Santo vai guiar essa criança pra viver a fé desde a sua infância.
Paulo: E a forma de governo adotada pela Igreja Evangélica Árabe: congregacional ou é
representativa?
Khalil: Olha, é... dentro da igreja nossa aqui que, é... a assembléia da igreja, a assembléia
geral, é... ela... ela que define todas as coisas, espirituais, administrativos, é... todas as áreas
que a igreja precisa, a definição final é na assembléia geral da igreja. Agora, nós temos uma
força dada a diretoria, ao conselho administrativo ou diretoria administrativa da igreja, que ela
representa essa assembléia, é... dada força assim de uma maneira que eles tragam toda a
definição para a assembléia, explicado com detalhe, para que não seja as coisas assim muitas
vezes reunida, conversado, sabe, ás vezes que surge muita discussão dentro da assembléia,
então a gente tenta evitar isso porque eu creio que a assembléia ela reunida, dirigida pelo
Espírito Santo pra definir, é... a gente vive conforme a igreja primitiva. Quanto foram
reunidos para escolhi... para escolher um dos apóstolos, não foi uma pra discussão, até que
fizeram sorteio, definido. Então, a diretoria ela traga tudo, essa parte do sorteio, pra diretoria
pra que ela falar sim ou não. E a diretoria, ela que tem essa força para trazer tudo em detalhe,
tudo informação que a assembléia poder fazer, mas é a palavra final da assembléia.
Paulo: E essa diretoria ou conselho administrativo, como ele é eleito, por quanto tempo?
Khalil: A diretoria é eleita por dois anos. E cada dois anos ela renovada. São compostas seis
membros, junto com o presidente que é pastor da igreja.
Paulo: E esses membros são membros comuns da Igreja, ou tem que ser oficiais da
Igreja, por exemplo, presbíteros?
Khalil: São consagrados presbíteros, claro, escolhidas as pessoas com a experiência na fé e
com o conhecimento da palavra de Deus, é... pessoas, é... assim que eles, é... um nível, vamos
dizer assim, de... de capacitação espiritual, onde poderiam ajudar, né, dentro da diretoria,
escolhidos pela assembléia.
Paulo: Há também outros oficiais, como diáconos?
Khalil: Sim, nós temos um equipe de diáconos, e quanto a pessoa é nomeado para a diretoria,
ele é consagrado presbítero, e na última assembléia é o equipe de presbíteros precisam...
aquele que não tinha estudo, qualificado de... curso básico de teologia, ele precisa fazer esse
curso como membro da diretoria.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe não tem costume de ordenar mulheres para oficial da
igreja.
Khalil: Isso, é... eu espero que nunca acontece. Porque nós entendemos, não por machismo,
nós entendemos que o homem representa Deus e a mulher representa a igreja.
Paulo: Em termos de projetos, a Igreja Evangélica Árabe tem projetos de expansão, em
relação ao alcance dos falantes do árabe e dos não-falantes do árabe? Se tem, quais?
Khalil: É... nós tivemos em Foz do Iguaçu, a nossa igreja lá está em, é... usando um lugar
alugado... nós já vimos o terreno, estamos negociando o terreno e será comprado o terreno lá
no Foz do Iguaçu e construído a Segunda Igreja Evangélica Árabe lá, pela graça de Deus.
141

Paulo: Em termos de membros da Igreja, a Igreja Evangélica Árabe conta hoje com
quantos membros no seu rol, frequentes e menos frequentes?
Khalil: Olha, o... nós temos mais de duas mil pessoas registradas, mas no último rol de
membros que nós fizemos, as pessoas que já de muitos anos já falecidos, e pessoas que
mudaram, pessoas que freqüentam outras igrejas já há mais de dez anos, então pelo contato
que nós fizemos, definimos o rol de membros hoje que é aproximadamente de duzentas
pessoas, mas o praticantes, que praticam mesmo, essas pessoas até duzentas pessoas, vem
quatro, cinco vezes por ano, quanto Páscoa, Natal, alguma comemoração, de... de cultos
especial convidados, eles não... eles é... eles é... como é que se fala?... Não deixa de vir, né,
como eles são dentro do rol do membros, mas praticantes ativos e dizimistas, é... aqui na
atividade da igreja, em torno de cinquenta pessoas.
Paulo: E para terminar, a Igreja Evangélica Árabe tem alguma atividade de cunho
cultural, ligada ao aspecto da cultura árabe, em termos de celebrações, comemorações, e
outros?
Khalil: Nós realizamos cultos assim de, é... como sendo estratégia, né, de convidar as pessoas
para serem evangelizadas, e ao mesmo tempo para ter um contato com a sociedade árabe no
Brasil, nós realizamos cultos, é... lembrando a independência de cada país. Na data de
independência do Líbano, da Síria, da Jordânia, do Iraque, da Palestina. Então na época dessas
datas, então nós formamos um convite oficial quanto a um coquetel e nós apresentamos para a
autoridade civil, religiosa, árabe, e também para todos os amigos árabes pra que eles se
comemora nesse dia da independência, por exemplo da Síria, é... o ano... o ano passado o
próprio cônsul da Síria com a esposa dele e o equipe dele estava presente, e eles gostaram
muito duma maneira que ele não esperava nenhuma igreja, somente feito uma festa no clube
sírio, no próprio hospital sírio, ou na embaixada da comemoração da independência, mas uma
igreja, uma instituição religiosa, bem, é... orar a Deus pela Síria, pelo governante, pelo povo,
pra que Deus proteja. E nós aproveitamos isso porque tinha aquela ameaça americana contra a
Síria, você lembra que vai ser atacada a Síria se eles não entra na política americana, essas
coisa aí. Então nós fizemos isso aproveitando para que Deus possa abençoar e livrar esse país
do ataque americano da maneira que eles fizeram com o Iraque, acabaram com o Iraque.
Então foi um momento muito oportuno, onde o cônsul me agradeceu e desde antes nós
começamos a realizar isso e realmente tá dando certo.
Paulo: O senhor é pastor da Igreja Evangélica Árabe desde que ano?
Khalil: 1998.
Paulo: E a sua permanência a frente da Igreja como pastor, ela se verifica de que
maneira? Por eleição, indicação?
Khalil: É... eu fui eleito pela igreja, e... nosso sistema aqui que pastor ele tem que ser
formação teológica árabe, pra conservar essa cultura, conservar o trabalho árabe no Brasil, e
por força maior, pode ser um descendente, mas tem que ser árabe. Esse é um. E para cargo de
presidente do Conselho, outros membros do Conselho, pode ser que... pode qualquer outro
entrar. Agora, é... e dentro da sistema nossa de...de governo da Igreja, de... de... da parte
administrativo da diretoria e da... do presidente. Então o próprio presidente que é o pastor da
igreja, ele é permanente, somente renovado como presidente do Conselho, mas como pastor
da igreja ele é permanente até o seu falecimento. Claro quanto ele está fazendo o trabalho para
o benefício da igreja. Quanto uma pessoa que realmente apresenta, é... falsa doutrina, levando
os membros, a igreja, ao trabalho de destruição total, claro completamente essa pessoa, pela
assembléia, ele tem a força de se retirar.
142

Anexo 16 Entrevista com o pastor José Lopes

Entrevista com o pastor José Lopes, que foi, também, obreiro da Igreja Evangélica
Árabe de São Paulo.
Paulo: Qual é o seu nome completo?
José: Meu nome completo é José Aparecido Ferreira Lopes. Hã... mas o reverendo Ragi
Khouri me chamava de Yoseph também, nome árabe, da Igreja Evangélica Árabe.
Paulo: Lugar e data de seu nascimento.
José: Nasci em 29 de Março, 1957, em Guriri, um pequeno povoado chamado Moreira Sales
no Paraná.
Paulo: Qual é a sua formação Acadêmica, secular e teológica?
José: Eu sou da área da saúde, sou técnico de enfermagem hospitalar do trabalho, também
auxiliar de enfermagem hospitalar do trabalho, é... e também no curso de administração fiz até
o segundo ano, com licenciatura em comércio exterior mas não consegui concluir o curso. Eu
creio que é mais ou menos isso daí.
Paulo: E a sua formação teológica?
José: Bacharel em Teologia, duas vezes. Primeiro pela... pelo Seminário Interdenominacional,
e também aqui pela Universidade Mackenzie, através da Escola Superior de Teologia.
Paulo: Quando você iniciou seus trabalhos na Igreja Evangélica Árabe de São Paulo e
quem o introduziu nesse trabalho?
José: Meu trabalho foi de 1985 a 1987, como past... perante o ministério como pastor auxiliar
do reverendo Ragi Khouri. O reverendo Ragi me convidou pra aprender sobre o povo árabe,
mas quem me introduziu na comunidade árabe foi através de um convite específico feito pelo
missionário americano Leminjer.
Paulo: Por que você resolveu, o que motivou você a trabalhar na Igreja Evangélica
Árabe de São Paulo?
José: A única igreja árabe que existia na época, e... eu já estava envolvido com árabes desde
1981, e para 85 são seis anos. Fui trabalhar especialmente com os islâmicos e não conhecia os
árabes evangélicos. Então eu queria acrescentar esta área para aprender como é que a Igreja
Evangélica Árabe fazia e faz até hoje dentro de sua própria colônia, voltados para aqueles que
são de origem cristã, e não islâmicos.
Paulo: Qual a sua função ou atuação na Igreja Evangélica Árabe no tempo em que você
trabalhou lá?
José: Eu fui pastor auxiliar segundo o boletim saia, como pastor auxiliar, e... ajudava
ministrando algumas aulas, e também... mas era mais discipulado e aprendizado direto do
reverendo Ragi Khouri, o pastor de lá e fundador da Igreja.
Paulo: Você recebia algum tipo de salário, remuneração? Se negativo, qual o motivo
desta postura de não remuneração do pastor e o seu modo de ver?
José: Não, não havia remuneração, porque a cultura árabe – essa foi uma das coisas que
aprendi – o pastor ele tem que ser fazedor de tenda e a dona Rosa Khouri, que é a esposa do
pastor, dizia que precisa ser um profissional na área secular e ela me incentivou a ir para a
área da saúde, e por isso que eu fiz um curso técnico bem feito, e para ser aceito no ministério
entre árabes, eu podia exercer parte da área de saúde, da medicina, e ajudar também como
mais ou menos voluntário, como pastor voluntário na época.
Paulo: No período em que você esteve lá, você verificou algum crescimento significativo
na Igreja?
José: Não, não houve. Não houve crescimento porque a Igreja Árabe naquela época
trabalhava mais com pessoas idosas, e... ou seja, filhos de imigrantes e imigrantes, e os jovens
que vinham para a Igreja eles migraram para outras denominações, devido a questão do
143

idioma... idioma servia de barreira, né, e... não houve crescimento nem da parte árabes, não
...de origem não cristã , e nem árabes que vinham do Líbano, com relação ao Cristianismo.
Paulo: Você entende que não houve crescimento, mas você poderia entender que houve
esvaziamento ou perda de membros da comunidade?
José: Não, na minha época não teve, manteve. Agora era um pouco confundido porque nasceu
a Igreja Renascer na mesma época, nos porões da Igreja Árabe. Então vinha gente para a
Renascer e aqueles que tinham... amavam o povo árabe, como Sônia, a esposa do Esthevan
Hernandes, de origem árabe, então o pessoal vinha e ficava para o culto árabe também. Então,
algumas reuniões tinham mais gente do que tinha antigamente.
Paulo: Ok. Havia, nesse período que você esteve lá, Escola Dominical regular para
crianças e adultos?
José: Havia Escola Dominical para crianças, havia. Adultos, algumas vezes havia, mas não
era regular, era esporádico.
Paulo: Em termos de números de crianças com idade até 10 anos, o número era bem
expressivo ou era um número pequeno?
José: Não... era um número médio... não eram muitas... não era... não era...porque a maioria...
eu já disse pra você que a maioria dos membros eram pessoas idosas. Então seus filhos já
pertenciam a outra igreja evangélica. Eles não vinham pro culto, então levavam para as igrejas
as quais eles pertenciam.
Paulo: Havia grupos de trabalho interno, como senhoras, jovens, ou algum outro grupo?
José: A SAF era forte, acho que sob o comando da irmã Jamili, se não me engano, era o grupo
mais expressivo era o grupo das mulheres.
Paulo: Em termos das cerimônias realizadas na Igreja Árabe, que forma de batismo era
praticado na Igreja Evangélica Árabe no tempo em que você trabalhou por lá?
José: Era aspersão... era uma Igreja Presbiteriana ligada ao Sínodo da Síria. Batismo por
aspersão.
Paulo: As crianças também eram batizadas ou só havia o batismo de adultos?
José: Crianças eram batizadas a pedido dos pais.
Paulo: Havia projetos de algum suporte a ser oferecido a imigrante árabe em termos de
uma rede social de apoio?
José: Olha, sinceramente... hum... expressivamente não. Havia os cultos especiais que a
comunidade, autoridades árabes vinham para o culto, cônsuls, por exemplo, da Jordânia, da
Síria, em São Paulo vinha. E era uma expressão... e havia muito bom relacionamento da Igreja
Árabe com a Igreja Ortodoxa, na própria, no Paraíso mesmo. Então a gente tinha muito, era
muito alinhado as autoridades e aos ortodoxos árabes.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe fornecia algum tipo de apoio de hospedagem ou
orientação de trabalho a imigrantes que chegavam?
José: Não, não tinha esse trabalho. Não tinha.
Paulo: Dentro de seu modo de ver, o traço étnico do árabe era forte na igreja?
José: Sim, porque se falava em árabe, cantava em árabe, e o reverendo Ragi também dava o
resumo do sermão em português, mas todo o trabalho era feito em árabe. Hoje não. Hoje é
feito em português e só a mensagem em árabe.
Paulo: Você, naquela época, já podia perceber alguma demonstração de tendência a
diminuir esse aspecto étnico árabe, assumindo certa brasilidade, como língua
portuguesa em alguns aspectos da liturgia, ou coisa assim?
José: Não, não. Não porque os membros efetivos eram primeira geração. Então eles falavam
árabe mesmo nos intervalos, todo tempo era comunicação em árabe, e... era essencial você
entender e falar o árabe para você estar integrado a igreja.
Paulo: No tempo que você esteve lá, havia projetos para alcançar falantes do árabe com
o Evangelho, bem como os não falantes do árabe?
144

José: Sim, havia, é... alguns pastores voluntários, que vinham de outras denominações, que
colaboravam com o reverendo Ragi, e eles montavam o culto em português a noite, no
Domingo a noite. Então, era um projeto, né, uma iniciativa para alcançar os... os brasileiros
de idioma português.
145

Anexo 17 Entrevista com Adina Abrahão.

Entrevista com Adina Abrahão, dia 07/10/2009.


Paulo: Qual é o seu nome completo?
Adina: Adina Abrahão.
Paulo: Lugar e data de nascimento.
Adina: Nasci em Deufinópolis no estado de Minas Gerais no dia 02 de Maio de 1929.
Paulo: Nome de seu pai e de sua mãe e a naturalidade deles, nacionalidade deles.
Adina: Meu pai chamava-se Abrão Elias... veio da Síria. Minha mãe Habce João Jorge,
também Síria.
Paulo: Você chegou a ser membro da Igreja Evangélica Árabe de São Paulo ou apenas
freqüentava juntamente com seus pais?
Adina: Eu não cheguei a ser membro como não sou até hoje apenas freqüentava, colaborava,
como faço até o presente.
Paulo: Nesse tempo que você esteve lá com seus pais e freqüentava mais assiduamente,
você teve alguma função, e se teve, qual?
Adina: Eu fui presidente da SAF uma temporada, mas eu não me lembro bem a data, e fui
também secretária da SAF.
Paulo: A SAF significa...
Adina: Sociedade Auxiliadora Feminina.
Paulo: Essa Sociedade Auxiliadora Feminina congregava todas as mulheres casadas,
solteiras da igreja, qual era o sistema?
Adina: Todas mocinhas desde que tivessem vontade. Casadas, separadas... graças a Deus não
tinha ninguém, mas se tivesse também poderia congregar. Jovens, idosas, de toda idade.
Paulo: Que tipo de atividades vocês desenvolviam, em termos assim, espirituais, sociais e
etc?
Adina: Sim, nós só tínhamos reuniões aos sábados, eu só não me recordo quantos dias por
mês, e nessas reuniões nós fazíamos uma parte devocional, orávamos, cantávamos,
procurávamos problemas de oração, alguém que precisasse, e depois fazíamos também a
nossa parte financeira e também depois a nossa parte social sempre com um lanchinho, com
alegrias e tudo mais.
Paulo: Em termos de participação na assistência social, que trabalhos eram
desenvolvidos pela SAF?
Adina: Bom, nós fazíamos, às vezes, ou sempre, almoços e nesses almoços é... é a parte
beneficente, para a construção da igreja, e muitas vezes a gente recebia pessoas que não
podiam pagar e que almoçavam com a gente. E outras vezes também nós fazíamos, na parte
social, fazíamos aqueles bazares de pechincha, e tudo vendido muito barato, e quando
sobrava, dividia entre pessoas carentes.
Paulo: Você ainda freqüenta a Igreja Evangélica Árabe com regularidade?
Adina: Eu freqüento, mas nem sempre porque eu, sabe, tem coisas que me impedem, mas
sempre que eu posso... posso dizer que eu sou colaboradora, ah... permanente.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe, em relação à atuação das mulheres, ela desenvolvia
alguma atividade cultural no sentido da cultura árabe?
Adina: Não que eu recorde... mas às vezes... mais de uma vez, é... o presidente... uma das
últimas... Dona Jamili, ela promovia assim almoços em restaurantes, e lá esse almoço era,
muitas vezes, com brincadeiras árabes, fazia sorteios de... mais nessa parte assim social,
alegria mesmo no mundo árabe que ela gostaria de promover.
Paulo: Em seu ponto de vista, no seu entendimento, o que tem levado à diminuição de
pessoal que freqüenta ou assisti a Igreja Evangélica Árabe em São Paulo?
146

Adina: Um dos fatores que eu sempre pensei... acredito que tenha sido, é... os idosos que
faleceram, nossos pais, pais da maior parte de hoje daqueles que freqüentam igrejas
brasileiras, e que torna-se difícil porque o idioma realmente, as pregações em árabe é um
pouco difícil, e os filhos que acompanhavam os pais, na época sempre muito cheio o templo,
principalmente quando era uma casa velha. A gente precisava correr da igreja presbiteriana,
chegar lá pra ficar lá no fundo. E, depois, com o falecimento de toda aquela... aquele número
de pessoas idosas... e os filhos então, agora hoje netos e tudo, cada um tem a sua igreja. E por
isso raramente a gente vê aquele templo lotado, a não ser quando tem... é muito comum,
mesmo no tempo do reverendo Ragy, ele fazia culto em memória. Era uma maneira que ele
encontrava de pregar bem o evangelho. Porque morria alguém lá do Líbano, parente de
alguém aqui, ele convocava o culto em memória e convidava... a igreja ficava lotada. Esse foi
um trabalho que ele sempre gostou de fazer e o Calil, às vezes, ainda faz hoje, quando a
família pede, é uma maneira dele pregar o evangelho. Eu creio nisso.
Paulo: Você entende que o uso do árabe na pregação foi um fator que atraiu os mais
idosos, mas ao mesmo tempo se tornou um fator que acabou dificultando a permanência
dos mais jovens?
Adina: Não tenho dúvida que pros mais velhos foi uma bênção grandiosa de ouvir o
evangelho pregado no seu próprio idioma. E depois os mais novos têm dificuldade realmente,
então, eles preferem cada um estar na sua igreja.
147

Anexo 18 Fotos do culto dominical.

Fotos do culto dominical do dia 16 de agosto de 2009


148
149
150

Anexo 19 Fotos do templo

(Fachada externa)
151

(Placa no saguão de entrada, com referência à data de consagração do templo)

(Quadro de missões batista na IEASP)


152

(vista interna do templo)


153

Anexo 20 Culto de oração e estudo bíblico em quinta-feira.


154

Anexo 21 Foto com Rev. Hagi Khoury e Rev. Kalil Samara

Foto com Rev. Hagi Khoury (terno preto) e Rev. Kalil Samara (paletó cinza)
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download:

Baixar livros de Administração


Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo

You might also like