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São Paulo
2009
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3
Aprovado em_________________de_______________________2009.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Professor Doutor João Baptista Borges Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
AGRADECIMENTOS
Minha gratidão ao Deus Soberano e eterno por me ter concedido vida em Cristo;
À minha esposa Alice, companheira fiel e zelosa, que me apoiou e apóia em meu
ministério e vida;
Aos meus filhos Paulo Elias, Débora, Filipe e Raquel pelo apoio e incentivo dados;
Aos membros da Igreja Evangélica Árabe de São Paulo por sua atenção;
Ao professor Doutor João Baptista por sua zelosa e sábia orientação e ajuda na
confecção desta dissertação;
Aos colegas de classe, com os quais caminhei junto na construção desta dissertação,
pelo incentivo, ânimo e companheirismo.
6
RESUMO
Árabe cristão e, ainda por cima, protestante? Soa estranho aos ouvidos
brasileiros. Neste trabalho serão tratados aspectos ligados à imigração sírio-libanesa no
Brasil, a situação sócio-religiosa nestes países e seu intento de transplante para o Brasil,
com todas as peculiaridades de harmonia e conflitos, continuidade e ruptura. Neste
sentido, os imigrantes sírios-libaneses (árabes) protestantes formarão sua comunidade
religiosa, a Igreja Evangélica Árabe de São Paulo, sendo esta o objeto de estudo desse
projeto. Sua inserção, estruturação e expansão serão tratadas, visando oferecer subsídio
para estudo desse grupo, uma vez que não há estudos sobre os árabes protestantes em
São Paulo. Trata-se de estudo de caso.
ABSTRACT
Sumário
PARTE I ......................................................................................................................... 21
Capítulo Primeiro: A Imigração Árabe no Brasil...................................................... 21
1) Introdução........................................................................................................... 21
2) Aspectos Gerais da imigração ............................................................................ 24
3) Informações sobre Líbano e Síria ...................................................................... 26
3.1) Síria ............................................................................................................. 28
3.2) Líbano ......................................................................................................... 29
4) Distinções ........................................................................................................... 31
4.1) Turco ........................................................................................................... 31
4.2) Árabe ........................................................................................................... 32
4.3) Sírio-Libanês ............................................................................................... 33
3) Harmonia e conflito?.......................................................................................... 73
3.1) Harmonia..................................................................................................... 73
3.2) Conflitos ...................................................................................................... 74
PARTE II........................................................................................................................ 88
Capítulo Terceiro: Igreja Evangélica Árabe de São Paulo ........................................ 88
1)Introdução............................................................................................................ 88
2) Delimitação ........................................................................................................ 89
3) Histórico ............................................................................................................. 90
3.1)Antecedentes ................................................................................................ 90
3.2) Estabelecimento .......................................................................................... 91
10
4) Estrutura ............................................................................................................. 98
5) Atuação Social.................................................................................................. 100
5.1) Lar Pró-Velhice Água da Vida.................................................................. 100
5.2) Ações Assistenciais ................................................................................... 101
5.3) Suporte ao Imigrante ................................................................................. 101
5.4) Espaço de Cultura...................................................................................... 102
Introdução
Tem esta dissertação como objeto de pesquisa a Igreja Evangélica Árabe de São
Paulo, em uma abordagem da trajetória dos árabes (sírios-libaneses) protestantes
(evangélicos) desde a saída do Líbano até sua chegada ao Brasil, bem como seu
desenvolvimento e situação atual como comunidade protestante estabelecida e
expansionista. Serão tratadas as questões relativas às barreiras enfrentadas e superadas
no âmbito da diferença (diversidade) cultural e linguística, do país de imigração, bem
como no aspecto religioso em um ambiente de tradição predominantemente católica
romana (adversidade).
A tarefa de escrever sobre este assunto se me afigura como um grande desafio.
Afirmo isto respaldado no fato de que não tenho formação no universo da pesquisa de
campo. Quer na teologia ou no Direito (minhas formações de graduação e pós-
graduação lato sensu), as incursões por mim feitas são, notadamente, no mundo dos
livros, da pesquisa bibliográfica. A noção do grave risco que corro não me escapa, mas
o sentimento e o desejo de ultrapassar esta fronteira são mais fortes que o temor do
risco.
Os grupos sociais identificados por sua etnia, língua ou outros elementos
culturais, bem como os sub-grupos que se distinguem de seus “patrícios” pelo fator
religioso, por exemplo, foram e continuam sendo alvo de interesse das ciências sociais
no âmbito da Academia. Neste sentido o estudo de um grupo cuja língua é o árabe
(mundo de prevalência islâmica), a origem sírio-libanesa (com predominância cristã
ortodoxa) e a religião protestante, fugindo às identificações ou características mais
comuns aos de sua etnia e cultura, é merecedor de atenção e interesse. A peculiaridade
distintiva relativa à religião é elemento justificador desta pesquisa em seu âmbito social.
13
Trata-se de uma comunidade de religião cristã (universal), com forte expressão étnica
(língua árabe), mas que tem apelo expansionista universalizante.
1
Heldo Mulatinho. Tese de doutorado . USP, 1976.
2
José Martins Trigueiro Neto. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.
3
Jonas Furtado Nascimento. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.
4
Gloecir Bianco. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005.
5
Marivaldo Gouveia. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005
6
Elson Isaac Santos Araújo. Dissertação de mestrado. Mackenzie , 2005.
7
Maurício Loiacono. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006
8
Heloisa Mara Luchesi Módolo. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006.
9
Rubens Lima da Silva. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.
15
10
Simone Lucena. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.
11
Wilson de Lima Lucena. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2009
12
Silvana Maria P. Silva. Dissertação de mestrado. Mackenzie 2009.
13
Apontamentos de aula ministrada pelo Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira em 15/04/2008 e
13/05/2008, no programa de mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
16
função de rede de apoio ao imigrante que necessita de suporte nos primeiros tempos de
adaptação à realidade na qual está agora inserido.
Nesta mesma direção é afirmado por Ódea: “Existe aqui uma relação dupla. Não
apenas as condições sociais influem no aparecimento e na difusão de idéias e valores,
mas as idéias e valores, uma vez institucionalizados numa sociedade, influem nas ações
dos homens.” ( ÒDEA. 1969, p.79). A reciprocidade no construir e ser construído fica
estampada neste texto, afirmando esta dialética social.
Neste sentido pode-se ver que a IEASP é agente de construção (integração)
social em relação aos seus integrantes e é, ao mesmo tempo, construída por eles à
medida que vai se adaptando às mudanças ocorridas no passar do tempo. A experiência
religiosa é elemento preponderante na cultura de determinada sociedade, sendo este um
fator que integra a fundamentação de grupo. Assim vê-se que: “só se pode designar sob
o termo de grupo a unidade social que possua, ao mesmo tempo, estrutura
suficientemente consistente e resistente e um conjunto de normas bastante estáveis”.
(MAISONNEUVE, 1967. p59).
A IEASP é fruto do que se chama “Protestantismo de Imigração” distinto do que
se chama protestantismo de missão (Mendonça, 2008, p28). A igreja será composta, em
seu início, por árabes (libaneses e sírios), e seu propósito era expandir-se dentro das
fronteiras de sua etnia. Encontra-se aqui um dado interessante visto que o missionário
vem para trabalhar entre os imigrantes (de imigração), mas seu propósito é a difusão do
evangelho e fazer conversos (de missão). Sua vinda passa a ter duplo propósito: cuidar
dos e assistir aos árabes protestantes (sentido de pastoreio) e evangelizar (comunicar a
mensagem cristã na visão protestante) aos patrícios e, só mais tarde, aos brasileiros. É,
portanto, em seu início, uma religião de tradição universal (cristianismo), mas de linha
étnica (árabe libanesa), porém forçada a universalizar-se, ou seja, visando retomar sua
vocação universal de “fazer discípulos de todas as nações” (Bíblia Sagrada. Mateus,
28:19 ). É possível aplicar-se a IEASP o que Mendonça fala sobre o protestantismo de
modo geral no Brasil: “O protestante não aparece, não se apresenta, não se insere de
modo sensível na política, na cultura. Não há um impacto protestante na sociedade
brasileira”. (MENDONÇA. 2008, p.27).
18
14
Trata-se de obra sobre imigração de brasileiros para os EUA, na região de Boston, mas as aplicações e
princípios são compatíveis com a imigração de modo geral, incluindo-se a dos árabes (sírios e libaneses)
protestantes para o Brasil, uma vez que guardam semelhanças em suas histórias e evolução. Nota do
autor.
19
determinará nosso corte de atuação. Em sendo um estudo de caso, não se pretende que
seus dados sejam generalizados.
21
PARTE I
1) Introdução:
É possível falar e viver a “isenção plena” ou a “total neutralidade” quando se
trata de abordar determinado assunto ou desenvolver certa pesquisa? Esta questão tem
sido alvo de acalorados debates acadêmicos e aquela idéia positivista da neutralidade
absoluta como exigência para o pesquisador, vai deixando de existir, dando lugar à
compreensão da participação e envolvimento do pesquisador, embora deva este buscar
manter certa objetividade quanto à pesquisa desenvolvida. Neste sentido podemos ver
que a colocação feita por Ruth Cardoso mostra que a revisão sobre este mito da
neutralidade está presente e tem força expressiva:
“A perspectiva é frequentemente limitada a uma auto-análise,
mas certamente traduz uma inquietação. Arrisco afirmar que a
subjetividade que não fomos treinados para controlar teima em
se fazer presente e isto porque ninguém mais defende a noção
de “neutralidade” que os manuais positivistas propunham como
condição de ciência [...] Os conceitos de neutralidade e
objetividade são frequentemente esgrimidos como armas para
garantir a legitimação do saber científico. Por isso mesmo, é
fácil abandoná-las, e seria produtivo promover um debate sobre
o estado desta questão”. (DURHAM, et al. 2004. p 104).
15
“Por lendas, entendo as tradições, tanto orais como escritas, que relatam as aventuras de pessoas reais
no passado, ou que descrevem os acontecimentos, não forçosamente humanos, que dizem haver ocorrido
em lugares reais” J.G. Frazer in: Dicionário de Ciências Sociais V. 1 p.164. 1987.
16
“Lenda medieval acerca de figuras ou eventos notáveis dos países escandinavos. Qualquer lenda antiga
acerca de feitos heróicos”. Dicionário Michaelis, p.1876.
17
“Exposição de uma idéia ou de uma doutrina sob uma forma voluntariamente poética e narrativa, onde
a imaginação ganha asas e mistura as suas fantasias com as verdades subjacentes”. Lalande, 1996 p.689.
22
Em relação aos “árabes” que imigraram para o Brasil, isto pode ser visto na obra
de Salomão Jorge “Album da Colônia Sírio Libanesa no Brasil” na qual narra algumas
destas histórias heróicas e enaltecedoras das virtudes dos injustiçados “turcos” nestes
rincões brasileiros (páginas 121 a 130).
Também encontramos este modo de verem-se a si mesmos, no depoimento dado
por Camilo Ashcar ( de formação presbiteriana e deputado à época) em entrevista
concedida a Cristiane A. Cury, ao falar sobre a participação dos descendentes sírios-
libaneses (árabes) na política brasileira. O registro é longo, mas de real valor na
demonstração desta visão heróica de si mesmos:
“A sua pergunta me obriga a dar uma resposta um
pouquinho mais ampla sobre a evolução da coletividade
libanesa no Brasil. Há várias fases desta evolução. A
primeira foi a dos bandeirantes do comércio, dos libaneses
que adentraram os sertões de São Paulo, Minas Gerais,
Mato Grosso, sobretudo, levando nos seus ombros uma
mala com mercadorias para fazer trocas ou vender
utilidades de primeira mão e foi esta fase a dos pioneiros
libaneses no Brasil. Após esta fase pioneira ou heróica
veio a segunda fase sucessiva de integração social. Os
libaneses passaram a conviver em pequenas vilas e
povoados, formando uma lojinha, ao lado da Igreja, ao
lado da escola, ao lado da farmácia, e começando a viver
aquela forma incipiente dos futuros municípios. Foram se
integrando aos costumes das famílias locais e ganhando a
simpatia e a colaboração dos brasileiros, sobretudo pela
sua boa vontade em servir. Depois, veio uma terceira fase,
da consolidação do comércio. Passaram a ter um pouco
mais de recursos, abriram-se as primeiras lojas, as
primeiras fábricas, os primeiros teares, as primeiras
indústrias incipientes, e foram crescendo até se tornarem
capitães da indústria e do comércio. Depois desta fase
sucedeu-se a fase da cultura. Já com a posição econômica
definida, os sírios e libaneses quiseram que seus filhos
tivessem uma formação cultural mais aperfeiçoada, talvez
por influência da cultura libanesa, que é uma tradição.
Então, enquanto os pais se sacrificavam na atividade
econômico-financeira ou em coisas paralelas, os filhos
eram enviados para as escolas, para se prepararem para
profissões liberais e se formaram em todos os ramos da
atividade, exercendo hoje até cátedras universitárias com
muito brilhantismo. Depois dessas fases, dessa integração
toda, e por projeção da sua cultura, do seu valor pessoal e
da sua participação na vida histórico-cultural do país, é
que surgiu a fase política. Então, destacando-se pela
qualidade de sua vida familiar, pela correção de seu
caráter, pela dedicação ao trabalho, pela cultura, talvez até
23
Para não ser longo em excesso neste ponto, registro apenas outro exemplo desta
forma de narrativa lendária e histórias quase míticas dos antepassados, apresentado por
Truzzi : “Sua perspicaz capacidade de adaptação à nova pátria impressionou a ponto de
gerar narrativas em que fábula e realidade se confundiram , como no episódio relatado
por Tanus Jorge Bastani, em seu livro “Memórias de um mascate”. Conta o autor o caso
do libanês Kalil, que, julgado morto por seu companheiro Miguel, foi por este
encontrado doze anos depois feito cacique de uma tribo amazônica”. (TRUZZI. 2005
p.76).
É fato que há contrastes em relação a esta forma heróica de se ver os imigrantes
árabes, registrados por escritores que, influenciados por elementos de preconceitos
raciais e culturais, darão ao “árabe-turco” outra roupagem não tão dignificante,
conforme se lê em Alfredo Ellis Júnior e citado por Truzzi em sua obra “De Mascates a
Doutores, sírios e libaneses em São Paulo” (p. 25).
Houve tempo em que escondia as crianças ao chegar um “turco” pois a figura
destes indivíduos estava associada ao fato de que estes “comiam crianças”, tendo esta
inverdade acarretado grandes dificuldades a estes imigrantes. Estas formas caricaturadas
são impostas a grupos que fogem ao padrão do igual, ou que sejam diferentes como, por
exemplo, os ciganos, acerca dos quais, em minha infância, ouvia que as crianças não
deveriam ficar à vontade nas ruas quando houvesse ciganos, porque estes roubavam as
crianças e as levavam ou comiam.
As narrativas da sagacidade e ladineza destes árabes com suas trapaças no
comércio, foram registradas e esteriotiparam o “turco”. Taufik Duon em sua obra “A
emigração sírio-libanesa às terras da promissão” tenta amenizar este aspecto do espírito
argentário e ganancioso presente no “árabe-turco” ao escrever: “Seria a maior injustiça
esquecer-lhe as raras qualidades que tanto construíram e beneficiaram, para culpá-lo de
futilidades perdoáveis, cometidas sob a pressão de necessidades prementes, e talvez em
escala maior por todos os outros imigrantes, sem exceção.Também aquelas futilidades
se assemelham às manchas de sangue e lama que no campo de batalha são sinais de
24
honra, enquanto no tempo de paz a menor delas merece severo castigo.”(DUON. 1944,
p112). Ele mesmo registra a famosa e conhecida história do “turco” que vendeu a um
negro iletrado e ignorante um pano de um metro quadrado como se fossem quatro
metros, medindo a peça em todas as laterais, ou a de que alguns vendiam uma espécie
de líquido capaz de ocasionar gravidez. ( DUOUN. 1944, p. 113).
Buscando evitar as exaltações infundadas e impróprias (fruto natural de
manifestação de auto-estima étnica), mas rejeitando, igualmente, a postura
preconceituosa de subvalorização (fruto do desplante por ver o desenvolvimento e
crescimento do outro não meu igual), buscar-se-á a apresentação de aspectos gerais e
específicos sobre a imigração sírio-libanesa para o Brasil e, particularmente, a presença
protestante entre eles com sua inserção, fixação e expansão no seio do povo e da cultura
de nosso país.
18
Pereira, João Baptista Borges. “Os imigrantes na construção histórica da pluralidade étnica brasileira”.
(Revista USP nº.46, 2000 p.10).
26
b)Religião:
Este assunto será tratado em separado no capítulo dois desta dissertação. Apesar
disto alguns aspectos serão fornecidos. A religião está arraigada nestes povos e “quase
27
c)Aldeia:
A prevalência para estes povos era da aldeia sobre a unidade nacional, ou seja,
sua consciência era de identificação maior com a aldeia. Truzzi traduz isto de maneira
muito apropriada: “Um relevo caprichoso[...] dificulta a comunicação, estimulando o
localismo das comunidades e acentuando diferenças, divisões e preconceitos. Se a
família constitui elemento fundamental de reprodução de valores –entre os quais a honra
familiar desempenha papel de destaque-, a aldeia representa o locus onde tais valores
foram cultivados e onde as gerações anteriores da família viveram”. (TRUZZI. 2005, p
3). Esta forma de ligação à aldeia ou cidade será reproduzida na terra para onde
imigraram, quando da criação de clubes e instituições cujos nomes (Homs, Zahle,
Rachaya, Syrio, Monte Líbano, etc) revelam esta postura bem fragmentária ou
segmentada, no nítido espírito de aldeia menor. Fora da aldeia é como estar em terra
estranha, mesmo dentro do próprio país.
Esta região foi palco de conflitos bastante violentos e longos, sendo
apresentados nos noticiários, levando estes países a serem alvo de atenção. No entanto,
mesmo com a presença na mídia, ainda ocorre alguma confusão quanto à sua
localização, divisão geográfica e estruturação política, sendo comum referir-se a sírio-
libanês como se fosse de um único país. Na verdade são dois países autônomos e
distintos e o mapa a seguir apresentado nos oferece a idéia do que seja a região e a
divisão geográfica entre Síria e Líbano, evitando confusões e equívocos neste sentido de
localização e visualização geográfica.
28
3.1) Síria:
Embora seja um país que tenha alcançado sua independência em 1945, sua
existência, como nação e país, remonta a tempos antiquíssimos no Oriente (2 Samuel
8:6; Isaías 7:2; 7:8 entre outros) integrando o panorama das potências nos tempos
iniciais da monarquia hebréia.
Sua história registra que em 1516 foi subjugada pelos turcos otomanos, passando
a ser designada Grande Síria (ou Síria), incluindo o atual território da própria Síria e do
Líbano, persistindo tal situação até 1918, quando ao final da Primeira Guerra o Império
Otomano caiu. (TRUZZI. 2005, p 1-2).
Seu território constava de uma área de 650 por 250 Kms. Com a queda do
império Otomano, as potências européias assumiram o controle da região, ficando a
França com o controle, sob o regime de Mandato, mas que passou a ser, de fato,
“protetorado”. Salomão Jorge registra: “Eis as palavras do deputado francês
Angoulvant, publicadas em 1926 em “Le Journal”: ‘Confundimos a fórmula do
mandato com a do protetorado. Quisemos administrar esses países como se se tratasse
de colônias da África ou da Indo-China, em lugar de nos limitarmos a representar, ante
29
3.2) Líbano:
À exemplo da Síria, o Líbano também é citado na Bíblia e sua história é muito
antiga (Dt.,1:4; 2Cr.2:8 ; Ct.3:8; Is.60:13). Sua capital é Beirute, sendo uma das quatro
cidades litorâneas. Já foi chamada de “a Suiça do Oriente Médio não só em função de
seu sistema financeiro, mas também por ser uma cidade rica no aspecto cultural e
tolerante socialmente” (GATTAZ. Tese de doutorado, 2001, p 112). Mas, devido às
guerras civis e conflitos ocorridos na segunda metade do século vinte, esta situação foi
drasticamente mudada e apresentada pelas redes mundiais de televisão.
A predominância é de relevo montanhoso em seu pequeno território que mede
10.400 Km2 ou 1/55 da superfície da França, sendo cerca de 210 Kms de comprimento
e a largura entre 40 e 70 Kms. (SALEM. 1969, p 22-24).
Os libaneses fazem questão de vincular sua origem aos povos fenícios, a fim de
lhes fazer render crédito como povo avançado e intelectual, além de desbravadores e
navegadores intimoratos, e os criadores do alfabeto. Tais elementos são vistos como
características distintivas superiores em relação aos sírios. Estes, por sua vez, lembram
que: “ Para revidar a vaidade libanesa, lembraram-se que, por ser montanhoso, o
Líbano, ao longo de sua história, sempre acolhera fugitivos e ladrões” (TRUZZI. 1992,
19
Em 1916 foi firmado um acordo entre a França e Grã-Bretanha, conhecido como Sykes-Picot. Por este
acordo o Império Otomano seria partilhado em três zonas: azul, pertencente à França; vermelha,
pertencente à Grã-Bretanha e parda, pertencente à Palestina, onde seria colocada uma administração
internacional, cuja forma seria decidida após consulta à Rússia. (HAJJAR. 1985, p 220). (Mapa anexo 2).
30
4) Distinções:
A designação “imigração sírio-libanesa” é indicativa de incorporação destas
duas nações ou países como sendo ou enfeixando uma única realidade, ainda que isto
não corresponda, de fato, à verdade.
Assim, como se faz necessária distinção entre Síria e Líbano (sírio e libanês), im
é imprescindível que se façam, também, algumas distinções quanto a certos
designativos destes imigrantes, a fim de haver melhor compreensão do assunto.
4.1) Turco:
Nos primórdios da imigração dos oriundos da Síria e Líbano, a designação dada
a todos eles indistintamente era a de “turcos”. Knowlton se refere a isto deste modo:
“Todos os imigrantes do Oriente Próximo foram classificados como turcos até 1892,
quando os sírios passaram a ser inscritos separadamente. Como o Líbano era
considerado parte da Síria até a primeira Guerra Mundial, todos os libaneses foram
incluídos entre os sírios”. (KNOWLTON. 1961, p 37).
De fato, o motivo da dominação turca-otomana sobre a região sírio-libanesa,
fazia com que os documentos, inclusive passaportes, fossem expedidos pela autoridade
turca (império turco), fazendo seus portadores serem, portanto, vistos como cidadãos
turcos. Truzzi comenta este fato e assevera:
“Como até o final da Primeira Guerra Mundial, quase a
totalidade dos imigrantes da colônia veio ao Brasil com
passaportes turcos, foram identificados com o seu dominador, o
que lhes causou imenso dissabor. O fenômeno não se restringe
ao Brasil. Também na Argentina (e provavelmente em outros
países da América Latina) sírios e libaneses foram e ainda são
32
Dessarte, deve-se ter claro que a designação de turco não se aplica, in casu, ao
indivíduo nascido na Turquia, já que o número de turcos imigrantes para o Brasil foi
quase nula (TRUZZI. 1997, p.68 ). Tal designação foi e é vista como pejorativa e
repulsiva pelo sírio e o libanês. Os imigrantes reagiam e reagem com certa rudeza a tal
identificação. Isto é apontado por Jorge Amado em seu Romance “Gabriela cravo e
canela” em relação à figura do “turco” Nacib, que repelia com veemência e irritação tal
apodo:
“-Turco é a mãe!
- Mas, Nacib...
- Tudo que quiser, menos turco. Brasileiro – batia com a mão enorme no peito
cabeludo- , filho de sírios, graças a Deus.
- Árabe, turco, sírio é tudo a mesma coisa.
- A mesma coisa , um corno! Isso é ignorância sua. É não conhecer geografia. Os turcos
são uns bandidos, a raça mais desgraçada que existe. Não pode haver insulto pior para
um sírio que ser chamado de turco”. (AMADO. 1975, p 45).
4.2) Árabe:
Esta é uma questão um pouco mais complexa e sutil que a anterior, cujo aspecto
histórico é bem nítido e determinante da designação feita como turco. A dificuldade se
mostra porque os libaneses se vêem não como árabes, mas como descendentes dos
fenícios e têm seu orgulho ligado fortemente a isto. (SAFADY. 1966, p 193-194).
Salem fala da invasão árabe no século VII como geradora de grande movimento
migratório, sendo este ponto apresentado como elemento “arabizante” da região com
implantação da língua, costume e religião. (SALEM. 1962, p 32).
Truzzi trata desta questão e busca estabelecer o conceito adequado e diz o
seguinte:
“A designação ‘árabe’ é bastante artificial, embora
tanto cristãos quanto muçulmanos no geral orgulhem-se de suas
raízes culturais árabes de um passado longínquo. É sensato
duvidar que um número significativo de imigrantes tenha
alguma vez discutido questões a respeito de quem é árabe e o
que isto representa. Tais questões tornaram-se relevantes apenas
em círculos intelectualizados, preocupados com o movimento
de unificação árabe internacional. No contexto pós Segunda
Guerra, o termo árabe ganhou mais robustez em virtude da
polarização com os judeus, tendo a criação do Estado de Israel
em 1946 e, posteriormente, a humilhação da derrota na Guerra
33
Jorge Safady traz alguns aspectos importantes sobre o termo árabe e o sentido
adequado a lhe ser dado. Vejamos: “O termo ‘árabe’ não é sinônimo de ‘islam’ ou
‘muçulmano. ‘Árabe’ significa ‘ocidental’. Com o tempo, o termo ‘árabe’ (árabi-árab-
gharb) generalizou-se. Foi dado também aos habitantes do deserto. Nos últimos dois mil
anos, o termo veio a ser aplicado com frequência à vasta península arábica e aos seus
povos...O termo não significa uma raça etnicamente reconhecida. Ao contrário, os
povos árabes, em todas as suas épocas históricas, eram e continuam sendo de uma
heterogeneidade étnica... ‘Árabe’ não representa uma religião, nem uma raça, nem um
Estado determinado. Corresponderia aos termos ‘americano’, ‘europeu’, ‘asiático’,
‘anglo-americano’, etc”. (SÁFADY. s/d, p 133-134).
4.3) Sírio-Libanês:
Podem ser encontradas ocorrências de designação composta com sentido de
unidade no âmbito geo-político: austro-húngaro, techecoeslovaco e outros. A indicação
é para determinada região como única, mas com unidades formadoras, sejam estas
independentes ou não.
Esta situação é aplicável ao caso “sírio-libanês”, ao mencionar-se como unidade
geo-política aquilo que, na verdade, não é uno. Knowlton faz distinção adequada ao
referir-se à imigração de sírios e libaneses e a mobilidade destes dois grupos. Ele
mesmo oferece explicação para esta forma unívoca de percepção: “Como o Líbano era
considerado parte da Síria até a primeira Guerra Mundial, todos os libaneses foram
incluídos entre os sírios”. (KNOWLTON. 1961 p37).
Truzzi também coloca a questão de modo bastante interessante quando faz
referência ao “turco” Nacib, criado por Jorge Amado: “Tal como no caso de Nacib, o
restante da sociedade brasileira não dispunha de nenhum elemento para distinguir
libaneses de sírios e suas respectivas origens. Nesse processo, foram agrupados numa
categoria menos precisa e mais geral, fundidas suas identidades nessa coletividade
maior, fruto da interação que o restante da sociedade mantinha com o grupo” (TRUZZI.
2005, p 56).
34
5.2.1) Econômicas:
Alguns aspectos são alinhados pelos estudiosos do tema e apontados como
geradores da “febre migratória”. Knowlton (p 25) e Truzzi (2005, p.6) apresentam o
declínio da produtividade agrícola pelo empobrecimento do solo e o crescimento
populacional, tornando impossível à pequena propriedade rural gerar a manutenção da
família cada vez maior. A incapacidade de subsistência fará com que seja buscado, em
outra terra, o sustento. Esta tese é admitida também por Gattaz: “O fator que se encontra
na origem da emigração libanesa, e que ao longo dos anos desempenhou importante
papel, é constituído pelo conjunto de necessidades econômicas e materiais decorrentes
da relação entre a pequena produtividade agrícola e a alta densidade populacional que
desde meados do século XIX caracterizou aquele país”.(GATTAZ. 2001, p 72).
36
5.2.2) Sociais:
É evidente que as causas econômicas têm conotação social. Mas, aqui trata-se do
aspecto chamado “imigrante torna-viagem” (KNOWLTON. 1961, p 26). Estes
indivíduos que retornavam às aldeias depois de algum tempo de emigração, vinham
com discursos laudatórios e entusiastas sobre as terras estrangeiras, as facilidades,
recursos e vantagens lá existentes, além de mostrarem uma razoável quantia de dinheiro
trazida consigo ou já enviada à terra natal.
Outro aspecto de ordem social está ligado aos envios ou remessas de valores
feitos à família, que poderia então melhorar a residência ou adquiri-la, ou comprar uma
propriedade rural, gado, loja, etc, gerando a ascensão social e angariando o prestígio
entre os demais da aldeia ou cidade.
A facilitação para emigrar, oferecida por aqueles que estavam instalados nos
países de destino, oportunizando aos familiares a ida com certa segurança de encontrar
lugar de estada e trabalho a realizar, foi outro fator importante.
Deve ser levado em conta ainda o aspecto da diferença entre o salário nos países
de origem e os de destino. Knowlton registra a transcrição de um relatório de
missionários protestantes que fala sobre o assunto: “Um analfabeto vai para a América e
no curso de seis meses manda um cheque de $300 ou $400 dólares, mais do que o
salário de um professor ou de um pastor em mais de dois anos.” (KNOWLTON. 1961,
p 30).
37
5.2.3) Político-religiosa:
A religião é fator de grande força e importância na estrutura da sociedade, seja
formando, seja justificando o comportamento, costumes, etc. No Líbano e Síria isto não
era e não é diferente, sendo fator inegável na composição do movimento migratório.
De acordo com a informação dada por Knowlton(op.cit. p19)a invasão dos
territórios do Líbano e Síria pelo Egito, em 1831, estabelecendo igualdade entre
muçulmanos e cristãos, ocasionou a entrada de missões estrangeiras, protestantes ou
não, plantando escolas e fazendo o elo no contato com o ocidente. Com a saída dos
egípcios os conflitos eclodiram, tendo seu climax em 1860 com camponeses maronitas
(cristãos) combatendo seus senhores drusos (muçulmanos). Estima-se em 10 mil
cristãos mortos neste conflito. As potências estrangeiras acabam por intervir nesta
situação e a presença ocidental se torna mais evidente. Estes combates e conflitos em
desfavor dos cristãos fizeram com que muitos deles emigrassem.
Truzzi registra que Alixa Naff discorda desta tese: “Naff argumentou que
perseguições na Síria, forçando cristãos a emigrarem, constituiu um mito forjado
sobretudo por políticos árabes na América após o fim da Primeira Guerra Mundial.
Ponderou esta autora que os mais interessados em propagar tal tese foram os maronitas,
ardentes defensores do Líbano sob o regime de protetorado francês. Junto às entrevistas
que recolheu entre informantes cristãos, afirma que em nenhuma delas o tema das
perseguições veio à baila”. (TRUZZI. 1997, p 23).
Outro fator apontado é a conscrição. Até 1909 os cristãos que integravam o
Império Turco eram liberados do serviço militar. Gattaz afirma que: “...em 1903, os
38
turcos instituiram o alistamento militar dos cristãos do Líbano para os auxiliarem nas
guerras dos Balcãs – obrigação da qual até então eram isentos – forçando muitos jovens
a emigrar como meio de fugir ao recrutamento”. (GATTAZ. 2000, p 74). O tratamento
imposto aos cristãos e o receio de ser enviado à guerra levaram muitos a emigrarem.
Gattaz alinha outro elemento (também dado por Knowlton) que foi o de
“oposição ao regime de mandato francês”. (p 76). Ao verem que após a Primeira Guerra
Mundial, não fôra concedida a independência e que as atitudes da potência estrangeira
(França) eram similares ou piores que as dos turcos, existindo acentuada desigualdade,
onde até “ o cavalo do oficial francês era distinguido com o dobro da ração do cavalo do
sírio ou do libanês” ( JORGE. s/d p 526) a revolta foi grande e também a desilusão,
fazendo com que muitos deixassem o país.
5.3) Destino:
O movimento migratório envolve o lugar de onde se vai e aquele para onde se
quer ir. Assim a pergunta se impõe: quais eram os destinos preferidos dos sírios e
libaneses e por que os elegeram? Alguns destinos são apresentados: Estados Unidos,
Canadá, Argentina e Brasil. (TRUZZI. 2005, p 6)
Dentre os possíveis o mais procurado eram os Estados Unidos, sendo este o país
que mais recebeu imigrantes entre 1880 e 1930 (TRUZZI. 2005, p 8), pelo fato do
contato com os missionários americanos que chegaram à região no final do século XIX
e a familiaridade com a língua inglesa. Embora os Estados Unidos fossem o destino de
maior interesse, muitos acabaram redirecionando sua destinação, uma vez que não
puderam entrar naquele país por não obterem visto de entrada por problema de saúde
(tracoma – doença que afeta os olhos -) ou analfabetismo (KNOWLTON. 1961, p 34).
Deve-se considerar a existência de muita má fé e ludibrio, conduzindo indivíduos ao
Brasil (e não aos EUA), sob a alegação de que “tudo era América”.
Neste contexto passa-se a ser formada a chamada “imigração em cadeia” que
Gattaz assim define: “estímulo da emigração daqueles que ficaram, pelos excelentes
resultados econômicos atingidos pelos imigrantes pioneiros”.(GATTAZ. 2000, p 80).
Truzzi também alinha este fator que fez do Brasil o destino de tantos ao dizer: “Por
último, cumpre ressaltar o contínuo processo de realimentação que representou a
importação de parentes e conterrâneos pelos já estabelecidos. Não há dados precisos a
esse respeito no Brasil, mas tudo indica que esse efeito de cadeia foi responsável por
enormes parcelas de imigração síria e libanesa”.(TRUZZI. 1997, p 56). Esta “cadeia” é
39
20
Estes crimes são assim chamados pelo fato de que a cédula de identidade no Líbano tem indicação da
confissão religiosa do indivíduo, sendo assim, muitos foram sequestrados, torturados ou mortos por
terem em suas carteiras de identificação a sua filiação religiosa. ( GATTAZ, André. Op. Cit. 2001, p120).
44
5.6.1) Geo-político:
Este é o mais antigo entre todos a serem apontados e liga-se à tentativa de se
colocar um “equilíbrio” no regime de latifúndios presente no Brasil do século XIX,
fazendo com que houvesse o surgimento de uma classe ou segmento de pequenos
proprietários rurais e, ao mesmo tempo, se alcançaria o povoamento de áreas ainda
inexploradas do território brasileiro. Os imigrantes seriam ideais na execução deste
plano como agentes de “colonização” de tais glebas e regiões. (KNOWLTON. 1961, p
33).
5.7.1) Urbana:
Os sírios e libaneses eram, em sua terra natal, ligados ao solo, à agricultura. Mas,
embora tivessem esta ligação à terra, de modo surpreendente não se colocaram
vinculados ao campo ou à agricultura. Borges Pereira comenta em seu artigo já citado o
seguinte: “Dentre os cinco contingentes migratórios citados, os italianos, alemães e
japoneses podem ser tomados como exemplos de imigrantes rurais, enquanto os sírio-
libaneses e os judeus, como expressão de imigrantes urbanos [...]Como os judeus e, até
certo ponto, como os espanhóis, os sírio-libaneses excluíram de seu projeto migratório a
zona rural e se instalaram nas cidades, desempenhando funções urbanas” (PEREIRA.
2000, p 11 e 19).
Pode-se encontrar informação sobre este fato também em Truzzi, que afirma:
“...os libaneses e os sírios reúnem simultaneamente duas características que lhes
emprestam esta singularidade: são razoavelmente bem distribuídos entre as diversas
regiões do território brasileiro e, ao mesmo tempo, apresentam um alto índice de
48
ocupações urbanas”. (TRUZZI. 2005, p 40). Ainda o mesmo autor escreve: “Além
disso, Knowlton recolheu em suas entrevistas elementos que o fizeram deduzir que os
primeiros mascates obtiveram muito má impressão da miséria em que vivia a população
rural no Brasil, contribuindo para o seu afastamento do campo.” (TRUZZI. 1992, 51-
52). De fato, Knowlton afirma que o sistema agrícola brasileiro de monocultura
latifundiária do café, algodão e açucar era estranho aos sírios e libaneses; não possuíam
capital para adquirir terras, o que os faria empregados braçais nas fazendas e por último,
não haviam vindo para o Brasil com interesse de permanência. (KNOWLTON. 1961, p
136).
Por um motivo ou outro, vê-se que sua preferência foi pelo núcleo urbano,
mesmo que no interior do país. Preferiam as cidades (grandes ou pequenas) onde
montavam suas bases de atuação para seu empreendimento primeiro de subsistência: o
comércio autônomo ambulante, ou mascateação.
5.7.2) Autônoma:
O “turco” não queria ser empregado, ou melhor, desejava ser dono de si mesmo.
Não era de seu interesse ser trabalhador subordinado a patrão, mesmo na indústria, onde
seria colocado em situação subalterna. Seu desejo e vontade de autonomia e
independência o levam ao comércio ambulante inicialmente (mascateação), que será
alvo de apreciação em lugar próprio nesta dissertação.
Truzzi reproduz uma afirmação de Ellis Júnior que diz: “Nas baixas camadas, o
syrio prefere ser o mascate ambulante, vendendo meias, sabonetes, carretéis, etc. Jamais
ele vestirá o ‘over-all’ do operário industrial ou empunharia a enxada do lavrador”
(apud TRUZZI. 1992, p 73).
Knowlton também reconhece esta propensão para tal forma de comércio
desenvolvida por estes imigrantes e registra sua forma de agir: “Não tinham preço fixo,
vendiam pelo que achavam que o mercado podia pagar e viviam com muito pouco. Se o
freguês não podia pagar a dinheiro, o mascate aceitava em troca borracha, gado, café,
ouro, ou qualquer produto. Os sírios e libaneses também estavam dispostos a conceder
crédito até por um ano de cada vez. Devido à sua flexibilidade e disposição de correr
riscos, poucas nacionalidades podiam competir com eles”. (KNOWLTON. 1961, p
138).
49
Levando sua mercadoria, fazendo seu horário, exercendo sua liberdade de fixar
preço e prazo e regateando com habilidade, fosse com sua canastra e matraca, cesta de
verduras, caixa com quinquilharias, ou loja posta, sua marca era ser seu próprio patrão.
5.7.3) Auto-subvencionada:
Com a abertura dos portos às nações amigas, realizada por D. João VI em sua
vinda para o Brasil, oportuniza-se a entrada de estrangeiros no Brasil. O Brasil, já no
final do século XIX, passava por significativas mudanças na esfera política, social e
econômica. A proclamação da República (1889) antecedida pela abolição da escravatura
(1888), traçaram novos rumos na vida econômica do país. A necessidade de reposição
de mão de obra no campo para a continuação da exploração cafeeira era urgente.
Algumas providências foram tomadas como incentivo à vinda de imigrantes para o
Brasil, sobretudo para o europeu. Uma destas foi o subsídio das passagens e auxílio na
manutenção durante certo período após a chegada ao Brasil.
Isto foi tão necessário que os agricultores paulistas fundaram em 1886 a
Sociedade Promotora da Imigração. Esta organização tinha o propóssito de recrutar
imigrantes na Europa (de preferência na Itália – o ideal branco, católico, europeu,
civilizado), pagar as passagens da família e ajustar contratos nas fazendas (GATTAZ.
2001, p 161).
No entanto, os sírios e libaneses não foram alcançados com este benefício e as
despesas de sua viagem, chegada, estada e inserção no Brasil era de sua inteira
responsabilidade. Deste modo eles não estavam enquadrados no modelo de
“colonização”, nem na de imigração subvencionada. Estabeleceram o que se chama de
imigração voluntária. Gattaz fala sobre isto: “Em História Econômica do Brasil, Caio
Prado distingue e nomeia os dois tipos de imigração: ‘Este processo de recrutamento e
fixação dos imigrantes passou a ser denominado imigração subvencionada, reservando-
se o nome de colonização ao primitivo sistema de localização de imigrantes em
pequenas propriedades agrupadas em núcleos’ Ao lado deste destes dois modelos,
posteriormente surgirá a imigração voluntária da qual os libaneses são o grupo mais
representativo” (GATTAZ. 2001, p 160). Truzzi também registra este fato: “De inserção
marcadamente urbana na nova terra, ao contrário dos outros grupos anteriormente
provenientes da Europa Ocidental...os sírios e libaneses –também em contraposição a
50
outras etnias- vieram por conta própria, o que por eles é referido orgulhosamente como
prova inequívoca de um espírito altivo”. (TRUZZI. 1997, p 20).
5.7.4) Individual:
Na estrutura do “colonato” ou da “imigração subvencionada” estava presente o
núcleo familiar completo, possibilitado pelos incentivos oferecidos por estes sistemas
aos imigrantes beneficiados. Como o modelo do imigrante sírio e libanês era diferente e
os custos seus, ocorria o fenômeno da imigração individual, além do fato de que se
alimentava o desejo de ficar rico e voltar logo.
O mais comum era que o jovem (normalmente sexo masculino) ou o chefe da
família (não o patriarca velho) viesse e conseguisse numerário suficiente para patrocinar
a vinda de outros integrantes da família ou toda ela, dependendo do caso.
É feita por Knowlton uma comparação com outras nacionalidades e conclui: “A
diferença entre as várias nacionalidades pode-se explicar do seguinte modo: 1º) Os
imigrantes sírios e libaneses eram geralmente rapazes. 2º) A maioria dos sírios e
libaneses não veio em busca de um lar, mas para fazer fortuna e depois voltar ao país
natal antes de se casar...” (KNOWLTON.1961, p 93).
Esta característica foi detectada e apontada por Truzzi, que faz o registro sobre o
fato da vinda de imigrantes nas primeiras levas ser de solteiros, ou seja, não de família
completa : “Uma vez que vieram solteiros e quase sempre com a determinação de
retornar à terra de origem depois de amealhar durante alguns anos algum capital que os
fizesse viabilizar a vida...” (TRUZZI. 1992, p 52).
5.7.5) Temporária:
Esta peculiaridade está presente, embora a idéia de transitoriedade veio tornar-se
para muitos permanência e fixação no Brasil. Truzzi afirma que até o final da primeira
década do século XX “ o cálculo dos emigrantes era de que alguns anos de América
seriam suficientes para lhes assegurar uma vida familiar próspera, em suas aldeias”.
(TRUZZI. 1997, p 30). Para ele, este padrão de desejar o retorno predominou até 1910,
sendo que alguns “fatores cumulativamente engendraram uma mudança do caráter de
imigração de temporário para permanente” (op. cit. 31). No entanto, o próprio Truzzi
entende que a Guerra Civil do Líbano (1975-1990) levou muitos a emigrarem
provisoriamente apenas para escapar do período da guerra e alimentavam o sonho de
51
5.7.6) Geografia:
Deixando de lado o aspecto heróico exacerbado e o idealismo mítico de Camilo
Ashcar, em resposta dada a uma repórter e cujo texto foi registrado no livro “Imigração
e Política em São Paulo” (p 48-49), pode-se enxergar este ponto como real distinção em
relação a outros grupos, ou seja, a capilaridade dos sírios e libaneses no território
brasileiro. Ashcar assim se expressa: “[...] Os libaneses passaram a conviver em
pequenas vilas e povoados, formando uma lojinha, ao lado da igreja, ao lado da escola,
ao lado da farmácia e começando a viver aquela forma incipiente de futuros
municípios”.(FAUSTO e outros. 1995, p 48).
A figura do mascate e a famosa “lojinha” fizeram, e esta última ainda faz, parte
da saga destes imigrantes que se espalharam pelos vários estados brasileiros, tornando
sua presença evidente e até forte. Neste sentido Borges Pereira escreve: “A trajetória de
integração do grupo tem como ponto inicial a exploração de pequenos empreendimentos
comerciais e a venda à prestação, como o mascate de mercadorias pelas áreas do país
onde o comércio regular não alcançava”. (PEREIRA. 2000, p 19). Estas áreas são os
sertões e interiores de todo o território brasileiro de então.
Ainda que mereça reserva a afirmação retumbante de Salomão Jorge de que
“hoje, em qualquer localidade do Estado de Minas Gerais lá está o libanês[...] não existe
um só cantinho que não entrou em contato com o peregrino civilizador. Não existe uma
só necrópole mineira que não tenha um túmulo de um libanês” (JORGE. s/d, p 96-97),
não se pode desconsiderar o fato de que a penetração deste grupo de imigrantes foi e é
excepcional. Encontramos os Nacib, Saad, Taufik, Salum, Farad, Farid, Adad, Halid
Hilel e outros tantos nomes de origem árabe nestes nosso milhares de municípios
brasileiros.
Este aspecto não se apresenta em outras etnias devido a certa limitação
geográfica ou espacial pelo fato de sua formação de colonato ou de território rural e
52
agrícola, dificultando sua disseminação em outras regiões. Wadih Safady faz, de modo
mais comedido que Salomão Jorge, uma breve análise de inserção destes imigrantes em
MT, MG, PR, SC, RG, Norte e Nordeste, sem mencionar São Paulo, Rio de Janeiro e o
Distrito Federal da época (cidade do Rio de Janeiro), oferecendo uma idéia do alcance
da inclusão destes imigrantes no território brasileiro. (SAFADY. 1966, p 182-190).
Coletamos alguns números oferecidos por Knowlton sobre a presença destes
imigrantes nos estados brasileiros e os reproduzimos a seguir, sendo referentes ao ano
de 1920: Acre:627; Alagoas:6; Amazonas:811; Bahia:1206; Ceará:268; Distrito
Federal:6.121; Espírito Santo:810; Goiás:528; Maranhão:625; Mato Grosso:1.232;
Minas Gerais:8.648; Pará:1460; Paraíba:60; Paraná:1.625; Pernambuco:355; Piauí:188;
Rio de Janeiro:3.200; Rio Grande do Norte:55; Rio Grande do Sul:2.665; Santa
Catarina:488; São Paulo:19.285; Sergipe:47. (KNOWLTON. 1961, p 68).
6.1) Econômico:
Faz parte do anedotário nacional o espírito argentário desses filhos da Síria e do
Líbano e seus descendentes. Crescemos ouvindo as referências jocosas “ao lojinha”, “a
bachincha”, ao modo sagaz e ardiloso do negociante “turco”, com sua habilidade de
vender o “invendível” e obter lucro em tudo. Motejos e galhofas à parte, não se pode
negar a atuação desses divulgadores do “comércio ambulante” nesse país. Penso não ser
inadequada a figura usada por Camilo Ashcar ao referir-se a eles dando-lhes o título de
“bandeirantes do comércio”
53
21
Sistema ainda usado em certos lugares, fazendo com que o empregado compre na ‘venda’ da fazenda
por preço muito mais caro, tornando-o endividado com o patrão e impossibilitado de pagar a dívida.
Deste modo o proprietário da terra acaba recuperando o valor pago ao empregado. Nota do autor.
55
6.2) Social:
A inserção do imigrante na estrutura social do país onde se instalou é,
costumeiramente, difícil e longa. Surpreendentemente este aspecto não ocorreu com o
sírio e libanês no Brasil que experimentou uma inclusão relativamente rápida, embora
esses imigrantes mantivessem alguma estrutura de fechamento em si (colônia) com a
endogamia.
Pode-se atribuir este rápido processo ao fato da ascensão econômica e também à
presença de pequeno contingente feminino na imigração. Knowlton afirma que “os
57
turcos-árabes têm o mais alto índice de proporção dos sexos, 229,9 homens por 100
mulheres, muito mais alto que o de qualquer outra nacionalidade.” (KNOWLTON.
1961, p 51). Esta defasagem acabou por levar muitos a buscar o casamento com
brasileiras ou imigrantes de outras etnias (italianas e portuguesas).
Não se pode olvidar, neste ponto, a importância e influência da culinária árabe
(sírio-libanesa) em nosso meio. Tal influência não se dá apenas como produto da
imigração, mas da presença árabe na península ibérica por cerca de 700 anos. A
incorporação e inclusão de pratos árabes à cozinha brasileira é inegável com a
multiplicação dos restaurantes especializados nestas iguarias, além de estarem presentes
nos bares e “botecos”, e nos lares brasileiros. Temos o quibe, a esfiha, o tabule, a
coalhada, o pão sírio, a fatuche (salada), o falafel e outros. Wadih Safady faz referência
aos doces, dentre os quais encontramos o halãni, o cnãfi, o be’laua, o ataief .
(SAFADY, 1966, p.227).
A participação política é de igual modo, elemento forte neste campo da inserção
social, onde se percebe a presença do sírio libanês mais efetiva que outros contingentes
como alemão, suíço, japonês. Borges Pereira refere-se a este fato e reconhece que : “No
plano político, a partir de 1930, a participação do sírio-libanês é cada vez mais
acentuada, suplantando todos os demais grupos de imigrantes, com exceção dos
italianos. Desde 1934 já havia membros do grupo na Câmara Federal, e em 1948, 28
municípios do estado de são Paulo – o mais desenvolvido do país- tinham prefeitos de
origem síria libanesa. (PEREIRA. 2000, p 20).22
Embora a língua seja um fator que tenha dificultado sua inserção, já que era bem
distinta do português, no entanto, deve-se notar que há uma contribuição significativa
do árabe em nosso vocabulário. Tal fato antecede à imigração também, uma vez que
esta marca cultural se deu devido à ocupação árabe na Península Ibérica , que perdurou
do século VII até 1492 quando ocorreu a queda de Granada e seu retorno ao domínio
cristão. Embora não haja registros de que tenha ocorrido localidades (vilas, cidades,
regiões) em que se falasse o árabe (a exemplo do que se deu com alemães), sendo este
restrito ao ambiente do lar, clube, espaço sagrado ou colóquio entre “patrícios”, muitas
palavras estão integradas ao nosso vocabulário por exemplo: alicate, almofada, alameda,
almoxarifado, mesquinho, baldio, etc.
22
Sobre este assunto é merecedor de atenção, para mais detalhes, o capítulo: “ Sírios e libaneses em São
Paulo: a anatomia da sobre-representação”, escrito por Oswaldo Truzzi, e que integra o volume
“Imigração e Política em São Paulo” – FAPESP, 1995.
58
Este fenômeno relativo à inserção social pode ser notado hoje, de forma mais
nítida, com a presença de descendentes sírios e libaneses em famílias de brasileiros ou
integrantes de outras etnias, diluindo mais e mais os aspectos distintivos étnicos para
formação deste brasileiro mesclado e médio.
6.3) Educacional:
Esse ponto é muito relevante dentro da perspectiva de inserção na sociedade
brasileira. A formação cultural era vista como forma de projeção do indivíduo e sua
etnia, que acabava sendo elevada se o seu integrante também o fosse. Knowlton afirma:
“A educação tem sido talvez um dos canais mais importantes de mobilidade social pelos
quais os sírios e libaneses tem subido a escala social.” (KNOWTON. 1961 p 142).
Alguns chegaram ao Brasil já formados em cursos universitários, a maioria deles
formados pela Universidade Americana de Beirute, sucessora do Colégio Protestante.
Os integrantes desta categoria fundaram em 1922 uma sociedade de ex-alunos desta
universidade com cerca de 70 membros ou sócios. Truzzi entende a importância da
presença desses profissionais e afirma: “Esse transplante de profissionais já formados
para o Brasil com toda a certeza constituiu uma atrativo suplementar às vocações
médicas da colônia.” (TRUZZI. 2005, p 75). É dele a informação de que dentre dez
(10) médicos formados no Líbano e Síria e radicados em São Paulo, seis eram formados
pela UAB. (TRUZZI, 1997, p.134).
Houve sempre um cuidado no investimento com a educação por parte dos
imigrantes sírios e libaneses, sobretudo desses últimos. Tal zelo mostrou-se presente
desde o início e já nos anos 30 os resultados podiam ser vistos. Neste sentido Truzzi
comenta que: “O balcão comercial esteve longe de representar o ponto final da trajetória
de ascensão sócio econômica trilhada maciçamente pela colônia. Paralelamente à
expansão de seus interesses em atividades comerciais e industriais, a penetração de
descendentes de libaneses e sírios nas chamadas profissões liberais (advocacia,
medicina, engenharia) constituiu a outra alternativa perseguida com bastante êxito por
significativas parcelas da colônia.” (TRUZZI. 2005, p 72-73).
Como dito, foram preferidas as áreas de medicina (Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo) com dois alunos de origem síria ou libanesa na abertura
desta escola em 1913; direito (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo),
havendo 7 alunos matriculados em 1927, chegando a 97 alunos em 1950; engenharia
59
6.4) Geográfico:
Pode-se, às vezes, perguntar para onde se dirigiu um determinado contingente de
imigrantes ao chegar em certo país. No caso do “turco” no Brasil a pergunta é: para
onde não se dirigiram? De fato a capilaridade da presença desses imigrantes e de seus
descendentes em todos os quadrantes do país é incontestável. Truzzi registra uma frase
de Guilherme Kurban em uma entrevista dada a ele: “Por menor que seja a cidade,
encontra-se turco com lojinha. (TRUZZI. 1997 p 53).
Embora hajam chegado no Rio de Janeiro em 1871 e em São Paulo em 1880,
nos primeiros anos do século 20 o destino deles tornou-se a região amazônica, sendo o
Amazonas e o Pará os estados mais procurados. O motivo desta preferência foi a
borracha, pois esta determinou grande circulação de dinheiro na região e gerou a
formação de povoados de seringueiros, onde se podia alcançar grande lucro com o
comércio de varejo realizado pelos mascates. Comentando sobre isto Truzzi nos diz:
“O resultado foi que do Acre ao Pará não havia cidade de alguma expressão onde os
sírio-libaneses e seu comércio característicos estivesse ausentes”. (TRUZZI. 2005 p 18).
Após a Primeira Guerra Mundial, com o declínio da borracha muitos desses imigrantes
fazem a viagem de retorno ao Rio de Janeiro e São Paulo.
Outro centro de atração foram as jazidas (minas) e zonas agrícolas crescentes no
estado de Minas Gerais. A região de Governador Valadares e Teófilo Otoni tem ainda
hoje, forte presença sírio e libanesa com famílias tradicionais, sendo seus descendentes
não mais lojistas, mas profissionais liberais ou fazendeiros. Knowlton assevera que:
“Estabeleceram-se eles pelo estado todo e desempenharam papéis importantes no
progresso do comércio e da indústria. Em muitas vilas e cidades praticamente todo o
comércio a varejo estava em suas mãos. (KNOLTON. 1961, p 66).
Outro ponto do interesse destes imigrantes foi, sem dúvida, a então Capital
Federal, a cidade do Rio de Janeiro. Ali se instalaram nas proximidades da Rua da
Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos Aires, criando posteriormente o que ficou
conhecido como S.A.A.R.A.
A grande preferência, no entanto, foi pelo estado de São Paulo e, particularmente
sua capital. A presença desses imigrantes era ostensiva e marcante. Isto se pode
comprovar pelos números oferecidos por Knowlton em sua obra já citada (p71):
60
“Quase metade, 49.3%, do número total de sírios e libaneses residentes no Brasil viviam
no estado de São Paulo[...] Em 1934 da população total de 25.620 sírios, 34% (8.734),
estavam concentrados na capital.”
No início alojaram-se em bairros periféricos de aluguéis baixos. À medida em
que suas condições financeiras melhoravam, mudavam-se para a Rua 25 de Março e
suas adjacências, instalando a loja na frente e residindo nos fundos ou no andar
superior. A mobilidade geográfica ocorre à medida da prosperidade econômica e o
deslocamento vai em direção ao Ipiranga e à Vila Mariana, sendo esta a segunda maior
colônia na capital. A mobilidade continua e se dirige posteriormente à região da
Avenida Paulista e finalmente para o setor da Avenida Brasil, esses dois últimos em
região nobre da capital. (KNOWLTON. 1961, p 185).
As informações censitárias de 1920 e registradas por Knowlton, apontam a
presença dos “turcos” pelos vários estados brasileiros, mostrando que tais indivíduos se
faziam presentes nesses rincões brasileiros com suas canastras, matracas ou “lojinhas”.
(KNOWLTON. 1961, p 68).
61
1) Introdução:
O senso comum consegue perceber a presença, força e influência da religião em
uma sociedade. Os cientistas sociais não fogem a esta regra, os quais mesmo não sendo
professantes de qualquer forma de religião, como agnósticos ou ateus, reconhecem a
importância da religião na estrutura e tecido social, seja de modo positivo ou negativo,
construindo ou destruindo, dignificando ou brutalizando, promovendo a inovação
(ÓDEA. 1969, p 27) ou justificando, ou reforçando o comportamento
tradicional.(BERGER. 2005, p 55).
Este fato da influência religiosa não é diferente no meio dos imigrantes sírios e
libaneses, que trouxeram consigo, em sua bagagem cultural, além da forte identificação
com a aldeia (geográfica-espacial), com a família grande (afetiva-social) e com a língua
(sócio-cultural), as manifestações religiosas existentes em seus países de origem.
Não é possível descartar o fato de que se buscará reproduzir, nas novas terras de
moradia, o aspecto geo-espacial da terra originária com os seus clubes e associações; a
preservação da língua na manifestação de permanência desse traço, ainda que no
interior da casa; a grande família com “ampliação” da moradia para agasalhar as
pequenas famílias ou criar condições para que morem juntos (bairros); e a religião com
a edificação e construção de seus templos e espaços sagrados para o exercício particular
de seu culto, na conformidade de sua crença e fé, seja ela de que matriz for. Este aspecto
da religião é, de fato, marcante e impressivo de tal modo que Knowlton registra que :
“Na Síria e no Líbano a religião é quase equivalente à nacionalidade”. (KNOWLTON.
1961, p 168).
A religião não pode ser desconsiderada por qualquer pesquisador que trate da
imigração árabe (sírio-libanesa) para o Brasil, sob pena de seu trabalho ser visto como
deficiente e incompleto. Knowlton reservou grande parte de sua pesquisa a este
segmento (páginas 98-102; 168-171; 175-179), de igual modo André Gattaz em sua tese
(201-224 e referências esparsas) e também Wadih Safady (230-313). As obras de Truzzi
tratam deste tema e a religião faz parte do escopo de capítulos de suas obras citadas
nesta dissertação.
É digno de nota e consideração o fato de que esta região é o berço ou local de
nascimento das três grandes religiões monoteístas do mundo, a saber, o judaísmo, o
62
2) O mosaico original:
Ao tempo do início da imigração sírio-libanesa no Brasil e até metade do século
XX, estes dois países tiveram uma configuração religiosa em que, grosso modo, a Síria
era de predominância muçulmana e o Líbano predominantemente cristão. (TRUZZI.
2005, p 2).
Este fracionamento maior comporta uma fragmentação interna bastante
significativa com os muçulmanos divididos em xiitas, sunitas, drusos e alauitas;
enquanto os cristãos são ortodoxos gregos, maronitas, melquitas ou Greco-católicos, e
protestantes. Cada segmento deste merecerá consideração em separado, com suas
origens, tradições, ensinos e peculiaridades.
2.1) Muçulmanos:
A imigração deste grupo religioso foi muito pequena nas primeiras levas ou
fases, sendo que depois da segunda metade do século XX intensificou-se e veio a ser,
atualmente o maior contingente (TRUZZI. 2005, p 8). Safady nos informa que: “Os
muçulmanos no Brasil (sunitas e chiitas) formaram sempre uma minoria que não vai
além de 150 famílias, concentradas principalmente em São Paulo” (SAFADY. 1966, p
303).
A origem desta religião se liga à figura de Maomé23 (570 a 632 d.C). A religião
islâmica (Islã: submissão a Deus) tem em Alah seu único Deus e Maomé seu profeta.
Os seguidores são chamados maometanos (de Maomé) ou muçulmanos (palavra
23
Há divergência quanto ao nome do profeta. J. Cabral grafa: Mohammad Ibn Abdullah Ibn Abd Al-
Muttalib Ibn Hãshim ( 2003. p 104). Já na página eletrônica educacao.uol.com.br/biografias/ult 1789 u
637.jhtm-50k, encontramos: Muhammad Bin Abdullah Bin Abdul Mutalib Bin Hachim Bin Abd Mannaf
Bin Kussay.
Maomé é uma forma ocidentalisada de Muhhamad (não muito aceita) cujo significado é “altamente
louvado”. (Cabral. 2003, p 104).
63
francesa e de origem árabe ‘muslim’) cujo significado é “aquele que se entrega de corpo
e alma a Deus”. (CABRAL. 2003, p 103).
Trata-se de religião de caráter revelacional e fundamentada em seu livro
sagrado, o Alcorão (Al Quram). Assim pode-se ler: “A palavra Alcoração literalmente
significa “leitura por excelência” ou “recitação”. Enquanto o ditava a seus
companheiros, o Profeta lhes assegurava que era a revelação Divina que ele havia
recebido”. (Alcorão. 1979, p xxiii). Tais revelações foram dadas pelo anjo Gabriel a
Maomé, durante um período de 23 anos. As informações neste sentido nos falam que :
“A revelação da primeira surata do Alcorão deu-se há exatamente 1364 anos, no mês de
Ramadã do ano 1º da Missão, ou seja, agosto de 610 D.C. Deu-se por intermédio do
anjo Gabriel, que lhe apareceu e lhe transmitiu o Alcorão surata por surata[...]A
revelação deu-se no início da Missão de Maomé, prolongando-se até o seu falecimento,
ou seja, durante vinte e três anos”. (Alcorão. 1979, p x-xi). O Alcorão é composto de 30
livros, contendo 144 suratas (capítulos) e 6.216 versos (aiat), sendo as revelações dadas
em parte em Meca e parte em Medina (Alcorão. 1979, p xix). O registro e compilação
destas revelações foram feitos pelos companheiros-discípulos do Profeta, já que Maomé
era analfabeto ou iletrado (Alcorão. 1979, p xii), sendo gravados em pedaços de couro,
pedras lisas ou folhas de tamareiras.
O início do calendário muçulmano é dado como 622, quando ocorreu a Hégira
(separação), ou seja, a saída de Maomé de Meca (sua cidade natal) para Medina.
Os pilares (arkan) desta religião são: a) Recitação do credo (shabada); b) Oração
(ibadat) cinco vezes por dia voltados para Meca e às sextas-feiras em conjunto; c) O
jejum (saum) durante o mês do Ramadã; d) Distribuição (zakat) de esmolas; e)
Peregrinação a Meca, pelo menos uma vez na vida, onde se encontra a CAABA, que
segundo a tradição muçulmana foi a pedra negra trazida do céu pelo arcanjo Gabriel.
Quatro grupos como representantes desta tradição religiosa serão apresentados,
cuja presença sempre foi forte na Síria e no Líbano: sunitas, xiitas, drusos e alawitas.
2.1.1) Sunitas:
Este grupo é considerado o representante do islã ortodoxo e criador da Sunna, ou
seja, a coleção de tradições ligadas a Maomé e seus antigos seguidores. “O Alcorão o
livro do Islã, foi escrito através da tradição oral de “Hadith” (narrativa oral tradicional,
baseada na cadeia de autoridades sucessivas [...] o conjunto de “Hadith” dá a
64
2.1.2) Xiitas:
Pode-se encontrar a grafia em português um pouco modificada; shiita. Este
grupo traz em seu bojo uma série de subdivisões, as quais não podem ser aqui
analisadas em separado. Será feita referência à principal delas chamada dos “doze
avos”, por crerem no último dos imãs, ou “Mahdi”, sendo este o décimo segundo
descendente de Ali, genro de Maomé. O imã é a figura de maior autoridade no Islã. Os
sucessores de Maomé (cuja nomeação do primeiro foi feita por ele) têm a qualificação
garantidora da interpretação inspirada e correta do Alcorão. São os que possuem a
verdadeira interpretação da Sharia, bem como sua correta aplicação. Os califas, ou
líderes religiosos, devem ser escolhidos entre os descendentes da família do Profeta,
sendo rejeitada qualquer outra linha de escolha. Seus mestres de ensino são os
mujtahidum, dentre estes os aiatolás são os mais importantes.
Neste aspecto da sucessão xiita o registro da observação de Hajjar é importante:
“Se o sunismo, islamismo ortodoxo, acredita e pratica a sucessão democrática ou de
consenso; o xiismo contesta este tipo de prática crendo na sucessão como descendência
do profeta Ali. Para os xiitas, o sucessor de Mohamad deveria ter sido Ali, seu genro”.
(HAJJAR. 1985, p 53). Esta maneira de ver a sucessão tem determinado conflitos
sangrentos entre sunitas e xiitas até hoje.
65
2.1.3) Drusos:
A grafia pode variar para druses ou druzos. A origem do nome está ligada a
Muhammad Al-Dárasi (ou Alfaiate). A origem deste grupo está no Egito (início do
século XI) fundado pelo califa Al-Hakim. Distancia-se, em certo sentido do Islã
tradicional, e tem caráter secreto ou fechado, devendo-se nascer druso e ser ali
“iniciado”, pois só para estes são divulgados os “sigilos e conceitos éticos muito sábios
e respeitáveis” (HAJJAR. 1985, p 55). Admitindo algum sincretismo com o hinduismo,
aceita a reencarnação das almas. (SALEM. 1969, p. 60). A poligamia não é permitida.
São, em sua maioria, de certa posição social, detentores de terras ou profissionais
liberais. Em uma entrevista o druso Nahim Hachid afirma: “Minha religião é muito
respeitosa e rigorosa nos costumes: o fumo e a bebida são proibidos[...]Os drusos
verdadeiros que participam das rezas mais sagradas, não podem nem pensar em beber
nem nada, por isto considero minha religião de alto nível”. (GREIBER et al. 1998,
p.342).
Quanto à sua posição, sobretudo no Líbano, são apresentados como: “Grandes
proprietários de terra ou pequenos trabalhadores, os druzes são também em número não
negligenciável, citadinos de Beirute, onde praticam o comércio e as carreiras liberais
[...] Os druzes do Líbano são mais ou menos 150.000 ou seja a metade dos efetivos do
conjunto da comunidade. A outra metade habita uma parte nas montanhas de Hauran ao
sul da Síria, chamada por esta razão, o ‘Jebel Druze’”. (SALEM. 1969, p. 61).
66
2.1.4) Alawitas:
Não é um ramo muito conhecido em nosso contexto. Embora seja um ramo do
islamismo e integre a rede de grupos muçulmanos, possui um certo caráter de
ecumenicidade com costumes cristãos. Sua presença é muito forte na região do litoral
norte da Síria , onde vivem cerca de três milhões de alawitas. No Iraque a estimativa é
de que 60% dos muçulmanos seja de alawitas. Observam rituais islâmicos como o
Ramadãm, Adha e outros, mas também festejam o Natal, a Páscoa e veneram os
ancestrais. (HAJJAR. 1985, p 56).
2.2) Cristãos:
O fenômeno da subdivisão não é estranho ao segmento religioso de tradição
cristã. Os cristãos podem ser agrupados em: igrejas orientais ligadas a Roma (uniatas),
sendo a Maronita e a Melquita (greco-católica), além da própria Igreja de Roma; a
oriental não romana (ortodoxa grega), ou seja, aquela que segue o rito bizantino; as
consideradas seguidoras das heresias antigas como o monofisitismo24, a saber, as
Jacobitas e Armênia grega; e os protestantes, com predominância presbiteriana.
2.2.1) Maronitas:
O nome dado a este grupo está ligado ao monge Maron (final do século IV) que
estabeleceu um monastério na região montanhosa da Síria, com propósito de cultivar a
santidade e a fé cristã autênticas. Sobre a origem deste ramo do cristianismo lemos:
“São Marão: Padre e anacoreta. São Marão que morreu por volta de 410 d.C., vivia
retirado numa montanha na região de Apaméia (Aphamiah, atual Kalaat AL-Mudiq), no
Vale de Orontes (Síria). (GREIBER et. al. 1998, p.55). Seus seguidores resistiram ao
monofisitismo e ao islamismo. Experimentaram sérias perseguições, mas permaneceram
em suas convicções. Ligada a Roma, submetendo-se à autoridade papal, conserva o rito
da Igreja de Antioquia e a língua assíria ainda é usada. Seu chefe é o patriarca de
Antioquia e de todo o Oriente, sendo que o Papa confirma a eleição deste patriarca, feita
pelos bispos. É o maior grupo cristão (ligado a Roma) na Síria e Líbano.
Knowlton nos informa que “...os maronitas aceitam plenamente as doutrinas da
Igreja Católica Romana. [...] A principal diferença é que entre os maronitas os padres
são casados”. (KNOWLTON. 1961, p. 170). Este costume, conforme afirmativa de
24
Em sentido bem simples trata-se de crença doutrinária de que Jesus Cristo possuía apenas uma
natureza, a divina. (CAMPOS. 2005, p 39) e (HAGGLUND. 1981, p 83-84).
67
Safady, parece não mais ocorrer: “Os costumes maronitas não mudaram no Brasil. As
vestimentas dos padres são as mesmas. [...] O padre maronita é celibatário por tradição.
Os antigos padres eram casados. Em nossos dias esse costume não está em vigor.”
(SAFADY. 1966, p. 288).
Em relação à posição social dos maronitas, valemo-nos, mais uma vez, de Salem
que nos oferece informação nestes termos: “Instalados na cidade, os maronitas, ocupam,
na hierarquia social, uma posição proeminente, menos no comércio e na indústria do
que nas profissões liberais e nos quadros de administração”. (SALEM. 1969, p. 68). São
vistos como o maior grupo cristão e de maior influência no contexto do Líbano e um
pouco menos na Síria.
2.2.2) Melquitas:
São conhecidos também como gregos católicos. Seu nome tem sua origem
ligada à palavra MÁLEK (rei em árabe). Isto deveu-se ao fato de serem partidários do
rei (imperador) romano, que adotou posição contrária aos monofisitistas em sua heresia
sobre a Pessoa de Cristo ter apenas uma natureza e não duas (a divina e a humana).
Salem observa que “os gregos católicos constituem a segunda grande comunidade
católica do Líbano, vindo imediatamente após a maronita. (SALEM. 1969, p. 69). José
Khoury em entrevista coligida por Betty L. Greiber afirma que: “Foram os jacobitas que
deram o apelido ‘melquita’, que quer dizer malek, rei, basileus ou basílicos em grego, e
nós somos melquitas, porque fomos da mesma opinião que o rei, só por causa disso.
Nós nos honramos com isso e, desde o século V, somos conhecidos com esse nome”.
(GREIBER et. al. 1998, p. 487). Adotam o rito bisantino e ligam-se ao patriarcado
católico melquita de Antioquia e todo o Oriente. Adotam, na liturgia, a língua grega e
árabe.
Em relação ao aspecto sócio-profissional, Salem sustenta que: “os grecos-
católicos repartidos nas diferentes regiões do Líbano, são menos homogêneos que os
druzes ou os xiitas ou mesmo maronitas e os ortodoxos. Em Beirute encontram-se
muitos deles, no comércio e nas profissões liberais. (SALEM. 1969, p. 73).
2.2.5) Protestantes:
A região da Síria e do Líbano é, como foi dito, lugar de origem das três grandes
religiões monoteístas do mundo. Os judeus tiveram o início de sua chamada e formação
como povo (e religião) por meio de Abrão nas cercanias destes dois países.
A presença cristã nesta região é, também, muito antiga. O apóstolo Paulo (ainda
com o nome de Saulo e judeu) vai a Damasco (capital da Síria) para destruir um núcleo
de cristãos que se encontrava ali e exercia forte influência na conquista de judeus para a
fé cristã (Atos dos Apóstolos, 9: 1-9).
Também os muçulmanos, que conquistaram a região no século VII da era cristã,
têm o começo de sua religião nesta região, ainda que não seja exatamente no atual
espaço geográfico que configura tais países.
A presença cristã está, portanto, claramente estabelecida desde os primórdios
nesta região. No entanto, a presença da tradição cristã protestante só ocorrerá no século
XIX. Knowlton afirma : “Os primeiros missionários norte-americanos, presbiterianos,
chegaram à Síria e ao Líbano em 1829 procedentes de Malta. Instalaram-se em Beirute
e logo após a chegada abriram escolas para educar correligionários e treinar futuros
ministros”. (KNOWLTON. 1961, p. 19). Embora não fale com precisão sobre o ano,
Salem aponta o século XIX como o da chegada dos protestantes ao Líbano, afirma que
estas missões foram ativas no Oriente, e seu proselitismo ajudou a obter adesões.
(SALEM. 1969, p 77). Também Safady nos informa sobre a presença de missões
protestantes na região e seu propósito: “As missões americanas fundaram, também, em
muitas cidades, igrejas e escolas anexas cursos primários masculinos e femininos. Essas
escolas destinavam-se a encaminhar seus estudantes para as escolas de grau médio”.
(SAFADY. 1966 p. 18).
À exemplo da Igreja Presbiteriana do Brasil, o protestantismo no Líbano e Síria
tem seu início quase na mesma época, sendo igualmente chamado “protestantismo de
missões”25, ou seja, trata-se do envio de missionários (americanos e ou europeus), com
o propósito de anunciarem sua fé e conquistarem novos adeptos, numa forma de
convencimento e proselitismo religioso. Pode-se ler na entrevista de Ramiz Gattaz,
registrada por Greiber cujo teor revela alguma jocosidade, o testemunho da ação de
missionários: ”Na nossa aldeia, Ibl Es Saqi, havia uma minoria de protestantes. A
origem é ortodoxa, mas eu não sei por que cargas d’água apareceram lá uns
25
Difere do protestantismo de imigração, quando grupos de imigrantes trazem seus ministros para lhes
conduzir em seus ritos e cerimoniais religiosos, sem preocupação de expansão ou proselitismo entre os
nativos das terras para as quais se deslocaram.( MENDONÇA. 2005, p. 28)
70
missionários, desses ‘Aleluia’ cantando hino bonito etc. Eles devem ter embarrilhado o
nosso avô[...] Então meu avô paterno resolveu aderir à religião protestante e nossa
família toda foi se convertendo”. (GREIBER et. al. 1998, p. 749).
Esta tradição cristã, chamada protestantismo ou, também, evangélica, tem sua
relação e ligação com a estabelecida Igreja Evangélica do Líbano, cuja linha teológica e
de governo se vincula à fé reformada calvinista e presbiteriana. O testemunho de Salem
é relevante neste ponto: “Os protestantes no Líbano são hoje perto de 30.000. A maior
parte deles está agrupada no seio da Igreja Evangélica do Líbano, de tendência
presbiteriana. Mas acham-se igualmente Anglicanos, Batistas e as pequenas seitas...”.
(SALEM. 1969, p.76).
Deve-se registrar que em 1960 foi oficializada junto aos órgãos públicos da Síria
e Líbano a organização do Supremo Conselho Evangélico da Síria e Líbano (órgão
representante oficial dos evangélicos). O documento encontra-se escrito em árabe e sua
tradução vai a seguir, conforme oferecida pelo Pastor da Igreja Evangélica Árabe de São
Paulo, Kalil Samara .
“Declaração dos Representantes das Igrejas Evangélicas Oficializadas no País :
Supremo Conselho Evangélico da Síria e Líbano.
Nós somos os dirigentes (presidentes) espirituais das Igrejas Evangélicas,
representando, cada um de nós, a sua denominação abaixo mencionada.
Unidas estas denominações de cidadãos evangélicos libaneses e outras nações árabes e
armênios, declaramos que este Supremo Conselho Evangélico é ligado por meio de seu
Estatuto e seu Regimento Interno, que serão aceitos e observados por todas as igrejas
mencionadas, sendo este o representante de todas elas, esclarece que a denominação
evangélica é a mesma denominação protestante, recebendo este nome (evangélica)
oficialmente, por voto unânime, em assembléia, sendo admitida nos órgãos oficiais do
governo em 29 de fevereiro de 1960”. São signatários deste documento: o Sínodo
Evangélico Presbiteriano do Líbano; Aliança das Igrejas Evangélicas Armênias do
Líbano; Igreja Evangélica de Deus em Beirute; Igreja Evangélica dos Amigos; Igreja
Evangélica Adventista do Líbano; Igreja Evangélica Episcopal de Beirute; Igreja
Evangélica Nazareno de Beirute; Igreja Batista do Líbano; Igreja Evangélica Aliança
Cristã de Beirute. O presidente deste conselho, à época, era o Rv. Dr. Farid Aoudel , da
Igreja Evangélica Presbiteriana Nacional de Beirute. Este órgão representa as igrejas
evangélicas (protestantes) junto ao Poder Público. É a “voz oficial”. (Anexo 5)
71
26
No Brasil os presbiterianos criaram o Mackenzie College, que veio a ser a Universidade Presbiteriana
Mackenzie e o Instituto Gammon em Lavras-MG. Os metodistas também deram ênfase à educação
criando o Instituto Grambery em Juiz de Fora, e colégios que vieram a tornar-se universidades como a
UNIMEP ( Piracicapa-SP), entre outras. Nota do autor.
27
Wady Safady aponta a data de 03 de dezembro de 1866 como a que “começou a funcionar este grande
instituto educacional...” ( SAFADY. 1966, p 39).
72
nota-se que membros das igrejas haviam emigrado, gerando inquietação nos
professores. Estes emigrantes trarão consigo sua crença e seus valores para as terras do
Brasil.
3) Harmonia e conflito?
A religião, com sua capacidade de apaixonar as pessoas, pode se tornar
instrumento de litígios e conflitos profundos. A história universal faz, sobejamente,
registro desta triste e infausta verdade. Perseguições entre judeus e cristãos; guerras
entre cristãos devido a divergências teológicas; países inteiros mergulhados em
conflitos de ordem religiosa entre integrantes de uma mesma fé (cristã), como a Guerra
dos Trinta anos28, a Revolução Puritana29na Inglaterra; os combates entre cristãos e
muçulmanos nas Cruzadas. Os conflitos na Índia entre hindus e muçulmanos; a Irlanda;
Cosovo; Bósnia, e outras tantas que poderiam ser alinhadas aqui.
Na Síria e Líbano, isto não foi diferente. Esta “colcha de retalhos” religiosa,
experimentou rupturas por muitas vezes, com derramamento de muito sangue.
Evidentemente houve momentos de paz e tranqüilidade, com tolerância e convivência,
mas que foram entremeados de distúrbios, escaramuças e embates violentos.
3.1) Harmonia:
Em entrevistas colhidas, Gatttaz admite a idéia da prevalência da harmonia, onde
“todos os grupos sempre conviveram pacificamente” (GATTAZ. 2001, p 201). Segundo
este autor, de acordo com narrativas bibliográficas, pode-se apontar exemplos de
mistura confessional e a segregação existente como “de caráter social” (p 202).
Algumas destas entrevistas são reproduzidas a seguir: “Em Alepo – Halep – tinha uma
convivência boa entre as três religiões...A maioria era muçulmano, parte era cristão,
parte judeu...Tinha bairros de judeus, bairro de cristãos, bairros de muçulmanos...A
gente vivia isolados (sic), mas sem agressão nenhuma, era um isolamento cultural...”
(p. 202). “A nossa cidade, Ibl ES-Saqi, era formada de dois bairros, um cristão e o outro
druso...E na vivência das duas zonas, havia uma tolerância, religiosamente falando
28
Trata-se de guerra entre católicos e protestantes da Alemanha, ocorrida de 1618 a 1648, havendo a
interferência de Gustavo Adolfo (Rei da Suécia) em favor dos protestantes. Em 27 de outubro de 1648 a
guerra terminou com a celebração da Paz de Westphalia. (WALKER. V.II, 1967, p 128-129).
29
Revolução ocorrida na Inglaterra e comandada por Oliver Cromwell, nos anos de 1643 até a
implantação da República com a vitória dos exércitos do Parlamento e condenação e decapitação de
Carlos I em 30 de janeiro de 1649. Nota do autor.
74
extraordinária...(...) Haja vista que os chekhs deles, em toda ocasião festiva ou religiosa,
vinham visitar meu pai como mentor da Igreja Presbiteriana. Ao mesmo tempo, os
bispos das Igrejas Ortodoxa e Católica Melquita, nunca visitaram suas igrejas, sem vir
visitar meu pai”. (p. 203). “Na nossa cidade, éramos como irmãos entre as religiões
diferentes. Lá tem muito católico, ortodoxo, presbiteriano, druso (...). Toda a vida a
convivência foi como uma família só”. (p 203). “A convivência entre as religiões em
Beirute para nós era normal. Nós pessoalmente não tínhamos problemas de religião com
ninguém, até hoje não temos problema de religião. Sempre existiu uma convivência
entre as religiões no Líbano, até hoje existe. Essa convivência só se perturbou nos
momentos de guerra, nos momentos de crises nas interferências estrangeiras”. (p 203-
204).
É possível que esta forma de ver, não reflita uma situação ligada a tempos
anteriores à primeira Guerra Mundial e, certamente, não reflete o contexto posterior a
1975. Além disso, esta região sempre esteve sob interferência estrangeira até 1946,
enfrentando crises e guerras, o que é indicativo de uma certa constância de conflitos.
Embora se deseje passar a idéia de paz, harmonia, convivência e cooperação, há
relatos sobre o aspecto oposto a este, ou seja, os de conflitos e lutas. A afirmação de
Gattaz será o fecho deste parágrafo e se percebe que havia relatividade pacífica nesta
questão da relação inter-religiosa: “É unânime entre os entrevistados, portanto, que
antes da guerra a convivência inter-religiosa no Líbano era relativamente pacífica,
embora variasse desde as relações discriminatórias às verdadeiras reações de amizade e
ligação familiar – o que é corroborado pelas demais fontes que se referem ao assunto.
Todos, quando se referem à própria posição frente às demais seitas, destacam suas
atitudes tolerantes e ecumênicas”. (p. 204).
3.2) Conflitos:
Ao se fazer a leitura de entrevistas coligidas por Greiber nota-se que, embora
haja um intento em minimizar o fato, a presença de choque e conflitos está patente :
“Mas essa história de que, no tempo dos turcos, os cristãos não podiam andar na
calçada, só podiam andar na rua, não é verdadeira. Não no nosso tempo! O que dizem é
que eles não podiam andar à direita da calçada...As ruas têm direita e esquerda Os
cristãos não podiam andar à direita; mas meu pai não sofreu isso”. (GREIBER et al.
1998, p 39). Alguma forma de restrição ou barreira existia e isso é fruto de
discriminação social e religiosa.
75
4.1) A língua:
Este, talvez seja o elemento comum a todos estes imigrantes, e será trabalhado
no recesso da casa por eles e sua primeira geração no Brasil. Algumas escolas e colégios
serão fundados no intuito de se fixar o árabe na vida das gerações seguintes (TRUZZI.
78
1992, p 16). O árabe é usado também nos rituais religiosos, nas reuniões sociais da
colônia e na descontração do clube.
A segunda e terceira gerações, como normalmente acontece com imigrantes que
não se tornam herméticos socialmente com formação de guetos, perdem o contato com a
língua e deixam de falar, até pelo fato de buscarem ser mais parecidos com os naturais e
almejar identificação plena. Claro que houve e há exceções, mas a colocação feita por
Knowlton parece haver se efetivado: “Quando a geração atual morrer, o uso do árabe
desaparecerá aos poucos”. (KNOWLTON. 1961, p 182).
O interesse pela valorização da língua árabe levou à criação, em 1944, do Centro
Brasileiro de Cultura Árabe, sendo que este deveria ser o meio pelo qual seria mantida
uma cadeira de árabe e um professor na Faculdade de Filosofia na USP, já que havia
certo interesse, à época, pela língua e cultura árabe. No entanto, esta iniciativa não
perdurou por muito tempo. O professor da cadeira Taufik Kurban, acabou por demitir-
se, gerando uma interrupção de muitos anos dos estudos árabes na USP. (TRUZZI.
1992, p 25).
Alguns aspectos, inclusive o econômico com a valorização do petróleo e a crise
mundial, reacenderam o interesse pelo árabe e hoje há uma estrutura bem estabelecida,
inclusive com pós-graduação na USP, ligada à cultura árabe. Neste sentido a colocação
feita por Knowlton cumpriu-se em relação à colônia, cujos descendentes
desconsideraram a língua, mas não se efetivou quanto à língua e cultura árabes, que se
mantêm vivas, sobretudo com as novas levas de imigrantes muçulmanos após os anos
1950 e que se ligam fortemente ao Corão.
4.2) A família:
Este elemento é de grande importância (como visto) na vida e cultura dos povos
sírio e libanês. A estrutura da família é de caráter eminentemente patriarcal e se
apresenta em três espécies; a conjugal, a família grande (a mais importante nas origens
destes povos) e a de parentela. (KNOWLTON. 1961, p 167-168).
Uma transposição de caráter absoluto não é possível, mas a tentativa de
reprodução na nova terra é nítida. Em São Paulo, depois de morarem em bairros de
periferia, o primeiro núcleo de “colônia” foi a Rua 25 de Março e adjacências. Neste
setor os imigrantes se instalavam com suas lojas na parte inferior ou frontal do imóvel,
ficando a parte posterior ou superior para a moradia. Nesta habitação vão sendo
79
4.3) A aldeia:
Este é outro elemento de grande significado e importância na base identitária do
sírio e do libanês (TRUZZI. 2005, p 3). A aldeia é uma espécie de universo próprio,
onde a noção de mundo (macro) quase se dissipa. Esta idéia é apresentada por
Knowlton que fala da lealdade e vinculação do sírio e do libanês à sua aldeia: “Os sírios
e libaneses dedicam o máximo de sua devoção à sua aldeia ou cidade, e têm pouca
consciência de unidades políticas maiores. Dentro de sua aldeia, o aldeão vive toda a
sua vida”. (KNOWLTON. 1961, p 171). Deve-se levar em conta que esta observação
refere-se à condição do final do século XIX e primeira metade do século XX. Tal
situação sofreu alguma modificação devido à interação promovida pelas
telecomunicações e também a melhoria dos transportes.
Os imigrantes buscaram “reproduzir” sua aldeia ou vínculo com sua terra natal
por meio de instituições sócio-recreativas ou associações sócio-culturais. Truzzi capta e
interpreta muito bem a tese da psicanalista, Claude F. Hajjar, na qual justifica o grande
número de instituições sírio-libanesas como sentimento de culpa e até luto pela
emigração já que abandonaram sua “terra mãe”, mesmo que Hajjar não use estas
80
há referência de raiz a clã, aldeia ou cidade com a mesma importância e valor dado
pelos antecessores.
4.4) A Religião:
Este é outro elemento de relevância identitária para esta leva de imigrantes, que
trazem consigo suas crenças e fé particular. A religião, no contexto sírio e libanês, é
marcante não só no sentido espiritual, mas também no aspecto político (SAFADY.
1966, p 230).
A observação feita por Hajjar neste particular, sobretudo pelo fato de ser ela
psicanalista, é importante, pois reforça a tese do vigor e pujança da religião nestes
países e na cultura árabe. Ela afirma: “No mundo árabe, a religião é mais importante
que a identidade nacional. Cada grupo religioso é considerado uma comunidade
separada dentro do Estado”. (HAJJAR. 1985, p 46).
De modo idêntico às instituições ou associações de caráter sócio-filantrópico-
cultural que buscam reproduzir ou recriar a “terra mãe” em solo estrangeiro, a religião
também protagoniza este processo. Os credos que compunham o mosaico religioso na
Síria e Líbano serão também vivenciados no Brasil, mais ou menos intensamente;
mantendo-se por algum tempo distinto ou sendo absorvido na estrutura religiosa
predominante do catolicismo romano, ou, ainda, diluindo-se na multifacetada
manifestação da religiosidade brasileira. Mais uma vez a observação de Hajjar é
pertinente e reforça esta linha de pensamento: “Tanto a igreja quanto a mesquita ou
outro local para orações, apesar de transportados para o Brasil pelos imigrantes, foram
incapazes de reter seus membros ou manter sua posição na nova terra”. (HAJJAR. 1985,
p 77). Vê-se, com base neste depoimento e análise de uma psicanalista, que a
continuidade-descontinuidade se manifesta também na esfera da religião. A diminuição
da força da religião (fidelidade) como se via nos “pais” se verifica e, à exemplo dos
clubes e associações, esta já não é um ponto de relevância tão acentuado. O afastamento
ou não devotamento estreito à fé dos antepassados se verifica. Este fenômeno se percebe
entre os evangélicos, que não se ligam ao seu grupo religioso étnico, mas se “diluem”
entre os protestantes já instalados e brasileiros.
Não se pode desconsiderar, no entanto, a importância da religião (igreja,
mesquita, sinagoga, templo, etc) na vida do imigrante, no contexto novo em que se
encontra distante de sua terra natal e, muitas vezes, de sua gente-família. A observação
da pesquisadora e psicanalista Hajjar é muito pertinente, e reforça esta idéia do valor
sócio-afetivo da religião: “No primeiro período de vida do imigrante, a instituição
83
religiosa tem um papel central, pois as cerimônias e rituais árabes matam a saudade da
pátria, fornecem ligação com a terra natal e fazem lembrar aos imigrantes a cultura o
modo de vida de sua gente; é um refúgio dos problemas da vida no Brasil.” (HAJJAR.
1985, p 78).
Este aspecto é ressaltado por Martes ao tratar da imigração brasileira para os
Estados Unidos da América, ao afirmar: “As igrejas são ‘comunidades restritas’ onde os
mecanismos de controle social são mais claramente definidos, a ponto de fazer com que
seus integrantes sintam alguma segurança de que estão integrando uma rede de
reciprocidade positiva. É neste sentido que as igrejas foram aqui tomadas como
exemplos de ‘espaços seguros’ para a socialidade”. (MARTES. 1999, p.189).30
Algumas informações serão oferecidas sobre as religiões praticadas por estes
imigrantes e sua situação no Brasil.
4.4.1) Muçulmanos:
Embora haja seitas dentro do Islã, a abordagem será feita de modo genérico
quanto a esta religião, sem maiores diferenciações à exceção dos drusos.
Os muçulmanos têm comunidades expressivas em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e
Foz do Iguaçu. Em São Paulo a mais antiga mesquita é a Brasil, fundada em 1929
ligada à Sociedade Beneficente Muçulmana. Há também a mesquita xiita do Brás (cerca
de 20.000 membros) entre outras. Em Curitiba encontra-se a mesquita Ali Ibn Abu
Talib, construída em 1977 e que congrega cerca de 15.000 pessoas, sunitas e xiitas,
apesar de suas peculiaridades. No Rio de Janeiro há uma única mesquita ligada à
Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro. Há uma em Jacarepaguá, mas
está desativada por questões entre a comunidade e o construtor. Existe também o clube
alauita, na Tijuca, que congrega os partidários deste segmento (alauita). A comunidade
muçulmana no Rio de Janeiro atinge a marca de 5.000 pessoas. (REVISTA USP. 2005,
pp 230-249).31
Temos a informação da existência das seguintes mesquitas no Brasil, conforme
dados fornecidos por Hajjar: “São Paulo –capital- Mesquita Brasil, Santo Amaro, São
Miguel Paulista, São Bernardo; interior- Campinas e Barretos. Paraná: Curitiba,
30
É obra que versa sobre imigração de brasileiros para os EUA, na região de Boston, mas as aplicações e
princípios são compatíveis com a imigração de modo geral, incluindo-se os sírios e libaneses protestantes
no Brasil, uma vez que guardam semelhanças em suas histórias e evolução. Nota do autor.
31
Trata-se do artigo de Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, intitulado: Ritual, etnicidade e identidade
religiosa nas comunidades muçulmanas no Brasil. Nota do autor.
84
4.4.2) Drusos:
Este grupo teve seu centro de aglutinação em Teófilo Otoni-MG- a partir de
1898, chegando a contar 176 membros da família. Espalharam-se após a morte do
patriarca. Após a Primeira Guerra Mundial a imigração drusa foi mais intensa, e foram
criadas duas grandes associações: Belo Horizonte; Rabtah Druza e em São Paulo; Lar
Druzo Brasileiro desde 1969. Estão presentes em vários estados do Brasil.
4.4.3) Greco-ortodoxos:
Os que, no Brasil, professam esta crença, estão ligados (como sírios e libaneses)
ao patriarcado de Antioquia, sediado em Damasco.
Conforme Wady Safady são quatro os períodos desta congregação no Brasil. No
entanto, deve-se observar que seu escrito é de 1966, portanto, dados mais atualizados
não são ali contemplados. Ele dá como início das atividades o ano de 1898 com a
chegada do primeiro padre Mussa Abu Haidar. O início é na Rua 25 de março,
mudando-se em 1903 para a Rua Florêncio de Abreu. Em 1904 é inaugurada a Igreja de
Nossa Senhora da Natividade na Rua Itobi. Em 1922 cria-se o arcebispado. Em 1939
adquire-se o terreno da Rua Vergueiro 1.515 onde é construída a bela catedral ortodoxa
de São Paulo, consagrada em 1942. Os ortodoxos mantém em seus rituais as línguas
grega e árabe, mas também o português.(SAFADY. 1966, pp 230-247).
Knowlton informa que alguns costumes antigos já não são mais observados tais
como: separação entre os sexos na hora do serviço religioso, congregação permanecer
todo o tempo em pé. Informa ainda que muitos deixaram esta tradição religiosa e ela se
manteve enfraquecida na maioria das localidades. “A Igreja Greco-Ortodoxa mesmo nas
grandes cidades permaneceu fraca [...] Até nas grandes comunidades de imigrantes com
igrejas ortodoxas estabelecidas, um grande número de imigrantes permaneceu afastado
da igreja...” (KNOWLTON. 1961, p 175-176).
85
Hajjar nos dá uma relação de igrejas ortodoxas no Brasil , conforme segue: São
Paulo-capital-: Igreja Nossa Senhora da Natividade, Liceu São Miguel, Catedral São
Paulo, Igreja do Culto Sírio Ortodoxo Antioquina e para todo o Oriente, Igreja São
Jorge,. Santos: Igreja de São Jorge. São José do Rio Preto: Igreja e sede episcopal.
Bauru: Igreja Ortodoxa São Jorge. São Carlos: Sede da Igreja Ortodoxa. Goiás:
Goiânia: Igreja de São Nicolau, Anápolis: Igreja de São Jorge. Minas Gerais: Guaxupé:
Igreja de São Elias, Belo Horizonte: Igreja e sede episcopal. Rio de Janeiro: Igreja de
São Nicolau. (HAJJAR. 1985, p 195-197).
4.4.4) Maronitas:
Embora tenham sido os primeiros da colônia a construir uma capela (1897 na
Rua 25 de março), usavam templos católicos cedidos para seus ritos. Muitos acabam por
se ligar à Igreja Católica Romana por questões de adaptação e privilégios em colégios.
Fundaram a Sociedade Maronita de Beneficência que socorria os carentes e até
“repatriava” alguns imigrantes (SAFADY. 1966, p 279). Em 1903 fundam a primeira
igreja maronita em São Paulo e em 1931 a Missão Libanesa Maronita do Brasil, no Rio
de Janeiro.
Hajjar nos fornece a relação de templos: São Paulo: Sociedade Maronita de
Beneficência, Igreja Maronita, Igreja Nossa Senhora do Líbano. Rio de Janeiro: Missão
Libanesa Maronita no Brasil, Igreja Matriz Nossa Senhora do Líbano. (HAJJAR. 1985,
p 199).
4.4.5) Melquitas:
Esta corrente religiosa cristã é de vínculo católico romano e, segundo Safady,
está ligada ao clero brasileiro desde 03 de maio de 1946. O lançamento da pedra
fundamental da Igreja Nossa Senhora do Paraíso ocorreu em 23 de agosto de 1951. A
inauguração se deu à Rua Paraíso n. 800 em São Paulo, no dia 20 de julho de 1952.
Desde 1941 têm , no Rio de Janeiro, a Igreja de São Basílio.(SAFADY. 1966, p 271 e
173). Não têm expressão significativa no Brasil e, como os maronitas, devido sua
vinculação com Roma, muitos acabaram por ligar-se ao romanismo. Suas igrejas são:
Rio de Janeiro: Igreja de São Basílio. São Paulo: Igreja Nossa Senhora do Paraíso.
(HAJJAD. 1985, p 201).
86
4.4.6) Protestantes:
Este segmento é o foco de interesse desta pesquisa e, como já foi dito, as
referências aos protestantes são muito escassas. Não julgo que seja por preconceito, mas
devo admitir que a pouca influência ou “visibilidade” haja determinado tal fato. Neste
sentido Knowlton chega a dizer que: “Atualmente não há nenhuma seita protestante
ativa embora tenham vindo muitos protestantes. Estas mantiveram um ministro e
reuniram-se durante um certo número de anos, mas hoje estão inativos” (KNOWLTON.
1961, p 188). Esta cessação deveu-se à morte do Assis (pastor) protestante Rv. Khalil
Simão Hacy, que aos 88 anos faleceu em 1944, tendo sido o fundador da Igreja
Protestante Síria. Este ministro veio ao Brasil pela primeira vez em 26 de outubro de
1899 e retornou à sua terra em 02 de maio de 1904. É ordenado pastor em 27 de janeiro
de 1907 e retorna ao Brasil em 1920. No Natal deste mesmo ano organiza a Igreja
Protestante Síria, permanecendo como seu pastor até 1935, quando já idoso aposentou-
se. ( DUOUN. 1944, p 225).
Hajjar nos apresenta um sucinto relato sobre esta igreja e este ministro, do que
transcrevo o seguinte: “A igreja foi instalada inicialmente, à Rua da Liberdade, 55 e
pouco depois passou para a Rua Florêncio de Abreu, 72, onde permaneceu até fins de
1924; posteriormente mudou-se para o salão de segundo andar do prédio 105 do Parque
D. Pedro II”. (HAJJAR. 1985, p 80).
Em relação aos presbiterianos, especificamente, Knowlton registra que estes
acabaram por ligar-se a outras igrejas após a morte de seu último ministro. Transcrevo
seu relato: “Os presbiterianos mantiveram uma organização religiosa separada durante
vários anos. Quando faleceu seu último ministro a igreja desintegrou-se. Os
presbiterianos da colônia estão inativos ou aderiram aos templos presbiterianos maiores
da cidade”. (KNOWLTON. 1961, p 178). Não fica claro que instituições são estas,
quem é o ministro e quando morreu, não se podendo fazer uma afirmação sobre tal
organização ou pessoa, infelizmente.
É fato que os presbiterianos árabes utilizaram templos evangélicos para seus
cultos. Esta informação é factual e depois desta “inatividade” chegou ao Brasil, oriundo
do Líbano, o ministro Ráji Mokdessi Khury (falecido em 2007) como representante
oficial da Igreja Protestante (presbiteriana). A informação de Safady é elucidativa: “ Em
São Paulo Al-Kassis Ráji efetua missas (sic) dominicais cada primeiro domingo do mês,
87
PARTE II
1)Introdução:
Os protestantes, no Brasil, têm sua história, excluídos os franceses no Rio
(século XVI) e os holandeses no Nordeste (século XVII), ligada ao início do século XIX
com a “Abertura dos Portos às Nações Amigas”, protagonizada por D.João VI, Rei de
Portugal, quando de sua vinda com a Corte portuguesa para o Brasil (1808), fugindo de
Napoleão Bonaparte.
Embora a presença protestante venha ocorrer, neste primeiro momento, em
caráter de imigração, a partir do meado do referido século as missões protestantes
começam se estabelecer no Brasil. São congregacionais, presbiterianos, metodistas
seguidos por outros. É um processo gradativo e lento, mas permanente e definitivo.
Entre os imigrantes chegados no Brasil, no final do século XIX, estão os
chamados “turcos”, na verdade sírios e libaneses, que têm sua vinda a partir de 1871.
Entre estes já se conta a presença de protestantes e com certa representatividade
numérica (KNOWLTON. 1961, p 98). No entanto, não se compuseram ou se
organizaram como protestantes, formando ou estruturando qualquer comunidade
professante desta fé. As dificuldades ligadas aos aspectos próprios de instalação em
nosso país, com cultura diferente e predominância religiosa distinta da protestante
(católica romana), fazem com que mantenham sua fé restrita à manifestação larária e
familiar, ou, então, ligada às comunidades protestantes já existentes, mesmo com a
barreira da cultura e língua.
O conflito entre o ideal (comunidade protestante de língua árabe-étnica) e o real
(diferenças culturais evidentes – diversidade e predominância quase total de religião não
protestante-adversidade) leva à acomodação nos primeiros tempos, conduzindo os
imigrantes sírios e libaneses protestantes a aderirem aos “templos presbiterianos
maiores nas cidades” (KNOWLTON. 1961, p 178). Assim, o enfrentamento e a
89
2) Delimitação:
O tema árabe-protestante oferece um desafio muito grande no contexto brasileiro
e, particularmente, no paulistano. Não se fará, neste trabalho, abordagem de todo o
aspecto ligado ao movimento religioso que envolve os protestantes árabes ou seus
descendentes. A presença de imigrantes de língua árabe e seus descendentes em igrejas
(comunidades) protestantes é significativa. Há comunidades em São José do Rio Preto,
Cubatão, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, São Bernardo do Campo, Curitiba, Ponta
90
Grossa e uma outra igreja organizada em Foz do Iguaçú. Estas podem ser objeto de
estudos acadêmicos, no propósito de se obter uma visão mais apropriada da situação
destes imigrantes neste contexto religioso protestante. No entanto, a abordagem aqui
feita é restrita à Igreja Evangélica Árabe de São Paulo (IEASP), cuja localização é Rua
Vergueiro, 1845, Vila Mariana. São Paulo- SP; com suas peculiaridades e propriedades,
constituindo-se um estudo de caso, sem que seus dados sejam aplicáveis de modo
generalizado.
3) Histórico:
Na obra clássica sobre imigração sírio-libanesa no Brasil, escrita por Knowlton,
encontramos a afirmação de que “um número considerável de sírios e libaneses
protestantes emigrou para o Brasil, na sua maioria presbiterianos. Durante certo número
de anos mantiveram congregações independentes, que, com o tempo, se dissolveram até
a supressão de reuniões puramente sírias ou libanesas. Muitos se tornaram inativos ou
se converteram às Igrejas Católicas ou Ortodoxas, e outros filiaram-se às Igrejas
Protestantes fora da colônia”. (KNOWLTON. 1961, pp 98-99).
Podem ser vistos, nesta declaração, alguns aspectos de valor e importância
dentro de nosso foco de interesse.
- Número considerável de protestantes emigrantes da Síria e do Líbano;
- A maioria destes do ramo presbiteriano;
- Mantiveram (por certo tempo) congregações próprias (étnicas);
- Migraram (alguns) para outras religiões de caráter cristão não protestante;
- Outros, filiaram-se às Igrejas Protestantes nacionais locais.
Percebe-se a tentativa de manutenção do aspecto étnico aliado ao religioso
(protestante árabe) quando do estabelecimento das chamadas “congregações
independentes”. Mas, ao mesmo tempo, a não resistência à pressão de minimização das
diferenças com o “universo circundante”, levará à desativação (“supressão”) de tais
comunidades e à adesão às Igrejas já existentes (facilitação) fora da colônia, sejam
protestantes ou não.
3.1)Antecedentes:
A IEASP é uma Igreja independente, cuja organização ocorreu nos meados de
1960. No entanto, antes de sua organização formal (embora não exista uma linha
histórica vinculante direta), houve, pelo menos, uma tentativa de se estabelecer e, de
91
fato, se estabeleceu certa Igreja Protestante de língua árabe em São Paulo. Pode ser
apontada como antecedente da IEASP, ainda que não antecessora, a Igreja Protestante
Síria, sendo esta cristã, protestante e de etnia árabe (síria).
Pode-se ter a informação com Knowlton nos seguintes termos: “Atualmente não
há nenhuma seita protestante ativa, embora tenham vindo muitos protestantes. Estes
mantiveram um ministro e reuniram-se durante um certo número de anos, mas hoje
estão inativos” (KNOWLTON. 1961, p 188). A referência aqui feita é à Igreja
Protestante Síria fundada pelo Assis (pastor em árabe) Rev. Kalil Simão Hacy. Este
ministro veio ao Brasil pela primeira vez em 26 de outubro de 1899. Retornou à sua
terra em 1904. Lá faz seus estudos teológicos e foi ordenado ministro em 27 de janeiro
de 1907, voltando ao Brasil em 1920. No dia 25 de dezembro deste mesmo ano organiza
a Igreja Protestante Síria, da qual será o pastor até 1935, quando, já idoso, aposentou-se.
Faleceu em 1944, aos 88 anos de idade (DUOUN. 1944, p 225). (Anexo 6).
Safady registra: “Em 1922, a comunidade protestante agrupou-se ao redor do
ministro Khalil Racy, recém chegado do Líbano. Al Kassis Khalil (Kassis ou assis, em
árabe, significa ministro) alugou um grande salão na Rua Florêncio de Abreu, 72 e
efetuou os cultos dominicais regularmente, durante vários anos. Assisti a muitas missas
(sic) naquele salão por ser pegado ao meu consultório. A frequência era numerosa, de
famílias ben-árabes ilustres. Uma placa de bronze foi colocada na porta com os
seguintes dizeres, em português e em árabe: ‘Igreja Evangélica Síria’. O nome sírio
abrangia, na ocasião, o genérico dos ben-árabes”.(SAFADY. 1966, p 301). Deve-se
notar que embora a placa diga Evangélica, o título dado por Safady em seu livro é
IGREJA PROTESTANTE SÍRIA (op. cit. p 301), nome dado, também, por Duon. A
Igreja foi estabelecida, em seu início, na Rua da Liberdade, 55, seguindo depois para a
Rua Florêncio de Abreu, 72 onde funcionou até 1924. A sede final foi o salão do
segundo andar do prédio 105 do Parque D. Pedro II (HAJJAR. 1985, p 80). Ao
extinguir-se a Igreja, os bens foram vendidos e o valor doado aos pobres.
De fato, o longo período de 1935 até 1960, marcará uma dilatada “inatividade”
de organização de comunidade protestante árabe em São Paulo, com os imigrantes e
seus descendentes participando dos serviços religiosos em outras igrejas protestantes
brasileiras.
3.2) Estabelecimento:
Há uma informação oferecida por Safady de que “em São Paulo Al-Kassis Ráji
efetua missas dominicais (sic) cada primeiro domingo do mês, à Rua Vergueiro nº
92
2407” (SAFADY. 1966, p 302). Tal informe refere-se ao fato da retomada de atividades
de culto para a colônia e em caráter étnico (em árabe), sendo já chamada de Igreja
Evangélica Árabe.
Pode-se perceber uma estrutura de linha de tempo para a instalação e
organização desta Igreja nos seguintes termos:
“Beirute, Líbano
Outubro 1, 1963.
A quem interessar possa:
Este visa certificar que o Rev. Ragi Azar Khoury é um pastor
ordenado do Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano e que
ele é o representante oficial do Sínodo entre os evangélicos falantes do
árabe do Brasil, América do Sul, desde 1956. Está ele, ainda,
autorizado a pregar o Evangelho, a organizar igrejas, e realizar todos
os outros serviços pastorais de acordo com os princípios do sistema
presbiteriano de governo e doutrina.
Dado no primeiro dia de outubro de 1963.” (Tradução própria)
32
Há alguma variação de escrita no primeiro nome. A prevalência é Ragi, conforme se lê no documento
emitido pelo Sínodo. Nota do autor.
93
missas (sic) dominicais cada primeiro domingo do mês , à Rua Vergueiro nº 2407. A
comunidade protestante dos ben-árabes chama seu templo de: ‘A Igreja Evangélica
Árabe”. (SAFADY. 1966, p 302).
Este período durará, aproximadamente 06 anos, estendendo-se até 1967. A
gratuidade da cessão do espaço corre risco de desaparecer: “Resolve-se oficiar à Igreja
Evangélica Árabe, informando-a de que, em face de nossas despesas de manutenção do
prédio, bem como de outras, relacionadas com assistência social, funcionários e
construção, somos levados a solicitar-lhes que cooperem conosco, financeiramente,
ofertando todo mês, à nossa tesouraria, CR$40.000,00 (quarenta mil cruzeiros), como
retribuição ao uso do salão social do Edifício Isaac de Mesquita, aos domingos, no
período das 15 às 18 horas.” (Livro 4 - Ata 315 de 06/05/1964). Em resposta a esta
solicitação registra-se o seguinte: “Recebe-se ofício da Igreja Evangélica Árabe, datado
de 25/05/1964, em resposta ao nosso ofício solicitando uma oferta mensal para auxílio
no pagamento de despesas pelo uso do salão social desta Igreja, salão este que vem
sendo cedido àquela Igreja gratuitamente há muitos anos. Em vista dos termos contidos
nesse ofício, em que a Igreja Evangélica Árabe declara que nada pode pagar pelo uso do
salão, alegando entre outras coisas que se trata de uma comunidade pobre e pequena,
resolve-se responder argumentando a respeito das razões alegadas e pedindo que, pelo
menos, sugiram uma quantia mensal que possam pagar para auxiliar as despesas dos
nossos zeladores que também os assistem.” (Livro 4 – Ata 316 de 03/06/1964). Há nova
tratativa do assunto sobre contribuição à IPVM: “Toma-se conhecimento de carta de
25/05/1964, da Igreja Evangélica Árabe, na qual, acusando o recebimento de nosso
ofício de 12/05/1964, alega diversas razões para não contribuir com qualquer
importância para os cofres da Igreja, em retribuição ao empréstimo que há longos anos
lhe fazemos do nosso salão social para realização dos seus cultos; é aprovada a redação
de nova carta, datada de 23/07/1964, em que reiteramos nosso pedido de contribuição,
retificando: em que expusemos nossas razões e analisamos a situação, deixando que o
assunto ficasse ao final entregue às mãos daquela entidade.”(Livro 4 - Ata 319 de
05/08/1964). Parece ter permanecido a gratuidade, ou não acontecer a contribuição
solicitada.
O término deste período de uso da IPVM será em 1967, conforme se lê:
“Resolve-se oficiar à Igreja Evangélica Árabe fixando até 21/12/1967 o prazo de uso de
96
nosso salão social, visto que a Igreja dele necessita para as reuniões da UPA
(adolescentes) e para os ensaios do coro.” (Livro 4 – Ata 375 de 04/10/1967).33
Assim, movidos pelas circunstâncias, bem como a própria concepção de Igreja
(no cristianismo de modo geral e na mentalidade árabe) foram levados à necessidade de
reunirem-se em lugar próprio dedicado ao “seu culto”; o seu templo, ter a sua igreja.
Deixam de usar o templo da IPVM, uma vez que já haviam adquirido o terreno
localizado na Rua Vergueiro, 1845, onde existia uma velha casa (abandonada), mas que
lhes viria a servir de local de culto e onde construiriam o templo da Igreja Evangélica
Árabe de São Paulo, onde se encontra até hoje.
33
Os livros aqui apontados são os livros de Atas do Conselho da Igreja Presbiteriana de Vila Mariana.
Nota do autor.
97
34
Por organização não se entende a consagração do templo, mas a constituição da Igreja legal e
civilmente, passando a existir como Igreja dentro dos padrões exigidos e reconhecidos pela lei civil
brasileira. Nota do autor.
98
Um fato interessante é que a Igreja Árabe que utilizou outros templos para suas
reuniões e cultos, abrigará, em seu templo, uma comunidade evangélica em formação.
Trata-se da Igreja Renascer em Cristo (do pastor Hernades, hoje apóstolo), que alugou o
espaço (templo e dependências) para funcionamento de seus serviços religiosos (cultos,
reuniões, etc). Este tempo foi relativamente longo cobrindo dos anos de 1982 a 1990.
Não era cessão gratuita, mas aluguel. O motivo da escolha foi devido à localização de
muito fácil acesso e a proximidade com o metrô Ana Rosa. Por parte da IEASP a cessão
foi oportuna , pois sua propriedade era pouco utilizada e havia muita ociosidade quanto
às dependências. Embora as linhas doutrinárias e litúrgicas destas duas igrejas não
fossem tão próximas, houve uma convivência respeitosa neste período.
4) Estrutura:
A IEASP tem uma estrutura, por sua gênese presbiteriana, com feições à desta
tradição religiosa protestante. Assim, a Igreja conta com um Conselho Administrativo
composto pelo seu pastor presidente e outros cinco (5) presbíteros35 (não pastores).
Estes últimos são eleitos pela assembléia geral dos membros da IEASP por um período
de dois (2) anos, podendo ser reeleitos sem limite de vezes. Estes homens devem, ainda,
se submeter a um curso básico teológico de dois (2) anos. Este conselho é presidido
pelo pastor presidente, que é o pastor da Igreja. O governo, no entanto, não é de caráter
democrático representativo nos moldes presbiterianos, mas congregacional, onde a
assembléia decide, inclusive questões ligadas à admissão ou demissão de membros,
disciplina e outras. O Conselho leva à assembléia os assuntos tratados previamente, mas
a autonomia de decisão é da igreja reunida em assembléia, em moldes batista de
governo. Pode-se perceber uma certa mescla de sistema governativo entre presbiteriano
e congregacional (batista).
Há, também, um conselho fiscal composto por três membros eleitos pela
assembléia, que formam uma espécie de comissão de exame de contas , cujo relatório é
apresentado à assembléia para conhecimento e aprovação.
O pastor (ministro regularmente ordenado) é eleito pela assembléia geral para
mandato de 04 anos, podendo ser reeleito sem limite de vezes, para o cargo de
presidente do conselho. Ocorre que, para o cargo de pastor, não existe outro candidato,
sendo o exercício do pastorado quase que vitalício, embora com mandatos sucessivos.
35
Homens eleitos pela assembléia da Igreja e regularmente ordenados, com função de auxiliar o pastor na
administração da igreja, no cuidado dos membros e na aplicação da disciplina eclesiástica. Nota do autor.
99
36
Homens eleitos pela assembléia da igreja e regularmente ordenados, tendo a função de cuidar da ordem
do culto, estrutura física do templo e auxílio aos carentes e necessitados. Nota do autor.
100
fornecer este material, tais como atas da igreja e do conselho, arquivo, estatutos e afins,
não foram liberados (por parte da diretoria) para exame e exposição de dados. O que se
percebe é uma presença bem pequena de pessoas nos cultos, sejam os de quinta-feira,
sejam os de domingo (alcançando 30 a 40 nestes e 8 a 15 naqueles), embora o pastor
afirme haver algumas centenas de pessoas registradas no rol, este número elevado
engloba os que já saíram para outras igrejas, deixaram de frequentar ou mesmo
faleceram. O não acesso a estes dados traz certo prejuízo para a pesquisa, pois dificulta
saber sobre nível de instrução, profissão, estado civil e outros aspectos ligados aos
integrantes da IEASP. Ressalto que o pastor Kalil sempre se mostrou solícito e pronto a
me atender, fornecendo-me as informações que poderia conceder, permitindo-me acesso
a fotos, alguns documentos e participar das atividades da IEASP, tendo também a
simpatia dos participantes dos cultos e reuniões da igreja.
A presença de crianças é muito pequena. Vê-se que com um número pequeno de
membros assíduos na frequência aos cultos, e sendo este pequeno número de pessoas já
mais idosas, fora da idade de ter filhos pequenos, é natural que o número de crianças
seja quase nenhum. O Pastor José, em sua entrevista, aponta o fato da presença bem
pequena de crianças e a elevada faixa etária dos freqüentadores na década de 80.
Este é um fator que inspira preocupação, já que pode significar (caso não haja
ingresso de jovens por conversão ou transferência de outras igrejas para lá) o risco de
não haver continuidade da igreja em um futuro não muito distante. Este fenômeno tem
sido verificado em igrejas protestantes na Europa e em regiões rurais no Brasil. É uma
espécie de não reposição de pessoal, ou de não renovação da vida, pelo fato de não
existirem crianças na igreja, nem jovens que possam ter filhos e trazê-los e conservá-los
na fé ali praticada. Não existe, nestes casos, nem sequer o chamado crescimento
vegetativo, ou seja, o crescimento apenas por meio dos filhos nascidos da própria igreja.
5) Atuação Social:
Neste ítem será focado o aspecto de atuação social em termos de ação-serviço
social e rede de apoio social.
Sociedade da Mão Branca, Orfanato Sírio, Sociedade Beneficente de Moças, etc. Hajjar
nos oferece uma lista imensa (dezenas) de entidades de caráter sócio recreativas
estabelecidas por imigrantes árabes e seus descendentes, mostrando o interesse do árabe
neste segmento (HAJJAR. 1985 pp 205-215).
A IEASP seguiu neste fluxo, dentro de suas limitações, e estabeleceu na região
de Campinas (próximo ao local de residência do Rev. Ragi) o “Lar Pró-Velhice Água da
Vida”. Esta instituição teve o início de suas atividades no final dos anos 70, cuidando e
abrigando idosos. A construção consta de refeitório, cozinha e doze alojamentos
(quartos) para os internos. Em 1994 esta instituição deixou de ser gerida pela IEASP e
passou ao Poder Público para administração. Questões de ordem administrativa levaram
a esta decisão de entrega e perda de controle e coordenação da casa. Fatores que
contribuiram para isto foram a idade do Rev. Ragi e de sua esposa e a distância de São
Paulo, sede da Igreja.
6) Serviços Religiosos:
Por serviços religiosos entende-se, aqui, as atividades regulares e constantes da
expressão comunitária de culto. Estão excluídos os congressos, encontros eventuais,
103
palestras, e outras atividades que não podem ser caracterizadas como de rotina ou
costumeiras na estrutura da vida eclesiástica desta comunidade. São englobados aqui as
chamadas reuniões de oração, estudos bíblicos, cultos doutrinários, cultos de
evangelização e adoração, entre outros.
37
Trata-se de atividade de educação religiosa nas igrejas protestantes, onde se tem a realização ou
apresentação de lições com estudos bíblicos em salas ou classes, que observam as diferenças faixas
etárias, desde o berçário até os adultos, com propostas e materiais adequados às repectivas faixas etárias.
Nota do autor.
104
português como língua na pregação, se dará devido à presença de pessoas que já não
entendiam (nem falavam) o árabe, e que acabavam indo para outras igrejas, já que não
conseguiam entender o que se cantava ou falava. Este fenômeno ocorria principalmente
entre os jovens. Percebeu-se também que este era um instrumento não adequado na
tentativa de ganhar adeptos à fé ali alimentada e difundida. O pastor Ragi passa a
admitir que o sermão seja apresentado em árabe e traduzido para o português.
A liturgia38 é simples, contando com o uso de instrumental contemporâneo como
teclado, violão, guitarra e bateria. O uso do hinário tradicional ainda permanece, sendo
utilizado o hinário Cantor Cristão, sendo este o hinário oficial das igrejas batistas
históricas e tradicionais no Brasil. Ocorre, também, o emprego de cânticos avulsos
(chamados “corinhos” ou cânticos espirituais) muito apreciados e tocados pelos jovens.
Desse modo, pode-se dizer que as atividades de culto comunitário e público da
IEASP se resumem em dois dias da semana e em dois encontros.
7) Linha Teológica:
O cristianismo não é monolítico em sua manifestação, e possui vários segmentos
em sua estrutura de formulação teológico-doutrinária. Podemos alinhar três grandes
vertentes desta manifestação de fé: o catolicismo romano, o ortodoxo oriental e o
protestantismo em suas manifestações diversas.
38
Termo usado no contexto protestante para apontar a forma de condução do serviço de culto público,
constando de orações , hinos, pregação, confissão, intercessão e outros atos. Nota do autor.
106
A IEASP é uma igreja que se denomina evangélica, o que a coloca dentro deste
universo protestante.39 Sua origem está, devido à pessoa de seu fundador pastor Ragi
Khoury, ligada ao Sínodo Evangélico do Líbano e Síria, cuja vinculação é ao
protestantismo de tradição presbiteriana, como se percebe do documento emitido por
este sínodo ao credenciar o Rev. Ragi como seu representante junto aos falantes do
árabe no Brasil.
Desta forma, a IEASP assume e adota uma postura teológica de tradição
presbiteriana, recepcionando, como referencial confessional, a Confissão de Fé de
Westminster40. O pastor Kalil mostrou-se esquivo em sua entrevista quanto à afirmação
confessional da igreja, mas em conversas várias durante o período de preparo desta
dissertação, afirmou ter a IEASP a Confissão de Fé de Westminster como seu
referencial doutrinário. A admissão de tal Confissão a torna, em teoria, uma igreja de
tendência calvinista, já que a referida confissão teve forte influência deste modo
teológico de pensar e reflete, obviamente, os aspectos próprios e particulares desta linha
teológica, inclusive com a doutrina da Soberania de Deus, Seus decretos e suas
defluências.
No entanto, como ocorre em alguns setores do presbiterianismo no Brasil, existe
certo distanciamento, ou tensão, entre esta posição confessional presbiteriana calvinista
adotada e o discurso ( praxis) na apresentação da mensagem religiosa. Esta tensão se dá
pelo fato de ser o discurso religioso (pregação) de caráter arminiano41, ou seja, com
forte carga de responsabilidade do indivíduo na deliberação de sua salvação, sendo dele
a responsabilidade de escolha de seu destino final e eterno, estando a ação de Deus
condicionada à decisão do indivíduo. Minimiza-se, portanto, no discurso a contundência
da confissão de fé adotada, embora esta seja assumida como expressão doutrinária,
teológica e confessional da IEASP.
39
Evangélico e protestante, neste momento, são tomados como idênticos, como sendo herdeiros ou frutos
do movimento da Reforma Religiosa do Século XVI, que veio a ser conhecida como Reforma Protestante.
Nota do autor.
40
“A Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo maior (1648) e o Catecismo menor (1647) foram
redigidos na Inglaterra, na Abadia de Westminster, por convocação do Parlamento. A assembléia
funcionou de 1º/7/1643 a 22/2/1649. O objetivo primário era a revisão dos Trinta e nove artigos.
Trabalharam no texto da confissão 121 teólogos e 30 leigos nomeados pelo Parlamento (20 da Casa dos
Comuns e 10 da Casa dos Lordes), 8 representantes escoceses, 4 pastores e 4 presbíteros, os melhores e
mais preclaros homens que possuía”.(MAIA. 2007, p 19).
41
Jacó Armínio (James Arminius - 1560-1609) fora aluno de Teodoro de Beza ( sucessor de Calvinmo
em Genebra), e rejeitou a doutrina da predestinação (eleição) conforme ensinada por Calvino e seus
sucessores. ( MAIA. 2007, p 18).
107
7.1) Sacramentos:
A IEASP admite, como as igrejas protestantes de modo geral, apenas dois
sacramentos, chamados também de ordenanças, que são: o Batismo e a Eucaristia ou
Ceia do Senhor.
7.1.1) Batismo:
Podem ser destacados dois pontos peculiares a este sacramento no contexto da
Igreja Árabe: a forma e os batizandos, ou seja, como se batiza e a quem se batiza.
Quanto à forma existe uma flexibilidade entre o modo aspersionista e o
imersionista. É deixado ao arbítrio e vontade daquele que receberá o batismo. A decisão
cabe, portanto, ao batizando e o pastor ministrará o modo escolhido pelo novel
integrante da comunidade. A prevalência tem sido (atualmente) a imersão, que ocorre
em templo de igrejas batistas ou em rio, já que não há batistério na IEASP, mesmo
porque sua diretriz inicial era presbiteriana em todos os seus aspectos, incluindo a
prática aspersionista de batismo.
Em relação àqueles que devem ser submetidos ao rito batismal, ressalta-se a
necessidade de batismo aos egressos do catolicismo romano, catolicismo ortodoxo,
religiões não cristãs e as ditas seitas cristãs como mórmons, testemunhas de Jeová e
outras.
Verifica-se a quase inexistência da prática do pedobatismo, ou seja, do batismo
infantil. Esta era prática adotada pela IEASP até 1999, quando então deixou-se de
observar tal procedimento. Assim, para alguém ser submetido à cerimônia do batismo é
necessário o exercício pessoal de fé e declaração disto formalmente perante a Igreja,
com aceitação e declaração de adoção dos princípios da fé cristã evangélica ou
protestante. Esta mudança, segundo informação do atual pastor Kalil Samara, foi
admitida pelo pastor Ragi depois de refletir que a grande maioria daqueles que haviam
sido por ele batizados na infância, não estava mais na igreja. A partir deste ano (1999) a
108
8) Ritos de passagem:
Integram, neste contexto, tais ritos o casamento e o funeral. Nestas cerimônias
não há manifestação diferente do que se pode presenciar em outras comunidades ou
igrejas cristãs protestantes ocidentais. A influência ocidental cristã é inegável e tem
feito com que aspectos culturais étnicos não sejam recepcionados nestes ritos ali
praticados.
109
9) Vínculos Organizacionais:
Há, no universo do protestantismo, igrejas ou comunidades que são autônomas,
independentes e sem vinculação federativa ou distrital em relação a outras. As igrejas
protestantes históricas (mesmo pentecostais) têm sua estrutura de vínculo, seja ao
distrito episcopal (metodista), presbitério e sínodo (presbiterianos), à convenção
estadual ou nacional (batistas), ao ministério (assembleianos), para citar apenas alguns
exemplos. A IEASP não está, formalmente, vinculada a qualquer convenção ou sínodo,
ou distrito no Brasil. Mantém uma relação de parceria, não subordinação eclesiástica,
com a Convenção Batista Brasileira (tradicional)42, para estabelecimento de Igrejas no
Oriente Médio incluindo Iraque, Líbano, Síria.
Pela placa fixada na entrada de seu templo pode-se perceber que houve, no
passado, alguma vinculação com o Sínodo Evangélico do Líbano e Síria (presbiteriano)
e que se mantém muito palidamente. Os estatutos atuais (por informação do atual
pastor) da igreja contemplam um vínculo com o Supremo Conselho Evangélico da Síria
e Líbano, com o intuito de facilitar o estabelecimento de igrejas naqueles países, embora
esta formalização de vínculo não haja ainda ocorrido. Deve-se notar, no entanto, que
este vínculo ou relação não significa ingerência daquela instituição eclesiástica dentro
da vida administrativa e doutrinária da IEASP.
A IEASP participa e tem envolvimento com o chamado Movimento Árabe
Cristão,43 cujo propósito é a evangelização de árabes, buscando levá-los à adesão da fé
cristã de tradição protestante. Deve-se notar, no entanto, que a IEASP não tem vínculo
de subordinação, nem admite a interferência desta organização em seus assuntos
internos e organizacionais.
42
A CBB é o órgão máximo da denominação batista no Brasil. Congrega, no Brasil, os batistas de caráter
não pentecostal. Existe desde 1907; congrega e auxilia as igrejas batistas (históricas tradicionais) em sua
estrutura de integração e espaço de identidade, comunhão cooperação (http://www.batistas.com).
43
Trata-se de movimento missionário com sede em Foz do Iguaçu, PR. Tem o própósito de alcançar
árabes com a mensagem religiosa cristã e, também, preparar cristãos para este trabalho entre os árabes,
sobretudo entre os muçulmanos, seu maior foco. Nota do autor.
110
10) Expansão:
A IEASP tem, na pessoa de seu atual pastor, uma atuação bastante forte no
estabelecimento de igrejas na região do Oriente Médio. Em parceria com a Convenção
Batista Brasileira países como o Líbano, Iraque, Síria e da África (Sudão) têm
atividades da igreja sendo desenvolvidas e comunidades são ali estabelecidas. Embora
não seja uma iniciativa da IEASP, ela está envolvida com a cessão de seu pastor para
estas realizações.
Atividades de evangelismo são também desenvolvidas pela igreja no âmbito de
São Paulo. Tais programações envolvem reuniões para jovens em seu templo, visitas e
realização de cultos em lares de pessoas que assistiram a algum culto no templo, ou que
seja amigo de algum membro da Igreja; distribuição de literatura em português e em
árabe (folhetos). Todas estas atividades são realizadas com o propósito de expansão e
alcance de outras pessoas, a fim de levá-las à conversão com a adesão à fé evangélica
no âmbito da Igreja Evangélica Árabe de São Paulo.
Os folhetos (anexos 8-12) em árabe são distribuídos em lugares públicos ou
direcionados. O folheto, por exemplo, que tem a figura de uma mulher rodeada de
estrelas cujo título é: “O mandamento da virgem Maria para todos os cristãos”, visa
alcançar àqueles que têm em Maria (católicos ou ortodoxos gregos) um ícone para
veneração. A igreja imprimiu, também, exemplares do Evangelho (em árabe) escrito por
Lucas para distribuição e evangelização entre os falantes do árabe (anexo 13).
Todas estas realizações visam levar a IEASP a uma retomada de crescimento em
número de membros. Os esforços de seus membros e de seu pastor são no sentido de
levá-la a uma expansão e conquista de pessoas para a fé cristã evangélica.
11) Perdas:
A IEASP é uma comunidade protestante ou evangélica de feição ou linha
tradicional com raízes presbiterianas e, atualmente, de inclinação batista. Neste sentido,
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
não é uma função presente, existente ou desenvolvida por ela. O entendimento é que
esta função era (e é) da família do imigrante e não da Igreja.
Quanto ao aspecto do reforço da fé dos imigrantes árabes (sírio e libaneses)
protestantes, vai, como foi dito, perdendo seu tônus ou vigor, passando a existir,
gradualmente, o desejo (ou necessidade) de alcançar os nativos. Aquele ideal “de árabe
para árabe”, começou a diluir-se. A imposição do caráter universalista (ecumênico)44 do
cristianismo conflitará com a visão ou dimensão étnica restritiva desta comunidade,
empurrando-a para abertura à presença e influência da cultura não-árabe. Deixa de ser,
portanto, essencialmente étnica para ser universalizadora, onde o traço da língua árabe
está, residualmente, presente, na maior parte dos serviços religiosos ou nos contatos
sociais após tais serviços.
O conflito entre a continuidade e a descontinuidade se impôs e se impõe de
modo claro, perceptível e forte. O dilema é: manter as tradições, cultura e costumes
(continuidade) e tender a desaparecer por que os jovens não se identificam mais com
isto, ou quebrar esta linha e se amoldar em um amálgama ou misto (em uma troca de
costumes) com a cultura dos não árabes. Na IEASP esta ambivalência vai sendo
resolvida com a assimilação de costumes e cultura do protestantismo brasileiro. A opção
é a adaptação.
O uso da língua portuguesa em maior espaço que a árabe, é indicativo do rumo
assumido pela igreja. Este caráter identitário árabe está sendo refeito e reconstruído, ou
seja, há um processo de reconstrução ou “refazimento” da identidade étnica-cultural do
grupo. Claro que tal processo é tenso e denso, pois os antigos e falantes do árabe,
devido ao uso do português em maior escala, sentem que já não é árabe, e os de fala
portuguesa não sentem que seja brasileira, mas ainda árabe, e eles não são árabes. As
perguntas “o que somos” ou “quem somos” tornam-se difíceis de serem respondidas
com objetividade. Para um árabe, não é árabe; para um brasileiro, não é brasileira.
Nesta linha de percepção a IEASP, por causa de sua flexibilização, deixou de ser
um grupo fechado e restrito com sentido hermético de pertença, para tornar-se uma
comunidade aberta na busca de construir nova “feição”, fugindo à rotulação de “gueto
religioso”, mas com o preço da perda de sua identidade claramente estabelecida em sua
gênese.
44
“oikoumenne”: Palavra grega cujo sentido é “todo mundo”, “todas as pessoas”. (Englishman’s Greek
Concordance – Zondervan. P 527).
114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANEXOS
Anexo 1 Mapa
Anexo 2 Mapas
10) Tem havido (neste tempo em que você tem ali cooperado) algum crescimento
significativo ?
Não. Como dito anteriormente, o crescimento dos jovens e da igreja em geral não é
expressivo. Algumas poucas famílias e pessoas chegaram, por exemplo, este ano a
igreja, mas nada significativo.
16) Em sua opinião o traço étnico árabe ainda é forte na IEASP? Tende a
diminuir? Poderá perder esta característica? Motivos.
Sim. Creio que 90% dos membros são árabes e/ou descendentes. Porém este número
tende a diminuir. Isto porque hoje, os descendentes já são maioria. Os próximos filhos
já nem serão descendentes, porque serão filhos de pais brasileiros. Com relação a perder
a característica, creio que será difícil, mas não impossível. Isto porque há muitos
membros, que amam a sua cultura e/ou sua origem e não vão querer que isto se perca.
136
Entretanto, se novos árabes não chegarem a igreja, no passar mais umas duas gerações,
este traço poderá ser perdido.
Entrevista com o pastor Khalil Samara, pastor da Igreja Evangélica Árabe de São
Paulo. Esta entrevista é para a dissertação de mestrado sobre a Igreja Evangélica
Árabe.
Paulo: Pastor Khalil, qual é o local de seu nascimento?
Calil: Foi Beirute, Líbano.
Paulo: O senhor veio para o Brasil em que data?
Calil: 15 do Outubro 76.
Paulo: O propósito de sua vinda foi para pastorear a igreja, já era pastor, ou para
questão ligada a comércio, trabalho, coisa assim?
Calil: Bom, foi enviado para evangelizar o trabalho... fazer trabalho evangélico com os árabes
aqui. Evangelismo. Eu era na época como evangelista. Não era pastor. E cheguei aquela época
enviado da Igreja Nacional de Bagdá... de Beirute para fazer o trabalho de evangelismo de
árabe. Ficamos sabendo que aqui no Brasil tem maior número de árabes imigrantes. Então, eu
cheguei aquela data... a propósito era isso.
Paulo: O pastor que iniciou a Igreja Árabe é o pastor Ragi Khouri. Os contatos que ele
fez no Brasil para estabelecer esta igreja foram primeiro em que termos ou em que
locais?
Calil: É, foi aqui em São Paulo, né. Mas ele conheceu a família da esposa dele em Campinas
onde, acho que por causa do comércio, mudaram para lá. E a família dela era... o pai dela era
o presbítero da igreja que começou nos anos, nos anos 24, 28, através do pastor Khalil Haci.
Paulo: A Igreja Árabe começou as suas atividades em que locais?
Calil: É... começou em casas primeiro, né. Quanto nos anos 20, começaram em casas e depois
eles formaram uma comunidade evangélica Síria lá na região de 25 de Março, até uns 34.
Depois um... falecimento do pastor e a chegada do outro pastor, então começaram novamente
em casas, em Campinas, São Paulo, nos Santos. Então eles visitava as famílias que estavam
na época da Igreja Evangélica Síria, na época.
Paulo: Usaram, também, templos de outras igrejas evangélicas?
Calil: É, depois que se estabeleceram um entendimento, a continuação do trabalho, houve um
movimento assim de avivamento do trabalho evangélico árabe no Brasil. Então eles, pelo
crescimento deles, não podiam reunir mais em casas. Então começaram na Igreja Americana,
depois a Igreja Armêmia, depois, antes de comprar aqui, foi realizado cultos por dois, três
anos, na Igreja Presbiteriana de Vila Mariana.
Paulo: A aquisição da propriedade aqui na Rua Vergueiro 1845, ela ocorreu de que
maneira? Foi financiamento, foi oferta dos membros?
Calil: É claro que uma igreja ter oferta dos membros, mas agora como foi pago, eu não
participei, mas quanto eu cheguei em 76 eles estavam pagando é... dívidas pra o Banco
Noroeste na época. Pode ser uma... uma parcelamento da casa ou outra coisa, não sei. Mas é,
quando cheguei em 76 eles fizeram a compra, deve ser nos anos 60. Então é... eu não
participei exato sobre... mas eu creio pelo documentado e do arquivo, eu... eles quitaram e tem
registro em nome da Igreja Evangélica Árabe.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe foi organizada em que ano?
Calil: É... em 1967. Foi organizada oficialmente, com o estatuto dela. Então é... naquela
assembléia, a primeira assembléia oficial, em 1967, eu não me lembro o mês, mas nesse ano
foi é... foi organizado oficialmente a igreja com estatuto, com tudo.
Paulo: A consagração do templo foi em que ano?
Calil: Foi 1979. A consagração, depois a construção do templo da igreja, né, atual. Então foi
em 1979 a sua consagração.
138
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe teve alguma atuação na área social, por exemplo, com
alguma creche, algum lugar pra idoso, coisa desta ordem?
Calil: A igreja trabalhou, é... e até que muito esforço da parte da igreja, é... tivemos, é... o
trabalho com idosos chamado “Lar pro Velhice Água da Vida”, uma... uma instituição foi
registrada com CGC... e tivemos uma propriedade na região de Campi... na região de
Valinhos, é... deveria ter 4, 5.000 metro quadrado, foi construído 12 apartamentos, um salão
social, um restaurante... um lugar pra refeições, um lugar pra... pra o cultos. Mas nos anos
40... 94,95, se apresentou um processo contra o pastor, contra a esposa dele e contra o Lar pro
Velhice Água da Vida, que levou o processo até dois mil quatro, dois mil três, por mau
testemunhos, por um processo maldosos de grupos espíritas, é... com apoio da prefeitura de
Valinhos naquela época, é... e conseguiram que retirar essa propriedade da igreja. Foi
realmente um caso muito, hã... muito desagradável naquela época, com tudo o que a igreja fez
através da pessoa do pastor, da esposa dele, do próprio dinheiro deles financiaram lá do
próprio ofertas da igreja, do trabalho da igreja e... hoje nós perdemos, né.
Paulo: Em termos de apoio como se fosse uma rede social de apoio ao imigrante. A
Igreja Árabe teve alguma participação em que termos?
Calil: Num temos um orgum... um órgão ou departamentos com essa especialidade, é...
durante época como pastor aqui passaram num total mais de 10 pessoas e famílias
necessitadas, é... eles tinham alguns meses que tinham chegado, ou alguns nas primeiras
semanas. Então nós ajudamos essas pessoas assim de... de instalá-los, alguns nós alugamos
uma casa, alguns foram colocados num pensão, alguns foram encaminhados para uma
instituição de... de tratamento de drogas e outras coisa, né, que pessoas, alguns foram
retirados de rua e algumas pessoas estavam de passagem na frente da igreja e onde viram que
igreja evangélica árabe tocaram a porta, estava com fome e estavam com necessidade, alguns
mesmo falam português e... então, nós ajudamos essas pessoas dentro do possível.
Paulo: Em termos de vínculo de estrutura federativa, vamos assim dizer, a Igreja
Evangélica Árabe tem alguma relação com alguma federação de igrejas, ou
confederação, ou organização, seja nacional ou internacional?
Calil: É...desda fundação da Igreja Evangélica Árabe, ela sempre foi independente, ela não
está ligada a nenhuma federação ou nenhuma denominação, é... assim, é... aqui no Brasil não
foi, e... estamos trabalhando para... para sendo... já foi encaminhado, já foi aceitado registro
de igreja, ela ligada ao Supremo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano. É um, assim, é...
termo de...de... a igreja tem toda independência, toda liberdade de se organizar internamente,
só ela ligada, assim formal com essa Supremo Conselho Nacional da Síria e do Líbano, por
qualquer necessidade futura esse conselho que ele tem que suprir necessidade da Igreja
Evangélica Árabe, qualquer porventura, qualquer, é... necessidade futura que aparece, é... o
alvo é isso.
Paulo: Há uma placa indicativa da situação ligada antigamente ao Sínodo...
Calil: Sim...
Paulo: ... Evangélico da Síria e do Líbano. Ainda há alguma relação?
Calil: É... tudo povo que veio aqui na Igreja, mesmo em 67 da sua fundação, é... a Igreja
sabendo com... que a Igreja Evangélica Árabe de São Paulo ligada ao Sinódo Presbiteriano
Evangélico da Síria e do Líbano. Só quanto eu fui com a liderança presbiteriana do Brasil,
principalmente da pastor Agripino e equipes e eu aproveitei pra tirar essa... porque não tem
contato, num tem cartas, e nós somos uma igreja no Ocidente, no Brasil, que ligada a esse
sínodo, e... e eu descobri que oficialmente não foi nada registrado, não tem registro nenhum.
Só na fundação da igreja foi feita essa placa e antes do falecimento do pastor ele diz que ele
tinha colocado isso porque ele desejava muito, como ele foi enviado da presbiteriana, foi
enviado do sinódo, como missionário pra cá na época da igreja, na época da fundação da
igreja, diz que era pra mim, é... registrar se houve algum problema com a diretoria que estava
139
na época nos sinódos e alguns tive mau entendimento com pastor e ele questionou e registrou
isso.
Paulo: Há um interesse em estabelecer, por exemplo, uma federação de igrejas
evangélicas árabes no Brasil?
Khalil: Nós estamos trabalhando agora pra criar... já temos um trabalho, é... igreja registrada
lá em Foz do Iguaçu, nós temos um trabalho em São José dos Campos, nós temos trabalho em
São José do Rio Preto. São trabalhos congregacionais, é... congregação, trabalho em casas
ainda, e nós temos trabalho em Cubatão. Então esses trabalhos nós estamos trabalhando para
fortalecer esses trabalhos e formar essas igrejas. Já estamos encaminhando vários assuntos
entre a liderança pra formar a Convenção Evangélica Árabe do Brasil.
Paulo: Com relação ao serviço religioso, aos cultos, aqui na Igreja Evangélica Árabe,
qual é a língua usada e quais os dias da semana em que esses cultos ocorrem?
Khalil: Bom, nós utilizamos, é... praticamente a língua portuguesa, enquanto algumas pessoas
idosas, pessoas que não entendem bem o português, nós utilizamos a língua árabe também,
e... nossos cultos são nas quintas-feiras, terças-feiras cultos em casas, para as famílias,
quintas-feiras estudo bíblico aqui, é... sextas-feiras cultos em casas para os jovens, sábados
trabalho dos jovens aqui na Igreja e Domingo pela manhã Escola Dominical e o culto da
igreja.
Paulo: A escola dominical tem funcionamento regular, todos os domingos, para as
crianças e adultos, só para as crianças?
Khalil: É trabalho pra criança fizemos... fazemos um domingo por mês um estudo de assunto
bíblico.
Paulo: Em termos das cerimônias que a Igreja Evangélica Árabe realiza, algumas
chamam de sacramentos, outras ordenanças, quais as que a Igreja Árabe pratica?
Khalil: É... ordenanças... nós ordenamos o ano passado alguns diáconos... o ano interior,
retrasado também alguns presbíteros, e... quanto surgir necessidade nós utilizamos.
Paulo: E termos dos sacramentos ou das ordenanças, quais que a Igreja Evangélica
Árabe pratica, por exemplo, batismo, Ceia do Senhor?
Khalil: Não entendi.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe usa também a prática do batismo e da Ceia do
Senhor? Há essas cerimônias na Igreja Evangélica Árabe, o batismo, a Santa Ceia?
Khalil: Sim, é... nós praticamos a Ceia aqui no templo, e... o batismo sempre praticamos nos
rios.
Paulo: A prática do batismo é só para os adultos ou envolve também a prática do
batismo de crianças?
Khalil: É... eu particularmente batizo as crianças quanto vê pai a mãe pratica fé verdadeira. É
pra mim como representar a criança como Cristo foi representado, mas pra mim batismo
bíblico é batismo depois da fé. Se a criança tem dois anos e ele apresentou fé, eu batizo ele.
Se ele não tem essa fé, pra mim não tem idade. Tem criança que batizada com nove anos, com
doze, com quinze, mas sempre é batizado por mim, essa pessoa, quanto ele apresenta a fé
verdadeira em Cristo e na palavra de Deus.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe é uma igreja confessional, no sentido de aceitar e
assumir uma confissão de fé específica? Se positivo, qual a confissão que ela adota?
Khalil: Olha, francamente, é... faz nesses últimos quinze anos, nós praticamos uma fé e
doutrina somente bíblica. A gente, é... nem pra direita e nem pra esquerda. Usamos e
praticamos somente conforme a doutrina bíblica. Você vai falar é presbiteriano, é batista, ou
assembleiano, é... hoje a gente passa uma dificuldade no Oriente Médio porque todas essas
doutrinas e essas denominações pra nós como Evangélicos Árabes, foi introduzida do
Ocidente. Qual é a nossa doutrina, a nossa prática? Muitas vezes nós encontramos uma prática
nossa. Muitas vezes é diferente: a gente fala presbiterianos e nos não agimos dentro da
140
Paulo: Em termos de membros da Igreja, a Igreja Evangélica Árabe conta hoje com
quantos membros no seu rol, frequentes e menos frequentes?
Khalil: Olha, o... nós temos mais de duas mil pessoas registradas, mas no último rol de
membros que nós fizemos, as pessoas que já de muitos anos já falecidos, e pessoas que
mudaram, pessoas que freqüentam outras igrejas já há mais de dez anos, então pelo contato
que nós fizemos, definimos o rol de membros hoje que é aproximadamente de duzentas
pessoas, mas o praticantes, que praticam mesmo, essas pessoas até duzentas pessoas, vem
quatro, cinco vezes por ano, quanto Páscoa, Natal, alguma comemoração, de... de cultos
especial convidados, eles não... eles é... eles é... como é que se fala?... Não deixa de vir, né,
como eles são dentro do rol do membros, mas praticantes ativos e dizimistas, é... aqui na
atividade da igreja, em torno de cinquenta pessoas.
Paulo: E para terminar, a Igreja Evangélica Árabe tem alguma atividade de cunho
cultural, ligada ao aspecto da cultura árabe, em termos de celebrações, comemorações, e
outros?
Khalil: Nós realizamos cultos assim de, é... como sendo estratégia, né, de convidar as pessoas
para serem evangelizadas, e ao mesmo tempo para ter um contato com a sociedade árabe no
Brasil, nós realizamos cultos, é... lembrando a independência de cada país. Na data de
independência do Líbano, da Síria, da Jordânia, do Iraque, da Palestina. Então na época dessas
datas, então nós formamos um convite oficial quanto a um coquetel e nós apresentamos para a
autoridade civil, religiosa, árabe, e também para todos os amigos árabes pra que eles se
comemora nesse dia da independência, por exemplo da Síria, é... o ano... o ano passado o
próprio cônsul da Síria com a esposa dele e o equipe dele estava presente, e eles gostaram
muito duma maneira que ele não esperava nenhuma igreja, somente feito uma festa no clube
sírio, no próprio hospital sírio, ou na embaixada da comemoração da independência, mas uma
igreja, uma instituição religiosa, bem, é... orar a Deus pela Síria, pelo governante, pelo povo,
pra que Deus proteja. E nós aproveitamos isso porque tinha aquela ameaça americana contra a
Síria, você lembra que vai ser atacada a Síria se eles não entra na política americana, essas
coisa aí. Então nós fizemos isso aproveitando para que Deus possa abençoar e livrar esse país
do ataque americano da maneira que eles fizeram com o Iraque, acabaram com o Iraque.
Então foi um momento muito oportuno, onde o cônsul me agradeceu e desde antes nós
começamos a realizar isso e realmente tá dando certo.
Paulo: O senhor é pastor da Igreja Evangélica Árabe desde que ano?
Khalil: 1998.
Paulo: E a sua permanência a frente da Igreja como pastor, ela se verifica de que
maneira? Por eleição, indicação?
Khalil: É... eu fui eleito pela igreja, e... nosso sistema aqui que pastor ele tem que ser
formação teológica árabe, pra conservar essa cultura, conservar o trabalho árabe no Brasil, e
por força maior, pode ser um descendente, mas tem que ser árabe. Esse é um. E para cargo de
presidente do Conselho, outros membros do Conselho, pode ser que... pode qualquer outro
entrar. Agora, é... e dentro da sistema nossa de...de governo da Igreja, de... de... da parte
administrativo da diretoria e da... do presidente. Então o próprio presidente que é o pastor da
igreja, ele é permanente, somente renovado como presidente do Conselho, mas como pastor
da igreja ele é permanente até o seu falecimento. Claro quanto ele está fazendo o trabalho para
o benefício da igreja. Quanto uma pessoa que realmente apresenta, é... falsa doutrina, levando
os membros, a igreja, ao trabalho de destruição total, claro completamente essa pessoa, pela
assembléia, ele tem a força de se retirar.
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Entrevista com o pastor José Lopes, que foi, também, obreiro da Igreja Evangélica
Árabe de São Paulo.
Paulo: Qual é o seu nome completo?
José: Meu nome completo é José Aparecido Ferreira Lopes. Hã... mas o reverendo Ragi
Khouri me chamava de Yoseph também, nome árabe, da Igreja Evangélica Árabe.
Paulo: Lugar e data de seu nascimento.
José: Nasci em 29 de Março, 1957, em Guriri, um pequeno povoado chamado Moreira Sales
no Paraná.
Paulo: Qual é a sua formação Acadêmica, secular e teológica?
José: Eu sou da área da saúde, sou técnico de enfermagem hospitalar do trabalho, também
auxiliar de enfermagem hospitalar do trabalho, é... e também no curso de administração fiz até
o segundo ano, com licenciatura em comércio exterior mas não consegui concluir o curso. Eu
creio que é mais ou menos isso daí.
Paulo: E a sua formação teológica?
José: Bacharel em Teologia, duas vezes. Primeiro pela... pelo Seminário Interdenominacional,
e também aqui pela Universidade Mackenzie, através da Escola Superior de Teologia.
Paulo: Quando você iniciou seus trabalhos na Igreja Evangélica Árabe de São Paulo e
quem o introduziu nesse trabalho?
José: Meu trabalho foi de 1985 a 1987, como past... perante o ministério como pastor auxiliar
do reverendo Ragi Khouri. O reverendo Ragi me convidou pra aprender sobre o povo árabe,
mas quem me introduziu na comunidade árabe foi através de um convite específico feito pelo
missionário americano Leminjer.
Paulo: Por que você resolveu, o que motivou você a trabalhar na Igreja Evangélica
Árabe de São Paulo?
José: A única igreja árabe que existia na época, e... eu já estava envolvido com árabes desde
1981, e para 85 são seis anos. Fui trabalhar especialmente com os islâmicos e não conhecia os
árabes evangélicos. Então eu queria acrescentar esta área para aprender como é que a Igreja
Evangélica Árabe fazia e faz até hoje dentro de sua própria colônia, voltados para aqueles que
são de origem cristã, e não islâmicos.
Paulo: Qual a sua função ou atuação na Igreja Evangélica Árabe no tempo em que você
trabalhou lá?
José: Eu fui pastor auxiliar segundo o boletim saia, como pastor auxiliar, e... ajudava
ministrando algumas aulas, e também... mas era mais discipulado e aprendizado direto do
reverendo Ragi Khouri, o pastor de lá e fundador da Igreja.
Paulo: Você recebia algum tipo de salário, remuneração? Se negativo, qual o motivo
desta postura de não remuneração do pastor e o seu modo de ver?
José: Não, não havia remuneração, porque a cultura árabe – essa foi uma das coisas que
aprendi – o pastor ele tem que ser fazedor de tenda e a dona Rosa Khouri, que é a esposa do
pastor, dizia que precisa ser um profissional na área secular e ela me incentivou a ir para a
área da saúde, e por isso que eu fiz um curso técnico bem feito, e para ser aceito no ministério
entre árabes, eu podia exercer parte da área de saúde, da medicina, e ajudar também como
mais ou menos voluntário, como pastor voluntário na época.
Paulo: No período em que você esteve lá, você verificou algum crescimento significativo
na Igreja?
José: Não, não houve. Não houve crescimento porque a Igreja Árabe naquela época
trabalhava mais com pessoas idosas, e... ou seja, filhos de imigrantes e imigrantes, e os jovens
que vinham para a Igreja eles migraram para outras denominações, devido a questão do
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idioma... idioma servia de barreira, né, e... não houve crescimento nem da parte árabes, não
...de origem não cristã , e nem árabes que vinham do Líbano, com relação ao Cristianismo.
Paulo: Você entende que não houve crescimento, mas você poderia entender que houve
esvaziamento ou perda de membros da comunidade?
José: Não, na minha época não teve, manteve. Agora era um pouco confundido porque nasceu
a Igreja Renascer na mesma época, nos porões da Igreja Árabe. Então vinha gente para a
Renascer e aqueles que tinham... amavam o povo árabe, como Sônia, a esposa do Esthevan
Hernandes, de origem árabe, então o pessoal vinha e ficava para o culto árabe também. Então,
algumas reuniões tinham mais gente do que tinha antigamente.
Paulo: Ok. Havia, nesse período que você esteve lá, Escola Dominical regular para
crianças e adultos?
José: Havia Escola Dominical para crianças, havia. Adultos, algumas vezes havia, mas não
era regular, era esporádico.
Paulo: Em termos de números de crianças com idade até 10 anos, o número era bem
expressivo ou era um número pequeno?
José: Não... era um número médio... não eram muitas... não era... não era...porque a maioria...
eu já disse pra você que a maioria dos membros eram pessoas idosas. Então seus filhos já
pertenciam a outra igreja evangélica. Eles não vinham pro culto, então levavam para as igrejas
as quais eles pertenciam.
Paulo: Havia grupos de trabalho interno, como senhoras, jovens, ou algum outro grupo?
José: A SAF era forte, acho que sob o comando da irmã Jamili, se não me engano, era o grupo
mais expressivo era o grupo das mulheres.
Paulo: Em termos das cerimônias realizadas na Igreja Árabe, que forma de batismo era
praticado na Igreja Evangélica Árabe no tempo em que você trabalhou por lá?
José: Era aspersão... era uma Igreja Presbiteriana ligada ao Sínodo da Síria. Batismo por
aspersão.
Paulo: As crianças também eram batizadas ou só havia o batismo de adultos?
José: Crianças eram batizadas a pedido dos pais.
Paulo: Havia projetos de algum suporte a ser oferecido a imigrante árabe em termos de
uma rede social de apoio?
José: Olha, sinceramente... hum... expressivamente não. Havia os cultos especiais que a
comunidade, autoridades árabes vinham para o culto, cônsuls, por exemplo, da Jordânia, da
Síria, em São Paulo vinha. E era uma expressão... e havia muito bom relacionamento da Igreja
Árabe com a Igreja Ortodoxa, na própria, no Paraíso mesmo. Então a gente tinha muito, era
muito alinhado as autoridades e aos ortodoxos árabes.
Paulo: A Igreja Evangélica Árabe fornecia algum tipo de apoio de hospedagem ou
orientação de trabalho a imigrantes que chegavam?
José: Não, não tinha esse trabalho. Não tinha.
Paulo: Dentro de seu modo de ver, o traço étnico do árabe era forte na igreja?
José: Sim, porque se falava em árabe, cantava em árabe, e o reverendo Ragi também dava o
resumo do sermão em português, mas todo o trabalho era feito em árabe. Hoje não. Hoje é
feito em português e só a mensagem em árabe.
Paulo: Você, naquela época, já podia perceber alguma demonstração de tendência a
diminuir esse aspecto étnico árabe, assumindo certa brasilidade, como língua
portuguesa em alguns aspectos da liturgia, ou coisa assim?
José: Não, não. Não porque os membros efetivos eram primeira geração. Então eles falavam
árabe mesmo nos intervalos, todo tempo era comunicação em árabe, e... era essencial você
entender e falar o árabe para você estar integrado a igreja.
Paulo: No tempo que você esteve lá, havia projetos para alcançar falantes do árabe com
o Evangelho, bem como os não falantes do árabe?
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José: Sim, havia, é... alguns pastores voluntários, que vinham de outras denominações, que
colaboravam com o reverendo Ragi, e eles montavam o culto em português a noite, no
Domingo a noite. Então, era um projeto, né, uma iniciativa para alcançar os... os brasileiros
de idioma português.
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Adina: Um dos fatores que eu sempre pensei... acredito que tenha sido, é... os idosos que
faleceram, nossos pais, pais da maior parte de hoje daqueles que freqüentam igrejas
brasileiras, e que torna-se difícil porque o idioma realmente, as pregações em árabe é um
pouco difícil, e os filhos que acompanhavam os pais, na época sempre muito cheio o templo,
principalmente quando era uma casa velha. A gente precisava correr da igreja presbiteriana,
chegar lá pra ficar lá no fundo. E, depois, com o falecimento de toda aquela... aquele número
de pessoas idosas... e os filhos então, agora hoje netos e tudo, cada um tem a sua igreja. E por
isso raramente a gente vê aquele templo lotado, a não ser quando tem... é muito comum,
mesmo no tempo do reverendo Ragy, ele fazia culto em memória. Era uma maneira que ele
encontrava de pregar bem o evangelho. Porque morria alguém lá do Líbano, parente de
alguém aqui, ele convocava o culto em memória e convidava... a igreja ficava lotada. Esse foi
um trabalho que ele sempre gostou de fazer e o Calil, às vezes, ainda faz hoje, quando a
família pede, é uma maneira dele pregar o evangelho. Eu creio nisso.
Paulo: Você entende que o uso do árabe na pregação foi um fator que atraiu os mais
idosos, mas ao mesmo tempo se tornou um fator que acabou dificultando a permanência
dos mais jovens?
Adina: Não tenho dúvida que pros mais velhos foi uma bênção grandiosa de ouvir o
evangelho pregado no seu próprio idioma. E depois os mais novos têm dificuldade realmente,
então, eles preferem cada um estar na sua igreja.
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(Fachada externa)
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Foto com Rev. Hagi Khoury (terno preto) e Rev. Kalil Samara (paletó cinza)
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