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PERCURSOS E PERCALÇOS:
O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE SEGUNDO HANS BELTING
CAMPINAS, 2010
iii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
(em/ia)
Título em inglês: “Paths and pitfalls: the end of the history of art by Hans
Belting.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Belting, Hans, 1935- ; Art - history ; Art-
historiography.
Titulação: Mestre em Artes.
Banca examinadora:
Profª. Drª. Claudia Valladão de Mattos.
Profª. Drª. Sheila Cabo Geraldo.
Prof. Dr. Jens Michael Baumgarten.
Profª. Drª. Letícia Coelho Squeff. (suplente)
Prof. Dr. Paulo Mugayar Kühl. (suplente)
Data da Defesa: 31-08-2010
Programa de Pós-Graduação: Artes.
iv
v
Para Jurandir e Roseny,
por “seus olhos embotados de cimento e lágrima”
Para Fernando,
por quem “queimei meus navios”
vii
AGRADECIMENTOS
À minha família,
natural e agregada.
À minha orientadora,
Professora Dra. Claudia Valladão de Mattos,
pelo acolhimento, pelo rigor, pela delicadeza.
ix
“Pode a história da arte continuar no mesmo sentido quando o seu
objeto rejeita todas as respostas esperadas?”
Hans Belting
xi
RESUMO
xiii
ABSTRACT
Paths and pitfalls: the end of the history of art by Hans Belting proposes a
reflection about the theory of the end of art history developed over two decades by the art
historian, German Hans Belting (1935). Given the context in which it emerge, its crucial
points and particularly the reception of this thesis in Brazilian context, the study will be
presented from three axes. The first is an analysis of the place of the speech,
contextualizing that thesis of Hans Belting not only with the historical context in which
they were immersed, but illuminating it with the Germanic traditional art historiography.
The second axis aims to examine the thesis from points which are considered fundamental
to understanding his work: the history of art as a framework, the history of art as modern
product, the crisis in the history of art as a science in Europe. To finish, we intend to map
the reception of the work of Belting in Brazilian context, relating this reception with the
current state of art history in Brazil.
Key Words: The end of the history of art; Hans Belting; historiography of art
xv
Sumário
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 1
CONCLUSÃO...............................................................................................................113
ANEXOS .......................................................................................................................125
xvii
Introdução
Descendente de uma tradição alemã em história da arte que tem suas origens no
estabelecimento da disciplina enquanto ciência desde o século XIX, apesar das
investigações empreendidas afim de um questionamento da tradição teórica e metodológica
da história da arte, seus estudos anteriores refletiam sobre a produção visual européia pré-
1
Nesta mais particularmente, pois é a única versão (das três) traduzida para o português.
1
artística. No entanto, torna-se possível perceber que as pesquisas realizadas pelo
historiador em direção a produção de imagens anterior à nomeada “era da arte” tem uma
relação recíproca com o posterior questionamento da história da arte e com o despertar da
necessidade de uma “história das imagens”, que incorpore em seu discurso não somente a
produção estritamente “artística”, mas que amplie o horizonte com relação a esse
repertório. Daí justifica-se a relevância da sua obra e a escolha dela como tema desta
pesquisa, pensando que Belting é um (dentre outros) teórico cuja leitura de seus estudos são
fonte de pesquisa obrigatória para os profissionais deste campo científico hoje.
2
O segundo momento da pesquisa é o de análise da tese do fim da história da
arte, de modo a discuti-la criticamente a partir de seus pontos fundamentais. Deseja-se,
então, situar a tese na trajetória intelectual de Hans Belting, relacionando-as com outras
obras que auxiliem seu entendimento. Divide-se, assim, o Capítulo 2: O fim da história
da arte segundo Hans Belting: 1. As Versões do “fim”: objetiva-se traçar, em linhas
gerais, os percalços da tese ao longo do percurso dessas duas décadas, considerando os
créditos e débitos angariados no passar dos anos; 2. A tese do “fim” em três atos: a
tese, apesar de se tecer complexamente por vários caminhos, considera-se que pode ser
compreendida fundamentalmente a partir de três aspectos: a história da arte como um
enquadramento; a história da arte como produto moderno; a crise da história da arte
como ciência européia.
3
Capítulo 1. O princípio do “fim”
Nos anos que se seguem, as idéias são divulgadas em outros países. Além da
tradução para a língua inglesa e francesa (respectivamente em 1987 5 e 19896), em 1985,
Hans Belting publica um pequeno ensaio (uma versão resumida das idéias desenvolvidas
em O fim da história da arte?) na Revista da Arte7, importante periódico publicado sob o
2
BELTING, Hans. Das Ende der Kunstgeschichte? Munique: Deutscher Kunstverlag, 1983.
3
BELTING, Hans. Das Ende der Kunstgeschichte? Munique: Deutscher Kunstverlag, 1984. 2ª ed.
4
Não houve ainda oportunidade de comprovar tal afirmativa. Até o momento, infelizmente, não foi
encontrada a primeira publicação alemã, datada de 1983. Teve-se acesso ao longo desta pesquisa apenas à
tradução para a língua inglesa da 2ª edição, publicada pela Universidade de Chicago.
5
BELTING, Hans. The end of history of art? Chicago: The University of Chicago Press, 1987. Segundo
nota presente na ficha catalográfica: “A presente edição é revisada e traduzida a partir da segunda edição,
Deutscher Kunstverlag, 1984.”
6
BELTING, Hans. L'histoire de l'art est-elle finie? Histoire et archéologie d'un genre. Paris:
Gallimard, 1989.
7
Revue de l’art foi fundada no ano de 1968, pelo historiador francês André Chastel (1912-1990).
5
patrocínio do Comitê Francês de História da Arte. O ensaio, intitulado O fim de uma
tradição?8, é assim introduzido pelo editorial:
Belting narra que uma série de mal-entendidos foi provocada com relação ao
título (e continuam a provocar). Esclarece, ainda na primeira versão de O fim da história
da arte?, que o termo alemão Kunstgeschichte caracteriza-se por uma denotação ambígua.
Sendo assim, refere-se não apenas a história da arte enquanto narrativa dos fenômenos
artísticos, mas igualmente à pesquisa acadêmica, à história da arte como disciplina
científica. O título do trabalho que parece sugerir o anúncio da extinção da produção
artística ou da área de estudos, no entanto, não reclama nem uma coisa nem outra. E
prossegue:
O título pretendia motivar, em vez disso, duas possibilidades, ou seja, que a arte
contemporânea na verdade manifesta uma consciência de uma história da arte,
mas já não a leva adiante, e que a disciplina acadêmica da história da arte já não
dispõe de um modelo obrigatório de tratamento histórico. Tais problemas
comuns tanto a arte contemporânea e aos estudos de arte contemporânea serão
tema deste ensaio. (BELTING, 1987: p.3.)
8
BELTING, Hans. La fin d’une tradition? In: CHASTEL, André (ed.). Revue de l’Art, Ano 1985,
Volume 69, Número 1, pp.4-12.
6
tradução em língua italiana, publicado em 1990: O fim da história da arte, ou a
liberdade da arte9. Belting explica que a complementação do título visava esclarecer a
idéia de oposição a uma história da arte linear.
Mas é entre 1994 e 1995, pouco mais de uma década depois, que o primeiro
ensaio sofre uma reforma profunda. A começar pelo título: de O fim da história da arte?
se altera para O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois10. Salienta o
historiador, no prefácio da edição revisada, a notável diferença averiguada entre a primeira
e a segunda publicação: a supressão do sinal de interrogação.
Hans Belting esclarece que aquilo que se apresentara anteriormente como uma
indagação, confirmou-se com o passar dos anos e a aproximação da virada do século XX
para o XXI: o que outrora se manifestava como um terreno arenoso e selvagem a qualquer
tipo de asserção, dez anos depois se apresentava de forma mais confiante. Se antes Belting
afirmara que estava convencido de que somente afirmações provisórias ou fragmentadas,
incompletas seriam possíveis (BELTING, 1987: p.xii), uma década depois reitera: “não se
trata de algumas palavras de ordem convincentes, mas de juízos e observações que
precisam de espaço onde se desenvolver e que, além disso, são tão provisórias como, afinal,
é provisório tudo o que hoje vem à baila” (BELTING, 2006: p.9). Inclusive o próprio
ensaio por ele apresentado, o qual desde sua primeira publicação vem sendo estendido e
modificado. Sendo assim, no que tange a possibilidade de revisar as idéias formuladas e
9
BELTING, Hans. La fine della storia dell'arte o la libertà dell'arte. Turim: Einaudi, 1990
10
BELTING, Hans. Das Ende der Kunstgeschichte: eine Revision nach zehn Jahren. Munique: Beck,
1995.
7
publicadas, Hans Belting afirma que tal fato favoreceu maior lucidez a respeito do tema: o
distanciamento temporal criou condições que esclareceram aquilo que antes apenas se
tateava. Belting considera que este distanciamento temporal (da primeira formulação e do
anúncio da tese do fim da história da arte) clarificou as questões apresentadas
anteriormente, permitindo estabelecer um balanço dos débitos e créditos a partir da
compreensão da situação presente em total contraste com a chamada modernidade. Declara
ainda que a aproximação do fim do século oportunizou não apenas um novo exame da arte,
como também de todas as narrativas com que a representamos, a descrevemos, de forma a
empreender um exercício arqueológico não apenas da disciplina mas também da sua
própria tese, formulada nos anos iniciais que passou em Munique. Esse distanciamento
permitiu também fundamentar questões de maneira mais satisfatória: o próprio processo
histórico evidenciou tais questões, elucidando-as em seu conjunto, o que possibilitou uma
discussão melhor fundamentada sobre a tese.
11
BELTING, Hans. Art history after modernism. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.
8
representar) a história da arte que se estabeleceu enquanto tradição desde a inauguração da
jovem disciplina acadêmica na aurora da modernidade.
Um fato muito importante a ser salientado é que Hans Belting revisa e reelabora
a tese justamente quando se desliga da Universidade de Munique, para criar o programa de
doutoramento Ciência da Arte e Teoria das Mídias na recém-fundada Escola Superior de
Criação, em Karlsrushe, na qual se aposentará em 2002. Tal afastamento foi bastante
significativo na trajetória do historiador. Sua relevância, no entanto, será melhor
averiguada posteriormente, no decorrer do próximo tópico. Mas, antes, se reconstituirá
aqui o contexto, o enquadramento, o lugar do qual discursa Hans Belting.
Foi nos países de língua germânica que, pela primeira vez, foi reconhecida como
um Fach12 plenamente desenvolvido, que foi cultivada com particular intensidade
e exerceu influência visivelmente crescente sobre domínios adjacentes, inclusive
sobre a irmã mais velha e mais conservadora, a arqueologia clássica
(PANOFSKY, 1976: p.413).
12
Termo alemão, que pode ser entendido como campo de estudo, departamento.
9
Panofsky afirma ainda que “na época do Grande Êxodo, por volta de 1930, os
países de língua germânica ainda ocupavam a posição dominante em questões de História
da Arte”, condição esta que, segundo o historiador, se altera “a partir da Primeira Guerra
Mundial (cujo terminus post quem é obviamente da maior importância)” quando os Estados
Unidos começaram “a ameaçar a supremacia, não apenas dos países de língua germânica,
mas também de toda a Europa” (PANOFSKY, 1976: pp.413; 415).
Nenhum estudioso europeu – sobretudo os alemães e austríacos que, por mais que
se diga contra eles, temiam menos a literatura estrangeira que os italianos e
franceses – poderia permanecer indiferente ao fato de que os Estados Unidos
tinham surgido como uma força maior na História da Arte; e que, inversamente,
a História da Arte havia assumido uma fisionomia nova e distinta nos Estados
Unidos (PANOFSKY, 1976: p.417).
10
artística, cujas implicações alcançam o presente”. Entre a segunda metade do século XIX e
o início do século XX, a Universidade de Viena passou a desempenhar papel preponderante
na investigação científica da histórica da arte.
11
Embora nunca tenha sido exclusivamente uma ideologia de guerra, era mais
próximo da guerra do que da paz. Um conceito contestado fundamentalmente,
ele tem sido chamado como “um grande território de perguntas não respondidas e
de contradições não resolvidas” (DELANTY, 1995: p.101).
A história cultural alemã do século XIX, segundo Argan, tal qual a história
política, é profundamente atormentada pelo turbulento processo de unificação nacional,
alcançada em 1871, após a Guerra Franco-Prussiana ou Franco-Germânica (1870-1871).
Considera o historiador que, da mesma forma que as invasões napoleônicas contribuíram
para o surgimento do patriotismo alemão (enquanto reação), “o problema da unidade
nacional alemã é a busca de um princípio de coesão espiritual entre povos do mesmo tronco
étnico e lingüístico, porém politicamente divididos, com crenças religiosas, tradições
populares e hábitos sociais diversos” (ARGAN, 1992: 168).
12
O gosto pela precisão histórica se uniu nos historiadores da arte vienenses com o
empenho de entrar em contato direto com os originais, de modo que pode
considerar-se como principal contribuição dos representantes da escola de
Viena13 a associação renovada dos dois componentes da palavra História da Arte,
do especificamente artístico com o especificamente histórico. A isto se adiciona
uma estreita relação com a conservação dos monumentos e o desejo de ampliar os
horizontes para além das fronteiras da História da Arte. (KULTERMANN, 1996:
213)
13
Grifo nosso.
13
A segunda cátedra de história da arte foi criada em 1873, cujo fundador foi
Moritz Thausing (1835-1884). Importante salientar que Thausing teve como alunos e,
posteriormente, como assistentes: Franz Wickhoff (1853-1909) e Alois Riegl (1858-1905),
nomes fundamentais da (primeira) Escola de Viena. Referindo-se a Wickhoff e Riegl,
Lima afirma que “a experiência desses estudiosos da arte reunia uma trajetória prática em
museus e a especulação teórica advinda de sua atuação universitária” – herdeiros do legado
de Eitelberger. E prossegue:
Daí a força de suas idéias, que pretendiam comprovar a intrínseca relação entre
desenvolvimento histórico e formas artísticas. Disposto a afastar o perigo do
dogmatismo estilístico, que tanto prejudicava o reconhecimento do verdadeiro
valor das obras de arte do passado, Riegl investigava a evolução das formas
artísticas e defende seu caráter autônomo. Suas especulações afastavam a idéia
de decadência na arte, comprovando que as formas se transformam
constantemente, metamorfoseando-se, segundo o que Riegl define como
Kunstwollen. Motivações essencialmente artísticas provocariam, portanto, as
alterações da forma registradas ao longo do tempo, nas mais diversas localidades
(LIMA, in: DVOŘÁK, 2008: pp.11-12).
Revela-se na fala de Lima o que seria uma das maiores contribuições da Escola
de Viena para a constituição da história da arte enquanto ciência moderna: o interesse na
obra de arte como fato estético concreto ao potencializar o valor das formas como
linguagem. Arenas compreende este interesse formal da história da arte neste primeiro
momento de constituição e configuração da história da arte como uma “reação dialética
contra o determinismo positivista que intenta explicar a arte desde o meio ou desde as
condições materiais do mesmo objeto estético” (ARENAS, 1986: p.89).
14
de pesquisa, tornando mais abrangente o recorte de objetos de interesse científico, como
aponta Baumgarten:
Como aponta Arenas, Riegl acredita que a mudança das formas artísticas em
sua superfície supõe igualmente uma profunda mudança das idéias. O “querer artístico” é
14
Conforme verifica no dicionário Houaiss, a palavra volição denota a idéia de um ato em que a vontade (por
escolha e decisão) é determinante, o que se define pelo arbítrio. Faz referência ainda ao uso do termo na
psicologia: “capacidade, sobre a qual se baseia a conduta consciente, de se decidir por uma certa orientação
ou certo tipo de conduta em função de motivações; “um dos três tipos de função mental (as funções mentais
dividem-se em afeto, cognição e volição)”.
15
uma manifestação coletiva (o que “desaloja a vontade individual do artista criador” e o
“relega a simples intérprete e executor dessa vontade estilística coletiva”) relacionada
intrinsecamente a determinadas condições históricas e culturais, sendo assim, variáveis a
cada tempo e lugar.
A compreensão riegliana de que cada época tem sua própria estrutura, sua
própria visão de mundo significa igualmente a inexistência de uma época melhor que outra:
são apenas e absolutamente distintas. No entanto, a dificuldade está em justamente o
Kunstwollen de cada momento: “estas coletividades podem identificar-se com um grupo
étnico (nórdicos, germanos, italianos)” (ARENAS, 1986: p93). Este será um ponto ao qual
Warburg e seus herdeiros se oporão veementemente.
16
defensora de certo cânone científico para a história da arte, a partir do momento que seus
membros possuíam visões particulares (e, por vezes, divergentes). A história da Escola de
Viena é marcada por uma série de desavenças teórico-metodológicas e que, por vezes,
reverberavam em insultos pessoais.
Ao se referir à Escola de Viena, Belting afirma que esta, desde que assume ao
fim do século XIX a direção da disciplina, “colocava tudo aquilo com que se ocupava
15
Termo alemão, que pode ser entendido como “preservação de monumentos”.
17
(desde a “indústria da arte romana tardia” até a modernidade) sob o axioma de que uma
história da arte única é testemunha da existência de uma arte universal”. Acrescenta que tal
universalismo tem relação com a pretensão de hegemonia da monarquia real e imperial
austríaca, “que no Leste se estendia afinal para além das fronteiras culturais” (Belting,
2006: p.183).
16
Tradução livre realizada pela professora Claudia Valladão de Mattos de informações disponíveis em
http://www.hfg-karlsruhe.de/hochschule. Acessado em 16 de novembro de 2009.
18
ensino, pesquisa e exposição17.
No entanto, foi em Munique que Belting começou a escrever o que viria a ser a
tese O fim da história da arte?, devido a insatisfação que o contagiava em virtude de uma
apresentação demasiadamente cerimonial da história da arte. Um contexto no qual,
segundo o historiador, somente os velhos heróis eram reconhecidos como sagrados e as
novas idéias mal recebidas. Pretendia, assim, criticar o seu próprio domínio de atuação,
questionando as práticas que envolviam a disciplina. A tentativa do historiador era de
“virar de cabeça para baixo” todo o domínio da história da arte, questionando a ordem
instituída canonicamente. Sua intenção era a de colocar em discussão que em qualquer
contexto considerado acadêmico tem de haver progressos. Belting observa, com muita
clareza, que se há progresso, mudanças, há também algo que chega ao fim, algo que tem
que “acabar”. Caso contrário, nada de novo é possível.
17
Maiores informações a respeito da Escola Superior de Criação e do Centro de Arte e Mídia Tecnológica se
encontram disponíveis nos sites oficiais de ambos, sendo respectivamente: http://www.hfg-karlsruhe.de/ e
http://www.zkm.de/ . Acessados em 15 de outubro de 2009.
19
Panofsky, cujas obras surgiram em polêmica direta com Wölfflin e Riegl,
prolonga em suas investigações o legado de Aby Warburg. Ao contrário de uma
historiografia com viés formal, Panofsky acreditava que a análise formal da obra deve
acontecer conjuntamente a um conhecimento do conteúdo, fator que contribui de forma
decisiva para a compreensão da obra. Essencialmente, Panofsky se volta para os valores de
significação do artístico, os valores simbólicos, através do método iconológico.
Kultermann, no entanto, observa que
Panofsky seguiu sendo consciente de que, assim como a análise formal foi uma
ferramenta de trabalho necessária em uma determinada fase da historiografia da
arte, também a Iconologia era somente um método, uma ferramenta que
necessitava um complemento, mas que foi necessária para iluminar âmbitos, ante
os quais se havia passado distante durante bastante tempo (KULTERMANN,
1996: pp.298-301).
20
Segundo Belting, entre os problemas metodológicos específicos da obra de
Wölfflin destaca-se a redução de tipos ideais da arte a normas atemporais da percepção
humana. “Os famosos ‘conceitos fundamentais’ de Wölfflin constituem um catálogo de
‘leis universalmente válidas’ que parecem nascidas com a arte e pretensamente refletem
constantes da visão da forma, no sentido fisiológico (e mesmo psicológico)” (BELTING,
2006: p.209). O problema é atribuir a essas poucas “categorias de visão” uma validade
universal: para Belting, o olhar sobre a arte está intimamente relacionado às convenções de
visão particulares a determinados contextos e, assim, não pode ser reduzido somente a uma
capacidade fisiológica da visão.
Estilo deve ser entendido, segundo o historiador, como um atributo da arte para
o qual se queria demonstrar uma história ou um desenvolvimento em conformidade com a
lei. Neste sentido, a idéia de estilo funda uma perspectiva história a partir da qual o
fenômeno artístico seria interpretado a partir de seus aspectos formais, isolando o conteúdo
21
artístico do resto do mundo. A obra fundadora desta jovem ciência da arte que se volta para
a forma pura é Questões de estilo (1893), de Alois Riegl (1858-1905). A partir da idéia do
querer artístico, volição da arte, a dinâmica histórica se configura a partir de uma
perspectiva de explicação estilística. A arte passa então a ser concebida como portadora de
uma “história interna”, a “história do estilo”, que se dá desde sempre, como se as formas
estivessem em uma contínua evolução. A noção de estilo estabelece uma norma, um ideal
de arte, sendo a obra de arte individual uma etapa do caminho, com a qual uma norma da
arte era cumprida.
22
Há de se ter em vista, no entanto, que o discurso historiográfico formalista ou
estilístico moderno, apesar distanciar-se em sua prática da produção moderna de arte, dos
movimentos artísticos modernos, igualmente com eles se afinava. É inegável que ambas,
história e arte, tenham em comum a reivindicação da autonomia do campo, de forma a
explicar história e arte a partir de linhas internas.
23
Bem-vindos, pois, os alegres incendiários com seus dedos carbonizados! Ei-los!
Ei-los!... Aqui! Ponham fogo nas estantes das bibliotecas!... Desviem o curso
dos canais para inundar os museus!... Oh, a alegria de ver flutuar à deriva
rasgadas e descoradas sobre as águas, as velhas telas gloriosas!... Empunhem as
picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas
(MARINETTI, in: CHIPP, 1996: pp.291-292).
24
inutilidade de qualquer reconstrução empirista do processo artístico”. Wood completa
ainda que Sedlmayr e Pächt argumentavam que a leitura correta de uma única obra de arte
poderia revelar “a estrutura profunda do mundo que a produziu” (WOOD, 2000: p.9).
Verifica-se, então, o legado riegliano aí manifestado.
25
A noção de que o novo não precisava de uma fundamentação histórica,
distanciando-se da tradição, configurava-se como o grande temor da história da arte pelo
novo. A disciplina recém-nascida não poderia igualmente avaliar, diante da modernidade
artística, se a história da arte poderia e deveria continuar a ser escrita:
Vozes conservadoras, como Henry Thode e Hans Sedlmayr (grifo nosso), que
lamentavam nas universidades alemãs o abandono da herança histórica,
utilizavam a tradição decorrida como um espelho no qual a arte moderna podia
oferecer apenas uma imagem distorcida (BELTING, 2006: p.250).
26
arrogância interpretativa, e a desatenção ao fato histórico por parte de Sedlmayr
(WOOD, 2000: p.13).
(...) em qualquer momento do “nosso tempo” surgiu na arte, e graças a ele, algo
“complemente novo”, algo que diferencia esta “arte moderna”, e apenas a ela, de
toda a “arte antiga”. Esta novidade, mais sentida na sua essência que realmente
conhecida, tem sido apaixonadamente exaltada e da mesma forma combatida, tem
sido compreendida e mal compreendida, não sendo precisamente os partidários da
arte moderna os que melhor a compreendem (SEDLMAYR, 1960: p.9).
27
No prólogo de A Revolução da Arte Moderna (1955), Sedlmayr afirma que
sua obra anterior, A perda do centro, “tratou daquilo que a arte de estes últimos séculos
torna evidente acerca do destino do espírito humano nesta época e, apenas de passagem,
daquilo que é”. Sendo assim, em contrapartida, A Revolução da Arte Moderna “trata do
que esta arte – cujos extremos se colocam entre 1905 e 1925 – é no fundo, o que com ela
aconteceu e, igualmente só de passagem, como surgiu”. Sedlmayr inclui que apenas será
possível a tentativa de escrever uma história da arte moderna quando forem respondidas
estas questões. Para finalizar, o historiador afirma, sobre as poucas ilustrações presentes no
livro que estas “não mostram obras-primas da arte moderna, mas sim obras em que se pode
afirmar que aparecem ampliadas as suas tendências típicas” (SEDLMAYR, 1960: p.7). O
interessante, contudo, é perceber o que Sedlmayr não considera uma “obra prima” da arte
moderna. Na lista estão: Marcel Duchamp (1887-1968), Hans Arp (1886-1966), Claude-
Nicolas Ledoux (1736-1806), Constantin Brancusi (1876-1957), Wassily Kandinsky (1866-
1944), Paul Klee (1879-1940), Max Bill (1908-1994), Robert Delaunay (1885-1941), Piet
Mondrian (1872-1944), Ivan Léonidov (1902-1959), Antoine Pevsner (1886-1962), Ludwig
Mies van der Rohe (1886-1969), Alexander Archipenko (1887-1964), Salvador Dalí (1904-
1989) e Alexander Calder (1898-1976).
Sr. Sedlmayr, com os olhos fixos na idade hierática de arte, afirma que devido à
falta de uma concepção moderna do divino, o único centro em torno do qual a
grande arte pode cristalizar, arte moderna é sinal e símbolo de um processo de
decomposição, do caos e das tendências anti-humano (HODIN, 1958: pp.373-
374).
28
Acrescenta ainda referências à polêmica biografia de Sedlmayr: a sua forte
simpatia pelo partido nazista e sua atividade docente praticada muito antes de Hitler invadir
a Áustria. A notória inimizade para com tudo que fosse moderno é verificada por Hodin
como uma re-formulação das idéias de degeneração de Alfred Rosenberg (1893-1946)18
articulada à “politicamente agressivo e estilisticamente regressivo ideal acadêmico de uma
noção de beleza germânica pura (Das rassische Schönheitsideal)” (HODIN, 1958: p.374).
No entanto, esta classificação de algumas manifestações artísticas enquanto degeneradas é
anterior à fundação do Partido Nacional-Socialista, remontando a movimentos culturais
racistas na Alemanha do fim do século XIX. Em oposição à noção de sadio, o termo
“degenerado” fora cunhado para designar uma condição anormal (anormalidade enquanto
uma deterioração). Em 1892, uma analogia entre a degeneração patológica e a decadência
já havia sido proposta por Max Nordau (1849-1923)19.
18
Alfred Rosenberg, político e escritor alemão, o mais importante ideólogo do nacional-socialismo,
sintetizado na obra O Mito do Século XX (1930). Rosenberg considerava negros, judeus e outros povos
semíticos, como o nível mais baixo da escala, na qual no topo estava a raça branca ou ariana. Rosenberg
considerava os povos nórdicos como a raça superior a toda as outras, incluindo outros arianos. Esta raça
superior incluía os escandinavos (inclusive finlandeses), alemães, neerlandeses (holandeses) (incluindo o
povo flamengo da Bélgica) e os ingleses. Os alemães, no entanto, foram proclamados como sendo a raça
superior da raça superior. O Tribunal de Nuremberg (ou Nuremberga) o condenou à morte por enforcamento,
pelos crimes de guerra, sendo executada a sentença em 16 de Outubro de 1946.
19
Max Nordau, médico judeu húngaro, ativista sionista. Co-fundador, juntamente com Theodor Herzl (1860-
1904), jornalista judeu, da Organização Sionista Mundial, que visava criar uma pátria judaica na Palestina.
Os ataques de Nordau contra a sociedade, a política e a arte européia o fizeram controverso, em especial a
obra Degeneração (1892).
29
acusam a liberdade e a subjetividade estéticas moderna de desequilíbrio e de alienação,
iniciando um processo de massificação dessa idéia. Estas teses consolidam a posição da
pintura de gênero realista alemã do século XIX como a expressão mais nobre da raça
ariana.
A “degeneração cultural” associada à arte moderna era vista como uma ameaça –
e desta forma, com as suas perspectivas limitadas, a arte de vanguarda para os
nazistas era um presságio do destino; o caos que estas obras mostravam era de
uma evidente depravação espiritual e intelectual.
Para Hitler, a arte era um reflexo da saúde racial – logo as obras mais exaltadas
pelo regime foram aquelas da Antiguidade e do Renascimento, as que possuíam
valores adequados à cultura germânica. Desta forma, a ofensiva contra a arte
moderna possuía um caráter higiênico, pois tais obras mostravam sinais da
evidente doença mental de seus criadores. Em algumas exposições, fotos das
pinturas tidas como “degeneradas” eram postas ao lado de fotos de casos de
deformidade humanas retirados de revistas médicas. (BORTULUCCE, 2008:
p.66)
30
das obras, mas também com a forma como seriam apresentadas ao público. Dispostos
desorganizadamente, quadros foram pendurados tortos, pinturas de doentes mentais de
clínicas alemãs foram colocadas ao lado das obras de artistas consagrados, comentários
políticos moralizantes e slogans pejorativos eram apresentados em letras garrafais ao lado
das obras. Além disso, novos títulos foram atribuídos aos trabalhos, por outros mais
“apropriados” e que mostrassem o verdadeiro significado das obras.
Entre outras investidas contra tudo o que atendesse pelo termo “moderno”:
artistas foram obrigados a se afastar do circuito, bem como intelectuais judeus e opositores
foram afastados de seus cargos públicos. A Bauhaus (por exemplo), importante centro de
ensino fundamental para a propagação do modernismo nas artes visuais e na arquitetura, foi
fechada.
31
pelo historiador em A Perda do Centro e em A Revolução da Arte Moderna em diversos
momentos possui uma semelhança muito grande com os próprios discursos políticos da
época, como elucida Belting.
a enchente de lodo e lixo que o ano de 1918 projetou sobre as nossas vidas não
foi produto da guerra perdida – apenas foi liberada por aquela calamidade para
que chegasse à superfície. Devido à derrota, um corpo já totalmente enfermo
sofreu o impacto total de sua decomposição interna. Agora, depois do colapso
dos padrões sociais, econômicos e culturais que só na aparência continuaram a
funcionar, a sordidez que nelas já existia há muito tempo triunfou, e na verdade
isso ocorreu em todas as camadas de nossa vida (HITLER, in: CHIPP, 1996:
p.482).
20
O termo “autoridades marrons”, de acordo com nota do tradutor da edição brasileira, refere-se à Gestapo:
acrônimo em alemão de Geheime Staatspolizei [Polícia Secreta do Estado] criada com o intuito de abafar os
movimentos sociais e partidos clandestinos que pudessem se formar na Alemanha.
32
nacional-socialista, porém, aspira novamente a uma “arte alemã”, e essa arte terá
um valor eterno, como todos os valores realmente criativos de um povo. Mas, se
essa arte voltar a carecer desse valor eterno para o nosso povo, então realmente
isso significará que também ela não tem hoje um valor superior (HITLER, in:
CHIPP, 1996: p.483).
Hitler acredita em uma arte alemã verdadeira e duradoura, pois para ele a arte
fundamentava-se no povo e não no tempo: “O tempo passa, os anos vêm e vão. Tudo o
que nasce e viceja apenas em relação a uma certa época perece com ela” (HITLER, in:
CHIPP, 1996: p.483). É interessante perceber como a história da arte estava arraigada por
este contexto não apenas por uma simples questão de condição histórica, mas como forma
de legitimar a própria história da arte diante da produção artística moderna. Negar a
modernidade artística para o regime nazista fazia parte de um projeto político, tal como
para a história da arte.
33
1.3. MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE: O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE E A CRISE DAS
CIÊNCIAS HUMANAS
A crise das ciências humanas, tal como o “fim da história da arte” argumentado
por Hans Belting, não se refere à extinção da grande área científica e das disciplinas que a
compõe, mas sim a crise de seus paradigmas. Na crise das ciências humanas se inscrevem
o questionamento do progresso, da ciência e da razão, assinalados pela falência das utopias
baseadas na crença no potencial emancipador do progresso tecnológico. Diagnostica-se
uma significativa mudança estrutural: o desencanto e a desconfiança na razão (instituidora
de barbáries em nome do progresso) e, por conseqüência, a quebra de uma linha ascendente
e progressista em direção ao futuro (logo, a crise de uma visão teleológica da história) são
alguns aspectos da falência dos paradigmas da modernidade.
34
para-destruir de uma sociedade que se autodefine “de consumo” (ARGAN, 1992:
p.508).
Para ele, a era pós-moderna tem seu início em torno de 1875 e pode ser descrita
como um “tempo de guerras”: à Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) seguiram-
se a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, tumultos e revoluções sociais. O
período pós-moderno podia ser caracterizado como um “tempo de confusão”,
marcado pelo colapso do racionalismo e do éthos do Iluminismo (ESPERANDIO,
2007: p.34).
21
Edmund Husserl, filósofo alemão de origem judaica, fundador da Fenomenologia.
35
Acrescenta ainda que “após duas guerras mundiais e confrontado com a
possibilidade de uma terceira guerra – nuclear –, Toynbee dá-se conta de que a categoria
‘civilização’, utilizada por ele para descrever o desenvolvimento humano, perde o sentido”
(ESPERANDIO, 2007: p.34). Heartney acrescenta ainda que, ao usar a expressão “pós-
moderno”, referia-se a “um novo ciclo histórico (...) e assinalou o fim do domínio ocidental
e o declínio do individualismo, do capitalismo e do cristianismo”, conceituando assim
muitas das características com as quais descrevemos e percebemos o pós-modernismo hoje
(HEARTNEY, 2002: p.11).
Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte
Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica
da cultura ocidental. E amadurece hoje22, alastrando-se na moda, no cinema, na
música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência+tecnologia
invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores),
sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural (SANTOS,
1986: pp.7-8)
22
Há de se ter em vista que o hoje, o contexto a partir do qual Santos fala se situa na década de 1980.
36
ou mesmo como uma continuação e conclusão de várias tendências negligenciadas no
modernismo” (HEARTNEY, 2002: p.6).
23
Segundo o dicionário Aurélio, epílogo pode ser definido como: 1) conclusão de uma obra literária em que
se recapitula e resume a ação; fecho, final; 2) numa narrativa, numa peça teatral, etc., capítulo ou cena final
que expõe os fatos posteriores à ação com o fim de completar-lhe o sentido (opondo-se ao prólogo); 3) a
parte final de um acontecimento; desfecho, conclusão, remate, fecho; 4) fala final freqüentemente destinada
a explanar as intenções do autor e/ou o resultado final da ação dramática.
24
Tendo em vista a definição anterior, então, prólogo pode ser compreendido como: 1) prefácio; 2) a
primeira parte, dialogada, da tragédia, no antigo teatro grego; 3) cena introdutória, onde, em geral, se
fornecem dados prévios elucidativos do enredo da peça; 4) Nas peças de artilharia, corda que liga o reparo
ao armão para fazer fogo.
37
Capítulo 2. O fim da história da arte segundo Hans Belting
Desde que elaborou o primeiro ensaio sobre o fim da história da arte, Hans
Belting não parou de reescrevê-lo. As revisões apontam acima de tudo para o
amadurecimento de suas idéias e proposições: a elaboração gradual da tese do fim da
história da arte deve ser compreendida como o florescer de um conjunto imbricado de
camadas conceituais, no qual só é possível que a próxima camada se revele na medida em
que a anterior já se deu a conhecer. Esta maturação no percurso intelectual do historiador
torna-se evidente não apenas em O fim da história da arte, mas igualmente se aclara em
outras obras que dialogam com esta (direta ou indiretamente): Imagem e Culto: uma
história da imagem antes da era da arte (1991) e Antropologia da imagem: esboços
para uma ciência da imagem (2001). Neste sentido, para que se compreenda o
pensamento beltingano é necessário refaça sua trajetória conceitual, a fim de que,
compreendendo o ponto de onde principia seu percurso, seja possível compreender não
apenas aonde ele chegou, mas também todos os percalços da trajetória. Lança-se, então,
neste momento um olhar meticuloso sobre as várias versões do fim.
39
em cena muito mais tarde, podem ou não aceitar um modelo de história do qual são
herdeiros e esquivar-se ou assumir a tarefa de estabelecer um novo modelo. Segundo
Belting, baseada em princípios e pressupostos que não são compartilhados pelos artistas, a
história da arte como vinha sendo praticada cientificamente pelos historiadores seria
incapaz de lidar com a arte contemporânea.
Para Belting, no entanto, o confuso estado atual não é necessariamente algo que
artistas e historiadores devam lamentar-se, mas pode igualmente fomentar a busca de novos
objetivos e novas perguntas. Para isso, segundo Belting, é necessário que se compreenda o
empreendimento que deu origem àquelas antigas concepções de história e de arte.
40
por Belting como figura histórica fundamental para que se compreenda a essência do
modelo historiográfico que vigorou até poucas décadas (quiçá, ainda hoje).
41
Belting refere-se a Winckelmann como o herdeiro mais importante da tradição
historiográfica vasariana. E ressalta: inclusive ele não escrevia sobre a arte do seu próprio
tempo, tendo voltado-se para a Antiguidade Clássica, o que lhe evitou uma série de
problemas. Ao contrário: “concentrando-se no ciclo do nascimento, desenvolvimento,
maturidade e decadência da arte na antiguidade, ele não desenvolveu uma teoria para a arte
de seu tempo, a qual lhe interessava menos do que a arte grega e romana” (CARRIER,
1988: p.188).
42
afirma o historiador: para a então presente situação da história da arte não haveria
respostas fáceis, estando convencido de que somente asserções provisórias ou mesmo
fragmentárias seriam possíveis (BELTING, 1987: p.xii). A tentativa do historiador era de
esboçar um quadro de possíveis temas para discussão, intentando não cair em nenhum tipo
de pessimismo cultural apocalíptico. Considera que a dificuldade de mover-se em tal
terreno sem expor-se a um número sem fim de equívocos “exige cautela ao invés de
agendas heróicas” (BELTING, 1987: p.56).
43
modernidade, delimitando o contexto em discussão, incluindo aspectos que antes não
recebiam uma atenção específica e preponderante como a mídia e os museus. A segunda,
O fim da história da arte? versa especificamente sobre questões historiográficas.
Ao longo dos anos, em cada uma das revisões, torna-se mais clara na obra de
Belting a sua compreensão da arte e da história como construções históricas e culturais.
Assim, do ponto de vista beltingano, a história da arte particularmente não é uma simples
narração dos fenômenos artísticos destituída de um caráter político.
44
“política” exercícios e relações de poder que se manifestam não tão somente no âmbito
administrativo estatal, mas igualmente em outras instâncias sociais (como no pensamento
científico, nesse caso em particular).
(...) não pode ser inventado à vontade, uma vez que a história da arte, a qual se
pode chamar de um artefato peculiar de pensamento, tem desenvolvido ao longo
de um longo período de tempo e dentro das tradições próprias. Pode ser
suficiente declarar esta constelação inoportuna e assim confrontar a história da
arte com o tempo presente, o que significa uma nova situação no mundo
(BELTING, 2003: p.192).
25
Marco Pólo (1254-1324) foi um explorador veneziano e um dos primeiros ocidentais a percorrer a Rota da
Seda. O relato detalhado das suas viagens pelo oriente, incluindo à China, foi durante muito tempo uma das
poucas fontes de informação sobre a Ásia no ocidente.
45
(...) ele queria impressionar seus leitores para os quais descrevia um mundo que
eles não sabiam ou podiam imaginar. Mas o exotismo que já era popular na Idade
Média foi apenas o outro lado da mesma moeda. O exótico, como o
completamente outro [diferente], tornou possível que, visto de Veneza, tudo
parecia diferente (BELTING, 2003: p.193).
46
conhecimento e da interpretação (BELTING, 2006: 173). No entanto, o historiador afirma
que não pretende sugerir que os historiadores de arte abandonem a obra de arte como seu
principal objeto de investigação. Muito menos que devam abrir mão desta mesma
investigação valendo-se unicamente dos métodos e dos resultados obtidos da história social
ou de outras disciplinas. Anos mais tarde, Belting afirmará que a tese do fim da história da
arte publicada na década de 1980
afirmava então que o modelo de uma história da arte com lógica interna, que se
descrevia a partir do estilo de época e de suas transformações, não funciona mais:
quanto mais se desintegrava a unidade interna de uma história da arte
autonomamente compreendida, tanto mais se dissolvia em todo o campo da
cultura e da sociedade em que pudesse ser incluída (BELTING, 2006: pp.23-24).
47
para sempre”26 (BELTING, 2006: p.247). Sendo assim, o historiador adverte para a
necessidade de se questionar, indagar ao fenômeno nomeado como artístico “como se
realiza e qual o papel que desempenha na cultura”. E assegura de antemão: seguramente
desempenhem funções muito distintas daquelas as quais são projetadas nesses fenômenos
hoje.
A arte moderna, que teve uma história mais longa na Europa do que em qualquer
outro lugar, sempre foi mais do que uma prática artística; é também um modelo
que permitiu a história da arte estabelecer uma progressão ordenada, linear. “A
26
Grifo nosso.
48
história da arte depois do modernismo” não significa apenas que a arte apresenta-
se diferente hoje, mas também significa que o nosso discurso sobre a arte tem
tomado um rumo diferente, se é seguro dizer que tomou uma direção clara
absolutamente. Já descobrimos que a arte moderna esteve muito mais enraizada
numa tradição artística, a qual o advento do modernismo negava. Querendo ou
não, somos também confrontados com a dissolução da importância universal da
arte ocidental e sua historiografia. Começamos recentemente a admitir as
mudanças que afetam até mesmo o cânone da história da arte, que agora ressurge
como uma preocupação local Ocidental, apesar de sua pretensão universal. Isso
não significa que o debate tradicional da história da arte está à beira do colapso,
mas convida-nos a reabrir a discussão para comunicar com os outros das
tradições não-ocidentais (BELTING, 2003: p.VII).
49
narrativa com a qual o descrevemos, a partir da perda do sentido histórico para o qual as
coisas se encaminham progressivamente (BELTING, 2006: p.171).
50
assim afirma o historiador: “A arte se ajustou ao enquadramento da história da arte tanto
quanto esta se adequou a ela” (BELTING, 2006: p.8). No entanto, Belting percebe uma
alteração na imagem enquadrada pela história da arte, ou seja, uma alteração do objeto
científico – o enquadrado. A alteração da imagem ocasionaria uma relação de desajuste
entre ela (enquadrado) e o enquadramento: ou seja, um desenquadramento. Esta alteração
do enquadrado, segundo o historiador, obrigaria mudanças essenciais igualmente ao
enquadramento.
51
a simples idéia de “fim”, Belting sugere a idéia de perda do enquadramento, o que evoca
um outro enquadramento. Afirma o historiador que “o discurso do “fim” não significa que
“tudo acabou”, mas exorta a uma mudança no discurso, já que o objeto mudou e não se
ajusta mais aos seus antigos enquadramentos” (BELTING, 2006: p.8).
52
historiográfica de forma articulada a um lugar de produção social, econômica, política e
cultural. Logo:
53
As ciências sempre procuram oferecer ao espírito do tempo as fórmulas
adequadas nas quais ele deve se reencontrar e tomar consciência de si. Todavia,
se formos honestos, o célebre discurso acadêmico satisfaz apenas a si mesmo. Ou
será que esse discurso não quer convencer insistentemente o mundo não-
acadêmico que este depende dele, embora a realidade pareça diferente?
(BELTING, 2006: p.10)
Aquilo que a disciplina história da arte, com grande esforço, tinha canonizado - a
ordem ideal, onde tudo obedece às regras da história da arte – a arte
contemporânea tende a descanonizar. Este sistema de hierarquia e classificação
histórica está sendo invadida por artistas, que agora apropriam-se do passado,
sem se preocupar em justificar a sua reinterpretação sem o discurso ordenado de
história da arte (BELTING, 1987: p.61).
54
intrínseco à construção de ambas se modificou de uma forma que se torna impossível
pensá-las como “antes”. A afirmativa, na realidade, se refere ao fim de uma determinada
narrativa histórica da arte: o anúncio do fim alude , mais precisamente, a uma determinada
forma de narrativa, a um determinado método (ou métodos), e não exatamente ao tema da
narrativa.
Embora a idéia da arte ainda constituísse o teto sob o qual ambas se sentiam em
casa, ela não proporcionava mais a imagem de um todo. Desse modo, ambos os
modelos se contradiziam quando ocupavam um lugar comum, na medida em que
continham como contradição a continuidade da história e a ruptura com a história.
O ideal da primeira modalidade de história da arte estava no passado e o da
segunda no futuro. (BELTING, 2006, p.172).
55
impressão de que seria preciso lançar-se a um balanço pós-histórico com tudo o que
estivesse às mãos” (BELTING, 2006: pp.176).
Hans Belting afirma que “de maneira obstinada e quase paradoxal, projeto da
antiga história da arte está associado ao projeto de modernidade”. História e estilo, par
conceitual no qual se dá a conhecer “a verdadeira fisionomia” da história da arte enquanto
fruto da modernidade, é hoje repreendida por seu caráter unilateral, tirânico, incontestável.
56
conceito moderno, há também uma prática moderna que é exercida em ambos os lugares.
A presença dos fenômenos em ambas as instituições é marcada pela noção de privilégio
(seleção e eleição) e de ausência (rejeição), dividindo o mundo em duas esferas: o que é e
o que não é artístico, o que faz e o que não faz parte da narrativa do artístico. A arte não
está na vida: está no museu, na sala de exposições, nos institutos de pesquisa científica, no
livro e em tantos outros lugares extraordinários. A era da história da arte e a era dos
museus se fincam na modernidade, servindo-se, no entanto, de fenômenos artísticos que
surgiram, inclusive, antes e sem qualquer relação com estas instituições.
57
qual se descrevia a partir do estilo de época e de suas transformações. A autonomia da arte,
comprovada na obra de arte, se configurava no credo da pesquisa cientifica.
27
Dicionário Houaiss eletrônico
58
seus conhecimentos ou por uma tendência natural, exerce papel de precursor ou pioneiro
em determinado movimento cultural, artístico, científico, etc.”28
Segundo Belting, “uma vanguarda testa os caminhos por onde a batalha deve
ser travada e a vitória conquistada” (BELTING, 2006: pp.195-196). Aqueles que se
apropriaram do termo (pertencentes ao âmbito artístico ou não) tinham em comum o fato de
compreenderem o movimento de vanguarda como um testador de caminhos que pertencem
não à ordem do presente, mas que dizem respeito ao futuro. Vanguarda é o que se adianta:
ela vai a frente a fim de que seja seguida pelos demais. Há assim um anacronismo
constante e intrínseco à vanguarda que, paradoxalmente, é indissociável do seu presente:
ao mesmo tempo que ruma ao futuro, sempre o faz a partir de um posto temporal particular,
preciso. No entanto, conforme demonstra Belting, mesmo que tenha se contraposto às
antigas elites de poder e da cultura, a vanguarda igualmente constitui uma outra forma de
elite: uma elite de revolucionários, sonhadora e desconhecedora da realidade.
28
Dicionário Aurélio eletrônico.
59
praticavam não sabiam exatamente o que fazer com ela. No entanto, assim afirma Belting:
“para o observador que sabe o que procura, a curiosidade sobre as conseqüências é a atitude
óbvia” (BELTING, 1987: p.56).
60
Assim, a história da arte moderna começa a ser escrita pelos historiadores nos
anos 1950, quando há então um movimento de historicização da vanguarda, o que, segundo
Belting, causou um problema curioso. A historicização da vanguarda não significa que se
escrevia a história da vanguarda, mas se tratava de vanguarda como história: aquela
história que durante longo tempo a vanguarda outrora fizera campanha contra.
61
tradição sem dar lugar a contradições singulares, mitos, disparates – criativos, mesmo
amiúde” (ROSENBERG, 1974: p.XV).
62
enquadrada, possuidora de uma história cultural comum e coerente com a do discurso. A
história da arte afirma-se como local de representação de uma identidade cultural. Seu
enquadramento encerra em si determinadas condicionantes históricas, que dialogam com
uma determinada eleita a ser enquadrada. A idéia de uma arte e de uma história da arte
universais cria então um verdadeiro paradoxo. A partir disso, há de se questionar: como a
história da arte, bem como a idéia de arte, podem ser universais na medida que são
construções culturais, ou seja, funcionam no interior de um contexto, recorte,
enquadramento histórico e cultural muito delimitado?
Belting trata da reivindicação por parte das minorias que não se sentem
representadas neste discurso. E a questão é: pode a história da arte passar incólume por tal
alargamento de fronteiras? Tal reivindicação implica mudanças no que tange o
enquadrado. E quanto ao enquadramento? O historiador então afirma que apesar de todas
as identidades nacionais, a hegemonia européia na história da arte permanecia incontestada.
“Mas, essa bela imagem provoca hoje o protesto de todos aqueles que não se consideram
mais representados por ela” (BELTING, 2006: p.96). E o primeiro protesto partiu dos
Estados Unidos.
63
Conforme já afirmado anteriormente, a Europa é lugar de uma história
particular. Logo, a história da arte também faz parte desse contexto particular. A história
da arte, enquanto uma construção cultural européia, está arraigada da cultura literária e
científica européias. Seus métodos científicos não são capazes de lidar com qualquer
material, objeto ou fenômeno, os quais sua invenção não foi igualmente correlata, dedicada
à história da arte. “A assim chamada história da arte é, portanto, uma invenção de
utilização restrita e para uma idéia restrita de arte” (BELTING, 2006: p.101). Mesmo a
idéia de uma arte universal e, por conseqüência, de uma história da arte universal são idéias
essencialmente européias. Com a reclamação de minorias pelo seu lugar, pela sua
representação na história da arte, questões se salientam: o que fazer com os lugares em que
falta semelhante tradição? Para suprir esta falta, é possível simplesmente inventar uma
história da arte de estilo europeu? E, mesmo se fosse possível: os produtos seriam
semelhantes?
Tal qual a história da arte, a própria arte é uma construção cultural datada,
determinada, restrita, compreensão que se choca com a idéia de uma “arte universal”, a
64
qual implica a produção de arte em todas as partes do globo, em todas as épocas, com a
mesma intenção de ser arte. E Belting exemplifica:
numa cultura tribal – sim, ouso dizê-lo – não existe arte, mas não porque ali as
imagens não tenham forma artística. Elas apenas não surgiram com a intenção de
ser arte, mas serviram à religião ou a rituais sociais, o que talvez é mais
significativo do que fazer arte em nosso sentido (BELTING, 2006: p.101).
Belting leva a questão da história da arte como produto cultural europeu com
função delimitada ainda mais a fundo quando fala de uma era da arte em sua obra Imagem
e Culto: uma história da imagem antes da era da arte 29. A noção de era pressupõe um
ponto fundante e outro de declínio, um ponto de origem e outro de descontinuidade. Um
recorte no tempo, em um determinado contexto, que principia com um fato marcante ou
que dá origem a uma nova ordem de coisas. Segundo Belting, por exemplo, o “fim da
história da arte” revela a percepção da falência de um conceito único e fixo de
acontecimento artístico, fundado na modernidade. É assim caracteristicamente um projeto
moderno. Mas, e a era da arte, do fenômeno artístico: surge em que momento? A noção
de uma era da arte pressupõe um recorte contextual no qual um determinado número de
fenômenos manifesta determinadas características próprias e que podem chegar ao fim com
o fim da era.
29
BELTING, Hans. Bild und Kult: eine Geschichte des Bildes vor dem Zeitalter der Kunst. Munique:
Beck, 1991.
65
maior da cultura” (BELTING, 2006: 172). Sendo assim, Belting já não deseja criticar a
história da arte como disciplina, mas discutir como a história da arte tem sido alterada por
mudanças no mundo de hoje, num movimento externo à disciplina. Inclusive porque
culturas não-ocidentais são hoje proeminentes.
30
BELTING, Hans. Bild-Anthropologie: Entwürfe für eine Bildwissenschaft. Munique: Fink, 2001.
66
elucidando as vias metodológicas através do qual irá adentrar nos campos de significação
dessas imagens, acrescentará mais adiante: “Por que imagens? A questão não pode ser
separada de uma outra pergunta: Quem utiliza as mesmas, e de que forma?” (BELTING,
1994: p.42)
Desta forma, considerando-a como uma força ativa, como uma personagem no
processo histórico investigado, entende a imagem não só como representação de uma
pessoa, mas considerando-a enquanto uma pessoa, na medida em que era tratada como tal.
Tratadas como pessoas, as imagens eram adoradas, servidas, desprezadas, destruídas,
transladadas, num processo de trocas simbólicas de poder, estreitamente relacionadas às
necessidades da comunidade: apesar de serem imagens sagradas, elas também respondiam
a necessidades políticas e econômicas (e não restritas ao âmbito religioso).
67
aproximamos hoje. Nesse sentido, Belting não pretende “explicar” imagens, mas baseia-se
na convicção de que o significado delas melhor se revela se considerar-se seu valor de uso,
sua função no contexto no qual foram produzidas, considerando as crenças, as superstições,
as esperanças e os medos daqueles que as produziram. Considerando, igualmente, que as
mesmas crenças, superstições, esperanças e desejos foram forjados nessas mesmas imagens
(o que não significa que tais códigos sejam inteiramente acessíveis por um leitor afastado
há séculos do seu contexto). Sendo assim, a “era da arte”, na realidade, representa apenas
um capítulo na longa história das imagens, a qual se estende desde os remotos tempos pré-
históricos (quando, mais do que nunca, as imagens tiveram extrema importância neste meio
de cultura pré-verbal, no qual as instâncias religiosa e social eram uma e a mesma – ainda
que sabendo tão pouco delas) até, em extremo oposto, os dias de hoje. Compreendida pelo
historiador como uma dinâmica intrínseca à condição cultural humana, este certifica que a
produção imagética irá durar enquanto a humanidade sobreviver.
68
Belting narra a recepção do seu “primeiro experimento antropológico” (um
ensaio apresentado, em 1990, em um simpósio – do qual foi um dos diretores, juntamente
com o também medievalista Herbert S. Kessler – no Centro de Estudos Bizantinos
Dumbarton Oaks, em Washington). Segundo Belting, este foi “recebido com reserva pelos
historiadores e pelos historiadores da arte presentes”. Salienta inclusive que este nunca foi
publicado. Isto pois, “levantava a pergunta ‘Por que imagens?’”, e dava ao perfil histórico
dos produtos em imagem menos peso que à própria tradição da práxis da imagem”
(BELTING, 2007, p.8). O amadurecimento das idéias contidas nesse “experimento”
resultará numa investigação muito mais ampla. Apenas um detalhe: o “rejeitado” ensaio
(embrião das pesquisas desenvolvidas e publicadas em Antropologia da Imagem uma
década depois) foi levado a público no mesmo ano da publicação de Imagem e Culto que,
ao contrário do primeiro, teve boa aceitação por parte da crítica e da comunidade
acadêmica, sendo até hoje considerada a “obra-prima” de Belting. Em Antropologia da
imagem:
69
Há de se ter em vista que Hans Belting descende de uma tradição alemã em
história da arte que tem suas origens no estabelecimento da disciplina enquanto ciência
desde o século XIX. Apesar das investigações empreendidas afim de um questionamento
da tradição científica e metodológica da história da arte (sendo hoje uma das referências
fundamentais no estudo não só das artes visuais como da produção imagética de uma forma
mais ampla, e não só estritamente à produção de imagens artísticas), seus estudos anteriores
refletiam sobre a produção visual da Europa medieval e da arte da Europa setentrional. No
entanto, torna-se possível perceber que os estudos empreendidos pelo historiador em
direção a uma produção de imagens anterior à nomeada “era da arte” tem uma relação
recíproca com o posterior questionamento da história da arte e para o despertar para a
necessidade de uma “história das imagens”, que incorpore em seu discurso não somente a
produção estritamente considerada “artística”, mas que amplie o horizonte com relação a
esse repertório.
70
cultura). Essa falsa alternativa (arte ou história?) foi provocada, por sua vez, pelo
mal-entendido segundo o qual a ciência da arte simplesmente declara como obra
de arte tudo aquilo com que gostaria de lidar: tudo a princípio, desde a idade da
pedra até hoje, como se a compreensão da “arte” tivesse sempre existido
(BELTING, 2006: p.245).
71
Capítulo 3. A recepção de O fim da história da arte no Brasil
Até o presente momento, Hans Belting teve uma única obra traduzida e
publicada integralmente no Brasil: O fim da história da arte: uma revisão dez anos
depois foi traduzida pelo professor Dr. Rodnei Antônio do Nascimento (UNIFESP) e
publicada pela editora Cosac Naify no ano de 2006. A publicação do livro fazia parte de
um grupo de projetos editoriais na área de artes visuais coordenados pela professora Dra.
Sônia Salzstein Goldberg (ECA-USP), cujas obras A transfiguração do lugar-comum:
uma filosofia da arte (1984), de Arthur C. Danto, e O fim da história da arte, de Hans
Belting (publicados em 2006), são os primeiros títulos de uma coleção que pretendia
contemplar textos referenciais sobre arte brasileira e internacional.
In: FERREIRA, Glória; VENÂNCIO FILHO, Paulo (org.). Arte & Ensaios.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. Rio de Janeiro:
UFRJ, EBA. Ano IX, número 9, 2002.
73
In: XXVI Bienal Internacional de São Paulo (catálogo). São Paulo:
Fundação Bienal de São Paulo, 2004.
· A imagem autêntica.
74
· Representação e anti-representação no limiar dos tempos modernos
[Repräsentation und Antirepräsentation an der Schwelle zur Neuzeit].
Além dos artigos listados, há ainda uma entrevista realizada pela Dra. Taisa
Helena Pascale Palhares em dezembro de 2005 (Anexo 1), pouco antes da publicação de O
75
fim da história da arte no Brasil, disponibilizada integralmente no site da editora Cosac
Naify.
Entre os dados que merecem ser colocados em evidência é que dos sete artigos
de Hans Belting publicados no Brasil, cinco deles (sendo apenas um não traduzido para o
português) estão disponíveis gratuitamente na internet. Inclusive, um deles pode ser
acessado em dois veículos diferentes.
É notório ainda que dos sete artigos, três foram publicados por iniciativa do
Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia, que, fundado em 30 de
novembro de 1992, “é um grupo de estudos e pesquisas de caráter inter e transdisciplinar,
nascido junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, hoje interinstitucional, contando com
pesquisadores de diversas universidades brasileiras”31. Entre os líderes de pesquisa está o
professor Dr. Norval Baitello Junior, do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ao
lado da professora Dra. Malena Segura Contrera, do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Paulista (UNIP-SP). Já citado anteriormente, esclarece-se
que a reincidência em vários momentos do nome do professor Norval deve-se ao fato deste
ser, atualmente, um dos maiores responsáveis pela divulgação das obras de Hans Belting no
âmbito acadêmico brasileiro. Além dos inúmeros artigos traduzidos e publicados por
equipamentos de divulgação de pesquisas científicas por ele coordenados, a maior parte do
que tem sido produzido nas academias brasileiras foi desenvolvido sob sua orientação,
como será observado mais adiante.
31
Informações disponíveis em http://www.revista.cisc.org.br/ghrebh8/sobre_cisc.php. Acesso em:
28/03/2010.
76
· Concinnitas, publicação semestral do Instituto de Artes da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (IARTES-UERJ), vinculada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes da mesma instituição32.
32
Informações disponíveis em: http://www.concinnitas.uerj.br/. Acesso em: 05/07/2010.
33
Informações disponíveis em: http://www.eba.ufrj.br/ppgav/doku.php?id=revista:arte_e_ensaios. Acesso
em: 05/07/2010.
34
Informações disponíveis em: http://www.forumpermanente.org/.painel/artigos/o_museu_hoje. Acesso em:
04/07/2010.
77
3.2. INDICADORES DE RECEPÇÃO
3.2.1. Resenhas
Said, a saber, tem como objeto de estudo as visões e versões fabricadas por uma
civilização (ocidental) para inventar uma outra (oriental). Compreende, assim, que o
78
conceito de Oriente, enquanto um empreendimento ocidental, ajudou a definir a imagem
européia. Neste sentido, o Oriente é parte integrante da civilização e da cultura da Europa,
pois é uma invenção ocidental.
Said elucida como essas representações dos povos orientais foram importantes
para a definição da identidade ocidental como ferramenta legitimadora de seus interesses
colonialistas. O orientalismo é, acima de tudo, um discurso, uma estrutura de pensamento
construída pela civilização ocidental a fim de nele achatar o Oriente, facilitando a sua
compreensão e dominação: a relação estabelecida entre os conceitos de Ocidente e Oriente
é assim uma relação de poder.
79
É importante que se esclareça que esta confusão entre as teses de Belting e
Danto é recorrente no contexto brasileiro. No entanto, ela será tratada particularmente em
momento posterior.
35
BELTING, Hans. Florenz und Bagdad. Eine westöstliche Geschichte des Blicks. Munique: Beck,
2009.
36
TRINDADE, Mauro. O fim da história da arte (resenha). In: Revista do Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais EBA-UFRJ, ano XIV, número 15, 2007, pp.207-208.
Disponível em: http://www.eba.ufrj.br/ppgartesvisuais/revista/e15/Resenhas.pdf. Acesso em 05/04/2010.
80
científicas de outros países (como, por exemplo, nos Estados Unidos), o artigo publicado na
revista brasileira se detém basicamente num detalhado resumo da obra. Enquanto
considerações qualitativas são recorrentes em resenhas científicas estrangeiras, no Brasil, o
que se observa é a carência de um posicionamento crítico com relação à obra resenhada,
configurando-se essencialmente como descritiva.
37
Disponível em: http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/. Acesso em: 06/07/2010.
81
disponíveis em seus Cadernos de indicadores. Os dados que se encontram disponíveis na
tabela a seguir são referentes ao ano base de 2008 (o qual contém as informações mais
atuais, já que não há dados na base relativos a 2009 e 2010)38.
38
Disponível em: http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados. Acesso em: 31/07/2010.
82
Mestrados e Doutorados recomendados e reconhecidos pelo Ministério da Educação (dados referentes ao ano base de 2008)
Instituição de Nível(is) Programa Área(s) de Linha(s) de Pesquisa Possui obras de Em quantas Quais obras são
Ensino Superior Concentração Belting em ementas disciplinas? indicadas?
de disciplinas?
A/B39
2. Universidade mestrado Artes Teoria e História da Estudos em História e Crítica de Arte SIM 02/16 Antropologia da Imagem
Federal do Espírito Arte
Santo (UFES) Patrimônio e Cultura
3. Universidade mestrado Artes Arte e Tecnologia da Artes cênicas: teorias e práticas NÃO X X
Federal de Minas Imagem
Gerais (UFMG) doutorado Criação e crítica da imagem em
movimento
Criação, crítica e preservação da imagem
4. Universidade mestrado Artes Não há dados para Não há dados para consulta Não há dados para Não há Não há dados para
Federal de consulta consulta dados para consulta
Uberlândia (UFU) consulta
5. Universidade mestrado Artes Não há dados para Não há dados para consulta Não há dados para Não há Não há dados para
Federal do Pará consulta consulta dados para consulta
(UFPA) consulta
39
Legenda: A: número de disciplinas que adotam obras de Belting como bibliografia; B: número total de disciplinas oferecidas pelo programa.
83
6. Universidade do mestrado Artes Arte e Cultura Arte, cognição e cultura SIM 04/19 O fim da história da arte?
Estado do Rio de Contemporânea
Janeiro (UERJ) História e Crítica de Arte
Processos Artísticos Contemporâneos
7. Universidade mestrado Artes Artes Cênicas Cultura Audiovisual e Mídia SIM 01/21 Antropologia da Imagem
Estadual de
Campinas doutorado Artes Visuais Fundamentos Técnico/Poéticos do
(UNICAMP) Intérprete
Fundamentos Teóricos das Artes
Poéticas Visuais
Processos e Poéticas da Cena
Projeto e Linguagem
9. Universidade mestrado Artes História da Arte História da Arte Brasileira (ênfase no NÃO X X
Federal da Bahia Visuais norte e nordeste)
(UFBA) Linguagens Visuais
Contemporâneas Processos Criativos nas Artes Visuais
10. Universidade mestrado Artes História e Teoria da História e Crítica da Arte NÃO X X
Federal do Rio de Visuais Arte
Janeiro (UFRJ) doutorado Imagem e Cultura
Teoria e
Experimentações da Linguagens Visuais
Arte Poéticas Interdisciplinares
84
11. Universidade mestrado Artes História, Teoria e Abordagens documentais e expositivas da SIM 02/28 O fim da história da arte:
Federal do Rio Visuais Crítica da Arte obra uma revisão dez anos
Grande do Sul doutorado depois
(UFRGS) Poéticas Visuais Arte, linguagens e contextos
Contextos e processos de criação, inserção
e documentação
Dimensões históricas e discursivas da obra
de arte
Imagens e meios reprodutivos de criação
Processos Híbridos de Criação
12. Universidade mestrado Artes Arte Contemporânea Arte e Cultura SIM 01/20 Antropologia da imagem
Federal de Santa Visuais
Maria (UFSM) Arte e Tecnologia
Arte e Visualidade
13. Universidade do mestrado Artes Artes Visuais Ensino das Artes Visuais NÃO X X
Estado de Santa Visuais
Catarina (UDESC) Processos Artísticos Contemporâneos
Teoria e História das Artes Visuais
14. Universidade de mestrado Artes Teoria, Ensino e Fundamentos do Ensino e Aprendizagem SIM 03/39 O fim da história da arte:
São Paulo (USP) Visuais Aprendizagem da Arte da Arte uma revisão dez anos
doutorado depois
Poéticas Visuais História, Crítica e Teoria da Arte
Imagem e Culto: uma
Multimeios história da imagem antes
Processos de Criação em Artes Visuais da era da arte
15. Faculdade Santa mestrado Artes Arte Contemporânea Arte, Tecnologia e Interdisciplinaridade NÃO X X
Marcelina (FASM) Visuais
Produção em Artes Visuais
Teoria, História e Crítica de Arte
16. Universidade mestrado Artes Não há dados para Não há dados para consulta Não há dados para Não há Não há dados para
Federal da Paraíba / Visuais consulta consulta dados para consulta
João Pessoa (UFPB) consulta
85
17. Universidade mestrado Ciência da Teoria da Arte Análise Crítica NÃO X X
Federal Fluminense Arte
(UFF) Estudos Poéticos
Fundamentos Teóricos
18. Universidade mestrado Cultura Processos e Sistemas Construção do sentido nas imagens visuais SIM 03/32 O fim da história da arte?
Federal de Goiás Visual Visuais
(UFG) Culturas da Imagem e Processos de O fim da história da arte:
Educação e Mediação uma revisão dez anos
Visualidade depois
História, Teoria e Crítica da Imagem
Poéticas Visuais e Processos de Criação
Processos contemporâneos de produção de
imagens visuais
Instituição de Nível(is) Programa Área(s) de Linha(s) de Pesquisa Possui obras de Em quantas Quais obras são
Ensino Superior Concentração Belting em ementas disciplinas? indicadas?
de disciplinas?
19. Universidade mestrado História Política, Memória e Cultura, Cidade e Patrimônio SIM 01/92 Antropologia da Imagem
Estadual de Cidade
Campinas doutorado Estudo das Tradições Clássicas
(UNICAMP) História da Arte
Gênero, Identidades e Cultura Material
História Cultural
História Social da África
História Social
História Social da Cultura
História Social do Trabalho
Jogo do Político: Conceitos,
Representações e Memória
Narrativas e Representações
Questões da Arte Moderna e
Contemporânea
Sociabilidade e Cultura na América Luso-
Espanhola
86
20. Pontifícia mestrado História História Social da História Cultural NÃO X X
Universidade Social da Cultura
Católica do Rio de doutorado Cultura História da Arte e da Arquitetura
Janeiro (PUC-RJ) Teoria e Historiografia
Instituição de Nível(is) Programa Área(s) de Linha(s) de Pesquisa Possui obras de Em quantas Quais obras são
Ensino Superior Concentração Belting em ementas disciplinas? indicadas?
de disciplinas?
21. Pontifícia mestrado Comunicaç Signo e Significação Análise das Mídias SIM 03/13 Antropologia da imagem
Universidade ão e nas mídias
Católica de São Paulo doutorado Semiótica Cultura e Ambientes Midiáticos
(PUC-SP) Processos de criação nas mídias
Quadro 1. Mestrados e Doutorados recomendados e reconhecidos pelo Ministério da Educação (dados referentes ao
ano base de 2008).
87
De acordo com os dados, dos vinte e um cursos listados, nove fazem uso de
obras de Belting (não apenas, O fim da história da arte, mas igualmente Imagem e Culto
e Antropologia da imagem) em ementas de disciplinas oferecidas. Este é um número
bastante significativo, pois representa aproximadamente 43% do total. No entanto,
considerando apenas O fim da história da arte, o número reduz pela metade: apenas 4
cursos fazem referência a esta obra em especial, o que significa um total aproximado de
19%.
12,5%
UFES Artes
(2/16)
21,0%
UERJ Artes
(4/19)
4,8%
UNICAMP Artes
(1/21)
7,1%
UFRGS Artes Visuais
(2/28)
5%
UFSM Artes Visuais
(1/20)
7,7%
USP Artes Visuais
(3/39)
9,4%
UFG Cultura Visual
(3/32)
1%
UNICAMP História
(1/92)
Comunicação e 23%
PUC-SP
Semiótica (3/13)
88
Apesar destes dados talvez justificarem a relação entre produção científica com
referências a Belting e onde sua obra é usada como referência, algumas considerações são
necessárias. Apesar de serem essas informações oficiais da CAPES, isto não significa que
as obras de Belting realmente sejam usadas ou não nos cursos. Há de se ter em vista que há
uma distância entre a prática e as estatísticas. No entanto, não haveria outra forma de
mensurar estas informações a não ser por estes dados oficiais.
40
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=2007333005010021P0.
Acesso em: 21/03/2010.
41
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=200493533005010021P0.
Acesso em: 21/03/2010.
42
Dados disponíveis em: http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20091733005010021P0.
Acesso em: 14/06/2010.
89
5. Renato Veras Baptista. Espaços áridos da imagem: a fotografia
panorâmica de Dimitri Lee. 01/05/2008. MESTRADO44.
Nesses trabalhos, no entanto, são analisadas outras obras de Hans Belting, como
Imagem e Culto e Antropologia da Imagem. Acredita-se que tais pesquisas não se
servem de O fim da história da arte (a qual, de forma particular, interessa a esta) como
referência bibliográfica fundamental pelo fato do argumento do historiador nesta obra
centrar-se, acima de tudo, em questões historiográficas; diferentemente das outras obras
citadas, as quais discutem questões referentes à imagem.
43
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20071033005010021P0.
Acesso em: 21/03/2010.
44
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20084233005010021P0.
Acesso em: 21/03/2010.
45
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=20078433005010021P0.
Acesso em: 21/03/2010.
90
1. Ana Maria Ladeira Torres. Artes como conto. 01/03/2007.
MESTRADO46.
46
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=2007831004016039P0.
Acesso em: 21/03/2010.
Já a dissertação integral de Ana Maria Ladeira Torres, encontra-se disponível em:
http://www.ppgartes.uerj.br/discentes/dissertacoes/dismestanatorres2007.pdf. Acesso em: 22/03/2010.
47
Dados disponíveis em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=2007131004016039P0 .
Acesso em: 21/03/2010.
Já a dissertação integral de Nelson Ricardo Ferreira da Costa, encontra-se disponível em:
http://www.ppgartes.uerj.br/discentes/dissertacoes/dismestnelsonricardo2007.pdf. Acesso em: 22/03/2010.
91
Arthur Danto chama Pós-histórico. (...) Sugiro que aquela concepção de objetos
palpáveis, resultantes de um fenômeno miraculoso em que se contatariam traços
físicos de origem divina e imaterial, poderia ter subsistido na referência
contemporânea a obras/imagens conceituais/mentais vinculadas e elementos
materiais transitórios.
48
BELTING, Hans. Das Unsichtbare Meisterwerk. Die modernen Mythen der Kunst. Munique: Beck,
1998.
49
Grifo nosso.
92
história da imagem antes da era da arte serve ao filósofo como fundamento para a sua
teoria de uma descontinuidade tanto da produção artística contemporânea quanto da sua
narrativa – a história da arte.
Mais adiante, Danto prossegue em seu equívoco, afirmando que “o fim da era
da arte”, tal como ele e Belting afirmavam, não pretendia anunciar o fim da produção
artística, sua extinção, mas tinham consciência de que “a arte deveria ser extremamente
vigorosa e não mostrar nenhum sinal, qualquer que fosse, de esgotamento interno”. Danto
parece, em diversos pontos do texto, confundir os argumentos dos dois trabalhos de
Belting, e não exatamente faz uso de suas idéias numa lógica complementar.
Nenhum de nós estava falando em morte da arte, embora meu próprio texto
acabasse sendo o artigo principal em um volume sob o título The Death of Art [A
morte da arte]. O título não era meu, visto que eu estava escrevendo sobre uma
93
forma de narrativa que, assim eu pensava, havia sido objetivamente se
completado na história da arte, e era essa narrativa, pareceu-me, que havia
chegado a um fim. Uma história havia acabado. Não era meu ponto de vista que
não haveria mais arte, o que certamente significa “morte”, mas o de que, qualquer
que fosse a arte que se seguisse, ela seria feita sem o benefício da narrativa
legitimadora, na qual fosse vista como próxima etapa apropriada da história. O
que havia chegado a um fim era a narrativa, e não o tema da narrativa. Apresso-
me a esclarecer (DANTO, 2006: p.5).
A fala de Danto (e isto foi verificado inclusive no texto original, não traduzido)
colabora ainda mais para alimentar tal equívoco: o filósofo comete um pequeno, mas
significativo deslize. Erra ao afirmar que Hans Belting escrevera a respeito do fim da arte.
No entanto, o fim da arte não é exatamente o tema central abordado pelo historiador, mas
sim o fim da história da arte. Belting, logicamente, não poderia passar ao largo desta
questão, mas é importante que não se confunda o fim da arte com o fim da história da arte:
50
Inclusive, o projeto desta pesquisa propunha-se, inicialmente, a debater o conceito de arte e história, a
forma como estas duas problemáticas reagem tendo em vista as idéias do fim da história da arte,
fundamentando-se nas obras de Arthur C. Danto (Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da
história) e de Hans Belting (O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois). No entanto, tendo em
vista o percurso da pesquisa e a avaliação dos professores que compuseram a banca do exame de qualificação,
mostrou-se mais valoroso no momento a concentração em apenas um dos autores, mais especificamente no
historiador da arte Hans Belting, considerando o interesse na história da arte (mais do que na crítica ou na
estética). Sendo assim, a partir desta mudança, o projeto passou a se restringir fundamentalmente à tese
belthinghiana.
94
são problemáticas que dialogam, mas são bem distintas, pois questionam objetos diferentes.
Belting constata a existência de uma era da arte. No entanto, não é a morte ou o fim da arte
que lhe interessa particularmente como questão central em O fim da história da arte:
Belting faz uso de fenômenos artísticos (e não-artísticos) em sua obra a fim de estabelecer
relações entre estes e a crise da história. Costa (como outros), neste sentido, é fiel à citação
de Danto e não exatamente à obra de Belting.
95
Terra (EBA-UFRJ) e Claudia Valladão de Mattos (IA-UNICAMP). Os três primeiros
como representantes das universidades pioneiras na criação e implementação de cursos de
graduação em história da arte e a última como mediadora da mesa.
51
Informações sobre ambos os eventos disponíveis em: http://vehaunicamp.wordpress.com/ (sobre o V EHA)
e http://humanas.unifesp.br/novo/images/documentos/semanarte.pdf (sobre a Semana de História da Arte da
UNIFESP). Acesso em: 03/05/2010.
52
O XXVI Colóquio de Comitê Brasileiro de História da Arte aconteceu na cidade de São Paulo/SP, na
Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), entre 16 e 18 de outubro de 2006.
96
durante longa data foi tratada “como uma disciplina complementar para estudos de
arquitetura ou de arte”.
(...) o ensino da história da arte aqui, salvo poucas exceções, aparece como
complemento a outras disciplinas nos cursos de graduação, o que faz com que
nós, historiadores de hoje, tenhamos formação em outras áreas – história,
filosofia, arquitetura, letras, etc. A conseqüência disso é que em geral a pós-
graduação precisa suprir essa deficiência antes de cumprir o seu papel que é o de
desenvolver estudos especializados sobre temas específicos, e isso acaba por
comprometer a produção das pesquisas na área (GONÇALVES, in: RIBEIRO;
RIBEIRO, 2007: p.102).
97
na vida prática, em especial na pesquisa e curadoria de exposições, ou ao longo
da carreira acadêmica (LOPES, in: RIBEIRO; RIBEIRO, 2007 p.85).
Se isso parece confirmar que a teoria e a reflexão não eram ali praticadas nem
valorizadas, também aponta para o tecnicismo que caracterizou a implantação do
ensino artístico no nosso país. (...)
A imposição, de cima para baixo, da História da Arte no currículo da Academia
Imperial não acabou, evidentemente, com o preconceito, nem mostraria, de
imediato, a importância da reflexão para a compreensão da arte e o embasamento
das práticas artísticas (LOPES, in: RIBEIRO; RIBEIRO, 2007 pp.86; 87).
Com isso, conclui Lopes, somente decorridos mais de 150 anos da criação e
instituição do ensino artístico no Brasil, surgiriam os primeiros avanços na pesquisa
histórica e teórica em artes, com a fundação dos primeiros programas de pós-graduação na
área. Segundo Lopes, “o primeiro deles foi criado na Universidade de São Paulo (USP) há
menos de trinta anos” (LOPES, in: RIBEIRO; RIBEIRO, 2007 p.87). A afirmativa de
Lopes é, no entanto, refutada indiretamente pelo artigo de Coli. Segundo ele, até a década
de 1980, “existiam setores especializados em Teoria da Arte, mas que não enfrentavam
diretamente uma área de pesquisa exclusiva em História da Arte”, considerando que o
primeiro que o fez foi o Departamento de História da UNICAMP, em 1989.
98
interessados deveriam “improvisar”, sendo, “portanto, em grande parte, autodidatas”
(COLI, in: RIBEIRO; RIBEIRO, 2007: p.132).
Nos anos de 1980, salvo erro de minha parte, não havia sequer uma única pós-
graduação especificamente em história da arte no Brasil. Existiam setores
especializados em Teoria da Arte, mas que não enfrentavam diretamente uma
área de pesquisa exclusiva em História da Arte. Creio que a primeira se fez no
Departamento de História da Unicamp, em 1989 (COLI, in: RIBEIRO;
RIBEIRO, 2007: p.133).
Sem se aprofundar, neste momento, numa avaliação dos méritos do curso, fato
é ser esta a primeira graduação em História da Arte (ou, ao menos, assim nomeada).
99
o Instituto de Belas Artes é renomeado como Escola de Artes Visuais (EAV) 53. Com a
extinção do antigo instituto, a nova escola define-se por um perfil diferente: sua estrutura
de ensino era “constituída por cursos livres destinados à formação de artistas”, tornando-se
“inadequada para abrigar cursos de nível superior”, de acordo com a legislação vigente na
época. “Assim, o Curso que passou a ser mantido pela Secretaria de Educação e Cultura do
novo Estado do Rio de Janeiro – SEEC/RJ. Provavelmente, essas transformações afetaram
o andamento desse curso, pois, em 1976 e 1977, não foram realizados exames vestibulares
para o mesmo” (CONDURU, in: RIBEIRO; RIBEIRO, 2007 p.154).
53
Hoje conhecida como Escola de Artes Visuais do Parque Lage, esta “desenvolve programas de ensino em
arte voltados para a formação de artistas, curadores, pesquisadores e interessados em estabelecer ou
aprofundar o contato com a arte”. É o artista brasileiro Rubens Gerchman (1942-2008) que a funda e assume
a sua direção entre 1975 e 1979, quando então “a EAV passou a ocupar a mansão em estilo eclético, tombada
pelo IPHAN como patrimônio histórico e paisagístico, substituindo o Instituto de Belas Artes”. Localizada no
parque Lage, na rua Jardim Botânico nº414, no Rio de Janeiro.
Dados disponíveis em: http://www.eavparquelage.rj.gov.br/eavText.asp?sMenu=ESCO&sSume=PHIST .
Acesso em: 03/05/2010.
100
independente da Faculdade de Educação. Neste curso, ingressaram estudantes até 2005,
pois:
Em 2006, foi implantada uma nova reforma curricular elaborada pelos docentes
do Instituto de Artes, a partir da necessidade de adequação dos cursos de
licenciatura à legislação vigente, da experiência acadêmica mais autônoma no
Instituto de Artes, do impacto da criação do Mestrado em Artes da UERJ, no
início de 2005, e da análise do curso criado em 2002 por ocasião da conclusão do
mesmo por sua primeira turma. O Instituto de Artes passou a oferecer três cursos
(...), com duração de quatro anos: uma licenciatura em Artes Visuais, um
bacharelado em Artes Visuais e um bacharelado em História da Arte
(CONDURU, in: RIBEIRO; RIBEIRO, 2007 p.156).
54
Dados disponíveis em: http://humanas.unifesp.br/novo/hist_art.pdf . Acesso em: 03/05/2010.
101
UNICAMP possui área de concentração em História da Arte e linhas de pesquisa em
Estudo das Tradições Clássicas e Questões da Arte Moderna e Contemporânea. Já o
Programa de Pós-Graduação da PUC-RJ possui área de concentração em História Social da
Cultura e História da Arte é uma das suas três linhas de pesquisa.
102
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) 55. Alocada na
Grande Área “8.00.00.00-2 - Lingüística, Letras e Artes”, a Área “8.03.00.00-6 – Artes”
não faz qualquer referência particular à história da arte. Acredita-se, no entanto, que a
Fundação contemple a área a partir do item 8.03.01.00-2 - Fundamentos e Críticas das
Artes, como é observável na lista a seguir:
55
Conforme consta no Artigo 1º do Título I: Da Natureza, Sede, Fins e Duração do Estatuto da Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPESP), a “Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, de que tratam a Lei nº 3.783 e a
Lei Complementar nº 102, ambas de 18 de março de 2002, é uma pessoa jurídica de direito público, instituí da
em conformidade com a autorização dada pela Lei nº 619, de 02 de dezembro de 1982, com o objetivo de
fomentar a pesquisa e a formação científica e tecnológica necessárias ao desenvolvimento sócio cultural do
Estado, com sede e foro na Capital do Estado do Rio de Janeiro, prazo de duração indeterminado e vinculação
à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia”. Disponível em:
http://www.faperj.br/interna.phtml?obj_id=4531 . Acesso em: 02/05/2010.
56
Dados disponíveis em: http://www.faperj.br/interna.phtml?obj_id=58#grupo7. Acesso em: 02/05/2010.
57
Segundo informações obtidas no site da CAPES, a “Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu
(mestrado e doutorado) em todos os estados da Federação. As atividades da CAPES podem ser agrupadas em
quatro grandes linhas de ação, cada qual desenvolvida por um conjunto estruturado de programas: 1.
avaliação da pós-graduação stricto sensu; 2. acesso e divulgação da produção científica; 3. investimentos na
formação de recursos de alto nível no país e exterior; 4. promoção da cooperação científica internacional.”
Dados disponíveis em: http://www.capes.gov.br/sobre-a-capes/historia-e-missao. Acesso em: 03/05/2010.
58
Dados disponíveis em:
103
A tabela adotada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq)59 igualmente prevê a área História da Arte (8.03.01.02-9 – História
da Arte). Como a CAPES, o CNPq vincula a área à grande área Lingüística, Letras e
Artes e igualmente possui o item 8.03.01.00-2 - Fundamentos e Crítica das Artes.
É necessário que se saliente que em nenhuma das tabelas adotadas tanto pela
CAPES quanto pelo CNPq, a área História da Arte é vinculada igualmente à grande área
Ciências Humanas. Este dado se contrapõe na prática à argumentação de Coli de que, ao
contrário do que se possam pensar, a História da Arte não é uma disciplina artística, mas
uma disciplina histórica: “O historiador da arte não é um artista. Ele tem que dominar os
métodos do historiador, saber trabalhar com arquivos, com fontes primárias e secundárias,
organizar interpretações que dependem dos ramos mais diversos dos estudos históricos”
(COLI, 2006: p.132). Na realidade, não se concorda inteiramente com Coli: sua
afirmativa parece sugerir que a pesquisa em História da Arte deveria se restringir apenas
aos institutos ou departamentos de História das universidades brasileiras. No entanto,
acredita-se que a pesquisa histórica em arte demanda uma metodologia muito peculiar de
pesquisa, diferente daquela relacionada à produção artística, como igualmente à história.
Há ainda outro fato que demonstra o tratamento da área por parte das
instituições governamentais e oficiais, o Ministério da Educação, no ano de 2009, deu
início a uma consulta pública (a qual esteve disponível até o dia 16 de outubro de 2009)
para a formulação de um Referencial Nacional de Curso de Graduação60 a fim de
http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/TabelaAreasConhecimento_042009.pdf. Acesso
em: 03/05/2010.
59
Segundo informações obtidas no site do CNPq, o “Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) é uma agência do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) destinada ao fomento da
pesquisa científica e tecnológica e à formação de recursos humanos para a pesquisa no país.”
Dados disponíveis em: http://www.cnpq.br/cnpq/index.htm . Acesso em: 03/05/2010.
60
“O Referencial de Curso é um descritivo que aponta, em linhas gerais, um perfil do profissional formado,
os temas abordados durante a formação, as áreas em que o profissional poderá atuar e a infraestrutura
necessária para a implantação do curso. Ele não limita as instituições na proposição de cursos, uma vez que
traça um referencial que não é limitador, mas apenas orientador. Portanto, cada Instituição de Ensino
Superior (IES) pode, respeitando o mínimo apontado no referencial, inserir novas temáricas, bem como
delinear linhas de formação no curso.
104
“contribuir com a avaliação, a regulação e a supervisão dos cursos de graduação
(bacharelado e licenciatura), com desdobramentos para a mobilidade e empregabilidade dos
egressos desses cursos”61. E mais:
é uma lista que apresenta os nomes dos cursos atualmente vigentes, na coluna
DE, e as sugestões de denominação a serem adotadas, na coluna PARA. A
convergência foi realizada por especialistas nas áreas e deve ser entendida como
uma sugestão de nova denominação. Cabe às Instituições de Ensino Superior
(IES), com base nas características de cada curso, adotar a denominação que
julgar mais pertinente, dentre as opções disponíveis na Convergência de
Denominação (De ® Para) e, de acordo com a nova denominação adotada, se
necessário, adaptar a matriz curricular.62
As Linhas de Formação particularizam o curso, enfocando aspectos teóricos ou práticos pertinentes para o
curso oferecido pela IES no contexto histórico e social em que ela se insere. No entanto, não se configura
como habilitações, pois não aparecem no nome do curso, apenas nas habilidades e competências
desenvolvidas pelo aluno ao longo de sua formação e no detalhamento do seu histórico escolar.
Assim, como se pode ver, o Referencial de Curso não se configura como currículo mínimo, nem deve ser
entendido como uma diretriz curricular, visto que os cursos que já possuem diretrizes estabelecidas devem
continuar seguindo-as.”
Dados disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/referencial_consulta3.pdf. Acesso em:
02/05/2010.
61
Dados disponíveis em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13812&Itemid=995. Acesso em:
02/05/2010.
62
Dados disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/denominacao_consulta3.pdf. Acesso em:
02/05/2010.
105
pesquisa nos bancos de dados do Ministério da Educação. Sendo assim, “com o auxílio de
profissionais e pesquisadores que atuam nas áreas, foi realizado um estudo que resultou em
uma proposta de nomenclatura que adapta as denominações atualmente existentes”.
63
Um adendo: a Área I: Ciências Exatas e da Terra (composta por 17 cursos) não foi citada por razões
óbvias.
106
17. Letras - Língua Portuguesa - Licenciatura
18. Pedagogia - Licenciatura
19. Relações Internacionais - Bacharelado
20. Serviço Social - Bacharelado
21. Teologia - Bacharelado64
De Para
64
Dados disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/referencial_humanidade.pdf. Acesso em
02/05/2010.
65
Planilhas completas disponíveis em:
Área II: Comunicação e Artes: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/consulta_artes.pdf. Acesso em:
02/05/2010.
Área III: Humanidades: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/consulta_humanidades.pdf. Acesso em:
02/05/2010.
107
Artes Plásticas – Licenciatura Artes Visuais – Licenciatura
108
Área: Humanidades
Subárea: História
De Para
Conservação e restauração de bens culturais móveis Curso Superior de Tecnologia em Conservação e Restauração de
Bens Culturais Móveis
109
pesquisa). No entanto, o descaso no tratamento da área como um campo científico
autônomo, com objeto e metodologias específicas se manifesta inclusive quando órgãos aos
quais competem a administração e o financiamento da pesquisa científica no país desejam
achatar a história da arte enquanto ciência em outros campos científicos que não lhe são
específicos, que não atendem suas demandas. A discussão a respeito do desenvolvimento
do campo científico da história da arte enquanto campo de pesquisa acadêmica autônomo é
igualmente política. É necessário que se esclareça que a autonomia à qual se refere aqui
não diz respeito ao posicionamento teórico e metodológico do historiador. Não se está
falando da autonomia da obra de arte ou da história da arte, mas da necessidade que se
reconheça esta área de pesquisa como politicamente autônoma dentro das instituições.
110
Deve-se lembrar sempre que, para a América Latina, no espaço da cultura, a
Europa será o centro propagador de pensamento humanístico e das informações
culturais, mesmo depois dos processos de independência, prevalecendo como a
principal referência até meados do século XX – momento em que os Estados
Unidos passam a compartilhar a posição de modelo de referência das atividades
culturais (GONÇALVES, in: CONDURU; PEREIRA, 2004: p.236).
A minoria [de historiadores da arte] mais teórica (...) tem o mérito de provocar
os historiadores de arquivo sobre um terreno importante, o da necessidade de
interrogar suas práticas e de se perguntar, como historiador, qual idéia e qual
conceito eu tenho e posso ter do objeto e da imagem artística, do corpus de
objetos e imagens que analiso? (HUCHET, in: GERALDO, 2008: p.51)
Huchet chama a atenção para uma outra fragilidade deste meio científico
brasileiro: a ausência de uma política sistemática de traduções. Enfatiza que, apesar do
vigor e do frescor da produção artística brasileira, a historiografia não respira tanta
juventude devido a uma ausência de contemporaneidade nos instrumentos conceituais de
trabalho. Com isso, há um desajuste entre a produção e a narrativa histórica.
111
O diagnóstico, por vezes negativo, que se pode fazer da historiografia ainda se
agrava pelo fato de o mercado editorial da história da arte ser fraco, da relativa
invisibilidade pública de as publicações gerarem uma situação de palimpsesto
historiográfico! Isso é sem dúvida um dos motivos da fraqueza da reflexão
conceitual sobre a prática da história da arte. Falta o alimento necessário.
(HUCHET, in: GERALDO, 2008: pp.51-52)
Ela não é mera narração de fatos que pudesse ser transferida sem problemas para
outra cultura em que ainda falta uma narrativa semelhante. Formou-se, antes, no
interior de uma tradição intelectual própria, na qual desempenhava tarefas
exatamente circunscritas e transmitia a própria cultura como lugar de identidade.
Fazia parte disso aquele ciclo histórico que, na Europa, compreende o período da
Antiguidade até a modernidade e constitui o espaço cultural em que a arte sempre
recorre aos seus próprios modelos. Vista desse modo, a Europa é o lugar em que
transcorreu o ciclo de uma história particular. No curso dessa história surgiram
todas as auto-interpretações que, por sua vez, fizeram a história. Onde falta
semelhante tradição, não é possível simplesmente inventar uma história da arte de
estilo europeu, procedendo-se de maneira análoga e na esperança de que surja
algo semelhante (BELTING, 2006: p.97).
112
Conclusão
Em conversa com o professor Dr. Norval Baitello Junior, este se referiu a Hans
Belting como uma espécie de Plutão. Enquanto símbolo da transformação necessária,
segundo Baitello, “quando Plutão entra, ele entra pra problematizar, para desmascarar”.
113
enquadramento, extravasando os limites impostos pela história da arte e que justificavam a
mesma.
Segundo Belting, a chamada “história da arte” sempre foi uma história da arte
européia, “na qual, apesar de todas as identidades nacionais, a hegemonia da Europa
permanecia incontestada”. No entanto, ele adverte: “essa bela imagem provoca hoje o
protesto de todos aqueles que não se consideram mais representados por ela” (BELTING,
2006: p.96). Aquela “história da arte” que se pressupunha universal e que, por isso,
pretendia a representação de todos os continentes e culturas, diluiu-se em meio um número
sem fim de reivindicações que partiram daqueles que não se sentiam representados por esta
narrativa.
A metáfora entre imagem e enquadramento que Belting propõe e faz uso para
elucidar a história da arte como lugar de identidade européia, desempenha igualmente papel
importante no que tange a compreensão da idéia de uma arte universal e, por conseqüência,
o problema de uma história também universal. Belting trata do estorvo que se impõe à
114
história da arte quando as – por ele chamadas – “minorias” reivindicam participação nesta
produção histórica inventada por e para uma determinada cultura, “mas não para todas”,
sendo adequada apenas a uma cultura que possui uma história comum” (BELTING, 2006:
p.95).
A história da arte não é uma mera narração de fatos. Ela não pode ser
transferida incólume para uma cultura na qual “falta” uma narrativa semelhante à Européia.
Assim adverte o historiador: “onde falta semelhante tradição, não é possível simplesmente
inventar uma história da arte de estilo europeu, procedendo-se de maneira análoga e na
esperança de que surja algo semelhante” (BELTING, 2006: p.97).
115
(destacando-se a tradução e publicação de outras duas obras importantes de Belting já
referenciadas aqui: Imagem e Culto 66 e Antropologia da Imagem67). Sendo assim, a
proximidade da língua poderia ser mais um ponto favorável ao acesso a essas obras, se não
fossem os altos custos da importação destes exemplares.
Além dos problemas de ordem estrutural, há uma grande resistência por parte
de alguns atores das academias brasileiras em reconhecer a importância da discussão dos
pressupostos teóricos e metodológicos da disciplina. Há ainda uma certa resistência às
pesquisas que se propõem à discussão historiográfica: parece que estas não seriam
igualmente competentes à história da arte.
66
BELTING, Hans. Imagen y Culto: uma historia de la imagem anterior a la era del arte. Madri: Akal,
2009.
67
BELTING, Hans. Antropología de la imagen. Buenos Aires; Madrid: Katz, 2007.
116
Como é possível uma reflexão aprofundada a respeito da disciplina, de seu
objeto e de seus métodos, como propõe Hans Belting, em um meio em que o campo
científico ainda peleja para se estabelecer, para deixar de ser adereço, perfumaria de outras
áreas científicas? Como a pesquisa de Belting pode ser recebida por um público acadêmico
que ainda tem sérias dificuldades de compreender que a discussão historiográfica da arte é
tão importante quanto os estudos monográficos de obras de arte e artistas? Como pode ser
compreendida por um público que ainda tem dificuldade de reconhecer o seu lugar de
discurso?
117
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124
Anexos
Anexo 1
Leia a seguir, a íntegra da entrevista que Hans Belting concedeu à filósofa Taísa Palhares,
em dezembro de 2005.
Naturalmente, enquadramento aqui refere-se, antes de tudo, à imagem, mas também pode-
se pensá-lo em relação a uma narrativa. Com isso quero dizer que a história da arte em sua
forma tradicional de narrativa era muito restrita ou limitada para acolher novos grupos e
cenários. Deframing também seria uma tentativa de rebentar este “enquadramento”
limitado.
Após quase dez anos da publicação do livro, é possível afirmar que hoje a ciência da
arte está mais apta a dialogar com a experiência de um mundo não eurocêntrico? Na
verdade, não assistimos, ao contrário, a uma reabilitação de velhos discursos
nacionalistas (penso na reação de parte da crítica de arte francesa à história da arte
construída pelo novo MoMA - Museum of Modern Art, de Nova York)?
Como você sabe, há duas versões de O fim da história da arte. A primeira [1983],
originalmente uma aula inaugural na Universidade de Munique, trazia um ponto de
interrogação no título. Dez anos mais tarde, publiquei um novo volume na Hochschule für
Gestaltung [Escola Superior de Criação] de Karlsruhe com o mesmo título e sem ponto de
interrogação. Este, por sua vez, foi uma etapa preparatória para o livro Art History After
125
Modernism [História da arte depois do modernismo, 2003], título que considero melhor que
O fim da história da arte.
Quanto à sua questão, ela não pode ser respondida de maneira unívoca. A visão
eurocêntrica ainda está em transformação, e surgem em grande quantidade modelos
alternativos de novos questionamentos e novos problemas. O que você afirma sobre o
MoMA está totalmente correto. Porém, não há apenas o conflito entre a visão norte-
americana e a européia. Isso acontece entre parceiros ocidentais. Muito mais importante
são: lugares onde se formam histórias da arte, onde a história da arte não tem nenhuma
história.
As diferenças entre história da arte e história da imagem são evidentes. Na história da arte
trata-se naturalmente da arte e especialmente das obras de arte, que têm um lugar e uma
data, e são portanto classificáveis. A história da imagem, pelo contrário, especialmente na
nova forma da ciência da imagem que nós discutimos na Alemanha, abre-se para a
diversidade das mídias de imagem [Bildmedien] atuais e ocupa-se também com as imagens
internas e os imaginários na consciência de uma sociedade.
Em que medida a abordagem das imagens nessa nova história se distingue daquelas já
realizadas por outras ciências como a antropologia, a sociologia ou a própria história
da cultura?
Houve uma antropologia da arte, sobretudo por parte dos etnólogos, que sempre enfrentou
o problema de que seus artefatos não eram expostos em museus de arte. Mas uma
antropologia da imagem parece ter sido sugerida somente pelo meu livro de 2001 [Bild-
Anthropologie: Entwürfe für eine Bildwissenschaft - Antropologia da imagem: esboços para
uma ciência da imagem]. Creio que a práxis humana da imagem é o verdadeiro tema desde
o início. A ela pertencem rituais imagéticos, iconoclasmo etc. Antes de tudo, o tema aqui é
126
a diferença, bem como a interação, entre imagens endógenas e exógenas, como eu as
denomino, na antropologia da imagem.
Não, pois cada nova narrativa da arte ou história da arte precisa de sua própria moldura
para se legitimar. Ela só é legível no interior de uma moldura, que ela própria produz.
Apesar de uma aparente autocrítica dos museus nos últimos anos – muitos dos quais
passaram a expor suas coleções de forma temática e não mais cronológica -, a
"história da arte" ainda parece triunfar. Pois ora presenciamos a inserção sempre dos
mesmos artistas "periféricos" (no caso brasileiro Hélio Oiticica e Lygia Clark), ora
assistimos a exposições como Africa Remix (Centre Georges Pompidou, Paris, 2005) na
qual a arte contemporânea africana é apresentada e reconhecida somente na medida
em que corresponde a um conceito "ocidental", universal e homogêneo, de
contemporaneidade.
O papel dos museus nos novos tempos será investigado em um projeto que quero
desenvolver com o ZKM [Zentrum für Kunst und Medientechnologie] em Karlsruhe.
Naturalmente a história da arte não é uma mera cronologia, mas um cânone em que alguns
artistas encontram lugar e outros não. Basta que se pense na exposição organizada por Peter
Weibel em Graz, Inklusion:Exclusion [Inclusão:Exclusão, festival Steirischer Herbst,
Áustria,1996]. Isso vale também para as minorias que não se vêem representadas no cânone
do modernismo internacional. E basta que se pense nas Injektiven [Injectivas] de Rasheed
Araeen, que fala dos “Black Artists”, vítimas do racismo.
Além de seu livro Bild und Kult [Imagem e culto, 1991], você apontaria outras
tentativas interessantes no sentido da construção de uma história das imagens,
principalmente no que diz respeito à arte moderna?
127
Pode-se pensar naturalmente no livro de David Freedberg, The Power of Images [Chicago:
University of Chicago Press, 1989]. Mas eu não estou mais na linha de uma história real da
imagem. Contra isso escrevi minha antropologia da imagem. E meu novo livro, Das echte
Bild: Bildgragen als Glaubensfragen [A imagem autêntica. Questões de crença como
questões de imagem. Munique, 2005], distancia-se mais ainda da narrativa em Bild und
Kult.
* Na presente edição brasileira der Rahmen foi traduzido, na maioria das vezes, como “o
enquadramento” e seu par conceitual, die Aus-Rähmung, como “o desenquadramento”. Em
algumas ocasiões, contudo, Rahmen aparece como “moldura” ou “contexto”, no sentido,
por exemplo, do contexto histórico ou social de um acontecimento.
128
Anexo 2
Tudo começou em 1979, quando o filósofo e pintor francês Hervé Fischer apresentou uma
instalação no Centre Pompidou de Paris. Nela, um simples cordão conduzia o público a um
beco insólito, a uma frase ameaçadora: “A história da arte terminou”. E acabou mesmo
para Fischer. Desde 1983 ele não pinta mais. Foi justamente nesse ano que o conceituado
historiador alemão Hans Belting lançou um livro polêmico, The End of Art History? –
assim mesmo, com um ponto de interrogação, o que indicava certa dúvida sobre a asserção
de Fischer. Dez anos mais tarde, Belting, revisando o próprio livro, resolveu suprimir a
interrogação, seguido, um ano mais tarde, pelo crítico Arthur Danto, que chegou à mesma
conclusão e publicou um ensaio ainda mais radical chamado O Fim da Arte. É a versão
final do livro de Belting que chega às livrarias numa edição da Cosac Naify, que lançou
recentemente um livro de Danto (A Transfiguração do Lugar-Comum) numa coleção de
textos sobre arte contemporânea organizada pela crítica Sonia Salzstein. Fischer, Danto ou
Belting jamais afirmaram que não existiria arte após o “fim da arte” que decretaram [grifo
nosso]. Nem mesmo Hegel, o primeiro a dizer isso lá pelos idos de 1828, arriscou palpite
semelhante. O filósofo alemão apenas sugeriu que a arte, em sua mais alta vocação, era
coisa do passado e que ela, infelizmente, havia perdido seu genuíno espírito. Muitos
movimentos artísticos surgiram desde então. Belting não foi o único a tratar do
esgotamento dessa tradição. Apenas fez sua a desconfiança de outros teóricos, a de que a
história da arte é uma farsa conduzida pelo eurocentrismo, incapaz de reconhecer outras
identidades ou culturas. O pretenso universalismo da história da arte, segundo Belting, é
um equívoco ocidental. Virou moda, desde então, fazer a arqueologia da disciplina ou
escrever o necrológio da arte. Nem mesmo Belting escapou da síndrome. No entanto, fez
um “mea culpa” com a revisão pessoal de O Fim da História da Arte, em que exibe o
tema segundo a perspectiva de Edward Said sobre o mito do orientalismo criado pelo
129
Ocidente. Belting analisa ainda a crise do papel do museu atual e as novas mídias (o que
inclui ampla discussão sobre os vídeos de Bill Viola e Gary Hill, as instalações de Peter
Greenaway e os objetos do alemão Joseph Beuys). Esse segundo livro, enfim, exibe o tema
por meio da miscelânea iconográfica adaptada ao consumo da arte multimídia no mundo
globalizado, onde o observador passivo da obra troca de papel com o espectador de um
espetáculo coletivo. Belting elege Peter Greenaway como porta-voz dessa cultura pós-
histórica. Greenaway trocou o cinema pelas instalações, para que o observador deixe de
ver passivamente imagens em movimento como se fossem pinturas. Belting faz uma
revisão da arte protoconceitual de Duchamp, passa por Kosuth (considerado o criador da
arte conceitual) e conclui, como ele, que a função da arte não é a de fornecer respostas, mas
a de formular perguntas. Belting culpa a Documenta por querer dar respostas e estabelecer
um cânone moderno (a mostra, que se realiza de cinco em cinco anos em Kassel,
Alemanha, dita a lista de quem é quem na arte desde 1955). Nem mesmo a revolta dos
pintores americanos do pós-guerra, como Barnett Newman, que denunciou, em 1948, o
“fracasso da arte européia”, serviu para balançar as estruturas de Kassel. Os Estados
Unidos reivindicam uma nova história da arte desde o advento do expressionismo abstrato,
mas a hegemonia européia permaneceu incontestada, desde então. Picasso vampirizou as
culturas tribais africanas, mas a civilização européia jamais reconheceu-as como arte,
argumenta Belting , lembrando ainda que a “originalidade” do minimalista Richard Long
deve ser revista, uma vez que a “land art” dos aborígines australianos em nada se diferencia
de sua proposta vanguardista, a de fazer arte com os próprios elementos da natureza. O
mundo, hoje, é uma diáspora, conclui o historiador, segundo a qual “se vive sempre no
estrangeiro e se tem de procurar para si uma identidade”. O conceito de “cultura de massa”
já era, decreta Belting. Kitsch, hoje, é o computador, que toma emprestado rostos tirados
da história da arte e mistura tudo sem critério, estimulando o estereótipo e a repetição.
Artistas multimídia como Bill Viola e Gary Hill, que trabalham num outro registro e tempo
(o subjetivo) escapariam do conceito objetivo que é próprio da consciência histórica,
segundo Belting. E, ainda que o mundo invente a cada dia um novo museu para entreter a
matula, o historiador permanece cético sobre a capacidade dessa instituição democratizar o
acesso à arte. Concordando com Douglas Crimp, de quem recentemente a editora Martins
130
Fontes lançou Sobre as Ruínas do Museu, Belting acha que os museus, ao representar a
arte como um sistema homogêneo e a história da arte como sua classificação ideal, apenas
alimentam o narcisismo de seus visitantes. É mesmo o fim.
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Anexo 3
GONÇALVES FILHO, Antonio. Crise da arte, por Belting. Autor de um livro sobre o
fim da história da arte, crítico alemão diz que a Europa precisa olhar para os outros.
Caderno 2. O Estado de São Paulo. Sábado, 23 de agosto de 2008.
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Anexo 4
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