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M I S T I C I S M O l C I Ê N C I A l A R T E l C U L T U R A

INVERNO 2018
Nº 305 – R$ 10,00

ISSN 2318-7107
A sustentabilidade do planeta carece de uma visão mais humanizada das organizações no tocante à respon-
sabilidade delas sobre a nossa mãe Terra.
Há um movimento muito claro pelas novas formas de se fazer as coisas e as inovações estão presentes em
todos os meios e em todos os lugares, alterando de forma profunda os ambientes sociais, políticos e econômi-
cos, mudando comportamentos, hábitos e atitudes.
Ecossistemas sociais, organizacionais ou corporativos e governamentais precisam planejar ações alinhadas.
Todos nós, cidadãos do planeta Terra, precisamos entender e nos reinventar rapidamente para transformar o
que é necessário.
Teremos que nos tornar híbridos, com uma versatilidade tal que nos permitirá transitar em terrenos novos,
ainda desconhecidos, mas que se fazem necessários.
Temos a impressão que a mais profunda mudança da raça humana já está em andamento.
Sabemos que o exagerado uso e supervalorização técnica leva ao tecnicismo, mas é uma constatação nem
tão difícil de se perceber, que uma nova sociedade está nascendo: mais consciente de si mesma, mais pronta
para viver a ética, sedenta por causas de impacto social e intrépida no coletivo para romper com as barreiras do
nosso momento. Um tempo em que os seres humanos escolhem o melhor para si e criam o futuro que desejam.
As escolhas atuais flutuam entre influenciar a mudança, ser influenciado por ela ou acordar um dia e per-
ceber que o mundo que você conheceu não existe mais.
A GLP está empenhada em andar no mesmo compasso destas mudanças, preservando seu cerne e o legado
da Tradição da qual é guardiã. Além dos benefícios para a preservação da natureza, tem implementado medi-
das que visam também a otimização de custos (papel, tinta, pessoal, correios etc.):
* Campanha para que todos os nossos membros recebam seus boletos, monografias e revistas de forma digital,
reduzindo drasticamente o consumo de papel e consequentemente ajudando na preservação do meio ambiente.
* Ambiente digital de estudos, chamado de Área do Afiliado, onde os rosacruzes podem estudar suas mono-
grafias, ler suas revistas e ficar inteirados das últimas notícias da AMORC.
* Disponibilização de um número de WhatsApp exclusivo para contato com todas as Divisões da Grande
Loja, facilitando o acesso a qualquer informação relacionada à Afiliação Rosacruz.
O frater e a soror estão inseridos neste contexto, afinal, são quase 4 bilhões de pessoas conectadas no Planeta.
Faça parte destas mudanças, utilize as opções digitais!
n MENSAGEM

Prezados está morto, na obra “O Anticristo”, é tido como


© AMORC

Fratres e Sorores, um filósofo controverso, entretanto, sua obra é


profunda e a compreensão do contexto de suas
Saudações afirmações nos revela que hoje, mais do que nun-
Rosacruzes! ca, há muito a ser considerado em sua filosofia.
“Deus e a Ecologia” é um estudo feito pelo
Destacamos, pesquisador Pierre-Antoine Crisan, que, sob
nesta edição uma abordagem científica, nos mostra a divin-
de O Rosacruz, dade como o elo entre todas as espécies e nos
entre os artigos leva a observar que Deus seria a própria essên-
inspiradores cia da ecologia.
de conteúdos Nosso frater José Lima nos brinda com o
variados, o es- artigo “O Sol dos Rosacruzes”, onde tece consi-
crito pelo nosso ex-Imperator Dr. H. Spencer derações sobre o processo da iniciação segundo
Lewis intitulado “Política Cósmica”, que traz sua visão, trazendo elementos para reflexão do
importantes ponderações de como o cidadão leitor sobre o assunto.
rosacruz deve portar-se diante dos desafios “A mulher encarna, de maneira privilegiada,
políticos. A AMORC, como organização, sem- os valores femininos próprios a todo ser humano.
pre foi e continuará sendo apartidária, mas os Ela está ligada ao criado, ao imenso potencial de
rosacruzes, como cidadãos, devem estar atentos vida, oferecida ao amor, ao mistério das águas
e participantes nas iniciativas que conduzam matriciais e ligada ao Divino”, esta é uma das
a humanidade por caminhos mais humanos, afirmações do artigo “Em busca da Unidade e
éticos e pacíficos. Entenda-se que as convicções do Ser – A Feminidade”, da Soror Emmanuelle
políticas, bem como as religiosas, são pessoais Jean-Pierre, que revela a importância do femini-
e a discussão deve ser evitada nos ambientes no como elemento integrador da humanidade.
rosacruzes, incluindo grupos em redes sociais, Finalmente, ressalto o texto do nosso
para a preservação da harmonia. Imperator, “Preparando-se para a iniciação
Um convite à visualização é feito no artigo mística”, que dá continuidade ao que foi publi-
“A metacognição” da Soror Suzy Goldstein, cado na edição anterior, sendo leitura obriga-
que oferece uma boa oportunidade de rever tória para aqueles que levam a sério o caminho
alguns conceitos estudados nas monografias da Iniciação. Verdadeiramente inspirado, Frater
e praticar exercícios já conhecidos sob uma Christian faz recomendações que realmente
nova abordagem. aplainam o caminho do buscador.
A vida é um momento fugaz. Entretanto, a Boa Leitura!
beleza e o encantamento que ela contém devem Com meus melhores votos de Paz Profunda, sou
ser vividos intensamente. Soror Ernie Holyer em
seu artigo “A Vida é o momento” nos incentiva a
fruir dessa oportunidade que nos foi concedida. Sincera e Fraternalmente
O neopitagórico Apolônio de Tiana é bem AMORC-GLP
conhecido dos rosacruzes e martinistas como
um grande místico. Sua trajetória iniciática é
contada no artigo do frater Percy Pigott.
“Assim falou Zaratustra” lança alguma luz
sobre o texto do polêmico filósofo Nietzsche,
bastante comentado, mas pouco compreendido. Hélio de Moraes e Marques
Este pensador, desde sua afirmação de que Deus Grande Mestre

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


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n SUMÁRIO

04 Preparando-se para a iniciação mística


Por CHRISTIAN BERNARD, FRC

10 A metacognição
04
Por SUZY GOLDSTEIN, SRC

14 Apolônio de Tiana
Por PERCY PIGOTT, FRC

18 Deus e a Ecologia

18
Por PIERRE-ANTOINE CRISAN, FRC

26 Canção da Paz
“LET THERE BE PEACE ON EARTH”

28 Assim falou Zaratustra


Por RAYMUND ANDREA, FRC

34 A Vida é o momento
Por ERNIE HOLYER, SRC

28
38 Em busca da Unidade e do Ser – A Feminidade
Por EMMANUELLE JEAN-PIERRE, SRC

45 Ao Luar
Por AUGUSTO DOS ANJOS

46 O Sol dos Rosacruzes


Por JOSÉ LIMA JÚNIOR, FRC

48 Sanctum Celestial
“Política cósmica” por H. SPENCER LEWIS, FRC

52 Ecos do passado
UMA HOMENAGEM À HISTÓRIA DA AMORC NO MUNDO
34
2 O ROSACRUZ · INVERNO 2018
O
s textos dessa publicação não representam a palavra oficial da
AMORC, salvo quando indicado neste sentido. O conteúdo dos
artigos representa a palavra e o pensa­mento dos próprios autores
Publicação trimestral da e são de sua inteira respon­sabilidade os aspectos legais e jurídicos que
Ordem Rosacruz, AMORC
possam estar inter-relacionados com sua publicação.
Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
Bosque Rosacruz – Curitiba – Paraná Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa na Ordem
Rosacruz, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa.
Todos os direitos de publicação e repro­dução são reservados à Antiga
e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de
Língua Portu­guesa. Proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio.
As demais juris­dições da Ordem Rosa­cruz também editam uma revista
do mes­mo gênero que a nossa: El Rosacruz, em espanhol; Rosicru­cian
Digest e Rosicrucian Beacon, em inglês; Rose+Croix, em francês; Crux
Rosae, em alemão; De Rooz, em holandês; Ricerca Rosacroce, em italiano;
Barajuji, em japonês e Rosenkorset, em línguas nórdicas.
CIRCULAÇÃO MUNDIAL

Propósito da expediente
Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC
Ordem Rosacruz n

A Ordem Rosacruz, AMORC é uma orga- n Editor: Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
nização interna­cio­nal de caráter templário,
místico, cul­tural e fraternal, de homens e
n Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC
mulheres dedicados ao estudo e aplicação

como colaborar
prática das leis naturais que regem o uni-
verso e a vida.
Seu objetivo é promover a evolução da
huma­nidade através do desenvolvimento
das potencia­lidades de cada indivíduo e
n Todas as colaborações devem estar acom­panhadas pela declaração do
propiciar ao seu estudante uma vida har- autor cedendo os direitos ou autori­zando a publicação.
moniosa que lhe permita alcançar saúde,
felicidade e paz.
n A GLP se reserva o direito de não publicar artigos que não se encaixem
Neste mister, a Ordem Rosacruz ofe- nas normas estabelecidas ou que não esti­verem em concor­dância com a
rece um sistema eficaz e comprovado de pauta da revista.
instrução e orientação para um profundo
auto­c onheci­mento e compreensão dos n Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Originais não
processos que conduzem à Iluminação. serão devolvidos.
Essa antiga e especial sabedoria foi cui-
dadosamente preservada desde o seu n No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá providenciar
desenvolvimento pelas Escolas de Misté- a autorização dos autores, necessária para publicação.
rios Esoté­ricos e possui, além do aspecto
filosófico e metafísico, um caráter prático. n Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e práticas
A aplicação destes ensinamentos está ao rosacruzes, misti­cismo, arte, ciências e cultura geral.
alcance de toda pessoa sincera, disposta a
aprender, de mente aberta e motivação
positiva e construtiva. nossa capa
A capa desta edição mostra a pintura de J.
Augustus Knapp que retrata uma imagem
idealista de um Templo de Mistérios Atlan-
te. Em Critias, Platão descreve a grande civili-
zação Atlante. Antes que a Atlântida submer-
gisse, iniciados levaram consigo as doutrinas
Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri
82515-260 Curitiba, PR – Brasil
secretas que lhes eram confiadas para o Egito
Tel (41) 3351-3000 / Fax (41) 3351-3065 e outras partes da terra onde estariam a salvo
www.amorc.org.br da catástrofe, preservando seus ensinamentos.

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3
n IMPERATOR

© GETTYIMAGES

Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC*

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E
m um outro artigo, expliquei que a dedicar todo o potencial místico da nossa
primeira grande iniciação que os ro- encarnação presente a esta preparação.
sacruzes devem procurar no caminho Podemos nos sentir desanimados com essa
da Ordem Rosacruz é aquela que lhes perspectiva e não convencidos de que o obje-
permitirá experimentar conscientemente sua tivo a ser alcançado justifica dedicarmos uma
própria dualidade. Nesse sentido, lembre-se ou várias vidas à sua preparação. Por outro
de que o objetivo principal dos ritos iniciá- lado, podemos temer que tal preparação, em-
ticos praticados nos templos do antigo Egito bora pareça justificada e necessária, nos priva-
era ajudar os candidatos a experimentarem a rá de muitos prazeres mundanos e aumentará
projeção. Essa experiência de projeção deveria o fardo de nossas provações. Não só nos equi-
deixar uma impressão indelével sobre suas ra- vocamos se pensarmos que é assim, mas tam-
zões e emoções e convencê-los, sem qualquer bém provamos que nos falta fé e motivação
dúvida, de que o propósito da encarnação ter- místicas. Não há alternativa no caminho da
rena era receber a revelação dos mistérios. No espiritualidade. Ou estamos convencidos da
entanto, acrescento que a experiência mística existência de uma Inteligência Divina que os
através da qual os Iniciados se tornam ple- seres humanos devem experimentar, ou du-
namente conscientes da essência da sua alma vidamos disso. Se duvidarmos, isso não altera
não constitui o summum bonum do processo o fato de que essa Inteligência existe, mas faz
iniciático. Eles devem transformar essa expe- com que cada aumento de consciência que nos
riência em uma realidade constante e apren- aproxima mais dela seja mais árduo e demo-
der a funcionar com facilidade e eficácia tanto rado. Se nos convencermos de que o Deus de
no plano espiritual como no plano material. nosso coração constitui a nossa razão de ser,
É somente no final deste período de apren- devemos viver o misticismo rosacruz no pas-
dizagem, e depois de anos – e até mesmo de sado, no presente e no futuro, com a convic-
encarnações – dedicados ao estudo e à aplica- ção absoluta de que o estado de Rosacruz foi
ção do misticismo, que estão cosmicamente atingido pelos Iniciados, está sendo alcançado
prontos para receber a mais alta iniciação que agora por alguns Adeptos, e será alcançado
os seres encarnados podem experimentar. por todos aqueles entre nós que têm coragem
Na Tradição Rosacruz, a Iniciação Su- e determinação para se preparar para isso.
prema transforma cada estudante rosacruz Como todos sabem, podemos sentir tan-
em um Rosacruz; em outras palavras, eleva ta felicidade em nos prepararmos para um
o indivíduo do status de um membro da evento, seja o qual for, como em vivenciá-lo.
fraternidade visível da nossa Ordem à de Por exemplo, quando você se prepara para
um Mestre da Grande Fraternidade Branca. receber amigos, a alegria que você sente ao
Cientes disso ou não, todos estamos indo em fazer tudo o que puder para dar-lhes uma
direção a esse objetivo, e a Antiga e Mística recepção calorosa pode até ultrapassar o
Ordem Rosacruz orienta cada passo que to- prazer que você sente quando está em sua
mamos em direção ao estado da Iluminação companhia. O mesmo é verdade quando se
que se segue. Mas quero enfatizar que é im- trata de misticismo, mas muito mais, pois
provável que possamos alcançar esse estado o amigo que estamos nos preparando para
de perfeição nesta vida, pois corresponde a encontrar através da iniciação é o maior de
um plano cósmico do qual ainda estamos todos. Este amigo é o nosso Mestre Interior, o
muito longe. Entretanto, temos o dever e o companheiro mais íntimo que nos foi dada a
poder de nos preparar para isso e devemos oportunidade de conhecer, bem como o mais

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n IMPERATOR

alto Iniciado com quem podemos falar. Este para isso. Em primeiro lugar, uma vez que ele
Mestre também é o guardião da Sabedoria de encarna a Sabedoria de Deus dentro das pes-
Deus dentro dos humanos e contribui com a soas, enquanto os Mestres encarnados, sejam
sabedoria humana junto a Deus. Tudo o que eles quais forem, são apenas uma expressão
nos incomoda aflige esse sábio Mestre, e tudo dessa sabedoria, ele sabe muito melhor do
o que nos torna felizes também faz com que que eles quanto conhecimento podemos re-
esse Mestre seja feliz, pois o Mestre sabe que ceber em um determinado ponto em nossa
nossa angústia é a consequência de nossos evolução. Em segundo lugar, é ele e somente
erros e que nossa felicidade vem da verdade ele quem recebeu de Deus o poder de nos
interior. Não há perguntas que o Mestre não iniciar nos vários planos de consciência que
possa responder, mas há muitas respostas precisamos para entrar em contato com os
sobre as quais devemos questionar o Mestre. Mestres. Assim, por estas razões e muitas
Nosso Mestre Interior conhece tudo sobre outras que lhes deixo descobrir, nosso Mestre
o nosso passado e, como a rosa que desa- Interior é verdadeiramente o Hierofante que,
brocha para cumprimentar a luz do dia, ele em cada uma de nossas encarnações, garante
foi o primeiro a abençoar a vinda da nossa que o processo iniciático que continua den-
alma. Dia e noite, ele tenta, por todos tro de nós esteja em conformidade com
os meios possíveis, ser visto ou ou- o cumprimento da Lei Cósmica.
vido, mas dia e noite vendamos Como mencionado anterior-
nossos olhos e tapamos nossos mente, nosso Mestre Interior
ouvidos. Na verdade, não se é nosso melhor amigo, e seu
passa um único dia sem que maior desejo é que nos tor-
© GETTYIMAGES

ele faça tudo o que estiver ao nemos seu melhor amigo


seu alcance para atrair nossa também. Para realizar isto,
atenção. Nosso Mestre Interior devemos nos preparar, não
sabe que o momento em que ele para recebê-lo, pois ele não
nos confiará a joia da nossa con- pode deixar o nosso Templo In-
sagração suprema ainda está muito terior, mas elevar a consciência para
distante, mas ele também sabe que o tem- encontrá-lo. Nesse sentido, o processo
po é o melhor servidor e que os humanos iniciático realizado sob os auspícios da An-
não têm melhor mestre. Sua paciência abraça tiga e Mística Ordem Rosacruz, AMORC,
a eternidade, e a confiança que ele sempre corresponde a um princípio ativo e não pas-
colocou em nós é infinita. Para ele, não há sivo. Os candidatos sempre se elevam para o
dúvida de que um dia alcançaremos o objeti- Iniciador; Iniciadores nunca descem ao nível
vo, pois não podemos escapar do nosso des- do neófito. Quando nossa ordem afirma que,
tino cósmico. O único poder que possuímos quando o discípulo estiver pronto, o Mestre
é a aplicação positiva do nosso livre-arbítrio aparecerá, isso não significa que o Mestre vá
para que nosso retorno ao Reino Celestial ao encontro do discípulo, mas que o discí-
possa ser realizado o mais rápido possível e pulo, através da preparação ativa, atingiu o
nas condições mais favoráveis. estado de consciência que lhe permite a har-
Para ser iniciado em nosso próprio misté- monização com seu próprio Mestre Interior.
rio, devemos procurar conhecer nosso Mes- No que consiste esta preparação e no
tre Interior mais do que qualquer outro Mes- que deve ser aplicada? Esta é a pergunta
tre visível. Existem pelo menos duas razões que agora vou tentar responder. Vimos que

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a definição Rosacruz de iniciação colocada está dizendo? No que está pensando?
enfatiza igualmente a razão e a emoção. Qualquer pensamento neste sentido nos
Isso pressupõe, portanto, que nos prepare- afasta do nosso principal dever. Devemos
mos mental e emocionalmente para conhe- então verificar na nossa linha de pen-
cer nosso Mestre Interior e nos banharmos samentos tudo que não tem propósito e
em sua luz. Para termos sucesso, temos duas utilidade, mas, sobretudo, o sentimento
chaves mágicas à nossa disposição. A pri- de curiosidade excessiva e malícia. Um
meira chave é a meditação, pois abre a porta homem deve usar sua mente para pensar
para a razão pura. A segunda chave é a ora- naquelas coisas que se fossem pergun-
ção, pois sem ela não podemos conhecer a tadas de repente, “O que está passando
pureza dos mais nobres sentimentos. pela sua cabeça agora?”, e com a mente
No estado de vigília, refletimos constan- aberta conseguisse responder imedia-
temente sobre os eventos que marcam nossa tamente: “isso ou aquilo”; e a partir de
vida, hora após hora, se não minuto após suas palavras ficaria claro que tudo nele
minuto. Tudo o que vemos, ouvimos, prova- é simples e benevolente, sem ter rivalida-
mos e tocamos é motivo de reflexão. Nossa de, inveja e suspeita, ou qualquer coisa
razão é, portanto, incessantemente acionada que não o deixasse envergonhado se dis-
pelo nosso ambiente externo, e as conclusões sesse que está passando por sua cabeça.
internas que obtemos determinarão nossas
ações e reações em relação às pessoas e às Então, é fácil entender que nossos pensa-
coisas que nos rodeiam. Quanto mais usamos mentos dão início ao nosso raciocínio para
o nosso raciocínio objetivo para resolver pro- a Beleza ou à Fealdade, pois cada um deles
blemas dignos da consideração de um místi- morre constantemente por dar origem a um
co, mais iniciamos nossa razão no verdadeiro novo pensamento que igualmente constrói
papel que deve desempenhar na vida. Esse ou destrói. Todos nós sabemos que o poder
papel não é julgar precipitadamente o que de nossa mente é criativo, mas se soubésse-
não lhe interessa, nem especular desnecessa- mos o quanto isso é verdade, às vezes preferi-
riamente sobre o que escapa à sua compre- ríamos evitar o pensamento. No entanto, não
ensão. Em vez disso, é refletir sobre os meios é o processo de pensar, em si mesmo, que é
para tornar cada um dos nossos pensamen- positivo ou negativo, pois ele é neutro por
tos, palavras e ações consistentes com o Bem, natureza, mas é antes o objeto ou o sujeito ao
que é nossa missão manifestar na Terra. qual aplicamos esse processo. Isso significa
As observações anteriores trazem a questão que, se pensarmos em algo como se fosse
de como saber sobre que tipo de assuntos po- impuro, nós inevitavelmente criamos discór-
demos meditar ou, mais exatamente, que tipo dia dentro e ao redor de nós. Inversamente,
de problema não nos deve preocupar. Acredito se concentrarmos nossa razão sobre aquilo
que o seguinte trecho dos escritos de Marco que é intencionalmente puro, nós, necessa-
Aurélio melhor responderá a esta pergunta: riamente, expressamos harmonia cósmica
através de nossas palavras e ações. Conse-
Não desperdice sua vida com pensamen- quentemente, a melhor maneira de tornar o
tos sobre os outros, a não ser que asse- nosso raciocínio um instrumento do Bem é
gure o que é positivo, porque perderia a fazê-lo agir sob o apoio contínuo da medita-
oportunidade de fazer algo construtivo. ção, sempre que possível. Nesse sentido, me-
O que essa pessoa está fazendo? O que ditar não significa necessariamente que nos

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n IMPERATOR

retiremos do tumulto da vida profana e nos Como tentei esclarecer, nunca esqueça que
isolemos por horas, refletindo sobre alguma seu Mestre Interior sempre fará todos os es-
questão filosófica, pois, no final das contas, forços para aliviar o fardo da sua cruz se você
toda questão é filosófica quando se trata do der supremacia à beleza da sua rosa.
que é bom para a nossa própria evolução e a Assim como a meditação é o ideal inici-
dos outros. Mesmo assim, é verdade que pre- ático da razão, a oração é o ideal iniciático
cisamos nos isolar regularmente dentro do das emoções. Se os seres humanos sobre esta
silêncio de nosso Templo Interior, de modo a Terra amassem mais o Deus de seus corações
nos dedicarmos à meditação mística. e odiassem menos o Deus da compreensão
A questão que se apresenta é como pro- de outras pessoas, a consciência coletiva da
ceder na meditação de forma útil e eficaz. humanidade se acharia altamente purificada.
Conforme indicado nos ensinamentos rosa- Mas a verdadeira oração tornou-se o privilé-
cruzes, a meditação consiste de duas fases; gio de uma pequena minoria, e sua ausência
sendo uma passiva e a outra ativa. Durante atrai mais e mais adeptos da maioria. É, no en-
a fase ativa, devemos definir claramente o tanto, a Estrada Real que Moisés, Buda, Jesus,
tema da nossa meditação e dedicar todo o Maomé e muitos outros aconselharam que
nosso pensamento objetivo por alguns sigamos. Apesar disso, alguns fiéis se ata-
minutos. Após este período de con- cam enquanto oram em seus nomes.
centração, devemos prosseguir Por quê? Através da ignorância
para a fase passiva, que consiste do que é a verdadeira oração e
em transmitir ao nosso Mestre a quem deve ser dirigida. Se os
Interior o assunto que medi- seres humanos orarem a um
© GETTYIMAGES

tamos, assim como o entende- deus que está fora de si mes-


mos desde o ponto de vista da mos, entrarão em guerra uns
nossa razão. Sem essa transfe- com os outros por deuses inter-
rência do eu intelectual para o postos. Mas no dia em que eles
eu espiritual, nenhuma resposta entenderem que devem orar a um
do Cósmico pode nos alcançar. Deus interior que seja o mesmo den-
Você vai notar que o processo de medi- tro do coração de um judeu, de um budista,
tação segue as linhas da iniciação, pois tam- de um cristão, de um muçulmano e até de um
bém envolve transição e passagem de um pla- ateu, então eles se comunicarão no mesmo
no de consciência para outro. Em outras pala- templo – o da Paz Universal.
vras, a questão sobre a qual meditamos deve A oração é o diálogo do coração – um
morrer na consciência objetiva para renascer diálogo que tendemos a negligenciar. Sua
no subconsciente. Eu também acrescento que importância reside mais na essência do que
quanto mais meditamos sobre assuntos rela- na forma das palavras que usamos, sejam
cionados à espiritualidade, mais iniciamos o elas faladas oralmente ou mentalmente. As
nosso eu intelectual em sua verdadeira razão frases prontas repetidas automaticamente
de ser. Ao fazê-lo, nossos problemas materiais não têm mais impacto místico do que uma
são mais facilmente resolvidos porque, de lição recitada perfeitamente por um aluno
acordo com um velho ditado, aqueles que pe- que não entendeu o seu significado. Quando
dem a Deus que os mistérios de seu ser espiri- oramos, é a voz da alma que deve ser ouvida
tual lhes sejam revelados são recompensados e não a voz da razão. Uma única palavra pode
com a assistência cósmica no plano material. ser suficiente, a partir do momento em que

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transmite por si só uma emoção que milhares Para concluir este artigo, gostaria de
de palavras não são suficientes para expressar. compartilhar com você o que Bahram
É fácil entender que a oração é a única lin- Elahi, um Mestre Sufi, disse sobre a
guagem que pode ser ouvida e entendida pelo oração. Esta citação concorda comple-
nosso Mestre Interior. Devo acrescentar ainda tamente com o significado que eu atri-
que o Mestre faz dela seu próprio idioma, pois buo a ela como um processo místico:
é sob sua inspiração que sentimos o desejo
de orar. Isso significa que, sempre que não A oração é o meio para entrar em con-
respondemos a esse impulso, nos privamos de tato com Deus e estabelecer uma ligação
uma harmonização com ele. Nosso dever in- direta com Ele. Quanto mais sincera a
dividual é determinar o método de orar mais pessoa é, mais consciente desta ligação
adequado para nós mesmos, pois dois indiví- ela se torna. Pode-se orar com ações,
duos não respondem exatamente da mesma bem como com palavras: ser caritativo
forma aos impulsos que levam à oração. para com os outros, nunca falar mal de
Por que devemos orar? A resposta a esta ninguém, ser útil para a sociedade, esta
pergunta pode ser resumida nessas palavras: é a oração básica. Para os místicos que
para agradecer, confessar e pedir. Orar para sentem o verdadeiro amor em relação
dar graças equivale a expressar nossa grati- ao Deus de toda a humanidade, existem
dão ao Cósmico não apenas pelas bênçãos palavras de oração. No início, essas pala-
diárias que vivenciamos pessoalmente, mas vras não são fáceis, mas uma vez que o
também pelas bênçãos que outras pessoas que é a Divindade é vivenciada, elas vêm
desfrutam. Confessar é equivalente a expres- espontaneamente. Em primeiro lugar,
sar os arrependimentos que sentimos por tente se concentrar em Deus ao falar
ter cometido erros em pensamento, palavras algumas palavras sagradas usadas pelos
ou ações, seja para nós mesmos ou para os místicos para orar: é uma oração-medi-
outros. Por fim, devemos pedir a Deus dia- tação. Depois de um tempo, as palavras
riamente a força para viver em paz com nós não são mais necessárias: elas se tornam
mesmos e nos tornarmos instrumentos de a própria oração. O mais importante na
paz para o bem-estar dos outros. A este res- oração é imaginar que Deus está na nos-
peito, o que as religiões presentes chamam de sa frente e sentir nosso Mestre presente
ação de graças, ato de contrição ou ato de in- dentro de nós. É até mesmo possível che-
tercessão corresponde aos processos místicos gar ao ponto em que nenhuma distância
que os iniciados antigos usavam diariamente separa a alma de Deus, onde a pessoa
e que todos os adeptos místicos usavam que ora esquece de si mesma e vê apenas
muito antes de se tornarem ritos puramente o Divino. Este estado é muitas vezes ape-
religiosos. A diferença básica entre o uso nas momentâneo, mas quando é perma-
religioso e a aplicação mística é que, no pri- nente, o objetivo supremo é alcançado.
meiro, as preces são direcionadas para uma
divindade externa que esperamos alcançar Sob os Auspícios da Rosacruz e do Deus
orando a santos ou entidades intermediárias, de seu coração, inicie sua razão através da
enquanto que, no segundo, correspondem a meditação, inicie suas emoções através da
um diálogo direto entre nós e nosso próprio oração, e você transformará a iniciação
Mestre Interior que não é outro senão o pró- mística em uma experiência viva em todos
prio Deus dentro do Templo de cada pessoa. os níveis do seu ser. 4

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n AUTOCONHECIMENTO

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como auxílio às práticas de
visualização e de estados
outros de sublimação
Por SUZY GOLDSTEIN, SRC*

A
metacognição pode ser abordada e entendimento do Universo e do mundo ao
como a busca do entendimento seu redor, para a sua capacidade de criação
de como os processos de apren- mental, para o fomento à qualidade das suas
dizagem acontecem no âmago emoções ou, simplesmente, para ajudá-lo
do nosso ser, com vista a aprimorá-los. Em a melhor entender como praticar um de-
sua acepção mais corrente, ela diz respeito terminado experimento e dele assimilar as
aos processos de aprendizagem em ambien- mais efetivas possibilidades apresentadas.
tes formais, de aprendizagem escolar, por Só para incitar a nossa curiosidade, tra-
exemplo, mas esse conceito também se apli- zemos aqui um caso típico de metacognição
ca ao universo das emoções ou dos proces- da emoção: sabem aquelas situações – que
sos criativos, dentre outras possibilidades. em alguma medida todos nós passamos um
John Flavell (Stanford University, 1970) dia na vida – em que ao percebermos um
definiu a metacognição como o conhecimen- pequeno animal nas proximidades, como
to que as pessoas têm sobre seus próprios pro- um camundongo, uma lagartixa ou um sapo,
cessos cognitivos e a habilidade de controlar por exemplo, subimos na primeira mesa ou
esses processos, monitorando, organizando, e cadeira que encontramos e nos colocamos
modificando-os para realizar objetivos con- a gritar desvairadamente por socorro?
cretos. Para ele, a metacognição está vincula- Como a metacognição da emoção,
da à habilidade de refletir sobre uma deter- especificamente, poderia ser utilizada
minada tarefa – por exemplo, ler, calcular, nessas situações? Qual seria a sua efetivi-
pensar, tomar uma decisão – e, por nossos dade? Ela ajudaria a melhor entender as
próprios meios e escolhas, selecionar e usar o nossas reações emocionais? Em que ela
melhor método para resolver aquela tarefa. transformaria o nosso comportamento?
Aqui, especificamente, propomos que No que ela nos auxiliaria na nossa percep-
você conheça esse recurso, reflita sobre ele ção de mundo? Afinal, sabemos que bi-
e o assimile, se possível, buscando utilizá-lo chinhos tão pequenos não nos causariam
para o aprimoramento das estratégias de problemas, caso deles não tivéssemos tan-
aprendizagem que contribuem para o de- to medo! Aqui entra, então, com a prática,
senvolvimento da sua senda mística, sejam a nossa capacidade de entendimento de
essas estratégias voltadas para a percepção como funcionam as nossas emoções.

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


11
n AUTOCONHECIMENTO

Faça o seguinte: enquanto grita por socorro, no ato mesmo de gri-

FOTOS: © GETTYIMAGES
tar, pense no porquê da sua reação. O que está levando você a fazer tal
escândalo frente a um efetivo não-perigo? O que você carrega da sua
história que o leva a tal comportamento? Exatamente enquanto gri-
ta, perceba os componentes da sua reação, mesmo o seu exagero, e se
questione sobre a real necessidade de se comportar daquela maneira.
Ou em que raízes esse comportamento está respaldado. Isso é meta-
cognição da emoção: é a busca do entendimento de como os processos
ligados à emoção acontecem e como nós os desempenhamos no âmago
do nosso ser, visando à sua transformação e ao seu aprimoramento.
Provavelmente você, aos poucos, conseguirá transformar essa sua ca-
racterística, com base no apaziguamento, no entendimento, dos seus
processos e entraves emocionais. Claro que aqui se inscreve incontes-
tavelmente a necessidade do desejo de mudança, de transformação
de um estado atual, para outro com características aprimoradas.
Enquanto místicos, ou aspirantes a esse lugar, pense em quantas
incontáveis vezes nos surpreendemos enunciando algum impropé-
rio em situações de indignação, quando estamos no trânsito, diri-
gindo, ou em alguma outra cena, em que nos sentimos indignados
com as ações e atitudes dos outros! Como sabemos que as nossas
expressões de rancor verbalizadas, ou não, criam sua contraparte no
Cósmico, esse exercício aqui proposto para que trabalhemos as nos-
sas emoções metacognitivamente seria de grande auxílio. Que tal
tentá-lo quando esses eventos ocorrerem? Isso é um convite, ok?!
É muito interessante observar que o maior ganho, nesses trabalhos
de observação sobre que mecanismos utilizamos nos nossos processos
de aprendizagem, é o empoderamento do nosso ser. Com eles, nós mes-
mos descobrimos os nossos entraves e buscamos resolvê-los. Ressalvado
o valor inestimável de ajudas possíveis que venham do nosso exterior,
somos nós mesmos que, a partir de recursos e técnicas que nos são ofere-
cidos, aprendemos a nos conhecer, a nos transformar e a avançarmos em
direção a uma melhor qualidade da nossa aprendizagem, da nossa exis-
tência, enfim. Esse é, em verdade, o eixo de toda a aprendizagem, pro-
posta pelas nossas monografias, para o nosso desenvolvimento místico.
Tomemos, pois, o caso da visualização. Os experimentos apresentados
ao longo dos nossos estudos rosacruzes, para que desenvolvamos as nos-
sas potencialidades místicas, indicam procedimentos que devemos ex-
plorar em detalhes, em situações específicas, para que bem conheçamos o
nosso ser, o aprimoremos e, quiçá, o elevemos a uma qualidade superior
de existência. No que tange, por exemplo, à visualização, indicações são
apresentadas para situações as mais diversas, como a de “olhar” para as
cores dos nossos centros psíquicos, com o objetivo de desenvolvê-los.
Mas como “visualizar” as cores corretamente? Qual o brilho que a elas
devemos imprimir? Qual tom lhes é mais apropriado? Ou mesmo, qual

12 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


a densidade necessária a ser atribuída àque- para alcançar o melhor desempenho nes-
le centro? Essas são perguntas que aqueles sa tarefa? Quantidade de ar inspirado e
que levam a sério os seus estudos e práticas profundidade das inspirações e expirações
se fazem, em busca de alcançar os melhores podem ser diferenciais de desempenho?
resultados. Por outra via, perguntamo-nos, Caso afirmativo, que recursos são os mais
depois de já havermos feito inicialmente adequados, no que tange, por exemplo, à
aquelas acima aventadas escolhas: o brilho atenção, ao ritmo, à concentração ou ao
e o tom que escolhemos para a nossa vi- relaxamento? Esses também são proces-
sualização são realmente apropriados? A sos metacognitivos de auxílio inestimável
nossa forma de imaginar e visualizar aquele ao aprimoramento das nossas práticas.
exercício nos propiciará o melhor aprovei- Assim, ao desenvolvermos a nossa aten-
tamento da vivência? Estamos empregando ção para esse aspecto tão importante da
as melhores e mais efetivas condições para a nossa aprendizagem, nos mais variados
realização daquele experimento? Perguntas âmbitos, passamos a conhecer melhor os
que brotam do nosso desejo de desenvolver nossos processos intrínsecos de assimilação e
as melhores técnicas para o aprimoramento entendimento dos fenômenos de aprendiza-
do nosso ser. Um meio de observação razoá- gem ou dos exercícios propostos nas nossas
vel que aí se apresenta é, então, a busca na monografias e, com isso, conseguimos me-
Natureza dos parâmetros mais apropriados, lhor monitorá-los e, mesmo, aprimorá-los.
como por exemplo, a observação das cores O nosso avanço em espiral vai, então, se
do arco-íris ou mesmo do reflexo de pris- mostrando efetivo, à medida que o nosso ser
mas, memorizando-os e testando-os, até que se acostuma com cada nova proposta que lhe
nos sintamos satisfeitos com os resultados. é apresentada e, paulatinamente, trabalhada.
Em âmbito de curiosidade e auxílio, É nesse movimento, que também mobiliza as
aqui vão mais algumas alternativas. Sentir nossas emoções e que desenvolve sobrema-
o nosso corpo iluminado! O que significa? neira a nossa intuição, que se dá a nossa tão
Como devemos visualizar essa façanha? As esperada transformação, enquanto místicos.
indicações são tão genéricas! Será que ter Faz-se aqui necessário lembrar, no caso
como parâmetro o brilho de uma lâmpada pontual dos nossos estudos místicos, que
é uma boa possibilidade? Ou do Sol, seria é com essa postura de observação, corre-
melhor? Feita a escolha, perguntamo-nos ção de caminhos e formas de abordagem
metacognitivamente: estamos no caminho dos experimentos que vamos mudando os
certo? Qual a intensidade da luz que deve- nossos hábitos, as nossas formas de olhar
mos visualizar? Como conseguimos imaginar para nós mesmos, para a Natureza, para
o nosso corpo interiormente iluminado? E o Outro, para o Universo. E, com isso,
à medida que praticamos e aprimoramos passamos a perceber as infinitas nuances
as nossas formas de visualização, avan- de nós mesmos em nossa ação no mun-
çamos na nossa senda de conhecimento do, em nossa busca pela Essência. 4
do nosso próprio corpo e do Universo.
Pense aí: você já se deparou com a ne- * Soror Maria Suely Oliveira Goldstein (Suzy Goldstein) é
cessidade de atenção, por exemplo, à sua advogada e linguista, com mestrado e doutorado em Análise
de Discursos pelo IEL (Instituto de Estudos da Linguagem)
respiração, como meio de concentração no da Unicamp. Autora do primeiro livro brasileiro sobre
seu universo interior? O que significa isso sustentabilidade e ecovilas, intitulado Um Fazer Diferente: Vida
em Ecovila. Professora de cursos de Direito e de Linguagem
efetivamente? Quais os melhores recursos e Discurso em Universidades do Estado de São Paulo.

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


13
n FILOSOFIA

Por PERCY PIGOTT, FRC


© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

14 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


O Jovem Iniciado longa vida. Deixou de comer carne,

N
beber vinho e deixou até mesmo
uma de suas obras, Bulwer-Lytton de usar calçados, passando a usar
afirmou que: “As almas pérfidas, somente vestes de linho. Submeteu-se,

© GETTYIMAGES
a maioria das que habitam o no devido tempo, a cinco anos de silên-
mundo, merecem a esperança e a cio. Em certa ocasião, durante esses cinco anos,
agonia das almas nobres, as poucas que aspi- chegou à cidade de Aspendo, na Panfília, onde
ram e sofrem eternamente”. Não é necessário os habitantes estavam prestes a matar um rico
concordar com esse ponto de vista, mas, mercador que comprara toda a safra de milho
naturalmente, é mera constatação histórica para exportação enquanto eles passavam fome.
o fato de que os homens atiraram pedras Apolônio, com seu semblante de dignidade,
em seus profetas, queimaram seus santos por acenos e gestos, obteve a atenção da turba,
e escarneceram a sabedoria de seus sábios. acalmou sua ira e, presumivelmente, distribuiu
Por causa de sua sabedoria, Apolônio tam- com equidade o milho. Após os cinco anos de
bém foi escarnecido. E quem foi Apolônio? silêncio, diz-nos Philostratus que “suas palavras
Temos um registro completo e razoavel- (de Apolônio) tinham a autoridade das senten-
mente confiável sobre a vida desse grande ças proferidas por um rei”.
místico grego do Primeiro Século. A im- Se é verdade, como S. Marcos afirma em
peratriz Julia Donna, esposa de Septimus seu Evangelho, que sempre podemos reconhe-
Severus, entregou a Philostratus as memórias cer um verdadeiro devoto (iniciado), porque
escritas por Qamis, devotado companhei- este coloca a mão sobre os doentes e os cura,
ro de Apolônio em todas as suas viagens. Apolônio era certamente um verdadeiro ini-
Philostratus foi incumbido de escrever a bio- ciado. Em Aegae havia um templo dedicado
grafia que chegou até nós. Além dessa biogra- a Asclépio, o deus da cura. Nesse templo suas
fia, existe uma história de Apolônio escrita curas eram tão numerosas, que acorriam
por um admirador chamado Maximus, e um multidões ao templo. Tanto era assim, que,
tratado, hoje perdido, escrito pelo próprio quando uma pessoa estava andando apressa-
sábio (algumas de suas cartas ainda existem). damente na rua, perguntavam-lhe: estás indo
Pouco antes do nascimento de Apolônio visitar o moço? Apolônio era conhecido como
de Tiana, na Capadócia, sua mãe teve uma “o moço”, porque então era muito jovem.
visão de um deus. Quando lhe perguntou Durante toda a sua vida Apolônio sempre
que tipo de criança ela daria à luz, ele res- buscou o saber, mais especialmente o saber arcano.
pondeu-lhe: “Eu Mesmo”. “Quem é você?”, Com esse intuito, foi à Pérsia, Babilônia
perguntou-lhe então. “Proteus, um deus do e Índia, entrando em contato com os Magos
Egito”, foi a resposta. e com os Brâmanes da Índia. A primeira ci-
Quando o nascimento estava próximo, dade a que chegou foi Nínive. Ali conheceu
foi ela aconselhada a dirigir-se a um prado Damis, que se tornou seu discípulo e cons-
e aí seu filho nasceu. tante companheiro. Juntos viajaram à cidade
Em tenra idade, Apolônio foi levado a da Babilônia. Apolônio disse ao sátrapa na
Aegae para estudar. Comparecia a discursos so- fronteira que gostaria de falar com o rei. Este
bre Platão e Epicuro, mas sentia maior atração revelou-se muito cordial, e Apolônio aceitou
pela filosofia de Pitágoras, por ele estudada com seu conselho de cultivar boas relações com
grande ardor, adotando a disciplina pitagórica os Magos, os quais, naturalmente, Apolônio
e seguindo-a rigidamente para o resto de sua visitou, descrevendo-os depois como “sábios,

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


15
n FILOSOFIA

mas não em todos os aspectos”. Apolônio ofereceu-se como candidato


Apolônio e Damis ficaram quase à iniciação nos Mistérios Eleusinos. Foi re-
dois anos na Babilônia, e dirigi- cusado: o hierofante classificou-o de mago
ram-se depois à Índia, tendo o rei e charlatão. Apolônio, contudo, parece
lhes fornecido um guia e camelos. ter se oferecido como exemplo aos outros
A caminho, descobriram algumas memó- (como fez Jesus quando foi a João para ser
rias de Alexandre, o Grande, e constataram batizado), pois declarou que sabia mais a
que os brâmanes jamais submeteram-se à respeito do rito iniciático que o hierofante.
sua autoridade. Comprovaram a geografia de O magistrado de Nero, Tigelino, teve
Pitágoras. Receberam também uma carta diri- levantadas suas suspeitas sobre o “reforma-
gida a Larchas, o mais antigo dos sábios. Esses dor muito popular”. Fez prender Apolônio,
místicos hindus viviam numa colina, e, quan- sob a acusação de irreverência a Nero.
do Apolônio ali chegou, eles revelaram-lhe que Uma indicação foi preparada e entregue a
não só o estavam esperando, mas que também Tigelino, ao presidir ao julgamento. O pró-
conheciam perfeitamente toda a sua vida pre- prio Tigelino desenrolou-a e ficou estupe-
gressa. Sobre esses filósofos, Apolônio, após fato: ela estava em branco. “Pode ir”, disse a
retornar, disse: “Vi brâmanes hindus vivendo Apolônio; “você é forte demais para mim”.
sobre a terra, mas não nela, vivendo em forta- Conta-se que pouco depois desse episódio,
lezas sem fortificações, nada possuindo, mas Apolônio realizou seu milagre mais extraordinário.
tendo os maiores tesouros da humanidade”. Uma jovem, pertencente a uma família
consular, tinha morrido. Deparando-se com
Cruzando o cortejo e ataúde, Apolônio parou a pro-
cissão e tocou a jovem. Ela despertou de seu
o Umbral sonho de morte.
Vespasiano valorizou a sabedoria desse
Regressando da Índia, Apolônio visitou os grande místico, procurou-o e encontrou-o num
muitos templos da Ásia e da África do Norte. dos templos. “Faze-me rei”, rogou Vespasiano.
O povo de Éfeso, acometido por uma epide- Apolônio respondeu que já tinha orado por
mia, rogou-lhe ajuda. Apolônio imediatamen- isso e que ele não precisava ficar apreensivo.
te prestou-lhes seu auxílio e estancou o curso Subsequentemente, viajou com seus com-
da epidemia. Multidões procuravam viajar panheiros ao Alto Nilo para entrar em contato
no mesmo navio em que ele fosse viajar, pois com os gimnosofistas, isto é, os filósofos nus.
acreditavam que o grande místico era senhor Classificou a filosofia deles como muito
das tempestades. Parece que foi no santuário inferior à dos brâmanes. Foi durante essa
de Orfeu, em Lesbos, que, após repetir uma visita que Eufrates, companheiro chegado
prece que os Brâmanes usavam quando que- e que pretendia ser seu discípulo, come-
riam entrar em contato com algum de seus çou a difundir calúnias sobre seu mestre.
antigos heróis, Apolônio, durante a vigília Talvez tenha sido por isso que o Imperador
noturna, conversou com Aquiles. A beleza de Domiciano ordenou que Apolônio fosse pre-
Aquiles, disse, jamais fora elogiada suficien- so. Eufrates acusou-o de matar um menino
temente, nem mesmo por Homero. A infor- para que pudesse usar suas vísceras para
mação histórica mais surpreendente que ele adivinhações. O sábio preparou sua defesa
colheu do herói de Tróia foi a de que Helena e encerrou-a com estas palavras: “Não me
jamais estivera nessa cidade. matareis, pois vos digo que não sou mortal”.

16 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


Abandonou então a corte num modo digno e com os escribas; Apolônio, com
próprio de um deus. Ao invés de persegui-lo dezesseis, realizou notáveis mila-
e prendê-lo, o tirano deixou-o livre. Quando gres de cura. Com efeito, os dois
pouco depois Domiciano foi assassinado em possuíam notável poder de cura.

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Roma, Apolônio testemunhou por clarivi- Nos Evangelhos não há nenhum
dência o ato, embora estivesse em Éfeso. relato de que Jesus tenha feito viagens longas.
Mas o Dr. H. Spencer Lewis, em seu livro A
O Iniciado e Vida Mística de Jesus, registra a viagem de
Jesus aos mesmos países (e pelas mesmas
o Mestre Jesus razões) a que viajou o místico de Tiana.
Como Jesus, que entrou em contato com seus
Os registros sobre Apolônio de Tiana são antepassados na transfiguração, Apolônio
razoavelmente confiáveis e, segundo consta, conversou com Aquiles. Os dois sofreram
o grande místico e iniciado grego do pri- perseguições do poder civil. Os dois ressusci-
meiro século A.D. buscou o conhecimento, taram uma menina. Segundo discípulos seus,
especialmente o conhecimento arcano. os dois foram recebidos no céu estando ainda
No Museu do Capitólio existe um busto no corpo. As duas personalidades, depois da
de Apolônio. Sua testa larga e seu rosto bar- transição, apareceram na terra e converte-
budo dão a impressão de dignidade e serena ram a descrença dum discípulo em crença.
fortaleza. Infelizmente, quaisquer obras que Após o falecimento de Apolônio, erigiu-
ele tenha escrito foram perdidas. Muitas de se um santuário em Tiana, onde os devotos
suas cartas, porém, chegaram até os nossos dirigiram-lhe preces durante algum tempo.
dias. Numa carta a Eufrates, conta que Platão Mas, no geral, ele foi esquecido, talvez por
disse que “a verdadeira virtude não precisa causa de parcialidades fanáticas. Teólogos e
de mestre”. Escrevendo a Lesbonax, insiste historiadores cristãos temiam que ele fosse
em que este procure ser pobre enquanto in- revivescido, por autores anticristãos, como um
divíduo, mas rico enquanto componente da rival do fundador do cristianismo. Isso ele era
humanidade. “Não existir absolutamente é a algum grau, e por isso os teólogos cristãos,
nada”, escreveu a outro correspondente, “mas especialmente Eusébio, consideraram-no um
existir é dor e sofrimento”. E ainda, “os bons charlatão. Sua memória foi reavivada por
homens merecem o que possuem; os maus Voltaire, pelo mesmo motivo que tinham os
vivem mal mesmo que sejam prósperos”. antigos autores anticristãos. Foi esquecido
Não é necessária nenhuma instrução espe- novamente, até que Jacob Burckhardt, o his-
cial para notarmos a extraordinária semelhan- toriador alemão do período de Constantino,
ça entre a vida de Apolônio e a vida de Jesus, a ele se referiu como alguém “que anda des-
contada nos Evangelhos. O nascimento de calço, em vestes de linho, que não consome
ambos fora previsto, e foram acompanhados nem vinho nem carne, não toca mulher,
de profecias. Jesus nasceu numa manjedou- doa seus bens, conhece tudo e compreende
ra (sobre feno); Apolônio nasceu num local tudo – até a linguagem dos animais – surge
em que havia feno. Ambos se afirmavam em meio à fome e revolta como um deus,
imortais, e ambos foram considerados a en- realiza milagres após milagres, exorciza de-
carnação de um deus. Os dois foram traídos mônios e ressuscita os mortos”. Isso, uma vez
por um discípulo chegado. Jesus, com doze mais, parece levantar a questão de Apolônio
anos apenas, discutiu doutrinas teológicas de Tiana ter sido mortal ou imortal. 4

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


17
n PESQUISA
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Por PIERRE-ANTOINE CRISAN, FRC*

18 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


São Bernardo dizia:

“Aprende-se muito mais coisas nos bosques que nos livros. As árvores e
as pedras vos ensinarão coisas que nenhum homem poderá dizer-vos;
vereis que se pode tirar mel das pedras e azeite dos rochedos mais duros.
Não sabeis que a alegria destila de nossas montanhas, que o leite e o mel
escorrem de nossas colinas e nossos vales transbordam de trigo?”.

D
emos uma visão geral da definição possível interação. Porém, antes de exami-
de ecologia, que é uma discipli- nar uma noção espiritualista da ecologia,
na científica. Pode parecer difícil vamos tentar definir um conceito de Deus.
querer aproximar a ciência da O homem frequentemente teve propensão
noção de Deus, mas é preciso reconhecer a fazer uma representação antropomórfica de
que, historicamente, uma separação entre os Deus. Efetivamente, ele se considera como a
conceitos científicos e místicos só apareceu espécie dominante no planeta e sendo assim, é
recentemente nas sociedades modernas. A difícil, para ele, representar um ser mais pode-
descrição da Criação apresentada por várias roso do que ele próprio. Sabemos que algumas
religiões, pode ter feito sorrir muitos cien- religiões dão a Deus verdadeiros sentimentos
tistas modernos que, decerto, não haviam humanos, como a cólera ou a vingança. Por-
compreendido o valor simbólico do texto; tanto, antes de tudo, é necessário abandonar
no entanto, nas escolas de mistérios egípcias esta visão antropomórfica de Deus.
eles aproximavam com muito mais intensi- O místico, por definição, se interroga
dade as noções científicas das espirituais. sobre essas noções. A esse respeito, é im-
Isto decorre em parte do que já dissemos portante esclarecer que a Antiga e Mística
anteriormente: a separação da ciência e da Ordem Rosacruz não impõe nenhum con-
espiritualidade pressuporia, de fato, a exis- ceito de Deus. Logo, o que está explicado
tência de dois sistemas de leis distintos, isto abaixo não corresponde a nenhum dog-
é, que não interagissem entre si. O estudo ma, sendo apenas uma reflexão pessoal a
do misticismo, pelo contrário, nos inclina partir dos ensinamentos da AMORC.
a pensar que existe apenas um único siste- Não se pode abordar o conceito de Deus
ma de leis reunindo os mundos espiritual e sob um aspecto unicamente intelectual: por
físico. A distinção entre os dois deriva, em isso os termos descritivos de Deus constituem,
grande parte, de nossos sentidos físicos, mas para o místico, apenas uma abordagem im-
também dos esquemas de representação perfeita. O vínculo unindo o homem, a Cria-
desses dois mundos. Se Deus existe, neces- ção e Deus é de natureza tão profunda e tão
sariamente Ele é único, por isso parece com- essencial que, às vezes, parece escapar à nossa
preensível que só exista um sistema de leis. lógica que, verdade seja dita, é construída por
Se a verdade relativa pode aflorar de nosso mental, quer dizer, pela parte mais “ter-
forma diferente, isso ocorre devido não só rena” de nossa consciência. Esta dificuldade,
à nossa compreensão, ainda limitada, do que se junta àquelas já relatadas é, em parte,
conjunto das leis, mas, sobretudo, de sua superada por técnicas místicas que consistem

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


19
n PESQUISA

Alguns podem falar também de uma


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Inteligência divina na origem da Criação.


Porém, trata-se de uma inteligência infinita
que cobre o passado, o presente e o futuro,
a origem e o fim do universo. Este último
e a natureza são, dessa forma, uma espé-
cie de emanação da consciência de Deus
em evolução, como um espelho destinado
a refletir e a manifestar sua perfeição.
As palavras empregadas que comumen-
te se referem ao mundo terreno são, pois,
bem impróprias para uma representação do
Divino. Não obstante, existe uma relação
entre Deus e a Criação da qual fazemos
parte. Essa relação é perceptível pelas leis
que compreendemos cada vez melhor.
A separação arbitrária entre a lei es-
piritual e a lei natural fez com que consi-
derássemos nossa própria relação com a
natureza como uma relação de dominador
e dominado. Podemos, igualmente, estudar
alguns exemplos retirados das religiões.
em se harmonizar com as energias divinas. Algumas religiões determinaram um cará-
Esta abordagem não se opõe a uma compre- ter sagrado à natureza e adoraram-na. Mesmo
ensão das leis físicas, que são apenas uma par- a palavra Deus vem de uma raiz indo-euro-
te do vasto sistema que governa o universo. peia, dei, significando “o que brilha”, que origi-
Dessa forma, a representação do Divino nou o termo Zeus, “o deus do céu que brilha”.
influencia bastante não somente nossa com- Os gregos veneravam também Urano, “o deus
preensão das leis, mas também os vínculos do céu que faz chover”. Na Índia, era Indra,
que nos unem à Criação, ou seja, em nosso “o deus do céu todo-poderoso”. Nas religiões
nível, à natureza. Pode-se dizer que Deus é germânicas, Thor era “o deus do trovão”, etc.
o Criador, mas, em oposição a uma lógica A religião cristã se baseia no princípio
dualista bem humana, Ele está no interior dos que Deus é o criador do universo e da terra.
seres vivos sendo, ao mesmo tempo, também Ele quem fez os equilíbrios tão delicados do
sua origem; em outras palavras, é o conjunto universo. Ele que, por sua criatividade e sua
dos seres no âmbito do universo que constitui engenhosidade sem limites, está na origem
“sua” consciência manifestada. Dessa manei- de tão grande diversidade de espécies, de tão
ra, o fato de os seres evoluírem de um estágio grande riqueza natural. A natureza diviniza-
que pode no parecer primitivo, para formas da, o pensamento religioso orientou-se então
complexas desenvolvidas, constitui uma es- para uma noção de natureza criada, mas,
pécie de desdobramento de sua própria cons- diferentemente dos exemplos citados acima,
ciência em uma determinada esfera espaço- a criação do homem surge como um proces-
-temporal. Aí reside uma das dificuldades de so específico, quase independente da criação
conceituá-lo em nosso nível humano. da natureza. Além do mais, muitas vezes o

20 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


homem foi considerado como um ser “po- verdadeira superioridade do homem, já que
tencialmente divino”, isto é, acima da nature- este desenvolvimento é julgado de acordo
za. Como tal, as modificações provocadas na com critérios humanos. Além do mais, as
natureza, visando a sobrevida ou o bem-estar resultantes negativas decorrentes deste pro-
do homem, podiam ser justificadas por sua gresso na vida de inúmeras espécies devem
superioridade na escala de valor induzida por ser vistas muito mais como uma clara e
sua natureza espiritual. evidente falta de discernimento do homem
No sufismo, encontramos textos inspira- na gestão da natureza e na responsabilidade
dores, como o de Djalâl-od-Din Rumî: frente aos seres vivos de modo geral.

Primeiro, foste mineral, depois, te tor- Deus está presente em cada espécie?
naste planta, e mais tarde, animal.
Como pode ser isto segredo para ti? A resposta mística é necessariamente sim, já
Finalmente foste feito homem, com que todas as espécies vivas emanam da mes-
conhecimento, razão e fé. Contempla ma Alma Universal.
teu corpo; um punhado de pó, vê quão Um dos exemplos interessantes no mundo
perfeito se tornou! Quando tiveres animal é na área do instinto ou comporta-
cumprido tua jornada, decerto hás mento inato. O instinto é a memória coletiva
de regressar como anjo. Depois disso, de uma espécie que evoluiu em um meio.
terás terminado de vez com a terra, e Esta memória situa-se simultaneamente na
tua estação há de ser o céu. Passa de parte espiritual, isto é, a alma, e na parte físi-
novo pela vida angelical, entra naquele ca, quer dizer, no suporte genético formado
oceano, e que tua gota se torne o mar,
cem vezes maior que o Mar de Oman.
Abandona este filho que chamas corpo
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e diz com toda a alma: “Deus é Um”.

O homem muitas vezes tendeu a se conside-


rar como a espécie “divina”, tendo, por isso,
um direito divino de exploração da natureza.
Ora, nenhuma lei espiritual lhe confere uma
supremacia sobre os seres vivos, pois, todo
o conjunto da natureza resulta das mesmas
leis, como expusemos anteriormente. Dessa
maneira, no âmbito do Divino, uma bac-
téria e um homem estão, tanto um como
o outro, estreitamente ligados ao Criador.
Certamente, o homem possui uma cons-
ciência mais evoluída, permitindo-lhe ser
mais sensível à harmonia e à beleza de sua
fonte divina presente no seio da Criação.
A tecnologia torna possível uma rápida
exploração da natureza, mas isto, claramen-
te, não poderia, por si só, estabelecer uma

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


21
n PESQUISA

pelos cromossomos. Por isso, convém notar Para ilustrar, peguemos o exemplo do
que, de acordo com a definição de ser vivo “programa” de predação do sapo: o que
que demos acima, pode-se provar a exis- mexe é bom para comer. Se você puser
tência da alma pelo lado físico dos seres; é uma mosca morta diante dele, ele não
um pouco como o observador que olhasse terá nenhuma reação. Agite qualquer coi-
um iceberg de um barco: graças às leis, ele sa como chamariz diante dele e você terá
deduz que existe uma parte submersa, ainda grandes possibilidades de vê-lo se lançar
que não possa vê-la fisicamente. Contudo, avidamente em cima a fim de engoli-lo.
sem a parte submersa, a parte à tona não Outro exemplo de comportamento inato:
existiria! Nosso intuito não é demonstrar a a nidificação ou aninhamento, que consiste
existência da alma, mas sim incentivar a re- no processo de construir ou arrumar o in-
flexão sobre esta noção como um elemento terior de um ninho. Uma experiência foi le-
de explicação do mundo que nos cerca. vada a cabo com o tecelão malhado (Ploceus
Os comportamentos instintivos são com- cucullatus) ou tecelão africano, um pequeno
portamentos inatos, isto é, determinados ge- pássaro cujas técnicas de construção de ni-
neticamente e que não necessitam de aprendi- nho são especialmente complexas. Este pás-
zagem prévia. P. P. Grasse os definiu assim: saro constrói um ninho em forma de saqui-
nho com ajuda de fibras vegetais tecidas de
O instinto é a faculdade inata de rea- maneira elaborada, preso por um laço amar-
lizar, sem aprendizagem prévia e com rado de uma maneira específica. Na experi-
toda perfeição, alguns atos específicos, ência, os ovos do tecelão foram recolhidos
sob certas condições do meio exterior e chocados por canários. Os filhotes assim
e do estado psicológico do indivíduo. criados foram por todos os meios, impedidos
de construir seu próprio ninho, sendo colo-
cados em ninhos pré-fabricados. A experi-
ência prosseguiu durante quatro gerações. A
© GETTYIMAGES

última geração foi recolocada em seu meio


natural e, na época da nidação, os filhotes
construíram um ninho típico de tecelão, sem
nunca ter podido desenvolver esta competên-
cia pelo aprendizado ou imitação junto aos
seus pais. Contudo, constatou-se que estes
pássaros são menos hábeis que os tecelões
que presenciaram a construção do ninho.
São também mais lentos, menos cuidadosos,
seu trabalho, porém, é aperfeiçoado pela
experiência, sem nunca alcançar, contudo, a
habilidade dos tecelões criados por seus pais.
Desta experiência podemos tirar vários
ensinamentos:

n O comportamento de nidificação destes


pássaros é inato, já que não necessita de
qualquer aprendizado.

22 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


n A forma e os materiais escolhidos para

© GETTYIMAGES
construir o ninho são igualmente inatos.

n Por outro lado, a habilidade na


construção depende parcialmente do
aprendizado e da experiência, é uma
aptidão em parte adquirida.

Em geral, todos os pássaros têm uma aptidão


de adaptação das modalidades de construção
do ninho tradicional, como por exemplo, em
função das modificações do meio (variação
dos materiais). Se a nidificação é um com-
portamento com forte componente inato,
permanece uma possibilidade de adaptação
pela aprendizagem e pela experiência.

Exemplo de comportamento inato: o


tatismo (ou taxias).

Nos comportamentos inatos, as reações mais


reveladoras são os tropismos e os tatismos. principalmente às plantas, e o tatismo (ou
Os tropismos podem assim ser defi- taxias), palavra que designa o mesmo fe-
nidos: são respostas comportamentais de nômeno, porém, aplicado aos animais.
organismos inteiros, que determinam movi- As taxias são respostas orientadas e obri-
mentos de orientação e às vezes também de gatórias de um organismo animal a um estí-
locomoção, provocados e sustentados por mulo instigador externo. Elas podem impelir
agentes físicos ou químicos externos (luz, o animal a aproximar-se da fonte de estimu-
eletricidade, gravidade, calor, substâncias lação (diz-se então que são taxias positivas)
químicas) propagados no meio ambiente, ou a afastar-se delas (taxias negativas). As
etc. Ou seja, os tropismos são reações com- expressões “positiva” ou “negativa” não se
portamentais aos estímulos ambientais. aplicam aos efeitos do comportamento in-
O conceito do tropismo aplica-se tanto duzido. Por exemplo, você pode observar
aos animais quanto às plantas: os giras- um tipo de taxia positiva muito facilmente
sóis (ou heliotrópios) caracterizam-se por nas noites de verão. Quando a noite cai, nor-
seu heliotropismo, isto é, sua maneira de malmente você fica, ao mesmo tempo, com
orientar sua corola para o sol, a qualquer a janela aberta e a luz acesa. Então, miríades
hora do dia. Contudo, é difícil designar este de insetos noturnos invadem o cômodo,
comportamento de orientação nas plantas aglutinando-se inevitavelmente ao redor das
desprovidas de sistema nervoso – a chamada lâmpadas acesas onde, literalmente, quei-
vida vegetativa! – pelo mesmo termo que mam suas asas. Você acabou de presenciar
usamos para os comportamentos observados um comportamento do tatismo positivo
nos animais. Por isso, faz-se uma distin- resultante da fototaxia, ou seja, o fato de
ção entre o tropismo, termo geral aplicado ser atraído pela luz. É um comportamento

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


23
n PESQUISA

vivo. Cada ser interage com seus congêneres


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e com outras espécies; é a quantidade de ex-


periências que decorrem dessas interações
que constitui uma fonte de evolução progres-
siva até alcançar o estágio evoluído da cons-
ciência que conhecemos enquanto homens.
A grande e intensa perturbação pro-
vocada pelo homem no ecossistema é um
freio para a evolução de inúmeras espécies,
assim como para o próprio ecossistema em
si mesmo. O homem, considerado como um
elemento desse ecossistema, sofre nos três
planos – físico, mental e espiritual –, por
instintivo que impele o animal, neste caso estas perturbações. Certamente, destruições
preciso, a se aproximar da fonte luminosa, violentas aconteceram em escala geológica,
apesar do perigo mortal que ela representa. mas elas, em geral, foram mais lentas e pu-
Pode-se, igualmente, citar outros exem- deram ser compensadas por adaptações bio-
plos de tatismo no mundo animal: os favos lógicas, até mesmo de evolução de espécies.
construídos pelas abelhas, a precisão dos As perturbações ou destruições violentas que
formigueiros ou dos cupinzeiros... Todos vemos atualmente dão poucas possibilidades
esses exemplos mostram que essas espé- à sobrevida ou à evolução de várias espécies.
cies obedecem a esquemas harmoniosos, Nas sociedades industriais, pode-se questio-
adaptados, de modo inconsciente. No plano nar a extensão de doenças tais como o câncer,
científico, apenas podemos questionar sobre que provoca a morte de milhões de pessoas a
a origem dos esquemas que esses animais cada ano. Nossa espécie não estaria tentando
utilizam, sem nenhuma aprendizagem. De- “se adaptar” às condições negativas de vida?
finitivamente, é a alma coletiva da espécie Somente uma consciência de nosso papel
que forma o reservatório de informações em âmbito planetário pode incitar o homem
transportado no genoma. A alma constitui, a organizar melhor a gestão dos recursos
na verdade, uma fonte de informações, para naturais e a proteção da fauna e da flora, per-
cada espécie, que traduz o caráter inato mitindo um desenvolvimento equilibrado da
do instinto. O homem não escapa a esta sociedade humana. Esta noção deveria inte-
regra, já que funciona também com seus grar melhor a fonte de harmonia fundamen-
instintos. Simplificando, podemos dizer tal que representa a natureza para o homem.
que o Divino está presente nos animais. A perturbação citada acima engendra,
É igualmente importante compreender o sem sombra de dúvida, a mesma perturba-
funcionamento da comunidade de seres vivos ção no plano espiritual e é um freio para
que forma a natureza. No plano espiritual, a evolução do homem em si mesmo. No
todos os seres vivos estão ligados à mesma plano físico, uma tal destruição do ecossis-
Alma universal. Portanto, o contexto tempo- tema promove o surgimento de inúmeras
ral põe em relação as entidades de níveis de doenças, frustrando e impedindo os be-
consciência diferentes. A evolução se torna nefícios da tecnologia moderna que, por
possível pela simultaneidade dos diferentes outro lado, propicia um nível de conforto
níveis representados por cada tipo de ser do qual nem sempre ele pode usufruir.

24 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


Deus é “ecologista”? A interdependência do homem e dos seres
vivos é esboçada pela ciência. Estou persua-
André Malraux já disse que a pergunta tem dido que outras descobertas serão feitas neste
mais importância do que a resposta. Cabe a sentido, e elas irão demonstrar que formamos,
cada um encontrar sua resposta. O fato de nós todos, uma espécie de vida coletiva em
questionar se Deus é “ecologista” pode ter um nível planetário – é provável que este princípio
interesse metodológico, mas a definição do universal se estenda a toda a vida no universo.
Criador que fizemos, considerando o Divino Nossa inteligência deveria nos fazer compre-
como o elo entre todas as espécies, nos leva a ender cada vez mais, e melhor, este princípio.
responder que Deus seria a essência da eco- Nossas necessidades biológicas exigem o
logia. O Divino é, portanto, a origem de tudo, uso das outras espécies. A lei divina deveria
e a ecologia uma representação ainda mais nos incitar a respeitá-las e a evitar a des-
imperfeita das relações complexas que exis- truição violenta e consistente de espécies e
tem entre os seres vivos. de meios ambientes. De um ponto de vista
Em todo caso, uma aplicação mais rigorosa divino, a Terra representa uma oportunidade
das leis da natureza deve nos conduzir a uma de evolução para milhões de espécies. E o
compreensão mais profunda das leis espiri- homem deveria ter consciência disso. 4
tuais e, dessa forma, nos permitir determinar
* Excerto do capítulo Deus e a Ecologia, do livro “Deus na
melhor nosso papel em relação ao ser vivo. religião, na ciência, na ecologia, na música, nas tradições, na
psicologia, na filosofia”, obra coletiva publicada pela AMORC.

Os animais são nossos irmãos menores Bibliografia: BIÈS (Jean), Sagesses de la terre: pour une écolo-
e as plantas, nossas amigas. gie spirituelle (Sabedoria da terra: por uma ecologia espiritual),
Paris, Les Deux Océans, 1996. PELT (Jean-Marie), RABHI (Pierre),
HULOT (Nicolas), GOLDSMITH (Edward), L’Homme entre Terre
et Ciel: nature, écologie et spiritualité (O Homem entre a Terra
Se tenho uma certeza, é que a vida forma e o Céu: natureza, ecologia e espiritualidade), Genève, Saint-Ju-
uma unidade tanto no plano cósmico, isto é, lien-en-Genevois, Jouvence, 2007. Le Temps (O Tempo), oeuvre
collégiale, Le Tremblay, Diffusion Rosicrucienne, 2005. Site da
unidade de alma, como no plano físico. Internet: Environnement et écologie – www.planetecologie.org
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INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


25
n VARIEDADES

Cantores profissionais a incluíram em


seu repertório. Disse a cantora Pearl Bailey:
“Quando os ‘spots’ iluminam meu rosto e eu
canto Que Haja Paz na Terra, não se ouve
um som no auditório”. Eddie Albert fez uma
gravação maravilhosa desta canção, em seu
álbum “High Upon a Mountain” (“No Alto
de uma Montanha”).
A canção começou a ganhar prêmios. Foi

C
erta noite, em 1955, 180 jovens de premiada com a Medalha de Honra George
várias raças e religiões, reunidos num Washington, pela Fundação Pela Liberdade,
seminário nas montanhas da Califór- como “extraordinária realização para promo-
nia, deram-se os braços, formando um círcu- ver uma compreensão melhor do modo de
lo, e cantaram uma canção de paz. Eles sen- vida americano”. Recebeu também um
tiram que o fato de as pessoas cantarem essa “Brotherhood Award” (“Prêmio Fraternidade”)
música, com seu singelo e sábio sentimento da Conferência Nacional de Cristãos e Judeus.
de “que haja paz na Terra e que ela comece Esta simples ideia, “Que Haja Paz na Terra
em mim”, ajudaria a criar um clima para a e Que Ela Comece em Mim”, que nasceu no
paz e a compreensão no mundo. topo de uma montanha, na voz da juventu-
Quando desceram da montanha, esses de, continua a viajar de coração a coração,
inspirados jovens trouxeram com eles a can- reunindo em toda parte pessoas que desejam
ção e começaram a difundi-la. E, como se tornar-se uma nota numa canção de compre-
tivesse asas, “Que Haja Paz na Terra” lançou- ensão e paz – paz para toda a humanidade.
-se numa espantosa viagem por todo o globo.
Essa canção, escrita pelo Frater Sy Miller e a “Que Haja Paz na Terra”
Soror Jill Jackson Miller, primeiro viajou com
aqueles jovens, para seus lares, suas escolas, Que haja paz na Terra
suas igrejas e seus clubes. Depois o círculo E que ela comece em mim.
iniciado por eles começou a se expandir. Logo Que haja Paz na Terra,
a música estava sendo cantada em todo o país A paz que almejamos ter.
– em escolas, Associações de Pais e Mestres, Com Deus como nosso Pai,
reuniões para comemoração do Natal e da Somos nós irmãos.
Páscoa, e como parte da celebração da Sema- Que eu viva com meu irmão
na da Fraternidade. Tornou-se o tema musical Bis
Em doce harmonia.
para o Dia do Veterano, o Dia dos Direitos
Humanos e o Dia das Nações Unidas. Inú- Que a paz comece em mim
meras entidades a cantaram com entusiasmo E que ela venha agora.
em suas reuniões. A canção foi gravada em A cada passo que eu der.
disco e fita, copiada, impressa em cadernos de Eu semeie a paz.
música, passada de boca em boca. Foi difun- Bis Da Rosa na Cruz da Vida e no Amor
dida pela Holanda, a Inglaterra, a França, a A desabrochar.
Alemanha, o Líbano, a América do Sul, a Ásia Que haja Paz na Terra
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e a Austrália. Os Maoris da Nova Zelândia a E que ela comece em mim,


cantaram, e também os Zulus da África. Comece em mim. 4

26 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


“Que Haja Paz na Terra”
(Let There Be Peace On Earth) – Sy Miller e Jill Jackson

Copyright 1955 por Jan-Lee Music – Versão: Angelina Caldeira Briski e Zaneli Ramos, FRC

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


27
n FILOSOFIA

Por RAYMUND ANDREA, FRC*

Z
aratustra, cansado da solidão da montanha, se colocou diante do sol e de-
clarou que ele também precisava descer para o meio dos homens, pois tinha
se cansado de sua sabedoria e precisava de mãos estendidas para levá-la.
Ele então começou seus discursos incomparáveis para todos os
tipos de pessoas que conhecia em suas jornadas por muitas terras. Os discur-
sos consistiam em quatro séries. No entanto, após ter completado a primeira
série, chegou mais uma inspiração a Zaratustra, talvez tão inesperada quanto a
primeira – aquela que o tinha tirado de seu retiro na montanha. E ele foi cha-
mado de volta para a sua solidão.
Antes daquele momento, ele tinha doado generosamente sua sabedoria a
quem quer que o ouvisse. Palavras ousadas, revolucionárias, inexplicáveis ele
tinha proferido, e foram poucos os que conseguiam aceitá-las. Tinham duplo
sentido e apenas os sábios conseguiam interpretá-las corretamente. Mas ele fala-
va no ponto em que o relâmpago da inspiração o atingia, não se preocupando se
era ou não compreendido, se era elogiado ou condenado.
Quando o fogo de uma sabedoria mais elevada toma posse de um homem,
ele não consegue discutir com ela, nem consegue picá-la ou diluí-la para agradar
ou conciliar aqueles que a ouvem. E, considerando que uma considerável porção
das escrituras se constitui desse tipo de elocução que pessoas de todas as nações
aceitam sem muito questionamento – porque se acredita que seja inspirada –
nos espantamos com a inconsistência da natureza humana.
Por que o mesmo espírito de inspiração, quando encontra uma voz entre os
homens, deveria atualmente ter uma recepção bem diferente? O mesmo aconte-
ceu com Zaratustra. Pois ele olhava para as pessoas e dizia no seu coração:

“Aí estão eles. Eis que riem. Não me compreendem.


Não sou a boca para esses ouvidos.”

28 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


Isso acontecia mesmo durante o pró-
logo para seus discursos: e ele proferiu
22 discursos antes de sua primeira vol-
ta à solidão. Anos se passaram e Zara-
tustra voltou novamente para o meio
dos homens e deu uma segunda série
de 22 discursos. Eram tão ousados e
revolucionários quanto os da primeira
série. O discurso final de sua série tem
como título: O grande silêncio. Ele con-
ta sobre o segundo retiro de Zaratustra
para sua solidão. Cito um trecho dele:

O que aconteceu comigo, amigos?


Vocês me veem perturbado,
pressionado a agir, contrariadamente
obediente, pronto para ir – ai de
mim – para longe de vocês!
Sim, mais uma vez, Zaratustra
deve se afastar para sua solidão:
mas, infelizmente, dessa vez o urso
vai voltar para sua caverna!
O que aconteceu comigo? Quem
me mandou fazer isso? Ah, minha
amante raivosa quer assim; ela falou
a mim. Já disse o nome dela a vocês?
Ontem, por volta do final da tarde
falou a mim meu grande silêncio: esse
é o nome da minha terrível amante.
E foi assim que aconteceu…,
por tudo que tenho que lhes dizer,
que seu coração não se endureça
contra aquele que parte de repente!

E depois que Zaratustra em seu orgulho


questionou e repudiou a voz imperiosa
do silêncio, finalmente foi dito a ele:

E me foi dito pela última vez:


“Ó Zaratustra, seus frutos estão
maduros, mas você não está maduro
por seus frutos! Então precisa voltar
novamente para a solidão: pois
você ainda precisa amolecer”.

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


29
n FILOSOFIA

ciosa é seguido por um de atividade inspirada


© PAUL M. R. MAEYAERT

e exortação a seus concidadãos. Novamente


a hora da inspiração passa, a mensagem é
entregue; e ele é novamente chamado para
o silêncio do coração e para a comunhão
solitária com o espírito da sabedoria.
Meus leitores devem saber que o livro inti-
tulado Assim Falou Zaratustra foi considerado
por Nietzsche como seu maior trabalho. Eu
qualifiquei os discursos de ousados, revolu-
cionários e inexplicáveis; e certamente o eram
e continuam sendo para o leitor em geral.
Mas, para aqueles que fizeram uma lon-
ga viagem no caminho da evolução e estão
acostumados com o ousado e o revolucio-
nário nos escritos de videntes e profetas,
esses discursos têm uma qualidade mística
clara e podem ser apreciados em seu ver-
dadeiro valor. Apenas um homem sábio
e um vidente poderiam tê-los escrito.
Que ele sabia que tinha uma missão para
cumprir isso é corroborado pelo fato que,
aos 30 anos de idade, Nietzsche saiu de casa e
Vida de Zaratustra/Zoroastro. Educador e
reformador. Cartão de colecionador, Liebig 1936 passou 10 anos na solidão da montanha, em
busca da verdade da vida. Ele tinha um gran-
de conhecimento de literatura. Tinha estu-
Isso aconteceu repetidas vezes a Zaratustra: dado exaustivamente as religiões do Oriente
um perambular entre muitas pessoas em di- e do Ocidente e todas as grandes filosofias.
versas cidades, e uma retirada para a monta- Seu estrangulamento do cristianismo
nha em sua caverna. Nesse período ele profe- ortodoxo é audacioso e às vezes profano.
riu a sua terceira e quarta séries de discursos. Tanto que seus inimigos mais contrariados
Às vezes os proferia para personagens estra- se encontram na Grã-Bretanha, onde seus
nhos que encontrava pelo caminho, às vezes livros foram por muito tempo difíceis de ob-
para animais que conversavam com ele, e, não ter. No entanto, ele é um pensador ousado e
raramente, em solilóquio consigo mesmo. original que é reconhecido em todo o mundo
Mas, se a experiência sobre a qual mui- atualmente; e pode-se notar que quase todo
tas vezes lemos como sendo a noite escura grande escritor em filosofia, religião e artes
da alma estava ou não sugerida nesse retiro o cita e valoriza sua vasta erudição e seu in-
periódico de Zaratustra para o aterrador sight penetrante em cada assunto que trata.
silêncio, essa interpretação imediatamen- Nietzsche não é um autor para ser reco-
te vem à mente e fica gravada em nós. mendado a qualquer leitor. Para aqueles de
O desenvolvimento de Zaratustra prosse- inteligência e apreciação limitadas, alguns
gue em ciclos alternados de atividade e retiro; de seus trabalhos podem ser até prejudi-
cada período de solidão e de meditação silen- ciais e desorientadores. Para o altamente

30 O ROSACRUZ · INVERNO 2018



inteligente, embora de mente fechada e
tendências ortodoxas, ele pode ser rejeitado … se você quer
como um inovador perigoso e destrutivo.
Para o religioso professo, ele vai ser o aná-
despertar o pior nos
tema e denunciado como traidor da alma
do homem. Para aqueles que testemunham
políticos e religiosos,
o rápido declínio atual do Ocidente e então e nos homens do
consultam suas páginas, sua palavra retum-
bante vai se demonstrar tão agourenta que conhecimento e
vai fazer um cristão odiá-lo. Para aqueles que
buscam a verdade onde quer que essa possa da ciência, basta
ser encontrada, que sabem que ela é uma
espada de dois gumes que expõe a beleza e a
apontar para um
feiura da vida com suprema indiferença, ele personagem que os


pode ser uma inspiração e um grande guia.
Tudo vai depender do tamanho e da quali- diminui ou ofusca.
dade do pensamento do leitor. E pode-se dizer

que aqueles que mostraram uma real aprecia-


ção por Nietzsche e mais o citaram em seus
próprios trabalhos foram exatamente aqueles
que são notados por seu alcance de visão, pro-
fundidade de aprendizado e profunda com-
preensão da natureza e da alma do homem.
A natureza do desenvolvimento de Zara-
tustra é, sem dúvida, análoga ao daquela fase
de evolução conhecida como ‘noite escura’. E
imediatamente vem à mente o clássico tra-
tado místico de São João da Cruz, que trata
de modo completo do assunto. Não duvido
que Nietzsche estivesse bem familiarizado
com esse trabalho e tenha feito um estudo
especial dele no curso de sua leitura onívora.
Pois, considerando como certo que ele era
altamente crítico em relação a certos ensi-
namentos religiosos, por ter percebido neles
aquilo que dificultava e acorrentava a mente
mais do que a esclarecia, sua intuição perspi-
caz expunha as fases positiva e negativa des-
ses ensinamentos com indiferença impiedosa
e absoluta desconsideração pelos sentimentos
daqueles que tinham sido alimentados com
eles desde a infância e colocavam neles to-
Página de título da primeira edição
de “Assim Falou Zaratustra” das as suas esperanças de futura salvação.

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


31
n FILOSOFIA

les que se sentiam muito melhores do


© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

que ele? Qual era seu ideal? Era o maior


homem do futuro, o super-homem.
Mas, se você quer despertar o pior nos
políticos e religiosos, e nos homens do
conhecimento e da ciência, basta apon-
tar para um personagem que os diminui
ou ofusca. A recepção dada ao super-ho-
mem de Nietzsche dá provas disso.
Ele abominou totalmente alguns dos
ensinamentos doentiamente sentimentais
do cristianismo ortodoxo e tratou deles im-
piedosamente. Mas buscava o tempo todo o
homem ideal. A cada passo, dava marretadas
nos grilhões que prendiam os homens e os
impediam de perceber a verdade. E quando
lembramos que o Cristo disse: A verdade os
São João da Cruz por Francisco de Zurbarán, 1656 libertará, não hesito em dizer que o homem
que enfrenta a opinião pública e coloca em
risco sua reputação numa busca ousada e
Mesmo assim, vemos de fato no desen- honesta por ela, como fez Nietzsche, deve
volvimento de Zaratustra algo análogo à merecer o respeito de homens honrados.
doutrina e à prática mística de São João da Nietzsche foi condenado pelas comu-
Cruz em seu trabalho. São João comenta nidades cristãs porque era um destruidor
certas imperfeições que assaltam os aspiran- impiedoso de falsos valores. Foi condenado
tes que entram no caminho. Imperfeições principalmente por aqueles que temiam
como orgulho, ganância e lentidão espiritual, questionar aqueles valores, que temiam
raiva, inveja e indiferença espiritual. Ele qualquer um que ousasse interrogá-los aber-
mostra por que essas imperfeições assal- tamente porque tinham vivido tanto tempo
tam o aspirante e impedem seu progresso. com eles e sabiam que certas prosperidades
Zaratustra, em seus discursos, alude às terrenas estavam apoiadas naqueles valores.
mesmas imperfeições com aquela origina- Foi condenado por comunidades cris-
lidade de tratamento, delicadeza de percep- tãs porque acertou um golpe com efeito
ção e discriminação refinada aplicada ao alarmante contra as fundações podres da
desenvolvimento individual, para nos fazer ortodoxia. Desde sua época (ele morreu em
sentir que ele é uma pessoa que foi para a 1900), aquelas fundações foram sujeitas a
solidão da montanha por um bom propó- questionamentos e críticas incansáveis da
sito. E esse propósito era o de descer até os esquerda e da direita, de dentro e de fora da
fundamentos da verdade sobre si mesmo igreja. E é interessante notar como tem sido
e sobre a vida e registrá-los para aqueles falha a oposição levantada contra aquelas
poucos que tinham ouvidos para ouvi-la. declarações de homens e mulheres pensan-
Mas qual era o propósito dessa crí- tes. O fato é que, por mais que rechacemos
tica devastadora que provocava o ódio alguns desses termos insultuosos que Niet-
amargo e a denúncia venenosa daque- zsche se permite sobre o assunto, nos senti-

32 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


mos incapazes de refutar suas conclusões. invisível e misteriosa que acontece nas
A condenação de Nietzsche na Grã-Bre- profundezas da alma entre os grandes
tanha sem dúvida foi fortalecida pelo fato princípios que governam a vida huma-
de se saber que o pervertido Hitler tinha na e que, em última instância, decide
interesse em seus escritos. Com uma ten- a direção evolutiva que vai tomar.
dência demoníaca característica de trans-
formar o bem no mal e converter a verdade Guerra material e visível tem como
em mentira, Hitler presumiu que ele mesmo objetivo a hegemonia de um povo ou
era o super-homem de sua época; quando, de uma raça. A guerra espiritual es-
na verdade, era um assassino comum. tabelece o que poderia ser chamado,
Portanto, o julgamento de Nietzsche se no sentido mais amplo da palavra, de
apoia sobre uma falácia lógica. Hitler estudou “futuro religioso da humanidade”. O
Nietzsche, Nietzsche ensinou o super-homem; verdadeiro discípulo de Nietzsche é o
Hitler acreditava ser o super-homem; e, por- homem que, com toda a força de seu
tanto, Nietzsche era responsável por Hitler. ser, tem como objetivo a criação de uma
Temos que agradecer ao Professor ideia que pode governar a humanidade,
Lichtenberger da França por uma avaliação no triunfo de um ideal religioso, antigo
não tendenciosa e um julgamento equilibra- ou moderno. O homem que é um fa-
do e saudável de Nietzsche. Uma citação de nático na causa de uma raça ou de um
seu livro O Evangelho do Super-homem vai país não tem qualquer direito de ter
mostrar imediatamente o que Nietzsche te- seu nome ligado ao de Nietzsche. 4
ria ensinado a Hitler como intérprete de seu
super-homem, se tivesse vivido para teste-
* Rosicrucian Digest – fevereiro de 1952.
munhar a vaidade colossal e o atrevimento de
sua caricatura de grande homem do futuro:

O super-homem de Nietzsche era basi-


camente um daqueles grandes Iniciado-
res que, como o Cristo ou mesmo Buda
ou Maomé, exerceram poder sobre as
almas dos homens. Assim, o tipo de
guerra que interessava a Nietzsche não
era aquela que foi realizada no campo
de batalha e que, em sua fúria cega,
atacou indiscriminadamente a riqueza,
os tesouros de arte e a vida e felicidade
dos homens. Esse tipo de guerra pode
ter sido uma fatalidade, mas era acima
de tudo uma barbárie da qual a alma
de Nietzsche, tão facilmente movida
pela compaixão, sentiu mais do que a
maioria dos homens o horror trágico.
Mas o tipo de guerra que deflagrava
seu entusiasmo era a batalha silenciosa, Foto de Nietzsche por Gustav Adolf Schultze, 1882

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


33
n REFLEXÃO

© GETTYIMAGES

Por ERNIE HOLYER, SRC

34 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


O
espetáculo da natureza que após uma segunda cirurgia cardíaca, dia-
mostra insetos passando por riamente aguardava a brisa matinal que
metamorfoses em espaços de entrava pela janela do meu quarto de dor-
tempo sucessivos manteve- mir. Ela tornava a respiração mais natural,
-me preso à cadeira. A ação no primeiro e proporcionava um certo bem-estar.
plano era realmente fascinante, porém o O vozerio dos escolares penetrava pela
que se desenrolava no fundo da cena foi o janela, juntamente com o canto das coto-
que realmente prendeu minha imaginação. vias do prado. Apoiado nos travesseiros,
Cogumelos surgiam subitamente, tornavam- eu observava as crianças no caminho. Elas
-se imponentes guarda-chuvas e, antes que se assemelhavam a pontos brilhantes e sal-
alguém pudesse apreciar sua majestade, titantes contra o fundo de colinas de um
fechavam-se. Cresciam, erguendo-se acima verde claro. Pensei logo em rostos recém-
de insetos e folhas de pinheiro e, num piscar -lavados e sentidos aguçados e penetrantes.
de olhos, desapareciam, voltando ao nada. Somente então descobri a semelhança.
Ninguém jamais poderia entender A proximidade da morte me havia devol-
sua beleza. Ninguém se lembraria de vido a apreciação que sente uma criança
que eles haviam existido. Eles cresceram pelas coisas insignificantes, um céu emol-
e definharam; viveram e morreram. A durado com nuvens, gotas de chuva ba-
vida foi um momento, o seu momento de tendo de leve em minha janela, avezinhas
existência fugaz. O importante foi o que chilreando embaixo do coruchéu. Por que
aconteceu durante aquele momento, pois será que começamos a existência com uma
ele representou sua existência inteira. tal perspicácia para, depois, deixar que
Os cogumelos lembraram-me das pesso- nossos sentidos se tornem embotados?
as, de mim mesmo. Em termos humanos, eu No meu primeiro dia ao ar livre, de bi-
também havia atingido “a flor da idade”. Uma cicleta, permitiram-me três minutos para
deficiência cardíaca colocou-me em estado pedalar, o suficiente para chegar até o pátio
de prostração. À semelhança da maioria das da escola. Por capricho, deslizei até o recreio
pessoas, eu havia vivido, trabalhado e lutado e tentei o balanço. Meu entusiasmo não tinha
por sucesso futuro. Inúmeras coisas para fa- limites. Senti-me como devem sentir-se os
zer hoje, amanhã e no dia seguinte. Nenhum gansos da neve: alegres e livres; como tainhas
tempo disponível para divertimento. pinoteando através das ondas; como crian-
Subitamente, todas as oportunida- ças dando cambalhotas na grama. Mesmo
des para diversão pareciam perdidas. A antes de minha cirurgia com perigo de vida,
vida parecia intolerável, o futuro uma eu havia desejado usar aquele balanço. As
ameaça, o momento presente uma obs- convenções me haviam sempre impedido de
curidade de angústia enlouquecedora. fazê-lo. Afinal de contas, não se pode conce-
Ao cogitar sobre o valor da existência, ber que adultos façam coisas inocentes como
alguma coisa aconteceu: descobri o cami- essa. Naquele preciso dia ignorei as regras
nho para a felicidade. Pouco a pouco, des- dos adultos e desfrutei de suprema felicidade.
vendei o mistério que permite portadores Apercebi-me da graça divina que é a
de deficiência física suportarem condições infância no mundo dos seres humanos.
dolorosas, crônicas, e até mesmo extre- Registramos novas impressões, lançamos
mas, sem desanimarem ou enlouquecerem. alicerces e, sem o sabermos, preparamo-nos
Quase que imobilizado durante dois anos para embates futuros por meio de brinca-

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


35
n REFLEXÃO

deiras e jogos. Desfrutamos do momento que elas não sentem prazer. Onde não há va-
propiciado por Deus, sem compreendermos les não há montanhas para serem escaladas.
que ele poderá prover uma existência de Quando a vida não oferece “baixos”, está ca-
memórias. Os adultos que se defrontam com rente de “altos” verdadeiros. Sem contraste não
a morte, muitas vezes revivem a fase da in- há comparação: há apenas existência, rotina.
fância, de modo que à semelhança do poeta Permita-me citar alguns casos de vidas
flamengo Paul van Ostaijen podem, uma vez que se transformaram. Uma senhora que
mais, “apreciar o mundo com a admiração de conheço perdeu os dentes e quase todo o
uma criança que vê coisas pela primeira vez”. rosto quando um motorista embriagado
Meus dias encheram-se com momentos abalroou seu carro, de frente. Durante os
de profunda alegria. Comecei a verdadei- meses necessários para restaurar sua mas-
ramente ver, sentir, cheirar, ouvir e tocar. tigação, ela não podia ingerir qualquer
Adquiri compreensão e percepção. Todos alimento sólido (sua boca estava fechada
sabem que quando o corpo está paralisado com fios metálicos). Agora, ela saboreia
a natureza propicia compensação expandin- todo petisco que passa por seus lábios.
do os sentidos do inválido para uma vida Uma de minhas amigas ficou subitamente
de percepção extraordinária e vibrátil. enferma, e perdeu a voz. Comunicava-se
Lutas com o sofrimento imprimem em com a família fazendo uso de uma campai-
seus sentidos a mesma agudeza do melhor nha. Após sofrimento demorado, agradece
aço Solingen. a Deus diariamente por ter podido falar
Por que tantas pessoas passam pela novamente. Um vizinho sofreu uma pa-
vida sem apreciá-la? Por que necessitam ralisia. Depois de anos de caminhar com
de estímulos artificiais, cigarros ou drogas muletas e, mais tarde, com bengala, tem
estimulantes para trabalhar, coquetéis para certeza de voltar a andar normalmente.
relaxar, reuniões regadas a álcool, para se- Apesar de suas fraquezas, as pessoas imo-
rem realmente “felizes”? Em sua busca de bilizadas podem ser as mais felizes. Tendo
felicidade, a maioria das pessoas evita pensar conhecido o aspecto oposto a tempos felizes,
em sofrimento. No entanto, a ausência de estão conscientes do significado de conten-
sofrimento nos deixaria dessensibilizados! tamento. Sua felicidade brota de uma fonte
Quando participei de excursão à costa que não depende de coisas materiais. Elas
do Pacífico, observei focas-elefantes, gigan- enfrentam períodos em que o sofrimento
tescos mamíferos marinhos considerados agudo impede o simples pensamento de
como pouco sensíveis à dor. Não se podem prazer. Quando a dor diminui, manifesta-se
notar sinais de preocupação afetiva entre imenso alívio. O sorriso de um amigo, uma
esses animais enormes. Mesmo as mães pa- flor sobre a mesinha, um travesseiro refrige-
recem indiferentes à sua prole. Os machos rado junto às faces quentes, até mesmo raios
descuidadamente esmagam seus recém-nas- de sol no teto, tornam-se delícias divinas.
cidos em sua ânsia de lutar com outros ma- Essas três pessoas se transformaram,
chos. Esses mamíferos marinhos gigantes- agigantaram-se e descobriram recursos
cos abrem cortes na pele, um do outro, com interiores. Todas elas apreciam a vida e a
derrame de sangue em profusão, mas isso saúde mais do que o faziam antes de serem
fazem de maneira completamente estoica. golpeadas pela desventura. O sofrimento
Se é verdade que as focas-elefantes não lançou nelas uma base para a humildade, a
sentem dor, então, pode também ser verdade compaixão e a estima pelos semelhantes.

36 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


De quando em quando, detenho- picadas, e observar milagres ao percorrê-las.
-me ao fazer alguma coisa. Sorrio, porque Sempre que possível levemos conosco amigos
compreendo que “estou vivo”. Não estou ou a família, para criar memórias comuns.
confinado ao leito, nem programado para As pessoas fisicamente incapacitadas
o hospital. Posso caminhar, nadar, andar tornam-se vigorosas com os momentos felizes.
de bicicleta e auxiliar outras pessoas. Intensamente vividos, eles apresentam o cami-
A vida é um tecido feito com momentos nho para o triunfo sobre o desespero, quando
preciosos. É de nossa responsabilidade tecer as situações se tornam difíceis. O dia de hoje,
um tapete ou uma manta. Ao tecermos os o amanhã, e todos os dias representam uma
fios que representam nossas existências, por ventura, um começo excitante e novo. Alegrias
que não usarmos os melhores? Selecionemos inesperadas surgem diariamente, se permitir-
as tonalidades do verde de um campo prima- mos que surjam. Se estivermos mentalmente
veril, as nuanças do azul de um lago estival, preparados, elas nos surpreenderão e, na hora
os tons dourados de um campo de trigo, os de dormir, dificilmente acreditaremos que o
brancos-pastel de uma paisagem hibernal. nosso dia foi tão repleto de momentos alegres.
Harmonizemo-nos com o riacho que Aceitemos até mesmo as alegrias mais
corre. Caminhemos ao vento e sintamo-nos insignificantes com gratidão. Elas se cons-
revigorados. Respiremos o puro ar do campo. tituem em apoio moral que pode abran-
Sintamos, com as mãos, as gotas de chuva dar choques futuros. Inúmeras pessoas
em nosso rosto sorridente. Imaginemo-nos renunciam a esses valiosos aliados porque
voando com os pássaros. Tentemos cor- estão dominadas por preocupações insig-
rer com um cachorrinho aos nossos pés. nificantes ou por se sentirem oprimidas
Maravilhemo-nos com as maneiras singu- como bombas relógios prestes a explodir.
lares dos insetos. Observemos o tremular A pessoa fisicamente incapacitada conhe-
das luzes. Procuremos ouvir a água que se ce o valor de se conservar livre. Para ela, a
enrola nas praias. Coloquemos a ponta do pé vida não é um conceito abstrato a ser destru-
sobre seixos aquecidos pelo sol, abracemos ído por trivialidades, como se ela não mais
uma árvore e procuremos sentir sua casca. tivesse fim. A vida é o momento, o agora.
Penduremo-nos em um galho para estirar os Desde que o momento é delicado, por que
músculos. Deixemos um potro lamber nos- o tornamos desnecessariamente duro para
sas mãos. Ou, alegria das alegrias, deixemos nós mesmos? Por que usarmos palavras ás-
que uma criancinha aperte nossos dedos! peras? Por que olharmos com ira? Por que
Procuremos viver cada sensação. espalharmos a infelicidade? Por que não
Compreendamos que muitas pessoas estão irradiarmos, em vez disso, amor e bondade?
fisicamente incapacitadas de fazerem o que Nossa vida pode ser curta, quase tão
estamos fazendo. Todo o nosso corpo e toda curta quanto a do cogumelo. Cedo, a saúde
a nossa saúde representam dádivas imereci- pode ser perdida e os entes queridos par-
das neste preciso instante, as quais podem tirem. O momento passou, para não mais
desaparecer devido a acidente ou doença. retornar. O dia de ontem, ou a última meia-
Não devemos esperar até que alguma coi- -hora, torna-se história; representa aquilo
sa drástica aconteça. Podemos desfrutar do pelo que as pessoas de nós se lembrarão.
momento, agora. Tiremos algum tempo da Ele representou a vida; ele representou a
agitação cotidiana e harmonizemo-nos com o oportunidade. De que maneira o vivemos?
mundo natural de Deus. Tentemos descobrir Conseguimos apreender o momento? 4

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


37
n COMPORTAMENTO

AGES
TYIM
© GET

Por EMMANUELLE JEAN-PIERRE, SRC

38 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


F
ruto de uma busca iniciada há alguns religiosas permite à feminidade reassumir
anos, esta reflexão é uma síntese da seu verdadeiro lugar: cada vez mais mulheres
busca da Unidade e do Ser a partir da procuram redescobri-la e a experimentam
feminilidade. Ela se apresenta sob a em várias obras que florescem nas livrarias.
forma simbólica e lúdica de um jogo infantil Ideias novas, conceitos revolucionários e uma
que consiste em reconduzir a seu lugar cada prática espiritual feminina original fazem
peça de uma imagem ou, em outras palavras, aparecer o lado desconhecido da feminida-
um quebra-cabeça. Cada pedaço, mesmo de do Ser, revelando assim aquilo que ficou
sendo diferente dos outros, contém em es- escondido por muito tempo: a polaridade
sência uma parte da imagem, o que exige feminina de Deus, que cada ser humano,
que se observe atentamente o pedaço a ser masculino ou feminino, traz em si. O século
colocado para descobrir suas particularida- XXI é uma etapa importante na evolução da
des e encontrar o elo que o une aos demais, humanidade e inelutavelmente é um avanço
a fim de ajustá-los corretamente. A imagem, para uma melhor tomada de consciência in-
então reconstituída, aparece: é a unidade dividual daquilo que verdadeiramente somos
reencontrada a partir do múltiplo disperso. e de nossa missão sobre a Terra. É chegada
Na escala da humanidade, não somos a hora de explorar o sentido do feminino.
nós as peças de um gigantesco quebra- Atualmente, a humanidade é acometida
-cabeça? Cada ser humano, peça única, por um grande número de desordens, tanto
dotado de faculdades e de um potencial no plano humano quanto no planetário. Coti-
escondido no fundo de si mesmo, não tem dianamente, a televisão e a imprensa apresen-
a responsabilidade de participar em sua tam espetáculos surpreendentes de catástrofes
reconstituição? E em quais condições? Co- naturais e cenas de violência que têm por
mecemos então nossa viagem pelo tempo consequência uma atmosfera de sofrimento,
e pelo espaço, dentro e fora da matéria – a de destruição e desolação em diferentes pon-
viagem do humano à conquista de si mesmo. tos do planeta. Pode-se permanecer insensível
O ano de 2010 marcou em nossa civili- ao estado atual da sociedade que conduz às
zação o centenário do ano da mulher, o que questões colocadas por Valérie Dupont, no
trouxe à luz os esforços empreendidos ao prefácio de sua obra Feminino ativo, Feminino
longo dos anos para lhe dar a oportunidade solar? Eu o cito: Por que razão os homens que
de reconquistar seu lugar no inconsciente dispõem de tudo para viverem felizes na concór-
coletivo da sociedade. Após a necessidade dia não param de se torturar? Qual é o elemen-
histórica do feminismo, após o tempo de to que engendra tais perturbações? É possível
uma feminidade artificial explorada pela localizá-lo e exprimi-lo a fim de encontrar um
publicidade, onde chegaram as mulheres remédio para sanar os males que ele gera?
após maio de 1968? E se o feminismo não A psicoterapeuta Valérie Colin-Simard,
lhes tivesse trazido mais do que o direito em sua obra Quando as mulheres desperta-
de serem homens? Em todos os campos, as rão, nos indica quanto o “feminino” é vital,
mulheres de fato se adaptaram a esquemas necessário ao equilíbrio físico e psíquico do
masculinos: como os homens, elas querem ser humano. Ela demonstra como o desdém
ser fortes, competitivas, conquistadoras, in- ao feminino nos conduziu a um profundo
teligentes, independentes, dominadoras... desequilíbrio psíquico que por vezes traz
Hoje, a emergência da espiritualidade graves consequências sobre nossa saúde física
liberada de todas as coerções dogmáticas ou e como, sem sabê-lo, vivemos num mundo

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


39
n COMPORTAMENTO

puramente patriarcal. Essa visão que herda- à imagem de Deus; ele os criou, homem e
mos do mundo ainda nos dias de hoje con- mulher os criou (Gn 1). A segunda história
tamina todas as esferas de nossa existência. revela uma degradação da primeira pela
Ao explorar os diferentes âmbitos de nossa passagem da visão à interpretação teológica:
vida cotidiana, profissional, familiar, afetiva Eva, tirada de uma costela de Adão, nos é
e espiritual podemos ter uma ideia de a que apresentada como um agente do mal que
ponto as raízes históricas são duradouras! desproveu o homem de uma felicidade per-
Os valores ditos “femininos”, como a pétua, convidando-o a partilhar o fruto proi-
doçura, a capacidade de escuta, a expressão bido pelo assédio da serpente. Sabe-se que
das emoções, a intuição etc., são indispen- o Judaísmo foi a religião exclusiva do Deus
sáveis ao equilíbrio do ser humano tanto masculino e sabe-se dos esforços de Moisés
quanto ao da sociedade. Seria uma utopia para evacuar a imagem da Deusa-Mãe; o
pensar num mundo de paz, num universo argumento maior foi iden-
em que o amor orientaria os com- tificar a mulher com o
portamentos e promoveria um demônio e impedi-la
verdadeiro sentimento de “Adão e Eva”,
por Marcantonio
de participar do culto
fraternidade entre todos Franceschini, por causa da impu-
os seres? Ainda é possí- cerca de 1680
reza. Entretanto, não
vel realizar tal sonho? somos todos oriundos
“Ousar o femini- da mesma centelha
no” já não é apenas de Vida? Não possuí-
querer ser rentável, mos os ensinamentos
eficaz, acumular e as informações que
bens e poderes: é recebemos como
assumir a vulnera- presentes em nossas
bilidade, aceitar a células? Enquanto
passividade, ou seja, a face do casal pri-
poder ser cauteloso an- mordial, de cujo casal
tes de reagir, saber receber humano é a imagem, é
e não apenas dar. É ainda absolutamente estranha às
optar por escutar o outro e pri- religiões monoteístas, os prin-
vilegiar a negociação antes da força. É cípios feminino e masculino existem
também poder ser mulher sem ser mãe. A em quase todas as tradições espirituais
geração “pós-feminismo” ousará reabilitar que concordam em dizer que os dois prin-
o feminino? Para a reconquista da unidade cípios são de igual importância. Isso não
divina de seu ser as mulheres não deve- quer dizer que o valor do feminino seja
riam ter um olhar novo sobre si mesmas e tão importante quanto o do masculino?
sobre os homens a fim de levá-los a tomar O reconhecimento do eterno Feminino
consciência da parte feminina de seu ser? nos levará talvez a melhor compreender
Na Bíblia, a Gênese nos transmite duas a importância de nossa origem – o sen-
histórias da criação do primeiro casal que tido de nossa vida de seres viventes no
vêm de duas tradições independentes. A Universo! Annick de Souzenelle especifi-
primeira diz respeito à androginia primor- ca: Descobriremos três níveis do feminino:
dial: Deus criou o ser humano à sua imagem, a mulher no plano biológico, o feminino

40 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


da interioridade do homem e da mulher e de um processo complexo de preparação
também a humanidade inteira (homens e e maturação garantindo sua sobrevida, o
mulheres), feminina em relação a Deus. embrião único que fui, dotado de um co-
Ao nos referirmos ao adágio Conhece a ti ração, começou a viver na obscuridade do
mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses!, útero de sua mãe apenas algumas semanas
qual é para nós a implicação de “conhecer após a concepção: mistério para o gênero
a si mesmo”, de “conhecer o Universo” e de humano. Um estudo mais avançado nos
“conhecer os Deuses”? Três eixos de busca permite descobrir que não há, no nível das
são assim revelados. Tal foi, inicialmente, duas células, nenhuma que seja mais ativa
o objeto de minha busca. O quebra-cabeça ou mais passiva do que a outra, uma vez que
que lhes apresento é composto de palavra é na cooperação e no auxílio mútuo que os
e ideias agrupadas em conceitos: ele revela, dois gametas, feminino e masculino, unem
em primeiro lugar, a imagem de um dos dois suas energias na operação do Um + Um =
Princípios fundadores da humanidade – o Um. É um novo Um diferente, carregado do
Princípio feminino do Ser –, e em segundo potencial dos dois outros que o criaram.
lugar o da humanidade que busca sua Uni- Meu nascimento foi uma separação da
dade, a fim de reencontrar seu equilíbrio matriz materna e, ao mesmo tempo, mi-
e melhorar sua relação com seu Criador. nha entrada no mundo material. Sou uma
Assim, na minha busca da verdade en- entidade feminina – um ser único que re-
quanto mulher, “meu eu” tornou-se um cebeu em seu nascimento o sopro da vida,
objeto de estudo: foi preciso mudar de ati- a quem foi aposto um nome, que cresceu e
tude, tornar-me uma observadora atenta de evoluiu numa sociedade que lhe inculcou
meus comportamentos, de minhas emoções crenças e valores: uma alma viva num corpo
e de meus pensamentos, operar de alguma particular, levada a viver experiências que
forma um retorno consciente e incondicio- lhe permitem, exercendo seu livre-arbítrio,
nal sobre mim mesma e observar os outros tomar consciência progressivamente das
e o mundo com mais lucidez. Foi preciso coisas da vida e melhor compreender seu
também reportar-me à Tradição, escutar verdadeiro sentido. À imagem de minha
aqueles que exprimiram suas ideias sobre mãe, como todas as mães da Terra, fiz a ex-
o assunto nas diferentes espiritualidades e periência sagrada da maternidade transmi-
adquirir a abertura de espírito que permi- tindo a vida, tornando-me guardiã do lar, da
tisse confrontá-las com as minhas, a fim casa, e abrigando a família criada à imagem
de obter respostas às minhas perguntas e daquela que esteve na base da Criação.
confrontar minhas opiniões. Sendo ao mes- Com os anos, tornei-me essa estudante
mo tempo atriz e observadora, tornei-me, que, confrontada às contradições da exis-
assim, participante da revelação de meu ser. tência, às experiências felizes e infelizes de
Dessas meditações e reflexões pessoais sua vida, engajou-se na senda do misticismo
sobre meu viver nasceu a imagem da mulher em busca de mais luz e de verdade. Des-
biológica que sou, nascida da união de duas cobrindo a iniciação, essa mulher interior
células de natureza e capacidades diferentes: empreendeu uma longa viagem na sen-
uma feminina, o óvulo considerado inerte da da Rosacruz em busca de si mesma.
e, portanto, passivo; e outra masculina, o Sou esta misteriosa criatura multifacetada
espermatozoide, considerado dinâmico e, que, dotada de um corpo e de uma inteligên-
portanto, ativo. Após uma intensa atividade cia, vive, respira, se alimenta, se reproduz,

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


41
n COMPORTAMENTO

experimenta sentimentos, emoções felizes e fundadores das grandes civiliza-


infelizes, é capaz de rir, de chorar, de cantar, ções e, particularmente, o mito da
de pensar, de amar e detestar, de imaginar, Criação e da queda do homem.
de criar, de escolher, de agir e de ter uma
infinidade de experiências em companhia n Evidenciar o simbolismo das
de milhões de outros humanos, diferentes lendas, encontrar o sentido pro-
dela, chamados eles também a experienciar fundo e transcendental dos sím-
a condição humana e a partilhar a mesma bolos, dos traços e dos vestígios
aventura da Vida. Eu confirmo: sou um ser deixados pela humanidade.
vivo – ainda mais, um ser humano femini-
no! Sempre uma peça única do gigantesco n Descobrir as revelações e reflexões
quebra-cabeça que constitui a Humanida- dos místicos, dos poetas e dos artis-
de! Como, então, encontrar meu lugar no tas, dos filósofos e dos escritores.
grande tabuleiro da Vida? Meu “eu” tendo
sido revelado a mim em parte, como fazer n Compreender as teorias, as hipóteses e
para reencontrar a Unidade de meu ser? as observações dos buscadores e pen-
À imagem do Um + Um = Um, era pre- sadores de todos os tempos que, por
ciso que eu empreendesse a descoberta do intermédio de seus numerosos escritos,
“Si escondido em mim”, a fim de esclarecer contribuíram com o progresso do pen-
minha compreensão pelo conhecimento que samento humano e com uma melhor
me permitiria descobrir essa interioridade do integração, à clareza dos pensamentos
meu ser, compreender o verdadeiro sentido místicos, filosóficos, antigos e con-
de minha vida e tomar consciência da impor- temporâneos, do sentido do secreto,
tância do papel que me cabe desempenhar. daquilo que está velado e que pode ser
Logo, eis quais foram minhas prioridades: revelado quando se estiver pronto.

n Libertar-me da ignorância e dos falsos n Ler os textos sagrados das religiões,


conceitos, frequentemente ligados a decifrar suas mensagens e, à luz da
interpretações errôneas, inculcadas semântica e da gnose, compreender os
pela sociedade e transmitidas há dois textos antigos por meio dos quais fo-
séculos, concepções nascidas da dis- ram transmitidos os pensamentos e as
simulação, da ocultação, no decurso concepções oriundas da Tradição oral.
dos séculos, de dados fundamentais
necessários à evolução da humanidade. n Informar-se das recentes descober-
tas científicas que revelam, a partir
n Tentar descobrir por que quiseram fa- de experiências probatórias, o fun-
zer acreditar que a mulher, colhendo o cionamento secreto da matéria e da
fruto do conhecimento, era responsável energia que circula do infinitamente
pelo pecado original – uma marca inde- pequeno ao infinitamente grande.
lével –, uma falta recebida por herança!
n E, nessa floresta de dados, ir ao essen-
n Voltar à origem, ou seja, empreen- cial, buscar o fio condutor que permite
der uma viagem através do tem- juntar os elementos-chave do assunto
po e do espaço, revisitando mitos para reencontrar a unidade do ser.

42 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


A mulher encarna, de maneira privilegiada, Diferentes faces do eterno Feminino apa-
os valores femininos próprios a todo ser hu- recem nos mitos, nas lendas, nos textos reli-
mano. Ela está ligada ao criado, ao imenso giosos: Ísis, Atena, Melusina, Morgana, Isolda,
potencial de vida, oferecida ao amor, ao mis- Maria, Sara e Maria Madalena, entre as mais
tério das águas matriciais e ligada ao Divino. célebres, revelaram cada uma a feminidade
À medida que ela se espiritualiza, assegura divina: ideal de beleza, de juventude, de amor,
a outra face de sua maternidade biológica. de criatividade... É o princípio fundador da
Ligada ao múltiplo, é seu próprio modo de Criação, a Mãe nutriz da humanidade asseme-
exigir a Unidade. Desde o começo ela foi lhada à Terra, à Natureza, a energia que está em
escolhida para associar os dois mundos – o tudo e que dá a vida, a transforma e a perpetua.
visível e o invisível. Mãe do mundo, ela per- Rejubila-te, Maria, cheia de graças, canta Ga-
manece escondida em seu alto refúgio, reve- briel, o anjo que vem anunciar a Maria sua ma-
lando-se em seus diferentes aspectos: a bele- ternidade virginal: primeira saudação do céu à
za, a força e a fecundidade da nature- terra nos Evangelhos. “Sei
za... Ela só aparece aos guias dos que és bela”, exclama
povos de formas veladas, nos Abraão glorificando
mitos, nas lendas e nos “A Mãe do Sara, sua esposa: pri-
Mundo”, por
símbolos. Ela é venerada Nicholas Roerich, meira palavra dirigi-
como a Deusa-Mãe. 1924 da por um homem a
A Cabala revela: uma mulher na Bíblia.
Ela é o “Tu”’ irrompi- Deusa de múl-
do dos lábios divinos tiplas faces das
como uma semente diversas mitologias
de amor que liberta fundadoras das ci-
esse “outro” que não vilizações antigas da
pode ser outro sem humanidade, deusa
romper o infinito de ainda venerada nas tra-
Deus. Porém, ó maravi- dições antigas exteriores
lha, ela é ruptura e não- às sociedades ocidentais e
-ruptura; fecundada por Ele, nas ditas tradições “primitivas
ela traz sua infinidade; Criada, atuais”, a Mulher, Musa, Ideal fe-
ela é matriz do Incriado; diante dele, minino, que evoca o Amor e a Beleza, é
o Um, e carregada dele, ela é o “Dois”, ela desde sempre a fonte de inspiração dos poetas,
também sendo submetida à dualidade e ela dos pintores, dos músicos, dos dramaturgos...
mesma constituída de polos opostos e comple- Anjos sobre a Terra, Iniciadoras, protetoras
mentares os quais um não pode existir sem e vestais são as mulheres, diz-nos Harvey Spen-
o outro. Ela é recapitulada no homem e na cer Lewis, Imperator da AMORC de 1915 a
mulher. Para além de qualquer dualidade, 1939. Fada, bruxa, feiticeira, pecadora, às vezes
Deus Um não se revela masculino, arquétipo sombria, velada, misteriosa, secreta, passiva,
do masculino, a não ser comparado com a tentadora, lunar... às vezes luminosa, brilhante,
Criação, então integralmente feminina com santa, virgem, fecunda, revelada, ativa, inicia-
relação a Ele, também integralmente contida dora solar... frequentemente aclamada, cantada
na letra hebraica beith, de valor 2 e de voca- e sublimada, ela foi também por muito tempo
ção fundamentalmente matricial. ocultada, ridicularizada, banida, desvalorizada.

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


43
n COMPORTAMENTO

Os humanos voluntariamente ocultaram possível: quando um predomina em detrimen-


o aspecto feminino da Divindade amputando to do outro, há uma anomalia; desequilíbrio.
Deus de uma parte de si mesmo. Porém, ocul- Jesus, no Evangelho de Maria, declara: O
tar “Deus a Mãe”, excluí-lo, não é engendrar sexo feminino é tão digno quanto o masculino
um desequilíbrio na consciência e na sensibi- de alcançar o estado de Homem, ou seja, o
lidade humana e, por conseguinte, no mundo? de Humano pleno e verdadeiro. A realização
“Deus a Mãe” é concreta, próxima e visível. Ela do sagrado feminino não pode se produzir
é a via para o “Pai” e permite ir para o invisível sem o sagrado masculino, sendo um neces-
racionalmente. O visível é o apoio do invisível sário ao outro também, pois o homem e a
e nos mostra o real. Assim o visível nos mostra mulher participam da mesma natureza. Se
o invisível. O Divino é perfeito em tudo. Ele é aceitam respectivamente a parte lunar, por-
o Perfeito que leva e conduz tudo aquilo que tanto de feminidade, e a parte solar, portanto
é imperfeito. A perfeição está além da polari- de masculinidade, que estão adormecidas
dade dos sexos e os engloba. Deus está além neles, então ambos recuperarão as virtudes
do “Pai” e da “Mãe”, mas é Pai e Mãe em si da androginia no plano espiritual e experi-
mesmo e em todos os pais e em todas as mães. mentarão o retorno ao Centro – à Unidade.
Reconhece-se a árvore por seus frutos, disse Assim, no cotidiano, nossa matéria – nossa
Jesus, que restabelece magistralmente o papel animalidade – não mais será obstáculo à
e a função da Mãe ao precisar, no Evangelho espiritualidade uma vez que será o lugar da
de Tomé, dito 101, 7-8: Minha mãe deu-me Presença, esse brilho da deidade do Ser divino.
à luz, mas minha verdadeira Mãe deu-me a Trata-se para nós de viver a experiência da
vida. Para descobrir o Reino, ele nos intima, Síntese, sendo nossos postos complementa-
no dito 22, 13-16, a fazer do macho e da fêmea res, como o Yin e o Yang. E o papel do ritual
um só para que o macho não se faça macho é o de nos ajudar a interiorizar a Presença.
e a fêmea não se faça fêmea. A unificação do Disse Jesus: Quando dois conseguirem
masculino com o feminino não se produz fazer a paz numa casa, tudo o que pedirem
unicamente na fusão do par: ela se estabele- a meu Pai lhes será dado. A “casa” é a Ter-
ce no interior de um mesmo indivíduo pela ra e os “dois” que devem “fazer a paz” são
harmonização nele do masculino e do femi- as inteligências masculina e feminina. Elas
nino. A humanidade é a “glória de Deus” que o devem se unir no respeito mútuo e na har-
Verbo põe no cimo da Criação no “Tu” nascido monia. Caso apenas uma destas inteligên-
de seu “Eu” divino desde a primeira letra do cias prevaleça e domine a outra, é fracasso
Bereshit, acrescenta a Cabala. No Grande garantido. Do contrário, se se unirem na
Jogo da manifestação, o homem desempenha harmonia, conhecerão o reino de Deus.
o papel privilegiado do espelho graças ao Ainda ousaria dizer, em consonância
qual o Todo se reconhece enquanto Todo. com Rûmi, poeta sufi e grande místico
É a corporeidade que permite que a uni- persa do século XIII, que nos convida a
dade nasça da diversidade e que a diversidade desvelar nossos corações para redescobrir,
nasça da unidade. Sendo Deus uma expressão pela experiência de nossos sentidos, Aquele
dupla de criação cósmica, é preciso que su- que está em nós e em Quem nós somos:
plantemos a oposição tradicional do mascu-
lino e do feminino. O princípio masculino e Tenho na alma uma gota
o princípio feminino são ambos importantes ínfima de Conhecimento.
e indispensáveis. É graças a eles que a vida é Que ela se dissolva em Teu Oceano. 4

44 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


n POESIA

Quando, à noite, o Infinito se levanta


A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…
Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o espaço com a minha plenitude!

Por AUGUSTO DOS ANJOS

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


45
n ROSACRUCIANISMO

Por JOSÉ LIMA JÚNIOR, FRC

A
queles que se afiliarem a Ordem Rosacruz, estarão se unindo a
uma Ordem Iniciática, que perpetua a tradição dos Mestres e
da Grande Fraternidade Branca. Dessa maneira, é natural que
se sucedam experiências místicas, ao longo de suas práticas e
estudos rosacruzes. Uma dessas experiências é a Iniciação Psíquica.
Note-se inicialmente que não é o corpo físico que é Iniciado, mas sim
o corpo psíquico, razão pela qual no Ocidente, essa Iniciação se dará
naquilo que para o Estudante é um sonho. O Eu Objetivo, em sua eterna
luta para manifestar em sua plenitude o Eu Interior, também se beneficia
da Iniciação, através do conhecimento e da energia recebidos naquele ato.


Aqueles que
estiverem preparados,
verão o nosso Sol.

46 O ROSACRUZ · INVERNO 2018
Excepcionalmente a presença do Mestre se fará sentir à consciência de vigília
do Estudante, mas isto não é necessário ao ato de Iniciar. Essa presença, não do
Mestre, mas de seu nível vibratório, se faz sentir antes nas harmonizações e
muitas vezes em sensações ao tato, que serão sentidas nas palmas das mãos.
Fato notável na Iniciação Psíquica é a presença de Luz. É uma Luz
indescritível, mais clara que o Sol do meio-dia, mesmo em nosso país
tropical. Essa Luz foi chamada de “O Sol da Meia-Noite” ou “O Sol dos
Iniciados”; para mim, com justiça, ela pode ser chamada de “O Sol dos
Rosacruzes”. Essa Luz tem um comportamento similar em todas as
Iniciações. Inicialmente ela preenche todo o cenário. Depois ela se
condensa, diminui, transforma-se em círculo e envolve o Estudante.
Normalmente ela se transforma em pássaro, ou seja, um pássaro pousa
sobre o Estudante, então Iniciado. Conforme a tradição será a descrição
do pássaro, assim, para os cristãos, será a pomba; para outros, a águia.
Alguns ensinamentos transmitidos podem superar o nível
evolutivo do Eu Objetivo, dizendo respeito apenas ao Eu Interior;
assim o Pássaro poderá dizer palavras que não serão ouvidas
pelo Estudante, antes de anunciar a vinda do Mestre.
Resta o clímax da Iniciação, que é a presença do Mestre, que
dá o Novo Nome e a Bênção. O nível do Mestre e da Bênção
dependerá do nível Iniciático a ser alcançado naquela ocasião.
Desta maneira há mais de uma Iniciação Psíquica a ser alcançada,
antes de se atingir a Maestria ou o Grau de Rosacruz. Ressalto que a
presença do Mestre é essencial para reconhecer-se uma Iniciação.
Sabemos que a evolução não termina com a Maestria, ao contrário,
a evolução do nível humano é que termina aí; assim, se a Iniciação for
ainda mais elevada, aquele que a preside também o será, até que, em
nosso Planeta, será o Mestre da Grande Fraternidade Branca o Iniciador.
Quando o Mestre da Grande Fraternidade Branca não preside a Iniciação,
a presença da Estrela ou da Luz, é tida por sinal de sua aquiescência.
O Cristo foi Iniciado publicamente, quando do Batismo por João
no rio Jordão. Aqueles que relerem o Evangelho de Mateus, Capítulo
3, versos 13-17, encontrarão na Iniciação ali descrita todos os detalhes
anotados acima. Resta saber quem foi o Iniciador do Cristo. Para mim
foi o próprio Logos Solar, pois aceito a teoria de que cada estrela é, em si
mesma, e em função de seu Logos, um berçário de vida. Por este motivo
a bênção de Lucas “Tu és o meu Filho, eu, hoje, te gerei!” é diferente da
de Mateus “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Lucas 3,
21-22 e Mateus 3, 16–17. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002).
Tenhamos em mente que há vários níveis de Iniciação. O
Estudante, mesmo sendo Iniciado, ainda não será um Mestre, pois
haverá várias etapas a serem cumpridas ainda até a Maestria.
Finalizando, não nos esqueçamos das palavras do Mestre:
“Aqueles que estiverem preparados, verão o nosso Sol”. 4

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


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Política
Cósmica
Por H. SPENCER LEWIS, FRC
ex-Imperator da AMORC

O
místico e o estu- co intervém e escolhe, suprema, divina e onipo-
dante de filosofia para ocupar sua posição, tente das necessidades do
podem tender a a pessoa que está mais ser humano, bem como
crer que a política consti- qualificada para pôr fim ao uma intervenção na qual
tui um ramo de atividade estado de crise. Com efeito, podemos ter confiança
e de estudo que está in- na intervenção do Cósmico da parte de Deus e das
teiramente fora dos seus temos uma revelação espe- Forças Cósmicas quan-
campos, mas eles esquecem cial da penetração política do temos necessidade de
que o Cósmico está muito e da compreensão das coi- uma direção suprema.
interessado na política; sas políticas aqui na Terra. Isto não significa, toda-
sem um plano político O nascimento cíclico de via, que não viremos a estu-
de qualquer espécie que um Avatar em cada nação, dar as situações que surjam
seja, o Cósmico não po- a ascensão periódica de um nos problemas do mundo.
deria pôr em obra seus grande guia para orientar Sendo o erro humano inevi-
princípios universais. os pensamentos dos seres tável, nós nos equivocamos
No decorrer de muitos humanos, e a poderosa de tempos em tempos e
anos notei com muita sa- influência de um Salvador estes erros devem ser corri-
tisfação que, nas situações nos tempos de angústia, gidos. Isto está em grande
complicadas, o Cósmi- indicam uma compreensão parte nas nossas mãos.

48 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


A análise
da situação “ Aos olhos de Deus, todos
os filhos da Terra formam
Na medida em que o ser
humano assumiu a prerroga-
uma só família, a família
tiva de criar leis para gover-
nar a si mesmo bem como
humana. Qualquer que seja
aos seus companheiros, e em sua raça, sua religião, sua
que ele assumiu uma posi-
ção superior interpretando cor, os povos do mundo
as Leis universais de Deus
e aplicando-as de maneira
têm problemas que são
especial, ele assumiu uma
responsabilidade que não
pode rejeitar ou endossar a
Deus ou ao Cósmico. Por
muito parecidos.

esta razão, senão por outras,
cada indivíduo deveria repe-
tir seriamente na escolha dos
candidatos a funções como
o controle e a aplicação das
leis feitas pelos seres huma-
nos e sua interpretação.
O ser humano pode fazer
o melhor a este respeito con-
servando a atitude política
que deva ser a do Cósmi-
© GETTYIMAGES

co. É certo que o Cósmico


não leva em consideração
as diferenças de raças, de
religiões e de cores a que o
ser humano dá uma impor-
tância artificial tão grande.
Aos olhos de Deus, todos os
filhos da Terra formam uma
só família, a família humana.
Qualquer que seja sua raça,
sua religião, sua cor, os po-
vos do mundo têm proble-

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


49
mas que são muito pareci-

© GETTYIMAGES
dos. Eles só podem ser resol-
vidos por uma compreensão
comum e pela aplicação das
interpretações sensíveis dos
princípios fundamentais.
Deveríamos então ana-
lisar cada situação política
de um ponto de vista in-
ternacional e universal em
lugar de um ponto de vista
estritamente local. O prefeito
de uma pequena cidade não
é apenas o administrador
dos interesses dessa cidade,
mas ele se torna também um
membro de uma hierarquia
mais ou menos universal de
administradores mundiais.
Suas ações, suas resolu-
ções, seus regulamentos, suas
decisões, suas interpretações
e suas ideias não podem es-
tar separados dos interesses A análise É provavelmente ver-
dadeiro que em média o
universais. A cada hora do
dia durante seu período de do indivíduo candidato político esteja
ardentemente desejoso de
administração ele pode se Analisando o indivíduo, ser um administrador me-
tornar uma importante per- não devemos ser guiados lhor do que o seu antecessor
sonalidade nacional ou mes- pelos laços e as afiliações e de fazer da sua administra-
mo ter uma influência inter- com um partido, nem pelas ção um testemunho da sua
nacional. Sua influência so- promessas feitas antes da integridade, da sua bondade,
bre as pessoas da sua própria eleição, qualquer que seja da sua honestidade e dos
cidade pode assumir uma seu grau de honestidade e seus poderes criadores. Mas
importância nacional. Um de sinceridade. Devemos este desejo e esta intenção
presidente é, não somente o considerar as tendências do honesta não são as coisas
administrador dos interesses candidato em situações que mais importantes a serem
do país, mas também faz não podem ser previstas ou consideradas. Devemos
parte do plano de adminis- aguardadas no presente. De- analisar seu caráter, suas
tração internacional. De- vemos julgá-lo, não segundo capacidades, seus métodos
vemos levar em conta suas o que ele quer fazer no fu- de reflexão e sua aprecia-
qualificações para enfrentar turo, mas segundo o que ele ção fundamental das Leis
os problemas internacionais pode fazer nos estados de Cósmicas e Universais.
que podem surgir paralela- crise ou nas circunstâncias Há milhões de pessoas
mente aos problemas locais. atualmente desconhecidas. que votam cegamente para

50 O ROSACRUZ · INVERNO 2018



um ou outro dos numero- poder, um poder comple-
sos candidatos, acreditando mentar ao da Lei Cósmica. Não há
que todos são bons ou que
todos são maus e que todo
Se todos os seres huma-
nos quisessem se unir para
na Terra
empenho de escolher um
que seja melhor do que os
exigir a paz universal, tendo
somente pensamentos de
poder de
outros é tempo perdido. Elas paz, de prosperidade e de natureza
consideram que há pouca felicidade universal, não
diferença, seja quem for somente as ideias de guerra mundial
que seja eleito, dado que as
influências políticas, as co-
seriam eliminadas das men-
tes, mas a própria reflexão maior que
nivências e os atos por baixo desse poder da opinião a opinião


da mesa, vão reger as ações afetaria as Leis Cósmicas.
do candidato quaisquer que A paz universal se torna- pública.
sejam suas proclamações. ria uma condição imediata e
Trata-se da má manei- imutável. Quando a opinião
ra de considerar as coisas pública numa localidade ou assim como é o senhor da
e de votar, visto que ela numa nação está centrada sua vida pessoal. Ele deve
alimenta a situação que é em certas reivindicações que então assumir a responsabi-
tão seriamente criticada. são justas, razoáveis e respei- lidade de seus próprios atos.
Houve no passado can- táveis, em particular para o É correto e conveniente
didatos que foram eleitos bem geral de todos, os pode- que os membros da Antiga e
segundo suas promessas res políticos, os partidos e os Mística Ordem da Rosacruz,
e eles sacrificaram seu dirigentes não contam mais tentando trabalhar em har-
sucesso futuro e sua repu- e nada podem fazer ante a monia com as Leis Cósmicas
tação permanecendo fiéis decisão dos seres humanos. universais, analisem as si-
às promessas feitas e cum- Um indivíduo eleito para tuações políticas, escolham
prindo suas obrigações sem uma função pela opinião da seus candidatos e votem
levarem em conta pressões maioria que crê e que quer naqueles que acreditem
exteriores e tentações. que aquilo que ele faz seja honestamente que vão se
Podemos encorajar os correto, recebe do Cósmi- ajustar às Regras Cósmicas
homens que tenham uma co o poder de realizar as e prestar ao povo o melhor
bela personalidade e uma reivindicações do público. serviço possível. Faz parte
bela inteligência a se in- Ele tem receio de não sa- dos nossos deveres o tentar-
teressarem pelas questões tisfazer perfeitamente essas mos tornar justas as condi-
políticas, mostrando por reivindicações. Neste caso, ções mundiais num sentido
nossos votos que damos o público deve assumir toda nacional ou no seio de uma
prova de discriminação e a responsabilidade do seu comunidade, assim como no
que abordamos o assunto de julgamento. Esse indivíduo âmbito social e particular.
maneira analítica e Cósmica, se encontra numa posição Afinal, somos os guardi-
após termos orado. Não há em que pode exercer uma ães dos nossos irmãos num
na Terra poder de natureza profunda influência e ser amplo sentido e o carma de
mundial maior do que a opi- o senhor do seu próprio uma nação pode se tornar
nião pública. É um segundo destino no sentido político, uma parte do nosso. 4

INVERNO 2018 · O ROSACRUZ


51
Nesta seção sempre
homenagearemos a história
de nossa Ordem no mundo
e na língua portuguesa,
lembrando por meio de
imagens os pioneiros que
.com

labutaram pelo Ideal Rosacruz


© thinkstock

e plantaram as sementes cujos


frutos hoje desfrutamos. A
todos eles, a nossa reverência.

Gráfica Rosacruz José de Oliveira Paulo


Na ocasião da Convenção Rosacruz realizada em 1972, a Grande Loja apresentou aos rosacruzes conven-
cionais presentes a instalação da sua própria gráfica, com a finalidade de imprimir as monografias e ou-
tras produções, visando maior agilidade à crescente quantidade de materiais impressos que iam surgindo.
Mas o nome “José de Oliveira Paulo” foi dado às instalações somente no ano de 2001 para homenagear
aquele que foi um dos fundadores da Grande Loja no Brasil. Na época, o parque gráfico da AMORC havia
crescido bastante para garantir aos membros alto padrão de qualidade do material impresso que recebiam.
Responsável pela impressão de todo material ex-
pedido pela GLP, a gráfica conta hoje com máqui-
1 nas de última geração e está comprometida com
a sustentabilidade, tendo um programa avança-
do de destinação de todos os resíduos gerados.

3 Legendas:

1. Ambiente interno da gráfica, ano de 1972;


2. Setor de Acabamento Gráfico, ano de 1972;
3. Atual fachada da agora intitulada, Gráfica
Rosacruz José de Oliveira Paulo, FRC.

52 O ROSACRUZ · INVERNO 2018


Tradicional Ordem M artinista
… Nuvem sobre o Santuário…
Contemporâneo de Louis-Claude de Saint-Martin, Karl Von Eckartshausen seguiu um processo
espiritual semelhante ao do Filósofo Desconhecido, ambos guardando a respectiva alteridade de
seus trabalhos. Eles nunca se encontraram, apesar de Saint-Martin ter-lhe expressado o desejo de
conhecê-lo e feito chegar até ele seus escritos. Foram Kirchberguer e a caríssima Charlotte de
Boecklin que lhe revelaram os estudos do Conselheiro de Munique e que este “depois de muito
trabalho e muitos sofrimentos, atingiu o fim de sua busca espiritual”.
Preferindo qualificar seu século de “crepúsculo”, em vez de “luzes” ele pode então afirmar “que
um raio luminoso penetra através da nuvem das trevas, mas não ilumina ainda, em toda sua pureza,
nossa razão e nosso coração”.
Esse raio luminoso, evidentemente, só pode advir da LUZ do mundo, daquele que nomeamos
o Reparador, o Conciliador. Para tanto, Eckartshausen nos instrui que há em nós um “olho” apto
a perceber essa luz, mas que, desde a queda do homem no mundo material dos cinco sentidos,
este olho está fechado, ocultando dele, através de uma nuvem que ele precisa dissipar, o templo
que deve acolhê-lo.
Esse teósofo expõe, mas também propõe. O “ órgão interior e espiritual”, que ele denomina
sensorium – único suscetível de receber a luz – pode e deve se abrir, se o homem segue e conquista
com êxito três degraus. Aliás, ele qualifica essa operação de “mistério do novo homem”.
E de pronto nos vemos do reino da aparência para o Reino da Verdade.
Ciente desta realidade, através do Conhecimento Rosacruz/Martinista recebido, restabelece-
mos a união entre DEUS, o Homem e a Natureza.
E qual será a recompensa desse encontro?
O acesso ao Santuário Interior. O aperfeiçoamento dos seres humanos. Essa comunhão di-
ferencia-se das demais formas de compreensão e entendimento, pois ensina o conhecimento de
DEUS, da Natureza e do Homem.
A Nuvem ante o Santuário desaparece, o segredo é então desvendado: DEUS e a Natureza não
têm segredos para seus filhos.

Texto inspirado em O Pantáculo nº. 13 – 2005 – Eckartshausen – Viagem através da nuvem sobre o santuário.

S.I.
A
humanidade recebe de tempos em tempos personalidades-
© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

-alma que são “divisoras de águas”, ou seja, o mundo é um


antes delas e outro após elas.
Como verdadeiros mensageiros de Luz a serviço da
humanidade, esses seres receberam do Cósmico a missão de causar
uma forte influência na sociedade em que estavam inseridos,
recebendo postumamente o reconhecimento pela visão, liderança
e iluminação que abrangeram todo o nosso mundo. Vieram
para mudar, romper paradigmas e deixar os seus pensamentos,
palavras e ações como exemplos de seres humanos especiais.
Esta capa da revista “O Rosacruz” é dedicada a esses seres
de luz que, como Mestres, nos ensinaram o sentido da vida.

Louis-Claude de Saint-Martin –
Filósofo e místico francês, Louis-Claude de Saint-Martin era de
uma família nobre de Amboise, em Touraine, na França. Nasceu
no dia 18 de janeiro de 1743 e cedo manifestou uma inteligência
intensa, ávida de idealismo e sentimentos piedosos que, quando
adulto, foram plenamente expressos e fizeram dele, não somente um grande místico cristão, mas também
uma das mais prestigiosas personalidades do Iluminismo. Com o pseudônimo de “Filósofo Desconhecido”
Louis-Claude de Saint-Martin escreveu vários livros e tornou-se um dos maiores influenciadores para
nobres franceses e europeus criando a Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, uma sociedade iniciática.
Sua grande mentora foi sua madrasta, a quem ele se referia como uma pessoa amável e de bom coração
que lhe proporcionou uma sábia educação. Foi ela quem iniciou Louis-Claude de Saint-Martin na leitura
de livros de Jacques Abbadie, ministro protestante de Genebra.
Formou-se advogado, mas suas aspirações interiores e o interesse que tinha pela filosofia o levaram a
largar a profissão. Ao fazer essa escolha ele abraçou a carreira militar. Lá um de seus amigos do círculo de
oficiais era membro da Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus-Cohen do Universo, fundada por Martines de
Pasqually. Foi então que o “Filósofo Desconhecido” conheceu o Mestre Supremo e sentiu-se atraído por sua
personalidade e seus conhecimentos.
Estudioso de esoterismo e pesquisas místicas, seu maior objetivo era afastar os homens de suas
preocupações materiais e sensibilizá-los para o mundo espiritual. Além se seguir Martines de Pasqually,
Saint-Martin se aprofundou nas obras de Jacob Boehme a quem ele considerava seu segundo mestre e,
em parceria de Jean Baptiste Willermoz, lançou as bases do Martinismo, onde passou a difundir os seus
ensinamentos.
Seus escritos filosóficos despertam o interesse de seus contemporâneos até os dias de hoje,
principalmente daqueles que se interessam pela espiritualidade e pelo sentido profundo da existência.
Louis Claude de Saint-Martin faleceu no dia 14 de outubro de 1803 por ocasião de uma crise de apoplexia.

“Eu desejei fazer o bem, mas não quis fazer barulho, porque senti que o barulho não fazia bem,
assim como o bem não fazia barulho.”
– Louis-Claude de Saint-Martin

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