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OS GUARANI IVA MATA ATLÂIV-I-ICA E O PROCESSO e fracassos de suas práticas. As diferentes políticas, experiências e
DE REGULARIZAÇÃCIDE SUAS TERRAS estágios desse processo, nos vários estados da federação que abran-
gem o território Guarani, contribuem para essa situação.
Na região costeira do Sul e Sudeste do Brasil, entre os estados do
Rio Grande do Sul e Espírito Santo, existem, atualmente, 53 aldei- DIREITO A TERRA
as guarani e incontáveis locais de parada provisória. As considera- Atualmente, a região costeira, nos trechos cobertos pela Mata Atlân-
ções apresentadas no presente artigo fundamentam-se na dinâmi- tica, é palco de disputas entre latifundiários, pequenos proprietá-
ca de ocupação territorial dos Guarani que vivem atualmente nes- rios, posseiros, índios e Unidades de Conservação. Cada um des-
sa região litorânea do Brasil, cuja maioria é constituída pelos Mbya, ses agentes conta com direitos constitucionais assegurados, apoi-
seguidos dos Nhandeva (estes e os Kaiová compõem os três os organizados, entendimentos e experiências diversificadas so-
subgrupos guaranis no Brasil). Entretanto, muitas das situações bre o ambiente, a natureza e o "espaço".
que serão aqui mencionadas são também vivenciadas pelos Guarani
no interior do Brasil, da Argentina e do Paraguai. O texto constitucional, em seu artigo no 231, confere aos índios "os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam",
Inseridas na Mata Atlântica, ou próximas a ela, preferencialmente cabendo à União sua proteção e demarcação. Através desse precei-
em regiões montanhosas (Serra do MaríSP, Serra da BocainamJ, to constitucional e de seu modo tradicional de ocupação, incluindo
Serra do Tabuleiro/SC) , a maioria das áreas guarani do litoral bra- as práticas produtivas, os Guarani vêm conquistando direitos sobre
sileiro ainda não se encontra regularizada. Somente 13 delas, so- as terras. Por outro lado, por constituírem uma população etnica-
mando um total de 14.953,89 ha, estão demarcadas e homologa- mente diferenciada e rninoritária nos diversos contextos regionais,
das. No entanto, mesmo essas áreas não estão totalmente livres de as pressões por parte da sociedade nacional e as tentativas de con-
outras ocupações e das mais variadas formas de pressão, uma vez trole de suas dinâmicas sociais e territoriais são uma constante.
que os limites das terras guarani são impostos pela ocupação
Apesar da exiguidade das áreas destinadas aos Guarani, não tem
envolvente.
sido fácil para eles obter o reconhecimento de suas terras. Os pro-
A aplicação das normas administrativas oficiais para demarcação cessos judiciais envolvendo as terras guarani começam com o iní-
das Terras Indígenas (TIS) mostra-se ineficaz diante do universo cio dos procedimentos para sua regularização. Ainda correm ações
sociocultural guarani e da complexa situação territorial da etnia. judiciais movidas por particulares contra comunidades guaranis
Para se sair dos impasses que, via de regra, revertem na paralisação (ou vice-versa) de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio
dos processos de regularização fundiária ou no desfecho insatisfatório Grande do Sul e, mais para o interior, Mato Grosso do Sul.
para os índios e/ou seus confrontantes, é fundamental criar uma Avessos a qualquer tipo de disputa pela terra, os Guarani aceitam a
política que, considerando as peculiaridades do território e do modo defesa de suas áreas através das disputas judiciais em razão de
de ocupação guarani, defina procedimentos adequados a garantir- que estas se constituem num confronto "teórico", intermediado
ihes terras, levando em conta a realidade em seu conjunto. por aliados, do qual participam diversos atores.
Até o momento, o Estado não definiu as bases de uma política es- A partir da década de 80, quando se tornou inevitável o reconheci-
pecífica para a regularização das terras guarani, a partir dos êxitos mento oficial das áreas ocupadas pelos Guarani no litoral, as con-
POVOS IND~GENAS
NO BRASIL 199612000 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL SUL 1 1113
sequentes articulações entre diversas instituições para se efetiva- mento de água, usinas nucleares em Angra dos Reis, a duplicação
rem os procedimentos administrativos de regularização das mes- da rodovia BR-101, Gasoduto Bolívia - Brasil, entre outros, e a
mas obrigaram os Guarani a remodelar suas formas de relaciona- criação de parques florestais, todos pleiteando o uso dos recursos
mento, agora muito mais complexas, com os diversos setores da naturais, sobretudo os hídricos, ou incidindo sobre as terras
sociedade nacional. Se antes encontravam-se "livres" para deter- guaranis ocupadas.
minar as relações de contato circunstanciais, mantendo suas al-
deias preservadas de ingerências externas, passaram então a ser
alvo de interesses políticos, de sobreposição de programas
assistenciais descontínuos, de maiores expressões de solidarieda- A preocupação com a definição de limites e cartografias para os
de e também de discriminação. Enfim, demarcação e o reconheci- territórios indígenas não partiu dessas sociedades. As situações de
mento de suas áreas põem termo à invisibilidade antes pretendida contato a partir da conquista rompem antigas alianças e hostilida-
e afetam o modo de vida anterior. des e, em razão da necessidade de confinar as comunidades indí-
genas para promover sua própria ocupação expansionista, a soci-
ACUADOS edade nacional produz a categoria de "terra indígena", associan-
do-a ao significado mais amplo de "território", enquanto um es-
No litoral de Santa Catarina, grupos familiares vivem uma organi- paço suficiente para o desenvolvimento de todas as relações e
zação social nos moldes tradicionais, mantendo relações de reci- vivências definidas pelas tradições e cosmologias. Com relação aos
procidade com outras aldeias, embora ocupando áreas exíguas: Guarani, a redução do conceito de seu território ao de suas terras
beiras da rodovia BR-101 e de estradas estaduais, terrenos públi- é totalmente imprópria.
cos, fundos de terrenos de particulares, interior e proximidades
do Parque Estadual Serra do Tabuleiro. Sem matas e terras apro- Os Guarani (Mbya, Kaiova, Nhandeva) conseguiram manter a con-
priadas, as atividades de subsistência são quase impraticáveis. Tal figuração de um vasto território - que compreende áreas localiza-
condição leva esses grupos familiares a uma constante reordenação das no Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai - através de inúmeras
de seus espaços e indefinição quanto à fixação. Esta situação, não aldeias aí espalhadas. Entretanto, se não ocupam seu território de
isolada, reflete a realidade vivida por outras famílias Guarani em forma contígua, este fato deve-se à expansão das sociedades naci-
outras regiões geográficas, como no complexo lagunar estuarino onais, e não à perda da relação que mantêm com as terras invadi-
de Iguape (SP)íParanaguá (PR), onde, entre 1990 e 2000, foram das. Muito ao contrário, os.Guarani conservam uma relação sim-
levantadas pelo CT113 aldeias, das quais sete estão hoje ocupadas. bólica e prática com o "mundo original". Conscientes da falta de
opções, insistem em preservar as pequenas áreas onde foram con-
Desse modo, decorridos 17 anos do início do processo de reco- finados, e que estão longe de conter os recursos ambientais neces-
nhecimento-dás aldeias Guarani do litoral, observam-se, em algu- sários ao seu bem estar e à sua reprodução física e cultural.
mas regiões, as mesmas dificuldades de se compreender e reco-
nhecer a presença dos Guarani e a necessidade de lhes destinar A ocupação Guarani das aldeias e a apreensão de seu território
terras. Aiém disso, em decorrência do "desenvolvimento",os cha- acontece por meio de dinâmicas sociais e políticas e das redes de
mados projetos sociais entram em cena: saneamento e abasteci- parentesco que implicam em permanente mobilidade. Tais carac-