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Cada autor tem seu conceito, é muito comum. Uns mais analíticos, mais
extensos, mais sucintos, uns mais precisos outros não. O importante não é decorar, nós
devemos construir o conceito de jurisdição com as características, com os princípios que
fundamentam a jurisdição. Um primeiro conceito, para começar, como foi visto em
TGP, que a jurisdição seria o poder-dever, a expressão “poder-dever” tem sentido de
que cabe ao Estado de, quando provocado, resolver um determinado conflito de
interesses, aplicando o direito ao caso concreto.
Se o réu vai resistir ou não, lide, isso é evento futuro e incerto. Nós vamos falar
sobre isso, acho que podemos pensar o processo sem lide, até porque o processo está
instaurado antes da possibilidade de existir a lide, lide processual, não o conflito
sociológico, da sociedade que se diz pré-processual, porque isso nem é trazido ao
processo. Uns trabalham com a ideia de pretensão, como ponto central da teoria geral
do processo, outros trabalham com a ideia de lide, que é a pretensão resistida, aquela
definição clássica do Carnelutti. A jurisdição seria o poder-dever. Poder-dever cabe ao
Estado, o Estado tem o “monopólio da jurisdição”, porque hoje na área privada, no
direito processual civil, há possibilidade de juiz arbitral. Há uma discussão, Candido
Dinamarco tem um livro sobre isso “será que no juízo arbitral é processo? O árbitro
presta jurisdição? Ele é juiz em que sentido? ”.
A ideia de Montesquieu, a repartição de poderes, ele não criou nada, ele apenas
sistematizou e mostrou, combatendo o absolutismo, que é preciso, já que tem três
atividades diferentes na sociedade organizada no Estado, criar órgãos independentes dos
outros, para que um não fique em suas mãos os três poderes, porque isso leva ao
absolutismo. Eu crio a lei segundo o meu interesse, eu executo, eu aplico a lei aos casos
concretos, eu sou o todo poderoso, ditadura, estado de exceção, nem é a exceção, passa
a ser a regra. Montesquieu não criou, sempre existiu, ele somente mostrou isso. Tem
aquela expressão “A experiência mostra o estado de natureza das coisas, que quem
detém o poder tende dele abusar e vai até onde encontrar limites, quem diria, até a
virtude precisa ser limitada. É preciso dispor as coisas de modo que o poder controle o
poder”, é o sistema de freios e contrapesos. A própria igreja católica, o próprio papa
tinha poderes ilimitados. A ideia é essa. Ele mostrou a necessidade de separar poderes
da monarquia, de forma que um controle o outro. Então, eu pergunto, na história da
humanidade, nos momentos mais antigos, quem teria surgido primeiro? O homem
sempre viveu em sociedade. Só temos a língua, o juízo de valor, os costumes por causa
da vivência social com outros seres humanos. Só somos os que somos por causa da
sociedade em que estamos inseridos.
Nesse contexto, desde o homem primitivo, surge, sempre, uma liderança. Pode
decorrer da força física, da idade (naquelas sociedades que cultuam os anciãos), pode
surgir da religião (pajé), pode surgir da astúcia, mas sempre surge. Essa liderança,
quando queria fazer valer o seu poder, nos tempos primitivos, criava regras. Ele criava
normas jurídicas. Normas de comportamento, normas de conduta. E, para ser
jurídica, a norma precisava ter sanção. Ele criava o direito, aplicava o direito e
administrava todo sistema: quem vai comer a caça, quem vai limpar a caverna, se vai ter
vigilância ou não. E aí eu volto à minha pergunta: quem surgiu primeiro? É uma
pergunta meio como "quem surgiu primeiro? O ovo e a galinha?". Eu acho que quem
surgiu primeiro foi o legislativo.
É a criação de uma regra, não é? Acho que o que surgiu primeiro foi a
“atividade legislativa”. Acho que antes mesmo de criar a regra, de forma definitiva, o
cara fez uma coisa que ele não gostava e ele matava, levando à criação da regra. Aí vem
alguém e diz “nesse caso tem que ser assim” e cria-se a regra. Antes de ter criado
consensualmente, as vezes nem falando numa linguagem definitiva, mas que impôs um
comportamento. São reflexões que a gente tem que fazer, na hermenêutica do Direito.
Por quê cria-se a regra? Em situações de Absolutismo, de ditadores, de autoritarismo e
tal, o modelo de legislação já satisfazia os seus interesses. Depois se sabe que não se
pode viver em uma anomia, ou seja, uma ausência de regras/normas. Nós temos umas
regras estabelecidas pela universidade: como vai ser a prova, se pode gravar ou não
pode, se pode ficar no celular ou não. Temos regras, até de roupa. Quem cria,
normalmente cria com sua visão de mundo, com seus interesses, com essa ideia que
passa pelos manuais: o processo é justo, parece até que está lá num paraíso celeste.
! Características da Jurisdição
Evidentemente, que isso está muito ligado a forma como se estrutura e organiza
o processo penal, e sobre isso nós vamos falar depois, no sistema democrático. O papel
do juiz, o papel do MP, o papel da Defesa, é de suma importância. A gente tem que
pensar, e eu penso no processo penal, não só como dizem os ultraliberais, “consagração
a uma intervenção dos direitos fundamentais e individuais do cidadão”, do outro lado
numa corrente punitivista, o processo penal é um instrumento para punir os criminosos,
acabar com a corrupção. O processo penal democrático, o juiz não instaura um
processo penal de oficio, pois é imparcial, e deve ter um equilíbrio: ao mesmo
tempo que é instrumento da lei penal, também é instrumento para outros valores.
Punir através do devido processo legal. O processo é uma relação jurídica onde as
funções de acusar e julgar estejam distribuídas a sujeitos processuais distintos. O juiz
que acusa não pode julgar. Então nós temos que pensar que ao mesmo tempo que é
instrumento de aplicação do direito material, tem um caráter instrumental
inegável. [O professor fala da visão de autores do sul do país]. Se amanhã por hipótese
utópica o Direito Penal desaparecesse, o processo penal não precisaria ser revogado, ele
não teria mais utilidade, não teria mais serventia, mesmo estando em vigor. Ele serve
como forma de aplicar o Direito Penal, mas não de qualquer maneira, não se pode
aplicar o processo penal de qualquer maneira: aplicando e tutelando valores que são
fruto do processo civilizatório. Vejam o Estado de Direito. Esse devido processo legal,
fonte legal, que não é do brasil só, vai absolver todo dia, a toda tarde cerca de cem
sentenças absolvendo culpado. O risco que tem que se assumir, pois podia ser ao
contrário, todo dia, talvez não cem, mas teríamos 20 inocentes condenados, o que é
muito pior. Alguém tem dúvida se é menos ruim absolver um culpado do que condenar
um inocente? Daí que vem o in dubio pro reo. O ruim é absolver o culpado, é ruim
condenar inocente, mas se não tiver jeito, o menos ruim é absolver o culpado. No nosso
sistema penitenciário está aí. Um massacre, um absurdo. Essa é a questão. Vai absolver
o culpado, mas fazer o que? Paciência. Não é valioso condenar a qualquer preço. Então
a gente tem que pensar nesse equilíbrio. Nem 8 nem 80. A gente tem que buscar o
equilíbrio. Por isso a prova ilícita, que vocês já viram, e nós vamos ver também, pode
ser verdadeira, mas não é lícita. Para punir A, B ou C, não vale a pena torturar as
pessoas, se pudesse torturar ia condenar mais pessoas, mas são valores, não digo que
são divinos, mas nós conquistamos, através do processo civilizatório punir as pessoas
culpadas. Hoje eu vi na televisão que só em São Paulo são 137 mil mandados de prisão
expedidos que não foram cumpridos. E se cumpre 10% disso é um caos total, explode o
presídio. Ia sair, seria um trocadilho, preso pelo ladrão. Não tem nem como cumprir
esses mandados.
Professor cita: “A justiça funciona muito bem.” Como funciona bem? Ela não
pode funcionar, se ela funcionar é um caos. Então ela foi feita para não funcionar. Se
não funciona está funcionando. Essa compreensão que nós temos que ter. Esquece
televisão, esquece mídia, nós temos outro nível. Viemos aperfeiçoar o direito. As regras
são muitas. Agora, não pensar que o direito processual penal, o direito penal é um
instrumento eficaz no combate à criminalidade. É um engano. Qual é o remédio? Não
tem milagre, mas esse sozinho não resolve. Não vamos vender essa ilusão, seria má-fé.
E se o direito penal resolvesse, seria fácil, eu me perpetuaria no poder, no legislador.
Das penas, do código penal e das leis extravagantes, a partir hoje são multiplicadas
por 10, o furto de 100 a 400 anos, era de 10 a 40, acabou o furto? Ninguém vai furtar
mais? Homicídio é de 6 a 20, vai ser 60 a 200 anos, qualificado vai ser 120 a 200,
acabou o homicídio? Ilusão. Seria fácil, se o legislador resolvesse isso, mas
infelizmente não resolve. E se você não tem o diagnóstico correto e toma remédio
errado, você vai pelo caminho mais errado ainda, você não resolve nada e ainda
agrava outras situações. Não é a favor da punição do direito penal. Tem gente que tem
que ir para a cadeia mesmo não tem jeito. O cara está roubando, matando, atirando,
tem que ir preso. Iniciando o processo justo, correto. Não é não ser a favor da punição
no processo penal, mas é não pensar que nós do direito temos essa importância que a
gente pensa que tem. Não temos. A mídia passa essa visão simplista, punitivista, que o
problema é a impunidade. Que impunidade? Os presídios estão todos superlotados, não
dá para cumprir 10% dos mandados de prisão expedidos. Homicidas passando pela
frente da gente e a gente não está nem sabendo. Está cheio. Foi condenado, já houve
trânsito em julgado. Não dá para cumprir.
Aluna: Há uma pesquisa que diz que o juiz que analisa o inquérito deveria ser diferente
do que analisa o processo, e que isso...
Professor: O juiz nem deveria analisar inquérito. Teoricamente, ainda vamos falar
sobre isso, o juiz deveria prestar a jurisdição quando exercida a ação penal. Aí sim. A
não ser em medidas cautelares anteriores, aí si. Decretar prisão preventiva, prisão
temporária, escuta telefônica. O juiz tem garantias que ele atuaria, em medidas
cautelares, antes da ação penal, mesmo assim esses juízes atuariam no processo.
Hoje estão nascendo, por exemplo, 200 crianças pobres, não é porque é pobre,
mas é porque vai viver naquele meio. Dessas 200 crianças, 10% vai ser delinquente, ou
muito mais. Vai matando e não resolve o problema, muito menos desestimula o cara. Eu
trabalhei com um juiz no tribunal de júri, que era bem religioso, e depois do julgamento
ele vinha fazer um discurso para o réu. Discurso religioso, depois da aplicação de uma
pena; cruel né? "O senhor sabe, o senhor conhece algum bandido bom com mais de 30
anos famoso? Ou foi preso, ou vai morrer preso, ou a polícia mata, ou vocês matam uns
aos outros; por que você não larga isso?" E o réu respondia assim: "Doutor, eu vou à
luta. Eu vou sair e vou fazer de novo; eu não tenho perspectiva. Eu não tenho o que
fazer. Enquanto eu estou lá, eu estou com tênis novo, no morro eu tenho prestígio. Se eu
morrer com 25 anos, enquanto eu não morrer, eu aproveitei. O meu pai viveu
trabalhando sem constar no INSS, sem nada, batia na minha mãe porque ele era
bêbado, minha mãe se prostituiu." A situação é complicada, então, não acreditem e
entendam que essa importância do processo penal como instrumento de aplicação
penal não tem essa eficácia social relevante infelizmente, não é valioso punir
postergando valores relevantes. Se praticou um crime por que não arranca a unha dele
né para confessar? Você permite a tortura, permite grampear telefone, entrar em casa
sem mandado, cria uma insegurança para toda a sociedade.
*Fim do parêntese
Se está todo mundo de um lado só, não tem outro lado. Além de dizer quando
pode e quando não pode prender, disciplina e diz que é nula a prisão se o delegado não
fundamentar a extrema necessidade. Eu acho isso muito bom, mas tinha que estar na lei
e não na Súmula. Então eu posso dizer hoje que a jurisdição não cria direito? Não
sei, na nossa realidade de hoje, e isso me preocupa muito, toda hora, agora um delegado
federal no caso do Bolsonaro estava nos Estados Unidos, nossos professores estão
dando palestra nos Estados Unidos, os juízes federais estão nos Estados Unidos e com
isso cada vez mais temos uma visão de direito americano. Sempre tivemos isso no
plano constitucional, mas agora também no âmbito do processo penal. Eu não sei se lá é
ruim ou não é, mas eu acho muito ruim a gente abrir mão do nosso sistema romano, da
legalidade para assumir o sistema do Common Law. O que é precedente? Os Ministros
do Supremo cada um dá seu voto, aí é fácil, eu faço uma pesquisa no computador, eu
dou um voto sobre direito tributário mesmo não sabendo nada de tributário, peço para a
minha assessoria e fico citando o voto de outros, fico lendo precedentes. Se é assim, a
máquina é quem faz todo o trabalho e já podemos substituir os Ministros pelos
computadores. Então quando a jurisprudência passa a criar o direito, a jurisdição
deixa de ser uma jurisdição declaratória, que é uma característica tradicional, mas
hoje ninguém tem garantia de nada. A jurisdição é declaratória, mas deve se atentar para
todas essas ressalvas.
4) Substitutividade
5) Pública – doutrina coloca como característica, apesar de Afrânio entender que não é.
A atividade legislativa e a administrativa também são públicas, então não distingue a
jurisdição. Com a lei de arbitragem, se é que árbitro desempenha função jurisdicional,
gera certa discussão. Mas no processo penal, ainda é pública! Afrânio já fez discurso da
privatização da justiça penal. Teria que privatizar presídio, gerando um “Brasil S/A”. A
justiça teria caminhado um pouco nesse sentido, estando atualmente terceirizada. O juiz
apenas assina, mas sentença foi feita pelo assessor. O procurador assina, mas parecer foi
feito por assessor. Boa parte de acórdãos vem da assessoria hoje em dia. Nessa
perspectiva não está privatizado, mas terceirizado. É péssimo. Juarez Tavares teve aluno
que redigiu voto de desembargador em sentido contrário ao que sustentou, por exemplo.