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TRANSCRIÇÃO PROCESSO PENAL – 11.

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Cada autor tem seu conceito, é muito comum. Uns mais analíticos, mais
extensos, mais sucintos, uns mais precisos outros não. O importante não é decorar, nós
devemos construir o conceito de jurisdição com as características, com os princípios que
fundamentam a jurisdição. Um primeiro conceito, para começar, como foi visto em
TGP, que a jurisdição seria o poder-dever, a expressão “poder-dever” tem sentido de
que cabe ao Estado de, quando provocado, resolver um determinado conflito de
interesses, aplicando o direito ao caso concreto.

É um conceito com imperfeições, não cabe decorar, estou formulando agora,


qualquer livro vai dar um conceito melhor. Vocês têm essa noção, jurisdição, dizer do
direito, resolver a questão concreta, não em abstrato. O Judiciário, a não ser na justiça
eleitoral, ou na justiça do trabalho, ele não dá consulta, ele não cria regras jurídicas,
enquanto atividade jurisdicional.

O poder judiciário pode ter regimento interno, fazer concurso, um ato


administrativo, mas enquanto desempenha a função principal, precípua, ele presta
jurisdição e a jurisdição é dicção, juris, direito, dizer o direito no caso concreto e não em
tese, não em abstrato. Para resolver o conflito de interesse, trabalhando com a ideia de
lide, outros, como eu, abrem mão da ideia de lide, que é um conceito complicado,
trabalho com a ideia de pretensão, que seria uma vontade que manifesta o autor perante
o poder judiciário no sentido que prevaleça seu interesse, o interesse do autor, em
detrimento do interesse do réu, que tem seu interesse juridicamente protegido por uma
norma de direito material.

Se o réu vai resistir ou não, lide, isso é evento futuro e incerto. Nós vamos falar
sobre isso, acho que podemos pensar o processo sem lide, até porque o processo está
instaurado antes da possibilidade de existir a lide, lide processual, não o conflito
sociológico, da sociedade que se diz pré-processual, porque isso nem é trazido ao
processo. Uns trabalham com a ideia de pretensão, como ponto central da teoria geral
do processo, outros trabalham com a ideia de lide, que é a pretensão resistida, aquela
definição clássica do Carnelutti. A jurisdição seria o poder-dever. Poder-dever cabe ao
Estado, o Estado tem o “monopólio da jurisdição”, porque hoje na área privada, no
direito processual civil, há possibilidade de juiz arbitral. Há uma discussão, Candido
Dinamarco tem um livro sobre isso “será que no juízo arbitral é processo? O árbitro
presta jurisdição? Ele é juiz em que sentido? ”.

No processo penal, felizmente, há o monopólio do Estado, embora os acordos de


colaboração premiada, acordos de não persecução penal, uma resolução do Conselho
Nacional do Ministério Público, estejam, até, transformando o processo penal em
contrato, outra questão. A jurisdição penal é do Estado, é monopólio do Estado... o
Estado para aplicar o direito diante de uma pretensão que é manifestada, princípio da
inércia da jurisdição, ele precisa ser provocada, diferente da atividade legislativa,
diferente da atividade administrativa do Estado.

Em linhas gerais, a produção de um ato normativo, lei em sentido material,


abrangendo aí Constituição, lei complementar, lei em sentido amplo, é criar o Estado,
criar regras gerais, abstratas de comportamento, de conduta, com consequências
jurídicas... o Tribunal quando cria o regimento interno está legislando em sentido amplo
da palavra, está criando regras que vão vincular todos que forem ao Tribunal, produção
de atos normativos. E tem a atividade administrativa do Estado, realizar as obras e
realizar os concursos, comprar materiais, os atos administrativos... A atividade
jurisdicional é estudada pelo processo, direito processual; a atividade legislativa é
estudada pelo direito Constitucional, processo legislativo; a atividade administrativa do
Estado é estudada pelo direito administrativo. Todos ramos do direito público. Vamos
pensar uma coisa: na história da humanidade, o que teria surgido primeiro? A atividade
legislativa, a atividade jurisdicional lato sensu ou a atividade administrativa? O que teria
surgido primeiro, o ovo ou a galinha?

A ideia de Montesquieu, a repartição de poderes, ele não criou nada, ele apenas
sistematizou e mostrou, combatendo o absolutismo, que é preciso, já que tem três
atividades diferentes na sociedade organizada no Estado, criar órgãos independentes dos
outros, para que um não fique em suas mãos os três poderes, porque isso leva ao
absolutismo. Eu crio a lei segundo o meu interesse, eu executo, eu aplico a lei aos casos
concretos, eu sou o todo poderoso, ditadura, estado de exceção, nem é a exceção, passa
a ser a regra. Montesquieu não criou, sempre existiu, ele somente mostrou isso. Tem
aquela expressão “A experiência mostra o estado de natureza das coisas, que quem
detém o poder tende dele abusar e vai até onde encontrar limites, quem diria, até a
virtude precisa ser limitada. É preciso dispor as coisas de modo que o poder controle o
poder”, é o sistema de freios e contrapesos. A própria igreja católica, o próprio papa
tinha poderes ilimitados. A ideia é essa. Ele mostrou a necessidade de separar poderes
da monarquia, de forma que um controle o outro. Então, eu pergunto, na história da
humanidade, nos momentos mais antigos, quem teria surgido primeiro? O homem
sempre viveu em sociedade. Só temos a língua, o juízo de valor, os costumes por causa
da vivência social com outros seres humanos. Só somos os que somos por causa da
sociedade em que estamos inseridos.

Nesse contexto, desde o homem primitivo, surge, sempre, uma liderança. Pode
decorrer da força física, da idade (naquelas sociedades que cultuam os anciãos), pode
surgir da religião (pajé), pode surgir da astúcia, mas sempre surge. Essa liderança,
quando queria fazer valer o seu poder, nos tempos primitivos, criava regras. Ele criava
normas jurídicas. Normas de comportamento, normas de conduta. E, para ser
jurídica, a norma precisava ter sanção. Ele criava o direito, aplicava o direito e
administrava todo sistema: quem vai comer a caça, quem vai limpar a caverna, se vai ter
vigilância ou não. E aí eu volto à minha pergunta: quem surgiu primeiro? É uma
pergunta meio como "quem surgiu primeiro? O ovo e a galinha?". Eu acho que quem
surgiu primeiro foi o legislativo.

É a criação de uma regra, não é? Acho que o que surgiu primeiro foi a
“atividade legislativa”. Acho que antes mesmo de criar a regra, de forma definitiva, o
cara fez uma coisa que ele não gostava e ele matava, levando à criação da regra. Aí vem
alguém e diz “nesse caso tem que ser assim” e cria-se a regra. Antes de ter criado
consensualmente, as vezes nem falando numa linguagem definitiva, mas que impôs um
comportamento. São reflexões que a gente tem que fazer, na hermenêutica do Direito.
Por quê cria-se a regra? Em situações de Absolutismo, de ditadores, de autoritarismo e
tal, o modelo de legislação já satisfazia os seus interesses. Depois se sabe que não se
pode viver em uma anomia, ou seja, uma ausência de regras/normas. Nós temos umas
regras estabelecidas pela universidade: como vai ser a prova, se pode gravar ou não
pode, se pode ficar no celular ou não. Temos regras, até de roupa. Quem cria,
normalmente cria com sua visão de mundo, com seus interesses, com essa ideia que
passa pelos manuais: o processo é justo, parece até que está lá num paraíso celeste.

Então eu vou legislar de acordo com o que me interessa e me parece melhor. A


coisa funciona mais ou menos assim, como vocês devem ter visto. Na filosofia do
direito, temos a chamada teoria tridimensional do Direito, de Miguel Reale, que é um
filósofo brasileiro importante. Tem também o filho dele, que participou do processo de
impeachment. Mas o Miguel Reale criou a chamada teoria tridimensional do direito. O
que é o direito? Muita coisa, é uma forma de dominação, de manutenção do status
quo. Mas é também nessa perspectiva: fato, valor e norma. Toda regra jurídica se
refere a um fato, toda natureza morreu, exceção, ou uma conduta humana, um ato
jurídico, um negócio jurídico. Suporte fático da norma. Quando o fato ocorre, como se
fosse um feixe de luz, a norma jurídica incide, juridicizando o fato, produzindo efeitos
jurídicos. Então tem o fato e a norma, a regra, que se refere ao fato. Mas porquê quem
fez a norma se referiu a esse fato e impôs uma conduta ou proibiu uma conduta, que deu
causa aquele fato, que é o elemento axiológico, valorativo?

Um autor de processo penal, já falecido, muito bom, [nome incompreensível] da


UFRJ, ele fala exatamente isso, a conduta de pentear o cabelo fazendo a risca para um
lado é uma conduta humana, mas nenhuma norma jurídica fala disso. Por quê? Não há
nenhum juízo de valor positivo ou negativo. É indiferente. Como eu passo, no aspecto
pedagógico, falar sentado ou em pé. Qual a regra que disciplina isso? Ninguém se
preocupou com isso, porque isso não tem importância. Agora e quando se percebe que
um comportamento omissivo (caso de crime de prestar socorro)? Posso matar? Exerço a
atividade de tirar a vida dos outros? É o famoso desagregador, não queremos isso!
Então vem a norma e proíbe isso. Proíbe por quê? Porque é um juízo de valor, e aí vem
o direito e proíbe isso. Está certo, acho que é indiscutível, refere-se a uma conduta que
vai impor ou proibir, através de uma norma jurídica, regra de comportamento e porquê
há um juízo sobre aquela atividade, se é devida ou se não é devida. E sempre, é inerente
a ideia de direito uma sanção, porque se não fica uma regra sem moral, sem a sanção.
Por isso que o Direito Internacional Público tem esses problemas, porque a sanção
existe, lógico, mas é muito tênue. A ONU manda fazer e os países não fazem, os
Estados Unidos faz o que a ONU não quer que faça e não faz o que ela quer que faça. O
professor viu uma notícia falando que o Estados Unidos disse que ia retaliar a ONU se o
Tribunal Penal Internacional reprimisse os soldados americanos espalhados pelo mundo,
independentemente do crime que eles tenham praticado. É importantíssimo a ONU, mas
é evidente que é controlada e há resoluções da ONU mandando Israel devolver as terras
e Israel não devolve as terras, e vai fazendo assentamentos. Ela manda e não faz. Isso é
um problema, se não tiver a sanção, quase que não é uma regra jurídica. A essência da
regra jurídica é a sanção. Então no direito, aplica-se a regra e quando não é feito,
aplica-se a sanção através da jurisdição. De repente foi a atividade legislativa que
surgiu primeiro, alguém aplicou uma sanção, um castigo, uma punição.

! Características da Jurisdição

Vejam bem, o nome é importante porque as vezes se confunde características


com princípios. Característica é o que caracteriza, é o que dá o caractere. É a natureza, o
que caracteriza um cachorro, um pássaro. O que distingue a cadeira da mesa?
Característica da jurisdição, diferenciando até mesmo das outras atividades do Estado,
da atividade administrativa, da atividade legislativa.

1) Inércia: a jurisdição depende de provocação. Aliás a expressão é indevida, se a


inercia é uma atividade do Estado, como ela é inerte? É uma contradição nos próprios
termos. Mas nesse sentido não que seja uma atividade inerte, mas que para ser acionado,
ela precisa ser provocada. Se se provoca a jurisdição, consiste no direito de ação. Mas
ela é inerte, é a base. Agora vamos pensar, no processo civil, alguns autores procuram
exceções à inercia da jurisdição, a decretação da falência, tem alguns exemplos
especiosos. No direito processual penal, infelizmente não temos exceção, o juiz só
presta a jurisdição quando provocado pela ação penal, condenatória ou privada. Tem
ação penal não condenatória: habeas Corpus, mandado de segurança. Mas sempre é
provocado pelo exercício da ação. Qualquer um perguntaria: Por que a jurisdição,
principalmente a penal, é inerte e precisa de provocação? Vamos pensar, será que o
legislador, o constituinte ou até mesmo o sistema acordou de manhã e resolveu que a
jurisdição era inerte? Nos atos de inquisição, que nós vamos falar depois, na Idade
Média não era assim, o Estado jurídico instaurava um processo, não tinha nem
Ministério Público. Era de um lado o acusador juiz e do outro o réu, o sistema
inquisitório era linear. E por que hoje, não é assim? Por que hoje não se permite que o
juiz sabendo que houve um crime, não baixa uma aportaria e abre um processo? Isso
comprometeria efetivamente a imparcialidade. A imparcialidade é um princípio
processual importante.

Evidentemente, que isso está muito ligado a forma como se estrutura e organiza
o processo penal, e sobre isso nós vamos falar depois, no sistema democrático. O papel
do juiz, o papel do MP, o papel da Defesa, é de suma importância. A gente tem que
pensar, e eu penso no processo penal, não só como dizem os ultraliberais, “consagração
a uma intervenção dos direitos fundamentais e individuais do cidadão”, do outro lado
numa corrente punitivista, o processo penal é um instrumento para punir os criminosos,
acabar com a corrupção. O processo penal democrático, o juiz não instaura um
processo penal de oficio, pois é imparcial, e deve ter um equilíbrio: ao mesmo
tempo que é instrumento da lei penal, também é instrumento para outros valores.
Punir através do devido processo legal. O processo é uma relação jurídica onde as
funções de acusar e julgar estejam distribuídas a sujeitos processuais distintos. O juiz
que acusa não pode julgar. Então nós temos que pensar que ao mesmo tempo que é
instrumento de aplicação do direito material, tem um caráter instrumental
inegável. [O professor fala da visão de autores do sul do país]. Se amanhã por hipótese
utópica o Direito Penal desaparecesse, o processo penal não precisaria ser revogado, ele
não teria mais utilidade, não teria mais serventia, mesmo estando em vigor. Ele serve
como forma de aplicar o Direito Penal, mas não de qualquer maneira, não se pode
aplicar o processo penal de qualquer maneira: aplicando e tutelando valores que são
fruto do processo civilizatório. Vejam o Estado de Direito. Esse devido processo legal,
fonte legal, que não é do brasil só, vai absolver todo dia, a toda tarde cerca de cem
sentenças absolvendo culpado. O risco que tem que se assumir, pois podia ser ao
contrário, todo dia, talvez não cem, mas teríamos 20 inocentes condenados, o que é
muito pior. Alguém tem dúvida se é menos ruim absolver um culpado do que condenar
um inocente? Daí que vem o in dubio pro reo. O ruim é absolver o culpado, é ruim
condenar inocente, mas se não tiver jeito, o menos ruim é absolver o culpado. No nosso
sistema penitenciário está aí. Um massacre, um absurdo. Essa é a questão. Vai absolver
o culpado, mas fazer o que? Paciência. Não é valioso condenar a qualquer preço. Então
a gente tem que pensar nesse equilíbrio. Nem 8 nem 80. A gente tem que buscar o
equilíbrio. Por isso a prova ilícita, que vocês já viram, e nós vamos ver também, pode
ser verdadeira, mas não é lícita. Para punir A, B ou C, não vale a pena torturar as
pessoas, se pudesse torturar ia condenar mais pessoas, mas são valores, não digo que
são divinos, mas nós conquistamos, através do processo civilizatório punir as pessoas
culpadas. Hoje eu vi na televisão que só em São Paulo são 137 mil mandados de prisão
expedidos que não foram cumpridos. E se cumpre 10% disso é um caos total, explode o
presídio. Ia sair, seria um trocadilho, preso pelo ladrão. Não tem nem como cumprir
esses mandados.

*Afrânio abre um parêntese*

Professor cita: “A justiça funciona muito bem.” Como funciona bem? Ela não
pode funcionar, se ela funcionar é um caos. Então ela foi feita para não funcionar. Se
não funciona está funcionando. Essa compreensão que nós temos que ter. Esquece
televisão, esquece mídia, nós temos outro nível. Viemos aperfeiçoar o direito. As regras
são muitas. Agora, não pensar que o direito processual penal, o direito penal é um
instrumento eficaz no combate à criminalidade. É um engano. Qual é o remédio? Não
tem milagre, mas esse sozinho não resolve. Não vamos vender essa ilusão, seria má-fé.
E se o direito penal resolvesse, seria fácil, eu me perpetuaria no poder, no legislador.
Das penas, do código penal e das leis extravagantes, a partir hoje são multiplicadas
por 10, o furto de 100 a 400 anos, era de 10 a 40, acabou o furto? Ninguém vai furtar
mais? Homicídio é de 6 a 20, vai ser 60 a 200 anos, qualificado vai ser 120 a 200,
acabou o homicídio? Ilusão. Seria fácil, se o legislador resolvesse isso, mas
infelizmente não resolve. E se você não tem o diagnóstico correto e toma remédio
errado, você vai pelo caminho mais errado ainda, você não resolve nada e ainda
agrava outras situações. Não é a favor da punição do direito penal. Tem gente que tem
que ir para a cadeia mesmo não tem jeito. O cara está roubando, matando, atirando,
tem que ir preso. Iniciando o processo justo, correto. Não é não ser a favor da punição
no processo penal, mas é não pensar que nós do direito temos essa importância que a
gente pensa que tem. Não temos. A mídia passa essa visão simplista, punitivista, que o
problema é a impunidade. Que impunidade? Os presídios estão todos superlotados, não
dá para cumprir 10% dos mandados de prisão expedidos. Homicidas passando pela
frente da gente e a gente não está nem sabendo. Está cheio. Foi condenado, já houve
trânsito em julgado. Não dá para cumprir.

Aluna: Há uma pesquisa que diz que o juiz que analisa o inquérito deveria ser diferente
do que analisa o processo, e que isso...

Professor: O juiz nem deveria analisar inquérito. Teoricamente, ainda vamos falar
sobre isso, o juiz deveria prestar a jurisdição quando exercida a ação penal. Aí sim. A
não ser em medidas cautelares anteriores, aí si. Decretar prisão preventiva, prisão
temporária, escuta telefônica. O juiz tem garantias que ele atuaria, em medidas
cautelares, antes da ação penal, mesmo assim esses juízes atuariam no processo.

Ministério Público investigando. Eu era a favor disso, agora voltei atrás. O MP


está virando polícia, os promotores estão como policiais. Não que o policial seja ruim.
O delegado de hoje, alguns, que seja corrupto, no berçário quando nasceu, não furtava
o bebe do lado. Se ficou corrupto, é o meio que ele vive. Se o MP faz atividade de
polícia, é polícia com nome de MP. Se o juiz faz o papel da polícia, é polícia com nome
de juiz. Aí vai se dizer dele, com ou sem razão, tudo que se diz da polícia. Nenhuma
crítica à Polícia, mas se não tivesse Polícia ninguém sairia nem agora na rua; essa é a
questão. Não é ser contra ou a favor da polícia, a gente é contra a polícia violenta,
contra a polícia corrupta, que existe e muito. Por que existe? Pelas atividades que eles
exercem. Se botar o promotor para fazer o que eles fazem, ou o juiz para fazer o que
eles fazem, vai acontecer a mesma coisa. Vão começar a pensar policialmente. Eu já fui
muitas vezes em caso de tribunal de júri e o detetive chegava lá [Afrânio fala de uma
vez que um detetive comparou o trabalho do policial com o de um juiz ou de um
promotor, em relação às condições sob as quais tais profissões funcionam. Além disso,
o mesmo divaga sobre os estagiários, sua forma de vestir e postura, etc].

É importante que haja um distanciamento entre tais profissionais (Afrânio conta


sobre o Promotor que conhecia que saia da sua sala para ir buscar os acusados,
afirmando que as pessoas teriam mais medo desse promotor do que o próprio
delegado). Eu falo muito isso, se não tivesse polícia, nós nem poderíamos sair de casa.
(Afrânio começa a falar que prestou concurso para ser promotor e não delegado e que
as pessoas devem entender que tais profissões são diferentes e fala sobre a aparição de
Delegado na TV). Cada um na sua; cada um fazendo o seu. Afrânio foi durante 30 anos
promotor e naquele tempo eu nunca dei uma entrevista coletiva. Afrânio fala ainda
sobre os muitos profissionais de alto escalão do direito público que dão entrevistas
falando sobre as prisões feitas e que tudo isso se trata do processo penal do espetáculo
e a visibilidade. Essas questões que eu estou colocando vocês podem anotar, mas o
mais importante é a conscientização; se a polícia investigasse mais 10%, o Ministério
Público não daria conta de fazer as acusações. Já não dá, porque se você for na
Central de Inquéritos nos armários, está cheio de Inquéritos parados lá. Não dá. Muito
trabalho mesmo. Se o Promotor trabalhasse mais e denunciasse 10% mais, o Juiz já
não dava mais conta e marcaria audiência lá para o meio do ano que vem e adia várias
audiências também. Se o juiz condenasse 10% a mais, as prisões "explodem". Então, a
questão não é simples. O Direito Penal (Afrânio diz que não é abolicionista e nem
liberal) não tem essa eficácia que a imprensa passa para as pessoas. Vocês acham que
a pena de morte não iria ter eficácia no Brasil? O cara que vai assaltar um carro forte,
um banco, tem uma pena de morte ali, concreta, não aquela abstrata, se você for
processado e condenado... isso não desestimula, eles vão lá. A gente tem pena de morte
toda a hora, o que a polícia mata é um saco sem fundo.

Hoje estão nascendo, por exemplo, 200 crianças pobres, não é porque é pobre,
mas é porque vai viver naquele meio. Dessas 200 crianças, 10% vai ser delinquente, ou
muito mais. Vai matando e não resolve o problema, muito menos desestimula o cara. Eu
trabalhei com um juiz no tribunal de júri, que era bem religioso, e depois do julgamento
ele vinha fazer um discurso para o réu. Discurso religioso, depois da aplicação de uma
pena; cruel né? "O senhor sabe, o senhor conhece algum bandido bom com mais de 30
anos famoso? Ou foi preso, ou vai morrer preso, ou a polícia mata, ou vocês matam uns
aos outros; por que você não larga isso?" E o réu respondia assim: "Doutor, eu vou à
luta. Eu vou sair e vou fazer de novo; eu não tenho perspectiva. Eu não tenho o que
fazer. Enquanto eu estou lá, eu estou com tênis novo, no morro eu tenho prestígio. Se eu
morrer com 25 anos, enquanto eu não morrer, eu aproveitei. O meu pai viveu
trabalhando sem constar no INSS, sem nada, batia na minha mãe porque ele era
bêbado, minha mãe se prostituiu." A situação é complicada, então, não acreditem e
entendam que essa importância do processo penal como instrumento de aplicação
penal não tem essa eficácia social relevante infelizmente, não é valioso punir
postergando valores relevantes. Se praticou um crime por que não arranca a unha dele
né para confessar? Você permite a tortura, permite grampear telefone, entrar em casa
sem mandado, cria uma insegurança para toda a sociedade.

Hoje mesmo prenderam o ex-governador do Paraná e a mulher dele; ele


renunciou para concorrer ao Senado, estava em primeiro lugar lá, decretou a prisão,
será que o cara que era senador a um mês atrás, a mulher dele, corrupta, talvez, não
sei, não foi condenada ainda, precisa ter a prisão preventiva decretada? Pelo artigo
312, CPP: “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal “... será que
ele vai fugir para o Japão sendo candidato a senador, será que é garantido a ordem
pública, será que ele solto vai sair roubando, matando, ameaçando testemunha,
ameaçando promotor? Nem vi o decreto da prisão, mas me parece à primeira vista um
excesso. (Professor fala sobre o reitor da Universidade de Santa Catarina que cometeu
suicídio e da imprensa brasileira).

*Fim do parêntese

A primeira característica da jurisdição é a Inércia e é inerte para que não haja


um juiz acusador. O ato administrativo, por exemplo, não é inerte ele precisa que o
administrador de um impulso.

2) A segunda característica da jurisdição é a definitividade – imutabilidade da


decisão final, como a coisa julgada, por exemplo. Ocorre uma relativização da coisa
julgada hoje, porém ainda tem uma coisa julgada, pois se pudesse sempre recorrer não
teria a jurisdição, a entrega da prestação jurisdicional, não teria o escopo da jurisdição.
Já o ato administrativo pode ser revogado, anulado.

3) A terceira característica da jurisdição é o caráter declaratório no sentido que ela


declara o direito e não cria, pois quem cria o direito é a norma, a atividade
legislativa. Em tese, através da atividade processual o juiz não criaria a norma jurídica
ele apenas declararia, pois se o juiz criasse uma norma jurídica para o caso concreto os
fatos noticiados ele estaria aplicando uma regra arbitrariamente. Há muito tempo, o
professor da casa escreveu uma tese “A jurisprudência como fonte formal do direito”.
Será que ainda pode dizer que a jurisdição declara e não cria o direito? Os princípios
constitucionais servem para interpretar o sistema e não para criar uma regra, mas hoje
temos as súmulas vinculantes. Só o que a súmula fala com palavras e temos que
interpretar as súmulas vinculantes também. As normas e as leis se manifestam com
palavras. O que é casa? Matar alguém, o que é alguém? Aí vem o Supremo com uma
postura autoritária de modo que eles afirmam que possuem a melhor interpretação e por
isso ninguém pode interpretar de modo diferente. Aí Lewandowski disciplina o uso da
algema e aí temos o caso do Sergio Cabral, que foi conduzido igual a um escravo do
século XIX algemado nos pés e nas mãos, violando a Constituição, que de maneira
expressa afirma que o preso tem que ser tratado com dignidade, violando a Lei de
Execução Penal.

Se está todo mundo de um lado só, não tem outro lado. Além de dizer quando
pode e quando não pode prender, disciplina e diz que é nula a prisão se o delegado não
fundamentar a extrema necessidade. Eu acho isso muito bom, mas tinha que estar na lei
e não na Súmula. Então eu posso dizer hoje que a jurisdição não cria direito? Não
sei, na nossa realidade de hoje, e isso me preocupa muito, toda hora, agora um delegado
federal no caso do Bolsonaro estava nos Estados Unidos, nossos professores estão
dando palestra nos Estados Unidos, os juízes federais estão nos Estados Unidos e com
isso cada vez mais temos uma visão de direito americano. Sempre tivemos isso no
plano constitucional, mas agora também no âmbito do processo penal. Eu não sei se lá é
ruim ou não é, mas eu acho muito ruim a gente abrir mão do nosso sistema romano, da
legalidade para assumir o sistema do Common Law. O que é precedente? Os Ministros
do Supremo cada um dá seu voto, aí é fácil, eu faço uma pesquisa no computador, eu
dou um voto sobre direito tributário mesmo não sabendo nada de tributário, peço para a
minha assessoria e fico citando o voto de outros, fico lendo precedentes. Se é assim, a
máquina é quem faz todo o trabalho e já podemos substituir os Ministros pelos
computadores. Então quando a jurisprudência passa a criar o direito, a jurisdição
deixa de ser uma jurisdição declaratória, que é uma característica tradicional, mas
hoje ninguém tem garantia de nada. A jurisdição é declaratória, mas deve se atentar para
todas essas ressalvas.

4) Substitutividade

5) Pública – doutrina coloca como característica, apesar de Afrânio entender que não é.
A atividade legislativa e a administrativa também são públicas, então não distingue a
jurisdição. Com a lei de arbitragem, se é que árbitro desempenha função jurisdicional,
gera certa discussão. Mas no processo penal, ainda é pública! Afrânio já fez discurso da
privatização da justiça penal. Teria que privatizar presídio, gerando um “Brasil S/A”. A
justiça teria caminhado um pouco nesse sentido, estando atualmente terceirizada. O juiz
apenas assina, mas sentença foi feita pelo assessor. O procurador assina, mas parecer foi
feito por assessor. Boa parte de acórdãos vem da assessoria hoje em dia. Nessa
perspectiva não está privatizado, mas terceirizado. É péssimo. Juarez Tavares teve aluno
que redigiu voto de desembargador em sentido contrário ao que sustentou, por exemplo.

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