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OS EVENTOS PARA DIVULGAÇÃO DA

MÚSICA
CONTEMPORÂNEA
NO BRASIL

O
EDUARDO GUIMARÃES ÁLVARES

s eventos para divulgação da música brasileira eventos sempre esteve subordinada ao apoio
contemporânea tiveram a importante função de institucional dos órgãos governamentais de promoção
colocar a produção da nova música de concerto da cultura e muitas vezes a continuidade, ou não,
em contato com um público amplo, além das desses eventos, dependeu do interesse e da vontade
fronteiras do meio universitário. A idéia de realizar política das autoridades que chefiavam essas
esses festivais teve início na década de 60 em três instituições. A persistência na realização desses
núcleos principais: Salvador, no Estado da Bahia, no festivais, sua continuidade, foi resultado de um
Rio de Janeiro, na época Estado da Guanabara e em engajamento pessoal de alguns compositores que
Santos, no Estado de São Paulo. A realização desses levaram adiante esse ideal de difundir a música nova

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e promover o encontro das mais diversas tendências Cerqueira, Nicolau Kokron, Milton Gomes, Jamary
musicais e estéticas do país. Cada festival teve também Oliveira, Rinaldo Rossi, Antonio José Santana Martins
algumas características próprias ao lidar com os vários (Tom Zé) e Jamary Oliveira. Ernst Widmer, que teve
aspectos e enfoques na divulgação da produção musical atuação decisiva na formação musical e ideológica
contemporânea. Atualmente, os únicos festivais que desse grupo de compositores, assim se expressa sobre
mantém sua programação, apesar das dificuldades sua intenção de reorganizar os meios formais da
financeiras, da falta de apoio quase total das construção musical: “... procuro sempre estimular
instituições que deveriam promover a música a composição ‘livre’, paralela e anterior ao estudo
de concerto brasileira e com algumas interrupções, da teoria, da harmonia, da análise, do contraponto,
são a Bienal de Música Brasileira Contemporânea da fuga, do cânone, do prelúdiocoral, dos
no Rio de Janeiro e o Festival Música Nova em Santos. ricercarsonatavariaçãorondos, para evitar aquela música
A época áurea desses festivais, nos anos 60 e 70, fictícia, geralmente produzida alheia à vivência,
coincidiu com um dos momentos mais tensos da vida em cursos acadêmicos demasiadamente teóricos
cultural do país, quando a ditadura militar usou do veto e restritos”. Widmer, nascido na Suíça, pátria
da censura para tentar controlar as idéias do Dadaísmo, e atuante no meio cultural baiano desde
e as produções artísticas dos mais variados seguimentos 1956, assina com outros componentes do grupo
da comunidade cultural e artística do país. As intenções a provocante Declaração de Princípios dos Compositores
desses músicos se confundiam entre o interesse da da Bahia em 30 de novembro 1966:
renovação e revitalização da linguagem musical,
a necessidade da livre expressão das idéias e o direito “Artigo único – principalmente estamos contra
de protestar perante tamanho abuso de autoridade todo e qualquer princípio declarado”. E dando
dos que estavam ilicitamente no poder. prosseguimento ao documento: “1) Qualquer aplauso
Nesse artigo descrevo sinteticamente as atividades ou manifestação... (censurado) é considerado
realizadas pelos principais eventos que mantiveram subversão; 2)Manifestações permitidas: vaias, assobios,
uma programação regular exclusivamente voltada tomates e ovos podres; 3) Com referência aos
para a divulgação da música contemporânea no Brasil, intérpretes, faz-se necessário salientar que são
mas é necessário ressaltar que outros festivais também inocentes. Convém poupá-los para poderem atuar nos
esporadicamente criaram espaços para a música nova, próximos concertos; 4) Aconselha-se aguardar o final
dos quais cito o Festival de Inverno de Campos onde haverá uma pequena demonstração de civilização
do Jordão, o Festival de Inverno da Universidade – explosão de instintos...(censurado); 5) O que ocorrer
Federal de Minas Gerais, Cursos de Verão de normal não será de nossa responsabilidade; 6) Não
de Curitiba e os Seminários Internacionais se revoguem indisposições ao contrário”.
de Música da Bahia entre outros.
As primeiras apresentações de obras desse grupo
GRUPO DE COMPOSITORES DA BAHIA se dão em abril de 1966 durante o evento Semana
A divulgação da nova música em Salvador na Bahia foi Santa na Bahia, cujas obras tinham tema ou texto de
resultado direto da atuação do Grupo de Compositores caráter religioso, e em novembro do mesmo ano em
da Bahia liderados pelo compositor Ernst Widmer. um Concerto Popular com a participação da Orquestra
Esse grupo de compositores contou em sua formação Sinfônica da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
com os nomes de Lindembergue Cardoso, Fernando A partir de 1967 o evento é denominado Apresentação

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de Compositores da Bahia e segue sendo realizado praticamente o único Estado da federação a estimular
até o ano de 2000. A partir de 1983 o evento torna-se o jovem artista compositor de música erudita”.
bienal. Como esclarece o título, o evento visava O compositor Bruno Kiefer também comenta em um
difundir a produção dos compositores do grupo baiano, artigo de o “Correio do Povo” de Porto Alegre em
mas algumas peças de outros compositores brasileiros novembro do mesmo ano: “ Encerrou-se no dia 19
eventualmente eram incluídas no festival. Além da de novembro um concurso singular, realizado na Bahia
apresentação das obras era realizado um concurso que (...) A singularidade reside no fato de terem sido unidos
premiava as peças mais representativas por um júri um concurso de composição erudita e outro de música
formado por diversos compositores brasileiros e uma popular. Uma conseqüência básica dessa união foi esta:
das obras recebia um prêmio do público participante. gente de música popular assistindo aos concertos de
O grande benefício que o evento proporcionava aos música erudita e vice-versa. (...) Os concorrentes foram
compositores era permitir uma “constelação criador- quase todos jovens de vinte e poucos anos, educados
intérprete-público, ou seja, uma escola-extensão, uma musicalmente nos Seminários de Música da
prática de auto-educação: o compositor reconhece seus Universidade. Impressionou a solidez do artesanato.
erros e tentos somente através da execução ao vivo de Esteticamente avançados. Mas o conceito de avançado
suas obras” (Widmer). Com essa proposta, o grupo da merece uma posição crítica. Costuma ser considerado
Bahia se destacava no plano musical do país, dando avançado, ou de vanguarda, aquilo que corresponde
oportunidade aos compositores de se apresentarem a um modo de pensar europeu. Tendo em conta que
num concurso ao vivo, como comenta Cidinha Mahle a arte nasce da necessidade de expressar e estruturar
no “Jornal de Piracicaba” em dezembro de 1967: a realidade em que vive o artista, é singular que
“Chama a atenção o fato de que a Bahia está sendo um grupo de compositores jovens da Bahia, salvo um,
expresse algo que, basicamente, não
Iº Festival de Música da Guanabara. O Globo. 24.05.69. é nosso. Mesmo levando em conta
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o pensamento europeu, essa influência
em nossa cultura, ainda incipiente, não
vemos razão nenhuma para ignorar
o que é especificamente nosso.
E isso justamente na Bahia, o coração
do Brasil. (...)”
Entre os vários intérpretes
e conjuntos encarregados da execução
de tantas obras inéditas e cúmplices das
propostas estéticas do grupo baiano,
podemos destacar: Orquestra Sinfônica
da UFBA, Conjunto de Metais
da UFBA, Grupo Experimental
de Percussão da UFBA, Madrigal da
UFBA, Trio da Universidade da Bahia
(Moysés Mandel, Piero Bastianelli e
Pierre Kose), Afrânio Lacerda, Quinteto

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de Sopros da UFBA, Erick Vasconcelos, Fernando público uma nova geração de compositores. As obras
Lopes, Quarteto de Cordas da Bahia e Conjunto foram executadas pelo Coro e Orquestra do Teatro
Música Nova da UFBA (depois Bahia “Ensemble”) sob Municipal do Rio de Janeiro, com grande sucesso de
direção de Piero Bastianelle. Além dos compositores público, e foram selecionadas por um júri formado por
fundadores do grupo, há de se destacar a atuação renomados compositores: Fedele D’Amico da Itália
do inventor de instrumentos e novíssimas sonoridades (presidente), Franco Autori dos EUA, Fernando Lopes
Walter Smetack, que com suas inéditas propostas Graça de Portugal, Hector Tosar do Uruguai, Roque
de luteria incentivou a criação de novas obras Cordero do Panamá, e maestros brasileiros
especialmente escritas para singulares fontes sonoras. e estrangeiros. Nesse primeiro festival das 14 obras
Entre os compositores que se destacaram na finalistas, cinco foram premiadas: Pequenos Funerais
programação desse núcleo baiano, podemos citar Paulo Cantantes, de Almeida Prado; Concerto Breve, para piano
Costa Lima, Wellington Gomes, Agnaldo Ribeiro, de Marlos Nobre, Procissão das Carpideiras, de
Lucemar Ferreira, Ricardo Bordini, Ângelo Castro, Lindembergue Cardoso, Heterofonia do Tempo,
Pedro Kröger, Pedro Augusto Dias e Fernando Burgos. de Fernando Cerqueira e Primevos e Postrídios, de Milton
O compositor Paulo Costa Lima idealizou e coordenou Gomes. Na execução das obras se destacaram
a partir de 1986 até 1992, a Semana da Música os solistas Maria Lúcia Godoy, Nelson Portela, Arnaldo
Contemporânea, evento realizado dentro Estrela e Eládio Perez-Gonzales. As obras foram
da programação dos Seminários Internacionais regidas por Mário Tavares, Henrique Morelenbaum
de Música da Bahia e depois incorporado a esse último e Armando Krieger. O II Festival de Música da
a partir de 1993. Guanabara, realizado em 1970 recebeu 126 inscrições
de toda a América Latina. O júri foi presidido por
FESTIVAL DE MÚSICA DA GUANABARA Francisco Mignone e integrado por Guillermo
E BIENAL DE MÚSICA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA. Espinoza, Colômbia; Franco Autori, USA; Tadeusz
Edino Krieger é um dos compositores mais atuantes Baird, Polônia; Vaclav Smetacek, Tchecoslováquia;
na criação e realização dos eventos para a divulgação Jorge Peixinho, Portugal; Garcia Morillo, Argentina;
da música brasileira contemporânea. Sua atuação Domingo Santa Cruz e Gustavo Becerra, Chile; Hector
frente ao MIS (Museu da Imagem e do Som) e do Tosar, Uruguai; e Roque Cordero, Panamá. Os
Instituto Nacional de Música, órgão ligado a Funarte premiados nas categorias música de câmara e sinfônica
(Fundação Nacional de Arte) foi decisiva para a criação foram: Sinopsis, de Ernst Widmer; Mosaico, de Marlos
dos Festivais de Música da Guanabara, das Bienais Nobre; Espectros, de Lindembergue Cardoso; Pequeño
de Música Brasileira Contemporânea e no apoio Tríptico, de José Ramon Maranzano, da Argentina;
à promoção de outros eventos tais como os Ciclos Ludus II de Hilda Dianda, da Argentina e Missa Breve,
de Música Contemporânea de Belo Horizonte, as de Aylton Escobar. Com a morte de Gama Filho logo
Apresentações de Compositores da Bahia e o Encontro após a realização do segundo evento, o projeto
de Compositores Latino Americano (Encompor) em do terceiro festival foi encaminhado ao seu sucessor na
Porto Alegre. O I Festival de Música da Guanabara foi Secretaria de Educação e Cultura, Vieira de Mello, que
realizado em 1969 com a participação e apoio do na época da realização dos dois primeiros era diretor
Secretário da Educação e Cultura do então Estado do Teatro Municipal, que sob alegação de falta de
da Guanabara Gonzaga da Gama Filho. O formato recursos, o arquivou. Edino Krieger elaborou então
do evento era de um festival-concurso que revelou ao o projeto das Bienais de Música Brasileira

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Contemporânea só realizado em 1975 graças
à colaboração de Myriam Dauelsberg que dirigia 1. Citar todos os nomes dos compositores e intérpretes
aqui, será impossível, mas de forma bastante resumida podemos
à época a Sala Cecília Meireles. As Bienais se tornaram
destacar: I Bienal (1975, 35 compositores participantes): José
o mais importante espaço aberto para a mostragem Siqueira, Radamés Gnattalli, Francisco Mignone, Souza Lima,
periódica da produção musical brasileira mais recente. Camargo Guarnieri, Edino Krieger, Cláudio Santoro, Guerra-
Um amplo painel democrático das mais variadas Peixe, Bruno Kiefer, Ernst Widmer, Jocy de Oliveira, Fernando
Cerqueira, Lindembergue Cardoso, Jamary Oliveira, Ayton
tendências da música brasileira de concerto atual que
Escobar, Jorge Antunes, Guilherme Bauer, Cirley de Hollanda,
vem promovendo o intercâmbio de compositores e Jaceguay Lins, Ronaldo Miranda, Roseana Yampolschi, Paulo
intérpretes de todas as partes do país, divulgando obras Chagas, Dawid Korenchendler e Marco Antonio Guimarães.
de autores consagrados e revelando os novos valores 1. II Bienal (1977, 42 compositores participantes): Gilberto
Ao promover o encontro das diversas gerações Mendes, Agnaldo Ribeiro e Luiz Carlos Vinholes. III Bienal
(1979, 48 compositores participantes): Eunice Katunda,
de compositores as Bienais, permitiram que as mais
Fructuoso Vianna, Luís Cosme, Brasílio Itiberê, Heitor
diversas tendências fossem confrontadas revelando Alimonda, entre outros compositores ligados ao Movimento
o imenso pluralismo das tendências estéticas da música Música Viva, destaque na programação, sob a tutela de
brasileira contemporânea. Além dos concertos que H. J. Koellreuter. VI Bienal (1981, 52 compositores
participantes): Tim Rescala e Tato Taborda dirigindo o Grupo
consolidaram um caráter festivo, de confraternização
Juntos – Música Nova. V Bienal (1983): Mário Ficarelli,
do evento, uma programação paralela constituída Ricardo Tacuchian, Osvaldo Lacerda, Ernst Mahle, Odemar
de debates, mesas redondas, mostra de filmes Brígido, Ernani Aguiar e uma exposição dedicada a Ester Scliar.
e lançamentos de gravações, partituras e livros, VI Bienal (1985; 67 compositores participantes): Eli-Eri Moura,
José Alberto Kaplan, Arthur Kampela, Nestor de Hollanda
permitiu que uma ampla troca de informações entre
Cavalcanti, Mariza Rezende, Pauxy Nunes, Luiz Carlos Csëko,
intérpretes e compositores fosse vinculada pelos meios Rodolfo Caesar, Eduardo Guimarães Álvares, Roberto Victorio,
de comunicação, tornando-se espaço privilegiado Willy Correa de Oliveira e Marcos Lavigne. VII Bienal (1987,
da produção musical brasileira. 79 compositores participantes): Rodrigo Cicchelli, Luigi
Irlandini, Wellington Gomes, Paulo Costa Lima e Leonardo Sá.
VIII Bienal (1989; 86 compositores participantes): Destaque da
programação concerto de abertura em homenagem aos 20 anos
do I Festival de Música da Guanabara, Edmundo Villani-
Cortes, Harry Crowl, Grupo Multimedia de Belo Horizonte,
João Guilherme Ripper e homenagem póstumas a
Lindembergue Cardoso, Cláudio Santoro e Paulo Libânio.
IX Bienal (1991): Oiliam Lana e grupo de compositores
mineiros. X Bienal (1993, 85 compositores participantes):
Flô Menezes, Sílvio Ferraz, Eduardo Seincman, Lelo Nazário,
Dalga Larondo e Silvia de Lucca. XI Bienal (1995; 92
compositores participantes): Fernando Iazzetta, Sergio Igor
Schnee. XII Bienal (1997). XIII Bienal (1999) Curadoria de
Cirlei Hollanda. Retrospecção da programação de anos
anteriores. XIV Bienal (2001). Concurso de composição para
várias categorias. Alexandre Schubert, Caio Senna, Bruno
Ruviaro. XV Bienal (2003). Curadoria de Flávio Silva e Maria
José de Queiroz Ferreira. Calimério Soares, Dimitri Cervo,
Disco da I Bienal Brasileira de Música Chico Melo, Marcos Lacerda, Sérgio Freire, Pedro Kröger,
Contemporânea. (1975)
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL –
Marcus Siqueira, Antônio Ribeiro e Silvia Berg.
DIVISÃO DE MÚSICA E ARQUIVO SONORO

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FESTIVAL MÚSICA NOVA DE SANTOS E SÃO PAULO
O Festival Música Nova de Santos foi realizado pela
primeira vez em 1962. Foi uma conseqüência direta das
idéias e propostas contidas no Manifesto Música Nova
que deu suporte teórico e ideológico ao Movimento
Música Nova, cujas atividades na época giravam em
torno da Orquestra de Câmara de São Paulo, dirigida
por George Olivier Toni; do Madrigal Ars Viva
de Santos, dirigido por Klaus Dieter Wolf;
e do movimento do Grupo Noigrandes dos poetas
concretistas Augusto de Campos, Haroldo de Campos
e Décio Pignatari. O Festival Música Nova nasceu
sob a luz das diretrizes européias do “Neue Musik”,
marcada por uma posição internacionalista que visava
liberar a cultura brasileira “das travas infra-estruturais
e das super-estruturas ideológico-culturais então
dominantes”, conforme declara José Maria Neves em
seu livro Música Contemporânea Brasileira de 1977. Programa do 1º Ciclo de Música Contemporânea
A programação do evento, sob direção artística de Belo Horizonte, 1984.
do compositor santista Gilberto Mendes, privilegiou
o intercâmbio com as várias correntes estéticas comunicativa, de certa forma se contrapunha à idéia de
da música contemporânea mundial, dando produzir um festival para um público restrito, como nas
continuidade às atividades desenvolvidas desde primeiras edições do evento. Essa mudança de rumos,
a década de 40 pelo grupo Música Viva dirigido por que seria um terceiro momento do percurso, faz
H. J. Koellreutter. A história da realização do festival a ideologia do festival se aproximar estilisticamente
pode ser dividida em três momentos distintos: de 1962 das idéias pós-modernas do movimento europeu Nova
a 1964 marcada pelas proposições estéticas Consonância, principalmente das idéias difundidas
e ideológicas contidas no Manifesto Música Nova pelo compositor belga Boudewijin Buckninx.
e da “Neue Musik” alemã, com ênfase na divulgação A realização do Festival Música Nova sempre esteve
das obras de Gilberto Mendes e Willy Correa vinculada ao apoio dos órgãos de promoção cultural da
de Oliveira, signatários do documento, interrompida Prefeitura Municipal de Santos, da Secretaria de Estado
pelo golpe militar de 1964. Nesse primeiro momento da Cultura de São Paulo e recebendo patrocínio
o evento ainda era denominado Semana de Música de eventual de outras instituições. A partir de 1997
Vanguarda. Um segundo momento teria início a partir até 1999, a realização do festival foi amplamente
da continuidade do festival em 1968, quando é dada revitalizada pelo apoio cultural e patrocínio
ênfase à música ibero-americana. Entre 1970 e 1980, do Instituto Cultural Itaú, depois Itaú Cultural,
tendo os compositores esgotado as propostas da que permitiu que as dificuldades financeiras fossem
“Neue Musik”, voltam-se à criação de uma música mais superadas, obtendo uma maior repercussão na mídia e
comunicativa, mais politicamente engajada. No entanto a participação da nova Orquestra Sinfônica do Estado
essa intenção em escrever uma música mais de São Paulo em sua programação, sob direção de John

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Neschling. O festival contou também com foi idealizado pelo pianista Paulo Álvares, coordenador
a colaboração de outros compositores que dividiram do Núcleo de Música Contemporânea de Belo
as funções de coordenação artística e produção com Horizonte. A realização do primeiro evento, ocorrido
Gilberto Mendes: Rodolfo Coelho de Souza, Conrado em março e abril de 1984, foi possível graças ao
Silva, José Augusto Mannis, Eduardo Guimarães patrocínio do Instituto Goethe de Belo Horizonte e do
Álvares e Rubens Ricciardi e atualmente o musicólogo apoio institucional da Fundação de Educação Artística
Lorenzo Mami, diretor do Centro Universitário Maria ao qual o Núcleo estava vinculado. O que marcou
Antônia da Universidade de São Paulo. a trajetória do Ciclo na programação cultural de Belo
Horizonte foi uma ampla participação do público que
CICLOS DE MÚSICA CONTEMPORÂNEA DE BELO lotava as salas de concerto, graças ao apoio dos meios
HORIZONTE E FESTIVAL ARTICULAÇÕES de comunicação, principalmente dos jornais “A Tribuna
O Ciclo de Música Contemporânea de Belo Horizonte de Minas” e do “Estado de Minas” e mais tarde da TV
Minas, ligados à Secretaria de Estado da
Cultura. Essa ampla participação do público
se deu também devido à realização de
concertos-debates, mostras de filmes e vídeos,
performances no meio universitário, em teatros
e outros locais, como uma programação prévia
e preparatória ao acontecimento do evento.
O apoio e patrocínio do Instituto Nacional de
Música da FUNARTE foram decisivos para que
o evento continuasse a ser realizado a partir
da segunda edição, permitiu a expansão
da programação, do número de participantes
locais e convidados, e deu projeção nacional às
atividades realizadas pelos compositores de Belo
Horizonte. A partir do III Ciclo a coordenação
foi assumida pelo compositor Eduardo
Guimarães Álvares, então professor da
Fundação de Educação Artística.
A programação do evento era constituída na sua
maior parte por concertos que difundiam:
1) as obras chaves referenciais de autores
consagrados que determinaram as novas
maneiras de pensar a música; 2) obras do século
XX pouco executadas em concertos;
3)obras comprometidas com a experimentação
incluindo as linguagens da música em interface
Programa da Bienal Brasileira de
com as artes visuais e cênicas; 4)obras de
Música Contemporânea de 2003 (XV Bienal).
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL – DIVISÃO DE MÚSICA E ARQUIVO SONORO compositores brasileiros e de Belo Horizonte,

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tais como João Francisco de Paula Gelape, Gilberto Bastianelli (Encontro de Compositores da Bahia), João
Machado, Oiliam Lana, Guilherme Paoliello, Rogério Guilherme Ripper e Ricardo Tacuchian (Panorama
Vasconcelos, Robson Santos, Harry Crowl, Sergio da Música Brasileira ) e José Augusto Mannis do
Canedo, Nelson Salomé, Bruno Pataro, Sérgio Freire, Centro de Documentação de Música Contemporânea
Eduardo Campos, Lourival Silvestre, Eduardo da Unicamp. O Ciclo também foi responsável pela
Campolina, Fanuel Lima, Antonio Celso Ribeiro, execução de obras raramente executadas no país
Rogério Vieira, Bruno Drumond Afi, Avelar Junior, dos compositores Edgard Varèse (Octandre, Offrandes
Marcus Viana, Marco Antonio Guimarães com grupo e Hyperprism), Stockhausen, Luciano Berio, Leos
Uakti e Ione Medeiros dirigindo a Officina Janácek, Radulesco, Maurizio Kagel, Nancarrow, entre
Multimédia. O compositor Ernst Widmer durante outros. Uma versão realizada a partir dos fragmentos
a realização do V e VI Ciclos, teve uma atuação deixados por Debussy da ópera La Chute de La Maison
importante na consolidação do evento escrevendo Usher foi estreada no IV Ciclo em 1987. Em 1995
uma série de artigos e críticas para os jornais de Belo e 1996 o Ciclo passou a ser realizado com o apoio
Horizonte, assim como notas para o programa da Fundação Clóvis Salgado no Palácio das Artes
do VI Ciclo onde declara: “Ai de nós se as escolas dentro do Festival Articulações. Pela primeira
de arte relegarem a criação ao segundo plano. Daí e única vez tomou parte da programação a Orquestra
a importância do Ciclo. Traz lufadas novas, oxigênio, Sinfônica de Minas Gerais sob regência de Henrique
debate para valer e à flor da pele”. No entanto essa Morelenbaum.
predisposição ao debate e à polêmica não foi muito
bem recebida ou entendida por um grupo de músicos ENCOMPOR – ENCONTRO DE COMPOSITORES
de Belo Horizonte, ligados à Fundação de Educação LATINO-AMERICANO (1987 –2001)
Artística e à Escola de Música da Universidade Federal O Encontro de Compositores Latino-Americanos foi
de Minas Gerais, que assumiram a coordenação o mais importante evento realizado na região sul
do evento em 1990. O Ciclo quase correu o risco de se do Brasil, em Porto Alegre, capital do Estado do Rio
tornar mais um evento ligado à vida acadêmica dessas Grande do Sul. De certa forma foi a concretização
instituições. Por negociação do criador do evento, das idéias de dois grandes compositores gaúchos muito
Paulo Álvares, os Ciclos continuaram a ser realizados atuantes e que formaram toda uma geração de novos
pelo Núcleo de Música Contemporânea de Belo criadores: Bruno Kiefer e Armando Albuquerque. Já
Horizonte, agora desvinculado da Fundação no início da década de 60 eram realizados na capital
de Educação Artística. Uma importante iniciativa gaúcha os Seminários Livres de Música (SELIM),
realizada pelo Ciclo de Música Contemporânea compostos de painéis, conferências e concertos com a
de Belo Horizonte foi a realização em 1991 do participação dos dois compositores mencionados, e que
Encontro Nacional dos Organizadores de Eventos para contou com o importante incentivo do crítico literário
Divulgação da Música Nova que teve a intenção de Carlos Jorge Appel, ligado à Universidade Federal do
sincronizar as atividades de programação entre todos Rio Grande do Sul. Nesses encontros eram discutidas
os festivais que ocorriam na época, com o objetivo e divulgadas as inovações musicais recentes que
de criar um circuito musical nacional. Desse encontro chegavam da Europa. Quando Appell assumiu
participaram: Conrado Silva e Gilberto Mendes o Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural
(Festival Música Nova), Cristina Caparelli Gerling do Rio Grande do Sul em 1988, começou a esboçar
e Fred Gerling (UFRS), Jamary Oliveira e Piero o projeto do Encompor com a participação de pessoas

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ligadas à vida musical de Porto Alegre. Coube a Hélvia compositor para ser homenageado, sendo que
Miotto Juchen, ligada ao Instituto Estadual de Música, no primeiro o destaque foi Armando Albuquerque.
ser a primeira coordenadora desse evento e sua Esse primeiro evento, realizado em setembro de 1988
participação se estendeu até o ano de 1998. contou também com a importante participação de dois
A programação dos festivais constava de concertos, outros compositores da região sul do Brasil: Henrique
painéis e debates visando o estudo e a divulgação de Curitiba e Padre Penalva. Nos painéis que
da produção de compositores locais, fortalecer discutiram a formação dos compositores
o intercâmbio entre compositores e intérpretes contemporâneos, seu papel na educação musical
e democraticamente garantir um espaço para as mais e a identidade da música brasileira tomaram parte os
diversas tendências da linguagem musical compositores Flávio de Oliveira, José Alberto Kaplan,
contemporânea. Em cada ano o evento escolhia um Ernst Widmer, Henrique Morozowicz e Edino Krieger.
A orquestra Sinfônica de Porto Alegre encerrou
a programação do evento tocando obras de Armando
Albuquerque, Padre José Maurício, Lorenzo Fernandes,
Bruno Kiefer, Oswaldo Lacerda, Francisco Mignone,
Villa-Lobos e Paulo Moura. No II Encompor, realizado
em 1989, o espaço de divulgação e intercâmbio foi
estendido a outros países latino-americanos do cone sul
tais como Argentina e Uruguai. O homenageado foi
Bruno Kiefer. O III Encompor só foi realizado em
1990 e convidou compositores de outros estados
brasileiros além dos compositores latino americanos.
Para homenagear Ernst Widmer, que veio a falecer
meses antes do evento se realizar, participou do evento
o Bahia Ensemble que apresentou obras de sua autoria.
Devido às mudanças de governo e alteração
das políticas culturais dos órgãos gerenciadores das
atividades culturais do Estado, o festival foi
interrompido por quatro anos. As atividades foram
retomadas com a volta de Carlos Jorge Appel ao cargo
de Secretário da Cultura do Rio Grande do Sul e em
1997 foi realizado o IV Encompor, que contou também
com a participação do Instituto Goethe de Porto
Alegre, graças ao interesse de seu diretor Hartmut
Becher e da equipe da Discoteca Pública Natho Henn.
A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA)
participou do evento cuja programação constava de
Programa do 33º Festival Música Nova realizado cinco concertos, dois painéis e duas conferências. Os
no Itaú Cultural em São Paulo, 1997. compositores gaúchos Celso Loureiro Chaves, Antonio

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Carlos Cunha Borges, James Correa e Flávio de Caio Senna, Celso Mojola, Felipe Adami, Leonardo
Oliveira também tiveram uma participação mais ativa Boff, Thiago Holl Curi, Arthur Barbosa, Celso Loureiro
na realização do evento, que contou ainda com Chaves, James Correa, Fernando Mattos, Christian
a presença de Graziela Paraskevaidis, do Uruguai. Esse Benvenutti, Edson Zampronha, entre outros. O evento
evento ficou marcado pelo embate que ocorreu teve ainda a participação do George Crumb Trio
durante os ensaios entre os integrantes da OSPA e do interpretando obras de Guilherme Bauer e Harry
regente convidado J. H. Kollreutter que estava sendo Crowl. O grupo Ex-Machina, formado pelos jovens
homenageado no encontro. Em 1996 o V Encompor compositores Yanto Laitano, Antônio Nunes,
criou uma comissão encarregada da direção artística Alexandre Birnfeld, Martinêz Nunes e Adolfo Almeida,
e produção formada pelos compositores Antonio apresentou obras de uma nova vertente da criação
Carlos Borges da Cunha, Celso Loureiro Chaves, musical local, integrando recursos eletroacústicos aos
Flávio de Oliveira, Liane Hentschke e do instrumentos tradicionais, eletrodomésticos e recursos
percussionista Ney Rosauro. O homenageado dessa cênico-musicais. O VII Encompor foi realizado
edição do encontro foi o compositor Edino Krieger, em 2001 com a coordenação dos compositores Flávio
grande incentivador da realização do evento. de Oliveira e Ricardo Mitidieri e homenageou
O Departamento de Música da Universidade Federal o compositor Walter Schultz Porto Alegre. Participaram
do Rio Grande do Sul teve uma participação efetiva. 59 compositores de todo o Brasil e da América Latina.
O Compositor Antonio Carlos Borges Cunha As notas de programa são assinadas por Ricardo
idealizou e dirigiu o Ensemble Cantus Firmus, conjunto Mitidieri: “ (...) o Encompor prossegue desempenhando
criado como resultado da efetiva ebulição das o importante papel de dar visibilidade a uma atividade
atividades musicais contemporâneas na cidade. artística que definitivamente não está integrada ao
O VI Encompor foi realizado em 1998. No concerto ‘mercado’. Por essa razão, o evento parece ser índice de
de abertura foram executadas obras de todos um critério alternativo ou, ao menos, contraposto a
os compositores homenageados nos eventos anteriores, critérios que levam à instrumentalização da cultura
incluindo na programação obras da compositora artística como, por exemplo, o critério econômico único
carioca Esther Scliar, destaque do encontro. vigente”. Um próximo evento está previsto para 2005.
Participaram também o Amazônia Jazz Ensemble Finalizando, agradeço a todos que me forneceram
e o Grupo Novo Horizonte de São Paulo. Obras importantes informações e documentos que
de compositores consagrados como Ligeti e Xenakis muito ajudaram na elaboração do artigo: Edino
constaram ao lado de outras de compositores Krieger (Festivais da Guanabara e Bienais),
brasileiros e latino americanos, tais como: Ney Piero Bastianelli, Paulo Costa Lima, Wellington Gomes
Rosauro, Almeida Prado, Sergio Igor Schnee, Ricardo (Encontro de Compositores da Bahia),
Tacuchian, Antonio Carlos Costa, Iuri Correa, Antonio Antonio Eduardo Santos (Festival Música Nova),
Carlos Cunha Borges, João Guilherme Ripper, Hélvia Miotto Juchen, Ricardo Mitidieri
Fernando Cerqueira, Dimitri Cervo, Dante Grella, e Antonio Carlos Cunha (Encompor).

EDUARDO GUIMARÃES ÁLVARES


Compositor e organizador de vários eventos para divulgação da música contemporânea. Foi presidente da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes em
Belo Horizonte e coordenador musical da Orquestra Sinfônica da Rádio e TV Cultura de São Paulo.

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