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Carta do

Advento
2018
à
Familia Vicentina.
Pe. Tomaž Mavrič, CM Roma, 19 de novembro de 2018.

A todos os membros da Família Vicentina

Meus queridos irmãos e irmãs!

A graça e a paz de Jesus estejam sempre conosco!

Na minha primeira carta para a festa de São Vicente, há dois anos, escrevi
sobre São Vicente de Paulo, místico da Caridade. Quando refletimos so-
bre São Vicente como um místico da Caridade e, neste sentido, tentamos
seguir o seu exemplo, devemos nos lembrar que ele não foi um místico tal
como a Igreja costuma descrever no sentido comum do termo. Vicente de
Paulo foi místico, mas um místico da Caridade. Com os olhos da fé, ele
viu, contemplou e serviu Cristo na pessoa dos pobres. Quando tocava as
feridas das pessoas marginalizadas, acreditava estar tocando as chagas de
Cristo. Quando atendia as mais profundas necessidades deles, estava con-
victo de que adorava ao seu Senhor e Mestre.

Neste tempo do Advento, falarei sobre uma das principais fontes na qual,
como místico da Caridade, Vicente bebeu: a oração diária. Ele exortou to-
dos os grupos que fundou ou frequentou: os membros leigos da Confraria
da Caridade, os Padres e os Irmãos da pequena Companhia da Congrega-
ção da Missão, as Filhas da Caridade, as Damas da Caridade e os Padres
das Conferências das terças-feiras, a beber diariamente na fonte da oração.

Uma das frases mais citadas de São Vicente, tirada de uma conferência
dada aos membros da Congregação da Missão, expressa com eloquência a
atitude de Vicente:

Dai-me um homem de oração e ele será apto para tudo. Poderá


dizer com o Santo Apóstolo: “Tudo posso naquele que me sustenta
e me conforta” (Fl 4,13). A Congregação da Missão subsistirá en-
quanto o exercício da oração nela for fielmente praticado, porque a
oração é como uma fortaleza inexpugnável que protegerá os missio-
nários contra toda a sorte de ataques” 1

Vicente falava da oração cotidiana. Ele afirmou aos seus seguidores:

Ora, avante, demo-nos todos à prática da oração, pois, por meio


dela nos vêm todos os bens. Se perseveramos na vocação, será gra-
ças à oração. Se tivermos bom êxito em nossos encargos, será graças
à oração. Se não cairmos no pecado, será graças à oração. Se per-
manecermos na caridade, se nos salvarmos, tudo isso será graças
a Deus e à oração. Assim como Deus nada recusa à oração, quase

1 Obras completas - São Vicente de Paulo, Tomo XI, Colóquios, doc. 67 -


Trecho de um colóquio sobre a oração, pág. 85,
nada concede sem a oração2. Para Vicente, o principal assunto da oração era a vida e
o ensinamento de Jesus. Ele enfatizou que deveríamos
Para encorajar seus filhos e filhas a fazer a oração, ele voltar-nos incessantemente aos “mistérios” da humani-
utilizou muitas metáforas comumente empregadas por dade de Jesus: seu nascimento, seu relacionamento com
autores espirituais de sua época, dizia-lhes que a oração Maria e José, os acontecimentos do seu ministério pú-
é para a alma o que o alimento é para o corpo3. Ela é uma blico, seus milagres, seu amor preferencial pelos pobres.
“fonte de juventude” onde somos revigorados4. É um es- Vicente nos exortava a meditar as ações e os ensinamen-
pelho no qual vemos todas as nossas imperfeições e nos tos de Jesus nas Escrituras13. Entre os ensinamentos de
ajustamos para nos tornarmos mais agradáveis a Deus5. Jesus, Vicente chama a atenção especialmente para o
É um refrigério em meio a nossa difícil luta cotidiana no Sermão da Montanha14. Acima de tudo, recomendou a
serviço dos pobres6. Ela é uma pregação que fazemos a oração centrada na paixão e na cruz de Jesus15.
nós mesmos7, disse Vicente aos missionários. É um livro
de recursos para o pregador, no qual pode-se encontrar O método que São Vicente ensinou foi o de São Francis-
as verdades eternas e transmiti-las ao povo de Deus8. Ela co de Sales16, fazendo apenas leves modificações. Vicen-
é um doce orvalho, que refresca a alma a cada manhã, te era mais sóbrio que Francisco de Sales quando falava
disse Vicente às Filhas da Caridade9. sobre a utilização da imaginação. Embora valorizasse a
oração afetiva, insistiu vigorosamente na necessidade de
Vicente aconselhava Santa Luísa de Marillac a formar resoluções práticas. Em particular, nas conferências às
bem as Irmãs jovens para a oração10. Ele deu muitas Filhas da Caridade, ele mesclava de modo agradável a
conferências práticas sobre esse assunto. Assegurava sabedoria espiritual e o bom senso. Ele alertou as Irmãs
as Irmãs que, de fato, a oração é muito fácil, é como se sobre o cultivo de “belos pensamentos” que não levam a
conversássemos com Deus durante meia hora. Ele dizia nada. Preveniu os sacerdotes contra a utilização da ora-
que se alguns são felizes pelo fato de falar com o rei, de- ção como um período para o estudo especulativo.
veríamos nos alegrar em poder falar com Deus, de cora-
ção para coração, todos os dias11. O método proposto por São Vicente de Paulo com-
porta três etapas:
Para Vicente, a oração é uma conversa com Deus, com
Jesus, na qual expressamos nossos sentimentos mais 1) Preparação
profundos (ele chamou esta oração de “afetiva”) e bus-
camos saber o que Deus nos pede a cada dia, particu- a. Primeiramente, colocar-se na presença de
larmente, em nosso serviço aos pobres. Ela se caracte- Deus. Isso pode ser feito de diferentes ma-
riza por uma profunda gratidão a Jesus pelas inúmeras neiras: considerar Nosso Senhor presente
dádivas recebidas, especialmente, pela nossa vocação de no Santíssimo Sacramento, pensar em Deus
servir os pobres. Da oração brotam resoluções sobre a como Rei do universo, refletir sobre a pre-
maneira como poderíamos melhor servi-los no futuro. sença de Deus em nosso coração.
Para alguns, e até mesmo para muitos, ela dá lugar a uma
b. Depois, pedir ajuda para rezar bem.
contemplação silenciosa do amor que Jesus tem por nós
e de seu amor pelos pobres e, isto nos impulsiona a lan- c. Finalmente, escolher um assunto para a ora-
çar “raios de amor” que “penetram os céus” e tocam o ção, tal como um mistério da vida de Jesus,
coração de Nosso Senhor12. uma virtude, uma passagem das Escrituras

2 Obras completas - São Vicente de Paulo, Tomo XI, Colóquios, Conf. 167 – “Partilha de Oração de 10 de agosto de 1657,
sobre a Oração”, pág. 417
3 SV, Conf. 37, de 31 de maio de 1648, sobre a oração, pág. 267.
4 Ibid. pág. 274.
5 Ibid, pág. 273.
6 SV, Conf. 36, de 1 de maio de 1648, sobre o bom uso das instruções, pág. 255.
7 SV, Conf. 84, de 8 de setembro de 1657; Conf. 68 - de 1 de agosto de 1655, “sobre a observância das regras”.
8 cf. Obras completas - São Vicente de Paulo, Tomo XII, Colóquios, Conf. 181 - Partilha de Oração 1658, sobre a Obra dos
Ordinandos, pág. 14.
9 SV, Conf. 36, de 1 de maio de 1648, sobre o bom uso das instruções, pág. 264
10 Obras completas - São Vicente de Paulo, Tomo IV, Correspondência, Carta 1240 - À Luísa de Marillac (entre 1647 e 651),
pág. 67.
11 SV, Conf 15, de 14 de junho de 1643, sobre a explicação do regulamento, pág. 75.
12 SV, Conf. 5, de 16 de agosto de 1640, sobre a fidelidade ao levantar e à oração, pág. 25
13 cf. Regras comuns da Congregação da Missão, I, 1.
14 Obras completas - São Vicente de Paulo, Tomo XII, Colóquios, Conf. 197, de 14 de fevereiro de 1659, sobre as máximas
evangélicas, pág. 116.
15 SV, conf. 7, de 15 de outubro de 1641, sobre o jubileu, pág. 29
16 SV, conf. 105, de 17 de novembro de 1658, levantar, oração, exames e outros exercícios, pág. 829
ou um dia de festa. faz-se necessário conhecer e guardar na mente o méto-
do que São Vicente de Paulo nos deixou. Afinal, o mais
2) Corpo da oração importante é envolver a mente e o coração na conversa
meditativa com Jesus e, que a façamos quotidianamente
a. Meditar sobre o assunto escolhido.
e com perseverança.
b. Se o assunto é uma virtude, buscar os moti-
A lista dos assuntos frequentes de meditação que São Vi-
vos para amar e praticar esta virtude. Se for
cente de Paulo nos deixou é longa:
um mistério da vida de Jesus, por exemplo, a
paixão, imaginar o que aconteceu e meditar • a relação de Jesus com Deus Pai
sobre o seu significado. • seu amor efetivo e compassivo pelas pessoas margi-
nalizadas
c. Ao meditar, expressamos a Deus o que está
• o Reino que anunciou
em nosso coração (por exemplo, o amor de
• a comunidade que formou com os Apóstolos
Cristo que tanto sofreu por nós, o dissabor
• sua oração
do pecado, a gratidão). Basicamente, Vicen-
• a presença do pecado no mundo e em nós
te encorajou seus seguidores a:
• a prontidão de Jesus em perdoar
• Refletir sobre o assunto da oração, • o poder de curar
• a atitude de servo
• Identificar as motivações da escolha, • o amor pela verdade/simplicidade
• a humildade
• Tomar resoluções concretas para pra- • a sede de justiça
ticá-lo. • o profundo amor humano por seus amigos
• o desejo de trazer a paz
3) Conclusão • o combate contra a tentação
Agradecer a Deus pelo momento de oração e • a cruz
pelas graças recebidas. Apresentar a Deus as re- • a ressurreição
soluções tomadas. Depois, pedir ajuda para rea- • a obediência de Jesus à Vontade do Pai
lizá-las. • a mansidão de Jesus
• a mortificação
• o zelo apostólico
• a pobreza
A oração diária é um elemento indispensável da nossa • o celibato
espiritualidade. São Vicente tinha absoluta convic- • a obediência
ção da sua importância em nossa vida e serviço junto • a alegria e ação de graças de Jesus.
aos pobres. Ele a qualificou como “alma de nossas al-
mas”17 e pensava que sem a oração, seríamos incapa- Todos esses assuntos estão relacionados a nossa missão
zes de perseverar diante das dificuldades inerentes ao junto aos pobres. Todos eles nos ajudarão a seguir Vi-
nosso serviço aos mais abandonados. cente, místico da Caridade. Que maravilhosa oportuni-
dade nos foi dada para reavivar a oração diária que, a
Através desta carta do Advento, quero encorajar cada partir deste Advento, permanecerá como parte da nossa
membro da Família Vicentina a se comprometer ou a vida espiritual até a nossa partida desta terra para a eter-
continuar a se empenhar na oração diária. Cada Insti- nidade!
tuto de Vida Consagrada dentro da Família Vicentina
tem suas próprias Constituições e Estatutos, onde estão Que nossa oração seja sempre fundamentada na Bíblia,
descritas as práticas da sua vida de oração, inclusive o nas leituras da liturgia diária. Não passemos o tempo da
tempo a ser consagrado à oração diária. Gostaria tam- oração a ler um livro espiritual. Temos a possibilidade de
bém de estimular os ramos leigos da Família Vicentina fazer nossa leitura espiritual em outro momento do dia.
para empenharem-se cotidianamente a fazer a oração,
mesmo que seja por um curto período de cinco a dez Meditar, significa colocar-se diante de Deus, diante de
minutos. Jesus, através de sua Palavra. Significa colocar o nosso
coração totalmente à disposição de Jesus, permitindo-
Vicente reconheceu que existem várias maneiras de fa- -Lhe que fale conosco enquanto O ouvimos. Significa
zer a oração e incentivou a sua prática. Certamente, al- permanecer em atitude de escuta ao que Jesus quer nos
guns utilizarão outros métodos, além do ensinado com comunicar diariamente. Significa confiar na Providência
frequência por ele e que descrevi anteriormente. Muito para lutar contra todas as tentações de evitar ou omitir
embora possamos empregar outros métodos de oração, a oração cotidiana. Significa simplesmente estar com Je-
sus todos os dias no silêncio da nossa mente e do nos-

17 SV, Conf. 37, de 31 de maio de 1648, sobre a oração, pág. 267.


so coração, mesmo que nossa mente permaneça vazia uma vida de sofrimentos e sofrer uma morte ver-
e que tenhamos a impressão de que nada aconteceu, gonhosa. Existe, por acaso, um amor semelhante
de que perdemos meia hora sem nada fazer, pois Jesus ao vosso? Mas quem poderia amar de um modo
não nos comunicou nenhuma ideia, nenhum sentimen- tão eminente e nobre como vós? Só Nosso Senhor
to ou mensagem. Significa simplesmente acreditar no amou as criaturas a esse extremo de deixar o tro-
modo de comunicação de Jesus com Deus Pai. Muitas no do seu Pai para vir tomar um corpo sujeito
vezes, Jesus passou a noite inteira em oração. Significa às enfermidades. E para que? Para estabelecer
simplesmente manifestar a Jesus nosso amor total por entre nós, por seu exemplo e por sua palavra, a
Ele, pelo simples fato de estar em sua presença, prontos caridade para com o próximo. Foi esse amor que
para acolher a qualquer momento e conforme a Provi- o crucificou e que gerou esse fruto admirável de
dência julgar oportuno, a mensagem que Jesus quer nos nossa redenção. Ó meus Senhores, se tivéssemos
comunicar. Significa simplesmente estar lá todos os dias, um pouco desse amor, permaneceríamos de bra-
prontos, para o momento que Jesus julgará apropriado, ços cruzados? Deixaríamos morrer aqueles aos
para não deixar passar o momento da graça, para não quais pudéssemos assistir? Oh! Não, a caridade
perder a visita de Jesus. não pode ficar inativa. Aplicai-nos à salvação e
consolação do próximo” 18.
Durante os seus últimos anos, Vicente pronunciava,
cada vez mais, palavras entusiasmadas sobre o amor de Poucos santos foram tão ativos como São Vicente, con-
Deus. Claramente, elas emanavam da sua oração. No dia tudo, suas ações brotavam de sua profunda imersão em
30 de maio de 1659, ele rezou em voz alta durante uma Deus, em Jesus. Quão afortunados somos por ter um
conferência aos coirmãos: Fundador tão extraordinário!

“Consideremos o Filho de Deus. Oh! Que co- Que Deus os cubra com suas bênçãos durante este tem-
ração de caridade! Que chama de amor! Meu po do Advento.
Jesus, dizei-nos vós mesmo, um pouco, por bon-
dade. Quem vos tirou do céu para virdes sofrer Seu irmão em São Vicente,
a maldição da terra, tantas perseguições e tor-
Tomaž Mavrič, CM
mentos que aqui sofrestes? Ó Salvador! Ó fon-
Superior geral
te de amor descido até a nós e humilhado até a
um infame suplício. Quem assim mais amou o
próximo do que vós? Viestes expor-vos a todas as
nossas misérias, tomar a forma de pecador, levar

18 Obras completas - São Vicente de Paulo, Tomo XII, Colóquios, Conf. 207, de 30 de maio de 1659, sobre a caridade, (Re-
gras comuns, cap. II, art. 12), pág. 269.

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