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À lupa – A Guerra na Síria

http://www.redeangola.info/especiais/siria-retrato-de-um-pais-em-guerra/

Por Sofia José Santos


Jornalista / Investigadora
sofiajosesantos@gmail.com

 Perfil de um país em guerra ……………………………………………………..……..……… 2


 Da queda de Constantinopla ao Regime al-Assad ………………………………………… 4
 A Guerra Civil desde 2011 …………………………………………………………………….... 7
 Quem são os actores no conflito?.................................................................................... 9
 O uso de armas químicas ................................................................................................ 18
 O debate da intervenção internacional ………………………………………………….…. 21
 Processo de paz? ………………………………………………………………………………. 23
 Refugiados e deslocados internos ………………………………………………………….. 24
 O lado B da guerra:
o A Estrada da Revolução …………………………………………………………..….. 25
o O lado feminino da guerra……………………………………………………….…… 31
Sofia José Santos

PERFIL DE UM PAÍS EM GUERRA


http://www.redeangola.info/especiais/siria-retrato-de-um-pais-em-guerra/

A República Árabe da Síria é uma das sociedades mais divididas no contexto do Médio Oriente e do
Norte de África, um mosaico imenso de etnias que se cruzam, por sua vez, com uma multiplicidade de
línguas e religiões, desaguando numa grande diversidade identitária e, sobretudo, numa elevada
compartimentação dentro dos próprios grupos. Daqui resulta o desenho de alianças de geometria variável
entre as minorias e maiorias de uns com maiorias e minorias de outros – exacerbando clivagens, mesmo
dentro dos próprios grupos. A maioria dos Sírios é árabe (90%), havendo também minorias curdas (5,9%),
circassianas, turcas e arménias (4,1%). De entre esta população, quase todos falam a língua arábica oficial
– o dialecto sírio –, sendo o circassiano também amplamente compreendido por todo o país. O curdo, o
arménio e o aramaico são apenas moderadamente falados, assim como o francês e o inglês. A esmagadora
maioria é muçulmana, um elemento potencialmente unificador, mas que se sub-divide em distintos grupos,
entre eles sunitas (74%), alauítas e drusos (16%), ismaílis e xiitas. Cristãos de muitas confissões perfazem
10% da população total e regista-se também uma presença relativa de outras confissões, como a judia que
vive em pequenas comunidades principalmente em Damasco, Al Qamishli e Aleppo. A somar a estas
divisões, há ainda a separação por clãs que não corresponde necessariamente a linhas etno-religiosas. O
seu território resulta da amputação do histórico território da Grande Síria - que integrava os actuais Estados
da Síria, Líbano, Jordânia, Israel e Territórios Palestianos – por meio de intervenções externas,
principalmente europeias e raramente pacíficas.

[http://www.redeangola.info/multimedia/siria-mapas/, por Diana Martins, Rede Angola ]

As lentes da economia ditam a Síria com um perfil tradicionalmente diversificado. Ainda que o sector
dos serviços tenha uma clara predominância, 67%, face aos restantes – agricultura 17%, indústria, 16%,
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dados de 2008 – a sua economia encontra-se distribuída pelos diferentes sectores de produção, não
dependendo exclusivamente de nenhum deles. Antes das convulsões sociais e da guerra, a economia era
altamente controlada pelo Estado, apesar de se ter iniciado políticas de liberalização económica, como a
baixa de taxas de juro a empréstimos, a abertura de bancos privados, o aumento de preços a produtos
subsidiados e a criação da bolsa de Damasco. O actual conflito armado tem previsivelmente levado a
economia a contrair-se, sendo difícil estimar o tempo da recuperação. Em 2010, o PIB era de 60 mil milhões
de dólares e em 2013 rondava os 33 mil milhões, quase metade, de acordo com os dados do Banco
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Mundial.

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http://www.indexmundi.com/syria/economy_profile.html
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http://www.aljazeera.com/programmes/insidesyria/2013/06/201363075735949198.html
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Sofia José Santos

Do ponto de vista geopolítico, a localização é extremamente sensível. É um ponto-chave no controlo


do poder terrestre na região, faz fronteira com a Turquia, o Iraque, o Líbano, a Jordânia e Israel - países que
partilham questões altamente complexas e delicadas para a segurança e a paz da região, como são as
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clivagens étnico-religiosas, a questão do povo curdo, a exploração de petróleo num mundo que lhe é
crescentemente dependente, o conflito israelo-árabe e suas ramificações regionais. É ainda o último bastião
de projecção do poder russo no Médio Oriente desde a Guerra-Fria e um corredor crucial tanto de
transporte de gás e petróleo para toda a região, como de abastecimento de material militar para o Hezbollah,
no Líbano.

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http://economy.money.cnn.com/2013/09/05/why-syria-matters-to-oil-markets
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DA QUEDA DE CONSTANTINOPLA AO REGIME AL-ASSAD


http://www.redeangola.info/da-queda-de-constantinopla-ao-regime-al-assad/

O Estado moderno da Síria nasceu, em 1918, no contexto da queda do Império Otomano, na sequência do
Armistício de Maduros, durante a Primeira Grande Guerra. Seguiu-se-lhe a ocupação de Constantinopla por
parte dos Aliados e a partilha do Império Otomano, em 1920, pelas potências vencedoras. Como justificativo
para esta partilha apresentou-se a inexperiência política das elites sírias (o Império Otomano era liderado
maioritariamente por turcos otomanos), o que poderia levar, diziam, a um vazio de poder facilmente
ocupado por potências regionais, pondo em causa a independência do território.

Acordo Sykes-Picot

Em 1916, a França e a Grã-Bretanha, no âmbito de negociações secretas que contaram com


representantes de cada um dos lados - os diplomatas François Georges-Picot e Sir Mark Sykes - , haviam
dividido já, entre si, o território. O acordo Sykes-Picot, nome pelo qual ficou conhecido, definiu as fronteiras
da actual Síria a régua e esquadro, entregando-a ao governo francês. Quatro anos mais tarde, 1920, o
acordo franco-britânico passou à prática e foi formalizado pela Liga das Nações, no âmbito do sistema de
mandatos. O mandato da Síria - que incluía também o Líbano e a província de Hatay - foi atribuído a França.
Estava-se a 29 de Setembro de 1923.

[http://www.redeangola.info/wp-content/uploads/2014/02/acordo-Sykes_picot.png]

Domínio francês

O governo francês dividiu o território em diferentes Estados - o Líbano, o Estado Alauíta, o Estado
do Monte Druzo, o Estado de Alepo e o Estado de Damasco – e passou a alistar membros de famílias
influentes sírias nas Forças Especiais francesas. Pretendia implodir qualquer identidade nacional, estimular
o sectarismo étnico e religioso e assegurar lealdades fortes ao Estado francês. O esquartejamento do

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território resultou em sangrentas revoltas lideradas pelas estruturas políticas locais e reprimidas pelos
franceses de forma não menos violenta. Em 1924, fruto de um acordo entre a burguesia sunita local e as
classes médias cristãs maronitas, a Síria voltou a ser unificada, mas sem o Líbano, que permaneceu
independente. A não-aceitação do domínio francês esteve sempre presente, umas vezes de forma latente,
outras com expressão visível. De entre os inúmeros episódios de contestação aberta no país, destacam-se
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os que tiveram lugar entre 1925 e 1927 – conhecidos como a Grande Revolta Síria - que foram
eficazmente abafados pela França. As consequências desta derrota para os movimentos de libertação síria
foram pesadas. Sublinhou-se a diversidade de agendas dos diversos grupos sírios, acentuou-se a
fragmentação da sociedade, retirou-se poder à ideologia nacionalista, diminuiu-se a influência e autoridade
das estruturas de poder locais e contribui-se para a consolidação do poder francês, ainda que sempre
desafiado, nos 15 anos seguintes.

Independência

A 17 de Abril de 1946, a Síria tornou-se independente. Fechavam-se 26 anos de subordinação a


França. Do ponto de vista político, o período pós-independência foi particularmente instável. Os interesses
distintos dos diferentes grupos étnicos, religiosos e ideológicos (socialismo, pan-arabismo, baathismo, por
exemplo) do país num espaço de poder nacional novo, pronto a ser conquistado e com todas as
oportunidades para ser redesenhado, geraram tensões significativas entre os partidos já existentes às quais
o poder respondeu sempre com uma presença militar forte e coesa, entendida como a única forma de
manter a lei e a ordem desejada. A prevalência do papel do exército e de forças de segurança assim como a
disputa sectária pelo poder é ilustrada pelo número de golpes de Estado – sete, entre 1949 e 1970, tendo o
último marcado o início do Regime al Assad, com a ascensão de Hafez al-Assad, no contexto da chamada
Revolução Correctiva de Novembro, um golpe que visava derrotar a facção dominante ultra-esquerdista do
partido Baath.

O regime

Hafez al-Assad trouxe consigo para o governo e para o exército nacional os segmentos da
população que lhe eram próximos: facção pragmático-militar do partido Baath, a etnia alauíta, a tribo
Kalbiyya e a família al-Assad, contando ainda com algumas famílias sunitas poderosas como base social e
política de apoio. Desde o início, o regime caracterizou-se por ser controlador, autoritário e repressivo. As
políticas de consolidação do poder assentavam primordialmente no policiamento apertado e sistemático e
na repressão violenta de opositores, bem como no culto da personalidade do líder e na centralidade e
domínio do Estado, muitas vezes confundido com o Partido Baath ou o próprio Presidente.
Em 1973, uma nova Constituição foi promulgada garantindo a liderança do Partido Baath, tanto no
Estado como na sociedade, e concedendo ao Presidente o poder último em todas as áreas. A liderança
colectiva do Partido foi substituída pela liderança personalizada de Hafez e as lideranças intermédias eram
garantidas por nomeação e não mais por eleição. A filiação no Baath, que arrastava privilégios e acesso ao
poder dentro do sistema, foi grandemente encorajada por ser um dos instrumentos de controlo mais
eficazes por parte do poder central - em 1963, o partido tinha 400 filiações e, em 1981, 374.332. Registou-
se também uma expansão massiva da burocracia, assim como dos serviços militares e de espionagem,
sindicatos e associações corporativistas, sempre dependentes do Estado. Paralelamente às forças de
segurança estatais, o regime criou milícias pró-regime em todas as cidades: civis armados comprometidos
com o combate a todas as formas de oposição ao governo de Assad. A estratégia de controlo omnipresente
do Estado juntamente com políticas de repressão garantiu a Hafez al-Assad sucesso no jogo da
manutenção e reprodução do poder. A violência estatal conheceu o seu ponto mais alto no conhecido
massacre de Hama, em 1982, no qual, na sequência de uma revolta liderada pela Irmandade Muçulmana,
as forças de segurança de Assad terão sido responsáveis pela morte de 20.000 pessoas.
Economicamente, a preocupação do regime tendia para o aumento da produção absoluta e não

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Revolta_S%C3%ADria
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tanto para a construção de uma sociedade igualitária, contrariando a ideologia que a corrente política onde
formalmente se inseria – a corrente baathista, uma ideologia que preconiza uma adaptação do socialismo
ao contexto das sociedades árabes, defensora do secularismo, da modernização industrial e de políticas de
bem-estar social com intervenção estatal na economia, principalmente no sector de petróleo. Afirma-se, por
isso, que o regime de Hafez tinha menos de ideologia e mais de pragmatismo.Teve resultado oscilantes:
década de 1970 e 1980 com balanços francamente negativos; início da década de 1990, com crescimento
positivo e a partir de 1995, com recessão económica. Corrupção, má gestão pública e privada, longos
períodos de seca, participação em duas guerras, ineficiência e iliteracia justificam, em parte, estes
resultados.
Internacionalmente, desenvolveu a sua política externa orientada por uma matriz anti-Ocidente e
tentou garantir a sua hegemonia regional. Tinha relações próximas com os países ricos em petróleo do
Golfo Pérsico, com excepção do Iraque, com o qual rivalizava apesar de ambos terem o Partido Baath no
poder, e era extremamente próximo do Irão, particularmente depois da Revolução Islâmica de 1979.
Contrariamente, tinha relações tensas com a Turquia e nutria uma grande hostilidade para com Israel,
lucrando no contexto do mundo árabe, desde o final da guerra de Yom Kippur, em 1973, do rótulo de seu
inimigo credível. Próximo da URSS, apenas se aproximou dos EUA e da Europa – esta vista como potencial
apoio ao nível financeiro e na mediação do conflito Israelo-árabe - depois do fim da Guerra-Fria.
Frequentemente, o governo sírio recorreu ao uso da força como ferramenta de política externa – guerra de
Yom Kippur, ou guerra civil no Líbano, 1976, por exemplo -, apesar das sanções internacionais que lhe
foram sendo impostas.

Bashar al-Assad

A seguir à morte de Hafez al-Assad, em 2000, Bashar al-Assad, seu filho, assumiu a liderança do
país. Ainda que muitos sírios se opusessem à transferência automática de poder de pai para filho, havia
também algum optimismo e expectativa perante a subida ao poder de Bashar. Juventude, educação e
interacção com o Ocidente eram argumentos que justificavam essa expectativa. No seu discurso inaugural,
afirmou o compromisso com a liberalização económica, comprometeu-se a desenvolver algumas reformas
políticas e rejeitou o estilo ocidental de democracia enquanto modelo apropriado para a política síria.
Anunciou também que não apoiaria medidas que ameaçassem o domínio do Partido Baath, mas abrandou
algumas restrições governamentais em relação à liberdade de expressão e de imprensa, e libertou vários
presos políticos. Abriu-se, assim, um pequeno período de relativa renovação, ao qual alguns chamaram de
“Primavera de Damasco”. Fóruns de discussão política apelando a uma reforma política foram surgindo sem
censura governamental. Porém, após alguns meses, Assad mudou a trajectória que tinha anunciado para o
seu mandato e tomou medidas que visavam garantir a extinção deste activismo político pró-reforma.
Adicionalmente, e apesar das promessas iniciais, as liberdades políticas reais e o estímulo à economia
prometidos nunca se materializaram.
Pese embora, teoricamente, a Síria seja uma república multipartidária, na prática, não passa do que
se tem apelidado de ditadura dinástica. A Constituição assegura a predominância do Partido Baath e a
sucessão faz-se sempre no interior da dinastia Assad. Por todo o lado na Síria se vêem retratos e posters
da tríade: Hafez Assad, o pai, Bassel, o filho morto, e Bashar, o actual presidente. Não há liberdade de
expressão nem de organização. As poucas mudanças feitas por Assad foram vistas como superficiais. A
repressão do regime aos protestos iniciados em Março de 2011 e a resposta militar da oposição deram
origem à actual guerra civil.

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Sofia José Santos

A GUERRA CIVIL DESDE 2011


http://www.redeangola.info/a-guerra-civil-desde-2011-os-actores-do-conflito/

Quando a onda de queda de regimes ditatoriais se precipitou na Tunísia e no Egipto, devido à


revolta popular, poucos conseguiam adivinhar que tal pudesse acontecer também na Síria. Apesar de
viverem sob uma ditadura há mais de 40 anos e de enfrentarem desafios económicos e sociais semelhantes,
os Sírios pareciam apoiar o seu líder – modernisador anti-ocidental e populista. Porém, essa mesma onda
revolucionária atingiu a Síria em meados de Janeiro de 2011, quando os residentes da pequena terra do Sul
de Dara’a foram para as ruas protestar contra a tortura de estudantes que tinham feito graffiti com
mensagens anti-governo.
Os protestos alargaram-se a outras partes do país exigindo a saída do Presidente Bashar al-Assad,
a criação de partidos políticos, direitos iguais para a população curda, liberdades políticas mais alargadas,
especificamente as de imprensa, expressão e reunião. O governo sírio fez algumas concessões, mas foram
consideradas insuficientes pela esmagadora maioria da população. A partir de Março de 2011, o regime
passou a reprimir violentamente os protestos - atirou com armas de fogo sobre a população que se
manifestava, avançou com tanques e dispôs atiradores. Ao mesmo tempo, cortou o abastecimento de água
e de electricidade, e as forças de segurança começaram a confiscar farinha e comida em áreas específicas,
como estratégia de penalização aos dissidentes.
A militarização do conflito, em Março de 2011, encorajou uma consolidação das identidades
sectárias que, previamente, tinham tido pouca importância dentro do contexto da contestação que se batia,
antes e essencialmente, pela exigência de reconhecimento e respeito pelos direitos políticos, económicos e
sociais sem haver registos abertamente sectários nas suas agendas.
Estima-se que em Outubro de 2011, tivessem já morrido 2.900 pessoas, tendo mais de 10.000 sido
presas. Nos primeiros meses, a população resistiu pacificamente às investidas violentas do governo. A partir
de Maio, a oposição começou a organizar-se, primeiramente através de grupos políticos e depois de
estruturas militares, nomeadamente com a criação do Exército de Libertação Síria (Syrian Liberation Army,
em inglês – SLA) e outros grupos armados mais dispersos, para combater o governo de Assad (Ver
cronologia). Com violência armada de um lado e do outro, a contestação civil passou a ser guerra.
O Exército de Libertação Sírio organizou vários ataques em Damasco e Alepo. Progressivamente,
os diferentes grupos armados conseguiram ganhar bases militares e armamento pesado. Mais tarde, as
forças governamentais conseguiram reconquistar o controlo de Aleppo – um ponto crucial no controlo das
rotas de abastecimento e que permanece dividido. As áreas sob controlo rebelde são o Norte e Leste de
Aleppo e em torno de Idlib. Em Junho de 2013, as forças governamentais apoiadas pelos militares do
Hezbollah conseguiram recuperar a cidade estratégica de Qusair, perto da fronteira libanesa. Um mês
depois, perto de Homs, o bairro Khalidiya foi recuperado pelo governo.
Com a crescente violência no terreno testemunhada pela cobertura dos media internacionais e
pelos relatos de Organizações Não-Governamentais (ONG) no terreno começou-se a equacionar-se a
possibilidade de intervenção externa, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, para derrubar
Bashar al-Assad, uma opção apoiada pelos EUA mas vetada pela Rússia e China.
Em Agosto de 2013, surgiram suspeitas de uso de armas químicas por parte das forças do governo
em diferentes subúrbios de Damasco. Governos estrangeiros e grupos activistas falam de centenas de
pessoas mortas. Perante isto tanto o governo quanto a oposição negam com veemência o uso de armas
químicas. O sucedido lançou um aceso debate entre na comunidade internacional sobre a necessidade de
intervenção externa e de controlo do uso e armazenamento de armamento químico.
A 27 de Setembro de 2013, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou de forma
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unânime a Resolução 2118 (S/2118/2013) onde apresenta um plano para um processo de paz com a
participação de todas as partes. No mesmo documento, o CS pediu a rápida implementação dos
procedimentos elaborados pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) “para a
destruição rápida do programa de armas químicas da República da Síria e sua rigorosa verificação”.
Avançou ainda que iria trabalhar com a OPAQ na implantação de uma “equipa de supervisão e destruição”

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https://www.un.org/News/Press/docs/2013/sc11135.doc.htm
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de armas químicas, esperando a plena cooperação do governo sírio. A Síria cumpriu a promessa de
encerrar todas as instalações de produção de armas químicas até ao dia 1 de Novembro, completando a
primeira fase do processo.
Ao mesmo tempo que se prepara o processo de paz, os combates entre forças governamentais e
forças rebeldes intensifica-se, assim como combates entre forças rebeldes com agendas políticas opostas.

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Quem são os actores no conflito?

[Infografia: http://www.redeangola.info/multimedia/siria-actores/, por Ivone Ralha e Pedro Figueira, Rede Angola]

Pró-Regime
http://www.redeangola.info/a-lupa-siria-actores-internos-pro-regime/

Governo de Bashar al-Assad


O regime é composto por uma minoria alauíta, famílias sunitas poderosas e alguns cristãos – estes
últimos por preferirem o governo secular de Assad a uma alternativa de poder Islâmica. É apoiado
pelo exército – composto por uma esmagadora maioria de alauítas -, pelos serviços secretos,
milícias civis armadas e, internacionalmente, pela Rússia, o Irão e o Hezbollah. Apesar de se terem
registado deserções da elite governante, das quais as demissões de membros do governo são o
rosto mais visível, o regime tem-se conseguido manter no poder. Na sua agenda de luta está a
manutenção do seu regime político e a eliminação dos grupos rebeldes armados. O regime refere-
se muitas vezes a esta contestação como uma revolta liderada pelas forças externas e não pelo
povo sírio, uma retórica que ajuda a legitimar o seu poder. Desde o início das convulsões que
resultaram na actual guerra civil, o governo optou por estratégias de forte repressão violenta – poder
aéreo, atiradores e artilharia pesada, entre a qual mísseis scud – não só contra os grupos rebeldes
armados, como também contra a população civil. O Presidente Bashar al-Assad afirmou, dia 31 de
Outubro de 2013, que está disponível para iniciar um processo de paz, mas insistiu que tal só será
possível caso pare de haver apoio externo aos grupos rebeldes.

Comunidade Alauíta
A comunidade alauíta é uma das peças centrais de apoio ao governo e ao regime de Assad. Porém,
o facto de ser uma minoria dependente da manutenção do regime, torna-a tanto um apoiante leal do
governo, como um grupo com necessidade de assegurar alguma sobrevivência junto da oposição,
caso o regime caia.

Diáspora
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Foi criado um sítio na internet em inglês – Friends of Syria (amigos da Síria, em português), de
apoio ao regime e que divulga notícias e documentários sobre a sua visão do que se passa no
terreno. De acordo com o próprio site, trata-se de um grupo sedeado no Ocidente, mas que assume

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http://friendsofsyria.co/
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a necessidade de contra-informação perante o que apelidam de 'mentiras' dos media Ocidentais.

Saber mais:
http://www.understandingwar.org/sites/default/files/TheAssadRegime-web.pdf
http://observers.france24.com/content/20120903-syria-why-i-support-president-bashar-al-assad-unrest-conflict

Actores internos - OPOSIÇÃO POLÍTICA


http://www.redeangola.info/a-lupa-siria-actores-internos-oposicao-politica/

Nos mais de dois anos depois do início da Guerra Civil na Síria, a oposição interna ao Presidente
Bashar al-Assad tem-se desenvolvido de forma crescentemente complexa. Multiplica-se em termos de
grupos, agendas políticas, reivindicações e alianças, estas em constante actualização e negociação dentro
e fora das fronteiras. São grupos com uma longa história de divisões ideológicas profundas que
acompanham linhas étnicas e alianças pouco consolidadas entre todas e todos os que se opõem ao regime.
Apesar da diversidade, o que deixa antever uma grande representatividade sentida pelas populações,
muitas não se revêem em nenhuma das força no terreno. É o caso das não-árabes e/ou não-muçulmanas.

Conselho Nacional Sírio - É uma coligação de grupos de oposição formada em Outubro de 2011.
Pretende ser a alternativa ao actual governo. Nela incluem-se, entre outros grupos e
movimentos:Irmandade Muçulmana , Organização Democrática Assíria; Bloco Democrático
Nacional Sírio; Coligação dos Sírios Seculares e Democráticos; Declaração de
Damasco ;dissidentes Curdos; grupos activistas. Em Novembro de 2012, o SNC juntou-se a outros
grupos de oposição formando a Coligação Nacional Síria, na qual tem 22 dos 60 lugares. De acordo
com o seu sítio na internet, o SNC assume como seus objectivos: derrubar o regime através de
todos os mecanismos formais; afirmar a unidade nacional da sociedade Síria, rejeitar todos os
apelos a clivagens étnicas; salvaguardar o carácter não-violento da revolução Síria; construir um
Estado moderno civil; proteger a soberania e independência nacionais, rejeitar a intervenção militar
estrangeira. Reconhecem ainda a possibilidade de um período de transição que contemple:
administração interina; convenção nacional inclusiva pela mudança democrática; organização de
eleições para uma assembleia constituinte com o objectivo de redacção de uma nova constituição e
de eleições parlamentares nos seis meses seguintes à aprovação da constituição; criar uma
comissão judicial para investigar crimes contra a Humanidade e formar uma Comissão de
Reconciliação Nacional. O Conselho Nacional Sírio abriu embaixadas em alguns países e foi
reconhecido, a 6 de Março de 2013, pela Liga Árabe.

Coligação Nacional para as Forças Revolucionárias e de Oposição na Síria - Concebida em


Novembro de 2012, em Doha, a Coligação Nacional Síria (nome pelo qual também é conhecida)
consiste em 63 membros. O objectivo desta plataforma é unir as facções políticas revolucionárias
numa única liderança, evitando que discursos sectários sejam alimentados, e aliviar o sofrimento da
população Síria perante esta guerra. Coordena-se com o Exército de Libertação Sírio e integra os
esforços diplomáticos de pacificação a nível internacional. De acordo com o seu sítio na internet, a
Coligação Nacional para as Forças Revolucionárias e de Oposição na Síria assume para si os
seguintes valores e objectivos: conseguir a soberania nacional e absoluta da Síria, assim como a
sua independência; preservar a unidade do povo sírio; preservar a unidade do país e das suas
cidades; destituir o regime de Bashar al-Assad; desmantelar as suas forças de segurança;
responsabilizar perpetradores por crimes contra a população síria; não entrar em negociações com
o regime; comprometer-se com uma síria democrática e civil. Em Dezembro de 2012, vários países
e organizações internacionais governamentais reconheceram a coligação como único representante
do povo Sírio, entre os quais se destacam: EUA, França, Reino Unido, Turquia, a União Europeia,
Malta , Dinamarca, Noruega, Islândia, Letónia, Lituânia, Estónia, Líbia e a Liga Árabe.É a favor de
uma intervenção externa.

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Sofia José Santos

Grupos Curdos - Desde o início da guerra na Síria, a minoria curda tem desempenhado um papel
ambíguo dentro do conflito. A sua luta é travada mais pela questão curda do que pela Síria em si
mesma. As próprias relações entre as forças da oposição e os Curdos não têm sido fáceis desde o
primeiro ano da contestação social. Os grupos curdos são hoje liderados pelo Conselho Nacional
Curdo (KNC), um conjunto de quinze partidos curdos que se opõem ao regime Sírio. Insistem no
não-apoio à oposição armada ao regime salvo se os curdos passarem a ser reconhecidos como um
grupo especifico com direitos culturais e linguísticos próprios pelas forlas da oposição, que têm
rejeitado estas exigências. Para agravar o distanciamento das posições entre curdos e oposição
síria, em muito contribuíram os movimentos do Partido da União Democrática Curda (PYD), que
colaborou tanto com o regime Sírio como com o Partidos dos Trabalhadores Curdos (PKK) para
conseguir um estatuto de autonomia de facto das cidades curdas do Nordeste da Síria, o que levou
a grandes divisões entre estes grupos e a oposição Síria. Há também grandes tensões dentro dos
próprios partidos curdos sobre se se devem juntar à oposição apoiada pelo Ocidente e sobre a
declaração unilateral de independência. O principal proponente da independência, o PYD, foi
fortemente criticado pelo Conselho Curdo Nacional. Os grupos curdos têm uma posição contra a
intervenção externa no território sírio.

Irmandade Muçulmana - Criado em 1928, o grupo foi violentamente esmagado depois de uma forte
contestação contra o então presidente Hafez al-Assad, que culminou com o massacre de Hama
onde a liderança da Irmandade Muçulmana foi morta ou presa e o grupo banido do território sírio,
tendo de se organizar no exílio. Porém, dentro da actual contestação e guerra civil, emergiu como
um dos grupos de oposição melhor organizados ganhando grande apoio da maioria sunita e dando
apoio às milícias militares que apoiam a sua ideologia. Contudo, a sua força enfrenta uma grande
competição por parte dos grupos apoiados pela Al-Qaeda, muito melhor equipados, do ponto de
vista militar, e que conquistaram os lugares de topo entre os grupos rebeldes armados. A Irmandade
tem tentado também gerir as acusações que lhe são feitas de tentar impor a sua vontade aos
restantes grupos de oposição, principalmente no contexto da Coligação Nacional Síria. Outro dos
grandes desafios actuais do grupo é conquistar e construir uma base de revolucionários jovens nos
seus quadros, após anos de afastamento.

Comité Nacional de Coordenação - Grupo político de oposição criado em 2011, com sede em
Damasco. Opõe-se à ideia de intervenção externa. Rejeita a possibilidade de se juntar à Coligação
Nacional Síria e afirma como pontos principais da sua agenda a libertação dos presos políticos, o
fim de violência nas ruas e admite a possibilidade de diálogo com o governo.

Comités Locais de Coordenação - Fundados em Março de 2011, são grupos activistas que reúnem
pessoas de diferentes contextos e com agendas políticas e religiosas diversificadas. Fez parte da
Coligação Nacional Síria, tendo saído por não reconhecer a sua autoridade. Partilham uma visão
mais democrática da Síria na qual o autoritarismo deverá ser substituído por uma governação
representativa e pelo reconhecimento e protecção dos direitos das minorias.

Diáspora - Grupos activistas organizados ou inorgânicos que se têm manifestado contra o regime,
apoiando a oposição ao governo de Assad por todo o mundo. O Reino Unido e os EUA são os dois
países onde a diáspora anti-regime encontra maior expressão, dando eco aos protestos civis iniciais
e ao sofrimento do povo sírio. Para além do acompanhamento dos acontecimentos no terreno, as
comunidades na diáspora influenciam a longo-prazo a capacidade da mudança de regime ser ou
não sustentável.

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Sofia José Santos

Actores internos - OPOSIÇÃO ARMADA


http://www.redeangola.info/a-lupa-siria-actores-internos-oposicao-armada/

A oposição armada é composta por uma diversidade imensa de grupos, nem todos identificados por quem
está fora do terreno. Muitos dos grupos têm uma agenda política que os alimenta, mas muitos outros
funcionam meramente como estrutura de sobrevivência e protecção local, sem ambições políticas; outros,
como os grupos jihadistas que se batem por um Estado islâmico, enquadram a sua luta numa batalha
religiosa. Muitas populações permanecem não-comprometidas com qualquer força no terreno. Entre os
grupos que se conhecem, contam-se:

Exército de Libertação Sírio (SLA) - Trata-se do maior grupo armado de oposição ao regime.
Formado em Agosto de 2011 por muitos desertores do exército nacional que optaram por juntar-se
ao lado dos protestantes. Na verdade, são as inúmeras deserções que têm alimentado cada vez
mais a força deste exército. O grupo assume como seu objectivo derrubar o regime, proteger a
revolução e os recursos do país. É coordenado pelo Conselho Nacional Sírio e apoiado pela
Coligação Nacional Síria, tendo juntado no seu grupo de guerrilheiros o Free Officers Movement em
2011, o que o tornou no maior grupo de oposição armada. De acordo com o próprio Exército de
Libertação Sírio, as suas forças contam com 100.000 membros, ainda que fontes de informação
secreta internacionais afirmem que o número deve rondar os 10.000, segundo a ABC. A maioria dos
seus membros é sunita, mas também inclui curdos, palestinianos e drusos. É apoiado militar e
financeiramente por Estados árabes e Ocidentais através do Conselho Nacional Sírio, e liderado por
Brig Gen Salim Idris.

Frente de Libertação Islâmica Síria (SILF) - Formada em Setembro de 2012 e liderada por Ahmed
Issa (Suqour al-Sham), trata-se de uma aliança de cerca de 20 grupos rebeldes que podem ir de
islâmicos moderados a ultraconservadores Salafistas. Entre esses grupos contam-se: Liwa al-Islam;
Jaysh al-Islam; Liwa al-Fath; Liwa al-Tawhid; Suqour al-Sham; Brigadas Farouq, perfazendo um total
de 30.000 a 40.000 guerrilheiros. Esta Frente está activa em Idlib, Aleppo, Damascus, Homs e em
Deir al-Zour.

Frente Islâmica Síria (SIF) - Criada a 21 de Dezembro de 2012 e liderada por Hassan Abboud
(Harakat Ahrar al-Sham al-Islamiyya), tem crescido gradualmente e é hoje um opositor-chave ao
regime sírio. Trata-se de um dos mais poderosos opositores de Salafi e o melhor grupo armado de
entre todos os grupos de oposição ao regime, uma posição que está patente nas diferentes batalhas
vencidas contra o regime de Assad e nas suas acções humanitárias. Coordena as suas actividades
com outras forças de oposição sírias, incluindo o Exército de Libertação Síria e o grupo Jabhat Al
Nusra. Do ponto de vista ideológico, a Frente Islâmica Síria distancia-se do Exército de Libertação
Síria, ainda que tenham em comum a vontade de derrubar o regime, e converge em muitos pontos
com a do Jabhat Al Nusra, nomeadamente na insistência na criação de um Estado Islâmico na Síria
regulado pela lei sharia, sublinhando que a sua luta é na Síria e não no contexto de uma jihad global.
De acordo com a sua Carta de Valores publicada no seu sítio da internet, em Janeiro de 2013, a
organização rejeita a noção ocidental de democracia, ainda que concebam o uso do sistema de voto
para eleição dos líderes políticos. Fazem parte desta Frente, os seguintes grupos: Harakat Ahrar al-
Sham e Al-Islamiyya.

Jabhat al-Nusra - Criado em Janeiro de 2012, o grupo Jabhat Al Nusra (também conhecido por
Frente Al Nusra) é uma das organizações mais fortes, na Síria, contando com 6.000 a 10.000
soldados que resultam mais de um recrutamento internacional do que sírio. Trata-se de um grupo
essencialmente sunita. À semelhança da Frente Islâmica Síria, Jabhat Al Nusra assume como seu
objectivo a criação de um Estado islâmico regido pela lei sharia e declara publicamente ser uma
organização apoiada pelo líder da organização Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, da qual é uma aliada.
Bem munida com armamento proveniente principalmente de filiais da Al Qaeda no Iraque, os seus

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Sofia José Santos

ataques fazem-se maioritariamente com ataques suicidas e com explosão de bombas com alvos
indiscriminados.

Brigadas Ahfad al-Rasoul - Criadas em 2012 e lideradas por Abu Osama al-Julani, Mohammed al-Ali
e Maher al-Nuami, são uma aliança de mais de 40 grupos islamitas moderados, perfazendo cerca
de 7.000 a 9.000 de guerrilheiros. Apesar de operarem por toda a Síria, a sua presença faz-se sentir
de uma forma mais forte na província de Idlib. Tem ligações ao Catar e a agências secretas de
países Ocidentais.

Frente Asala wa al-Tanmiya - Formada em Novembro de 2012, trata-se de uma aliança islâmica
moderada que afirma contar com cerca de 13.000 guerrilheiros. As suas forças estão organizados
em cinco frentes cobrindo toda a Síria, apesar da sua presença ser mais forte em Aleppo e na zona
Leste da província de Deir al-Zour.

Comissão Durou al-Thawra - A Comissão Durou al-Thawra é uma aliança de seis grupos armados
das províncias de Idlib e Hama. Criada em 2012 com a ajuda da Irmandade Muçulmana, descreve-
se a si própria como uma aliança moderada e democrática islâmica. Ainda que reconheça o apoio
da Irmandade Muçulmana, recusa qualquer ligação directa com essa organização.

Brigada dos Mártires Yarmouk - Grupo Islâmico moderado da província de Deraa, criado em Agosto
de 2012. Resulta da junção de oito outros grupos mais pequenos. É liderada por Bashar al-Zoubi e
opera maioritariamente na fronteira Síria com a Jordânia e nos Montes Golã.

Brigadas da Unidade Nacional - Criadas em Agosto de 2012, dizem ter unidades em quase todas
as províncias do país, sendo os seus lugares privilegiados de acção a região de Jisr al-Shughour, o
Sul de Damasco, a Jabal al-Zawiya, Deraa e Deir al-Zour. Consta que os seus cerca de 2.000
guerrilheiros são de minoria alauíta e ismaíli.

Actores REGIONAIS

http://www.redeangola.info/a-lupa-siria-actores-regionais/

A interferência dos actores externos tem alimentado o conflito e a violência no território desde o seu início.
Move-os a vontade de conter os eventuais efeitos de dominó que possam vir a sentir-se nos seus territórios
– é o caso da Turquia e do Iraque-, as aspirações a potência regional - como o caso da Arábia Saudita e do
Irão -, questões ideológicas, religiosas e histórias. Dividem-nas estarem a favor (Irão, Hezbollah), contra
(Arábia Saudita, Turquia, Jordânia, Egipto, Líbia) o regime ou simplesmente formalmente não-alinhadas
(Israel, Iraque). As primeiras forças dependem estrategicamente da manutenção do regime. Para as
segundas a manutenção de Assad no poder, ainda que não seja favorável, não coloca uma ameaça
intolerável aos seus interesses vitais.

Arábia Saudita - A Arábia Saudita tem sido uma rival do regime al-Assad, desde que Hafez al-Assad
subiu ao poder. O governo saudita analisa o conflito do ponto de vista do equilíbrio de poderes a
nível regional. A partir do momento em que o regime começou a reprimir violentamente os protestos
pacíficos que tiveram lugar na Síria, em 2011, a Arábia Saudita assumiu uma posição pública de
condenação da violência. Na reunião da Liga Árabe, a 1 de Setembro de 2013, a Arábia Saudita
pediu pediu que fossem utilizados todos os meios legais possíveis para parar o banho de sangue
que decorria na Síria. Do mesmo modo, assinou a tomada de posição conjunta com o G20 que
apela para uma “resposta internacional forte” contra o governo sírio. O seu interesse é derrubar o
regime e conter a influência do Irão na região. É um dos países que apoia a intervenção
internacional e, desde Dezembro de 2012, que apenas reconhece a Coligação Nacional Síria como
o único representante legítimo do povo sírio. A Arábia Saudita garante uma série de rotas de entrada

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Sofia José Santos

e saída da Síria.

Catar - Um dos maiores fornecedores de armas aos grupos rebeldes, o Catar apoiou a proposta de
um ataque norte-americano ao regime Sírio. Segundo declarações do ministro dos Negócios
Estrangeiros do Catar à BBC, dia 3 de Setembro, a intervenção militar externa tornou-se uma
necessidade para proteger o povo sírio, a partir do momento em que o governo recorreu a armas de
destruição maciça nos seus combates. Reconheceu, contudo, os limites de uma intervenção
dizendo, por isso mesmo, que à escolha entre intervenção e não-intervenção se aplica o argumento
do mal menor.

Egipto - O Presidente Mohammed Morsi tomou publicamente uma posição contra o regime
Sírio, cortando relações diplomáticas e apelando para uma zona de exclusão aérea. Porém, os
militares que depuseram Morsi mostraram-se mais cautelosos, optando por rejeitar qualquer
intervenção internacional e mostraram-se circunspectos face a qualquer vantagem concedida aos
grupos rebeldes. Em Agosto, o governo egípcio foi claro quanto à sua posição: “não vai participará
de qualquer ataque militar contra a Síria e opõe-se fortemente contra toda intervenção militar
estrangeira neste país”, sublinhou o chefe da diplomacia egípcia, M.Fahmy num comunicado, onde
também apelou à realização de uma conferência em Genebra, para encontrar uma solução política
para o conflito na Síria. A opinião pública egípcia – tanto apoiantes como críticos de Morsi - são
veementemente contra uma intervenção militar norte-americana no país, sem a autorização das
Nações Unidas.

Hezbollah - O grupo militar xiita é um dos aliados mais próximos de Assad e já enviou vários
militares para apoiar as forças do Presidente Bashar. O chefe do Hezbollah libanês - Hassan
Nasrallahfez – fez saber que o seu grupo xiita não ficará passivo enquanto o regime de Damasco,
seu aliado, está sob ataque, e que qualquer ataque que seja lhe endereçado, será um ataque
endereçado também aos Palestinianos e ao Líbano. Tal como o Irão, a Síria tem sido o principal
apoio do grupo Hezbollah e grande parte do seu arsenal militar é fornecido através de território sírio.

Irão - O Irão tem sido o maior apoiante da Síria na região. O interesse do Irão no conflito na Síria,
bem como o seu consequente apoio diplomático, financeiro e militar ao regime de Assad é
essencialmente estratégico: vê a Síria como um baluarte seu contra os EUA e Israel e percepciona
o controlo de uma maioria sunita por uma minoria alauíta como elemento importante na redução da
influência da Arábia Saudita, sua rival, na região. Neste sentido,tem sido altamente crítico perante
qualquer cenário de intervenção. O Porta-voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros - Abbas
Araqchi – afirmou que foram os grupos rebeldes que usaram armas químicas. O próprio Ministro
dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javed Zarif, foi mais longe, afirmando que uma intervenção
norte-americana na Síria corria riscos de gerar uma guerra regional. Do mesmo modo, enviou
contingentes da Força Quds, estando a operar ao nível da formação e dos serviços de informação.
Caso o regime de Assad caia, há riscos de o 'eixo rejeccionista' fique reduzido a Irão, Hezbollah e
Hamas, sendo que este último já se distanciou de Damasco. O poder de influência do Irão está
também plasmado nas diferentes rotas de abastecimento à Síria.

Iraque - O Iraque não tem sido muito crítico da Síria, apesar de compreender os perigos da
escalada de violência na região para o seu próprio país (acolhimento de refugiados, exacerbação
dos seus problemas sectários, alimentação das ambições curdas),e de permitir que Teerão utilize o
seu espaço aéreo para apoiar Assad. A não-interferência e não-posição do Iraque perante a guerra
na Síria prende-se muito com a própria divisão interna dentro da sociedade Iraquiana face à guerra
no país vizinho: sunitas apoiam a oposição política e os grupos rebeldes, enviando-lhes militares e
armamento; xiitas apoiam Assad. O Iraque tem-se mostrado contra qualquer acção militar e espera
que se chegue a um solução política e pacífica da crise.

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Sofia José Santos

Israel - O governo israelita tem mantido uma postura extremamente reservada face ao apoio a uma
intervenção norte-americana na Síria. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, avisou
Damasco e os seus aliados que Israel não faz parte do conflito sírio, mas que se alguma tentativa
de atacar Israel for detectada, este responderá de forma poderosa. Esta posição cautelosa tem
duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, os interesses de Tel-Aviv na Síria são eles próprios
contraditórios: por um lado, por um lado é positivo para Israel um corte na oferta de armamento e
financiamento ao Hezbollah e que se possa contrariar a tendência actual de células jihadistas no
país; por outro lado, não há certezas de que o sucessor de Assad não seja ainda ainda hostil para
Israel. Em segundo lugar, há uma clara noção de que Israel pode controlar muito pouco o resultado,
uma vez que o apoio público e formal a qualquer grupo da oposição seria visto pelo mundo árabe
como conspiração com os EUA o que tornaria toda a opinião pública da região árabe contra a
intervenção militar. Israel pretende também evitar dar razão ao Hezbollah razões para o atacar em
retaliação ao eventual ataque norte-americano na Síria. De salientar que, apesar de não haver uma
posição formal face à guerra na Síria, armas fornecidas por Israel estão na luta contra Assad e tem
havido alguns ataques, justificados e enquadrados na luta travada por Israel contra o Hezbollah.

Líbano - Há uma grande divisão no país entre apoiantes e opositores do Presidente al-Assad. O
Ministro dos Negócios Estrangeiros Adnan Mansour comentou a possível intervenção internacional
como uma acção que não dava nenhuma certeza de conseguir garantir a estabilidade e segurança
da região. O país tem sido o destino mais procurado por parte dos refugiados Sírios.

Jordânia - O Primeiro-ministro, Abdullah Ensour, disse que a Jordânia apoiaria uma acção militar
limitada (ou seja, cirúrgica e sem baixas civis), caso fosse provado o uso de armas químicas na
Síria, seguindo as normas do Direito Internacional, e a acção fosse aprovada pelo Congresso norte-
americano. A Jordânia acolhe hoje meio milhão de refugiados Sírios. O governo já apelou para uma
solução política do conflito. Consta também que terá apoiado militarmente os grupos rebeldes
através da venda e armas no Sul da Síria no início de 2013.

Turquia - O governo turco tem sido uma das vozes mais críticas do Presidente al-Assad desde o
início das convulsões sociais e mostrou-se sempre disponível para integrar uma coligação
internacional que interviesse na Síria, mesmo sem o consentimento do Conselho de Segurança das
Nações Unidas. A Turquia foi um dos 10 membros do G20 que apelaram a uma forte resposta
internacional contra o governo sírio e colocou as suas forças militares em alerta. Receia o eventual
efeito dominó que o agravar do conflito na região possa ter no seu próprio território, sendo que
conta já com um grande fluxo de refugiados e que muitos das das bases operacionais dos rebeldes
se situam nos campos de refugiados em território turco. Para além disso, e talvez com maior
importância para Ankara, teme as perspectivas de uma comunidade curda encorajada pelo vazio de
poder sírio para consolidar a sua autonomia. Pretende ainda recuperar o seu comércio bilateral com
a Síria que tem uma importância forte na economia do país. Em Dezembro de 2012, a Turquia
reconheceu a Coligação Nacional Síria como o único representante legítimo do povo sírio.

Saber mais:
http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-
23849587;http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RR200/RR213/RAND_RR213.pdf

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Sofia José Santos

Actores NTERNACIONAIS
http://www.redeangola.info/a-lupa-siria-actores-internacionais/

EUA - Os EUA lideram o bloco internacional de oposição política ao regime de Assad e de apoio aos
grupos rebeldes (com excepção dos grupos alinhados com a Al-Qaeda). Assumem-se como rivais
do regime sírio desde que Hafez al-Assad subiu ao poder e analisam o actual conflito do ponto de
vista do equilíbrio regional de poderes. O interesse na queda de al-Assad reside na possibilidade de
enfraquecer o poder do Irão na região (forçando a uma abertura negocial face ao seu programa
nuclear) e abalar a força do Hezbollah, uma vez que este garante os seus arsenais militares
através do território Sírio. Porém, os EUA estão conscientes que a queda de Assad pode também
criar as condições para que rebeldes armados apoiados pela Al-Qaeda acumulem poder e território
no país, um cenário que vêem com apreensão. Em termos de estratégia e opções políticas, a
administração Obama limitou-se, inicialmente, a apoiar diplomaticamente as forças rebeldes,
pedindo a Assad para renunciar (Agosto de 2011). A partir de Fevereiro de 2013, anunciou apoio
logístico e humanitário às forças de oposição e, em Junho de 2013, na sequência da suspeita de
recurso a armas químicas nos combates por parte do governo, a Casa Branca autorizou a CIA a
fornecer armas e munições para os grupos rebeldes, ainda que o processo tenha sido adiado por
preocupações de alguns legisladores. Simultaneamente, alguns membros do Congresso
defenderam um apoio mais forte, uma vez que as forças do regime eram apoiadas pelo Hezbollah.
Começava também a surgir a possibilidade de os EUA liderarem uma intervenção internacional (link
para intervenção internacional) no território sírio. A administração Obama elaborou planos de
contingência para ataques militares punitivos que destruíssem a capacidade do regime de usar
armas químicas e pediu ao Congresso autorização para o uso da força militar dos EUA. Fez
também um forte trabalho junto das Nações Unidas para conseguir aprovar uma intervenção. Tentou
ainda congregar apoio entre os líderes que compõem o G20, em São Petersburgo, argumentando
que o consenso internacional contra o uso de armas químicas devia prevalecer mesmo perante o
bloqueio do Conselho de Segurança. Dez membros do G20 juntaram-se aos EUA, mas não
conseguiram reunir o apoio político necessário.

Reino Unido - Opondo-se ao regime de Damasco desde o início do conflito, o Reino Unido tem
trabalhado com os EUA e a França para conseguir uma Resolução das Nações Unidas que regule a
questão das armas químicas na Síria. É também a favor de uma resposta internacional forte ao
conflito e tem sido um dos principais doadores de equipamento médico para a região. Juntamente
com a França,o Reino Unido exerceu pressão junto da União Europeia para que esta levantasse o
embargo de armas à Síria por forma a garantir o abastecimento militar aos grupos rebeldes. Desde
Dezembro de 2012, o Reino Unido apenas reconhece a Coligação Nacional Síria como o único
representante legítimo do povo sírio.

França - A França apoiou o plano norte-americano de intervenção internacional na Síria e foi o único
país, para além dos EUA, a comprometer-se com o uso da força e salientando a necessidade de
uma resposta internacional forte, no seio do G20. Juntamente com o Reino Unido fez pressão junto
da União Europeia para que esta levantasse o embargo de armas ao país visando garantir o
abastecimento militar aos grupos rebeldes. Desde Dezembro de 2012 que apenas reconhece a
Coligação Nacional Síria como o único representante legítimo do povo sírio.

Rússia - O interesse russo no conflito é maioritariamente estratégico: utilizam a retórica de apoio a


Assad para enquadrar a sua luta contra a oposição tchetchena e é o seu último bastião de influência
na região do Médio Oriente (é na Síria que a Rússia tem a única estrutura militar fora do espaço
soviético – base naval de Tartus, no Norte da Síria), sendo que muitas empresas russas têm
investimentos nas indústrias de gás natural e petrolífera no país. Porém, apesar do seu apoio
diplomático e militar ao regime de Assad, a 9 de Julho de 2012, Putin declarou que iria parar de
vender armas ao governo sírio, mostrando que o seu apoio não era total. Quanto à questão da

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Sofia José Santos

intervenção externa, a Rússia, enquanto membro-permanente, vetou todas as Resoluções do


Conselho de Segurança que previam uma intervenção militar na Síria. A resistência a uma possível
intervenção na Síria fundamenta-se na defesa de valores como a soberania e a não-interferência
em assuntos internos. Para Vladimir Putin, a possibilidade de intervenção só existe havendo provas
claras e evidentes do uso de armas químicas por parte do regime contra o seu próprio povo, ainda
que afirme também que um ataque aumentaria a violência, podendo dar aso a uma nova onda de
ataques terroristas. Para a Rússia , a versão de que as armas químicas terão sido utilizadas pelos
grupos rebeldes, incriminando o governo para conseguirem apoio internacional no terreno. A Rússia
assume o seu compromisso com o processo de Geneva (Link para processo de paz) , mas continua
a apoiar militarmente o regime de Assad.

China - Enquanto membro-permanente do Conselho de Segurança, juntou-se à Rússia no bloqueio


às suas resoluções que previam uma intervenção internacional no território, usando o argumento
dos valores da protecção da soberania e da não-interferência em assuntos internos, e sublinhando
que qualquer intervenção sem a aprovação das Nações Unidas será ilegal. Condenou também a
possibilidade de ataques liderados pelos EUA. Contrariamente, aprovou uma inspecção
internacional independente à Síria a propósito da eventual posse e uso de armas químicas por parte
do regime.

Alemanha - A Alemanha sempre se distanciou de qualquer participação numa eventual força de


intervenção na Síria, apesar de ter dito que a prova efectiva de uso de armas químicas teria
obrigatoriamente consequências,nunca as tendo especificado. Juntou-se à declaração de 11 países
do G20 de apoio à posição norte-americana quanto a uma intervenção militar na Síria,
salvaguardando que a participação alemã numa operação militar contra a Síria será impossível sem
um mandato da ONU, da NATO ou da UE.

Al-Qaeda - Tem uma grande influência junto dos grupos armados jihadistas de oposição ao regime.
Garante abastecimento de armas,mantimentos e militares aos grupos aliados. Pretendem derrotar o
regime de Assad, instaurar um Estado islâmico e conquistar um bastião de influência na região.Há
duas grandes facções da Al-Qaeda na Síria. Uma é a Al-Qaeda do Iraque, liderada por Abu Bakr al-
Baghadadi que terá mudado a sua base de operações para a Síria, de acordo com o Departamento
de Estado norte-americano. A outra grande facção é o Jabhat al-Nusra, liderada Mohammad al-
Golani. Apesar das suas diferenças, estão unidas no combate ao regime de Assad.

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Sofia José Santos

O USO DE ARMAS QUÍMICAS


http://www.redeangola.info/o-uso-de-armas-quimicas/
A 21 de Agosto 2013, activistas sírios e líderes da oposição afirmam que o governo usou armas
químicas matando centenas de pessoas nos subúrbios de Damasco. Bashar a-Assad deu por certo
tratarem-se de acusações sem qualquer sentido e apontou a autoria dos ataques aos grupos rebeldes que,
em resposta, negaram o uso ou sequer a posse de tal armamento. A 23 de Julho de 2012, o governo havia
já confirmava implicitamente a posse de um arsenal de armas químicas produzidas e guardadas mas
apenas para um eventual ataque de forças externas. O porta-voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros,
Jihad Makdissi, garantia também que “em nenhuma circunstância, seriam usadas contra o povo sírio ou
contra civis”.
Após quatro meses de conversações do suposto primeiro ataque, o regime de Assad aceitou, em
Julho de 2013, o envio de inspectores para o terreno a fim de investigar o alegado recurso a armas
7
químicas. A missão, autorizada pelo Secretário-Geral da ONU e coordenada por Ake Sellstrom, confirmou
que tinham sido utilizadas armas químicas em grande escala, mas não identifica quem as usou.

[http://www.redeangola.info/multimedia/siria-mapas/, por Diana Martins, Rede Angola]

8
Através da adopção unânime da resolução 2118, a 27 de Setembro de 2013, o Conselho de
Segurança pediu a rápida implementação dos procedimentos elaborados pela Organização para a Proibição
de Armas Químicas (OPAQ) “para a destruição rápida do programa de armas químicas da República da
Síria e sua rigorosa verificação”. Avançou ainda que iria trabalhar com a OPAQ na implantação de uma
“equipa de supervisão e destruição” de armas químicas, esperando a plena cooperação do governo sírio.
Até ao final de Outubro, os inspectores tinham estado em 21 dos 23 locais declarados pelo governo sírio. A
Síria cumpriu a promessa de encerrar todas as instalações de produção de armas químicas até ao dia 1 de
Novembro, completando a primeira fase do processo. Desde então está a decorrer o processo de destruição
das armas, das quais se estima que o regime de Assad detenha cerca de 1000 toneladas. O governo norte-
9
americano enalteceu a atitude disponível por parte do governo sírio. O processo deve estar concluído em
meados de 2014.

Programa de armas químicas


O programa sírio de armas químicas terá começado na década de 1970 apoiado pelo Egipto e pela
Rússia. A produção de armamento, contudo, apenas se desenvolveu a partir de meados dos anos 1980,

7
http://www.cbc.ca/news/world/syria-chemical-attacks-large-scale-un-says-1.1855620
8
http://www.un.org/Docs/journal/asp/ws.asp?m=S/RES/2118%20%282013%29
9
http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-24424798
18
Sofia José Santos

quando o país conseguiu adquirir o conhecimento e material necessários através do apoio soviético. Antes
da contestação social de 2011, o Centro de Investigação de Estudos Científicos Sírios geria
10
possivelmente quatro estruturas de produção de armas químicas - em Dumayr, Khan Abou, Shamat e
Furklus – e tinha locais de armazenamento espalhados por 50 outras cidades e vilas. O tamanho exacto do
arsenal de armas químicas sírias não é conhecido, mas em Junho de 2010, o general israelita, Yair Nave,
afirmava ser “o maior do mundo”.
De acordo com um relatório publicado pelos serviços secretos franceses, Damasco tem mais de
uma tonelada de agentes e percursores químicos, nomeadamente gás mostarda, gás sarin e VX,
complementado com um grande arsenal de munições e de mísseis balísticos de curto-alcance, bombas
aéreas e rockets. Apenas Bashar al-Assad e alguns membros influentes do seu clã podem dar a ordem de
uso de armas químicas, sendo as chefias militares as que decidem os alvos, as armas e os agentes tóxicos.
Até à data dos supostos ataques, a Síria não tinha assinado a Convenção sobre a Proibição do
Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Utilização das Armas Químicas e sobre a sua Destruição
(CPAQ), mas tinha aderido, em 1968, ao Protocolo de Geneva sobre a Proibição do Emprego na Guerra de
Gases Asfixiantes, tóxicos ou similares e de meios bacteriológicos de guerra (1952), que bane o uso de
agentes químicos ou biológicos durante a guerra. Em Setembro de 2013, juntou-se à CPAQ, tendo a sua
adesão sido feita apenas a 14 de Outubro.

[http://www.redeangola.info/multimedia/siria-mapas/, por Diana Martins, Rede Angola]

10
http://www.bbc.com/news/world-middle-east-22307705
19
Sofia José Santos

Armas Químicas e o Direito Internacional

Uma arma química é qualquer produto químico tóxico que, distribuído por um projéctil de artilharia
ou mísseis balísticos, pode causar a morte, lesão, incapacidade e irritação sensorial. As armas
químicas são consideradas armas de destruição em massa e a sua utilização em conflitos armados
é uma violação do Direito Internacional Público. A comunidade internacional proibiu o uso de armas
químicas e biológicas depois da Primeira Guerra Mundial. Em 1972 e 1993, reforçou a proibição de
armas químicas e biológicas na sociedade internacional ao cobrir também, com tratados
internacionais, o desenvolvimento, a produção, o armazenamento e a transferência dessas armas.
Os principais documentos internacionais que regulam as armas biológicas e químicas são os
seguintes: Protocolo de Genebra, 1925 ; Convenção de Armas Biológicas, 1972; Convenção sobre
a Proibição de Armas Químicas, 1993; Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, 1977, art.
36. Juntos, estes Acordos criaram um princípio contra a utilização de armas químicas através do
Direito Internacional consuetudinário - direito que surge dos costumes de uma certa sociedade,
não passando por um processo formal de criação de leis . Isto significa que a proibição de uso de
armas químicas é tão vinculativo como um tratado e aplicável também aos grupos armados para-
estatais. Consequentemente, tanto governos como grupos rebeldes podem ser responsabilizados
por esta violação perante o Direito Internacional.

Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) é Nobel da Paz de 2013

Organização inter-governamental formada por Estados-membros que têm iguais direitos de voto.
Em conformidade com a Convenção de Armas Químicas, o seu objectivo é destruir esse tipo de
armamento. Apenas seis países não são membros da OPAQ, são eles: Angola, Burma, Egipto,
Israel,Coria do Norte, e Sudão do Sul.

Infografia Armas Químicas, por Diana Martins e Pedro Figueira (Rede Angola)

http://www.redeangola.info/wp-content/uploads/2014/02/Capa_Infografia_Armas-Quimicas.png

20
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O DEBATE DA INTERVENÇÃO INTERNACIONAL


http://www.redeangola.info/o-debate-da-intervencao-internacional/
Com a crescente violência no terreno testemunhada pela cobertura dos media internacionais e
pelos relatos de Organizações Não-Governamentais (ONG) no terreno começou-se a equacionar-se a
possibilidade de intervenção externa, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, para derrubar
Bashar al-Assad, uma opção apoiada pelos EUA mas vetada pela Rússia e China. Em Agosto de 2013,
surgiram suspeitas de uso de armas químicas por parte das forças do governo em diferentes subúrbios de
Damasco, alimentando ainda mais o debate sobre a intervenção internacional no território que se divide, no
essencial, em três argumentos.
O argumento humanitário tem como ponto de partida a ideia de que o sofrimento humano exige uma
acção internacional que lhe ponha termo. A vida humana e o sofrimento humano devem prevalecer em
detrimento da soberania e dos custos financeiros e políticos que uma intervenção internacional possa
causar. É aqui que se insere a doutrina da “Responsabilidade de Proteger”.
O argumento anti-imperialista baseia-se na crítica ao que consideram ser uma hipocrisia ocidental
perante os fenómenos de violência que exigem a intervenção. A posição anti-imperialista vê a interferência
de potências como os Estados Unidos ou outros países ocidentais, especificamente Reino Unido e França,
enquanto estratégia de moldar as realidades locais aos seus interesses geopolíticos e tão pouco salvar
vidas humanas. Conseguem assim manter um império de influência pelos aliados que criam no terreno e
pela ideia de super-heróis mundiais. Acrescenta-se ainda que muitos entendem que são a forma como a
economia e a política mundial estão organizados que promovem as privações económicas ou ganância que
leva às guerras.
Finalmente, o argumento do realismo político resiste à suposta rigidez ideológica das duas primeiras
e prefere a opção que melhor se adapte ao contexto, procurando sempre a eficiência do lado no qual se
coloca, e não necessariamente a legalidade ou a humanidade da intervenção.

A Doutrina da ‘Responsabilidade de Proteger’


Norma criada pelas Nações Unidas que se baseia na ideia de que a soberania não é um direito, mas antes uma
responsabilidade que deve ser assumida para prevenir ou parar os seguintes quatro crimes internacionais: genocídio, crimes
de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica. Apesar de ter como referência e enquadramento o Direito
Internacional Público, trata-se de uma norma e não de uma lei, pelo que o seu cumprimento não é obrigatório. O poder de
autorizar uma intervenção militar pertence apenas ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Críticos da doutrina da
‘Responsabilidade de Proteger’ apontam para o perigo deste princípio poder ser instrumentalizado para servir interesses geo-
estratégicos específicos, servindo mais para legitimar uma guerra por delegação do que para motivar uma intervenção
humanitária genuína.

O que diz a Carta das Nações Unidas?


Capítulo VII: ACÇÃO RELATIVA A AMEAÇAS À PAZ, RUPTURA DA PAZ E ACTOS DE AGRESSÃO

ARTIGO 39 – O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de
agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de
manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.

ARTIGO 41 – O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão
ser tomadas para tornar efectivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas.
Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários,
marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofónicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas.

ARTIGO 42 – No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou
demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar
necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal acção poderá compreender demonstrações,
bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas .
Posições dos actores

21
Sofia José Santos

[http://www.redeangola.info/wp-content/uploads/2014/02/Info_Intervencao-Militar.png, por Diana Martins, Rede


Angola]

22
Sofia José Santos

PROCESSO DE PAZ
http://www.redeangola.info/especiais/processo-de-paz/

Geveva I
A 30 de Junho de 2012, o Grupo de Acção para a Síria encontrou-se em Genebra para a primeira
conferência de paz, entendida como uma resposta à situação alarmante que se vive na Síria. O Grupo é
formado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas e da Liga Árabe; Ministros dos Negócios Estrangeiros
chinês e francês, e representantes da Rússia, Reino Unido, EUA, Turquia, Iraque, Kuwait, Catar bem como
o Alto Representante da União Europeia para os Assuntos Externos e a Política de Segurança. Chegou-se a
acordo quanto à necessidade de transição política, mas sem sucesso no que toca o fim da hostilidade
armada. A proposta inicial, que exigia que Assad parasse de usar armamento pesado em zonas urbanas e
11
retirasse as suas forças, foi vetada pela Rússia e pela China. De acordo com o seu comunicado, o Grupo
de Acção condenou a escalada de violência, os abusos de Direitos Humanos e a destruição e mostraram
preocupação com a protecção de civis, a intensificação da violência e a expansão do conflito na região.
Afirmaram também estar comprometidos com os princípios da soberania, independência, unidade nacional
e integridade territorial da República Árabe da Síria. O encontro foi criticado por não contar com a presença
de Assad ou do Irão, mas reconheceu-se a necessidades do processo de conversações ter continuidade.

Geneva II
Hostilidade intensa foi o traço com que se desenhou a atmosfera no Palais des Nations, a sede da
ONU , em Genebra, onde decorreu a conferência de paz que ONU, Estados Unidos e a Rússia promoveram.
Nove dias de negociações que começaram a 22 de Janeiro têm nova ronda de conversações agendada
para o dia 10 de Fevereiro 2014. Os primeiros dias foram dedicados a discursos de tomada de posição.
Reforçaram-se agendas, consolidaram-se posições. Seguiram-se sessões de conversação bilateral entre
partes e mediadores. Em vez de um frente a frente, os chefes das duas delegações sírias falavam antes
com Lakhdar Brahimi , o mediador da ONU. Apenas no último dia, as diferentes partes estiveram reunidas
por uma meia hora simbólica, sem se atingir qualquer resultado concreto. O principal impasse foi o processo
de transição, um dos temas proposto no Comunicado de Genebra 2012, a base destas negociações.
A luta na mesa de negociações foi travada no terreno das narrativas e das reivindicações: governo
exige o fim da violência “terrorista” e do apoio internacional a essa violência; a oposição impõe como
condição a saída de Bashar. Para Omran al- Zoabi , o ministro da Informação sírio “a Síria é um estado com
instituições "e, por isso, um governo de transição apenas acontece “quando o estado está em
desintegração , ou não tem instituições”, o que não é o caso. Também para o ministro das Relações
externas, Walid Moallem, ninguém à excepção do povo sírio tem o direito de " retirar a legitimidade " do
governo de Damasco. A oposição – nem toda representada – focou a sua agenda na exigência da demissão.
Ahmad al- Jarba , presidente da Coligação Nacional Síria, foi sempre bastante claro e assertivo em relação
a esse ponto. Do mesmo modo, o Secretário de Estado norte-americano John F. Kerry reiterou a posição do
governo Obama consentânea com a oposição, argumentando que" não há nenhuma maneira possível de
um homem que respondeu brutalmente a contestação do seu povo recuperar a legitimidade para governar”.
Por seu lado, para o chanceler russo, Sergei Lavrov as potências estrangeiras não devem “interferir" nos
assuntos internos da Síria, expressando assim de forma discreta o seu apoio ao governo. Antes da
conferência convocada, a ONU retirou o convite para o Irão, como resultado da pressão exercida pelos EUA.
Sem resultados, Genebra II acabou por ser o princípio de qualquer coisa. O desenho é pouco nítido, mas
esboça-se um longo processo de negociações.

Geneva Communique 2012


Uma reunião apoiada pelas Nações Unidas, em 2012, produziu um documento que exige que a Síria: forme um governo de transição;
comece o diálogo nacional; reveja a constituiição e o Sistema legislativo; organize eleições livres e justas]. Para John Kerry, a vantagem da
negociação é poder conseguir à mesa aquilo que de outro modo implicaria a perda de inúmeras vidas.
11
http://www.un.org/News/dh/infocus/Syria/FinalCommuniqueActionGroupforSyria.pdf
23
Sofia José Santos

REFUGIADOS E DESLOCADOS INTERNOS


http://www.redeangola.info/processo-de-paz-refugiados-e-deslocados-internos-6665/

Mais de dois milhões de sírios tiveram de fugir das suas casas desde que a guerra civil começou
procurando abrigo noutros países ou dentro de zonas mais calmas na própria Síria. Desde que o conflito
armado começou, o ano de 2013 foi o que registou o maior fluxo de refugiados e deslocados internos. Em
números: 4.25 milhões de deslocados internos e 2.19 milhões de refugiados, de acordo com o Alto-
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. As mulheres correspondem a três quartos do total de
refugiados.
Quando saem do território sírio, a tendência é partirem para países vizinhos, como a Turquia, o
Líbano, a Jordânia e o Iraque, apesar de muitos optarem também pelo Egipto e, crescentemente, por países
da União Europeia, como salienta a OCDE.
Uma média de 6,000 sírios, por dia, deixa a sua casa. Os riscos que enfrentam nas viagens até aos
campos não são menores do que o risco que correm ficando. O caminho faz-se habitualmente durante a
noite para evitar atiradores ou raptores.
Nem todos os refugiados ou deslocados internos vivem em campos. Abrigam-se muitas vezes em
casa de familiares ou conhecidos, o que contribui para a extrapolação do conflito e das feridas do conflito
para fora do perímetro da guerra e da resposta internacional, entrando nas diferentes sociedades que
acolhem os que fogem à guerra.

O maior campo de refugiados sírios: Zaatari, na Jordânia

Construído em nove dias, o campo Zaatari fez em Julho um ano de vida e é já o segundo maior
campo de refugiados do mundo, logo a seguir ao de Dadaab, no Quénia. Dá abrigo, em média, a 2.000
novas pessoas numa base diária e tem 30.000 edifícios - de abrigo e administrativos. O espaço conta com
diversos serviços, como alimentação, serviços médicos, táxis, parques infantis, escolas e lojas.
A vida dentro dos campos é geralmente muito dura e, apesar da protecção do campo, a segurança
continua a ser um motivo de preocupação para todas e todos os que Zaatari acolhe. Desde a criação do
campo que é relativamente comum haver motins e as condições meteorológicas extremas, em Janeiro de
2013, causaram inúmeras inundações. O campo é co-coordenado pelo UNHCR e pelo governo Jordano.
Com a chegada de tantas pessoas, começou-se a construir um outro campo – Azraq -, com capacidade
para 130 mil pessoas.

Saber mais: http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-23801200

- O que é um refugiado?
A Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 define o termo refugiado como : “Toda a
pessoa que, em razão de fundados medos de perseguição devido à sua raça, religião,
nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu
país de origem e que, por causa d, não pode ou não quer regressar ao mesmo” (Art.º 2º)

- O que é um deslocado interno?


Não existe nenhuma legislação internacional específica sobre a questão. Porém, de acordo com
a definição funcional de Deslocados Internos elaborada pelo Relator Especial sobre os Deslocados
Internos, visto, seriam:"Pessoas ou grupos de pessoas compelidas a fugir de seus domicílios ou
dos locais em que residiam habitualmente, de maneira súbita e imprevista, em consequência de
conflitos armados, tensões internas, violações massivas dos direitos humanos e desastres naturais
ou provocados pelo homem, e que não atravessaram uma fronteira nacional reconhecida
internacionalmente” in Lavoyer, Jean-Philippe (Ed.), Internally Displaced Persons, Relatório do
Simpósio, Genebra, 23-25, Outubro 1995.
24
Sofia José Santos

[Custo Humano - http://www.redeangola.info/multimedia/siria-mapas/, Diana Martins e Pedro Figueira, Rede Angola]

25
Sofia José Santos

O lado B da guerra

As notícias das guerras nunca as fazem chegar por inteiro ao lado de quem as lê. Escapam-se-lhes
vozes, emoções e agendas de reivindicação. Traçam habitualmente uma cortina entre o que é contado e,
por isso visível, e o que é silenciado e, consequentemente, invisibilizado. É o lado B da guerra ou o lado ‘N’
– o do ‘nem sempre dito’. ‘O feminino da guerra’ e A Síria na primeira pessoa” são dois contributos para o ‘N’
da guerra na Síria.

O lado B da guerra: a “Estrada da Revolução”

http://www.redeangola.info/o-lado-b-da-guerra-a-estrada-da-revolucao/

Percorreram juntos os países da ‘Primavera Árabe’ a quente, quando tudo ainda estava a acontecer e
sabendo que muito mais sucederia. Queriam acompanhar a onda de contestação de perto e saber “o que se
passava para lá dos confrontos entre manifestantes e exércitos” que lhes era mostrado diariamente e de
forma tão dicotómica na televisão. Foi uma viagem difícil – humanamente exigente, profissionalmente
desafiante. A missão do jornalismo é essa mesma. Juntaram o seu trabalho num documentário e num livro A
Estrada da Revolução.

Tiago Carrasco, jornalista, João Fontes, repórter de imagem, e João Henriques, fotógrafo, chegaram à Síria
a 2 de Fevereiro de 2011. Já passaram três anos mas o que por lá viram não perdeu actualidade e mantêm-
se atentos aos relatos das diferentes vozes do conflito – o armado, o económico, o geopolítico, o político, o
de género, o étnico, o religioso, o das ruas. O que se passa na Síria pelos olhos de quem lá esteve, uma
12
conversa com Tiago Carrasco e João Fontes.

Há revolução na guerra da Síria – uma luta nova, um objectivo político transformador – ou são novos
episódios de lutas antigas?

Tiago - Um factor determinante para não ser a guerra de sempre é que está incluída num fenómeno social e
político transversal que foram as revoluções árabes. Ou seja, o que aconteceu a 15 de Março de 2011 na
Síria não tinha acontecido se não tivesse acontecido Mohamed Bouazizi na Tunísia, o que aconteceu no
Cairo na Praça Tahir, o que aconteceu na Líbia com a guerra civil anti-Quadafi. Nesse sentido, acho que
não se pode falar dum percurso normal das guerras históricas que aquela zona teve. Através das
revoluções dos outros países, as pessoas aperceberam-se de que eles estavam a viver numa democracia
que não existia, num regime de opressão, repressões como liberdade de expressão, desigualdade de
oportunidades. Por exemplo, o regime era alauíta e se fosses sunita não eras perseguido, mas também não
tinhas o mesmo acesso a oportunidades em termos de educação, saúde ou trabalho. Ao perceberem que os
líbios, egípcios e tunisinos se estavam a libertar disso, os sírios avançaram para uma revolução
completamente pacífica durante meses. Temo que isso – começo pacífico – vai passar completamente ao
lado no registo histórico, assim como hoje passa muitas vezes. Mas a verdade é que o que aconteceu foi
que aquele povo saiu durante meses às ruas sem armas e foi dizimado pelo exército. Seis a sete mil mortos,
em manifestações pacíficas. Tudo isto deu azo a que a revolução passasse a ser guerra.

12
Ver mais: http://www.estradadarevolucao.com/
26
Sofia José Santos

De que se faz a revolução Síria?

João – De muitas coisas. Quando lá entrámos, os ideais eram os de luta por igualdade, libertação de uma
ditadura, instauração de um regime democrático – e estes eram os ideais quando começaram as
manifestações pacíficas. Eram motivados pela procura de uma igualdade de direitos. Por exemplo,
conhecemos um rapaz sunita que foi nosso tradutor na Turquia e que agora está lutar. Era um rapaz bem
vestido e ele estudava Engenharia Informática. Ele dizia “Eu posso fazer os testes e chumbam, os alauítas
nem fazem testes e passam”. Quando os rebeldes começaram a pegar em armas, aí o número de mortos já
era bastante elevado, a ideia que começou a circular foi a de que aquilo não podia acontecer, não podemos
sair à rua e continuarem a assassinar-nos porque sim, porque vamos para a rua. Então, começaram-se a
defender. Os próprios militares que estavam no exército começaram a desertar e a formar o Free Syrian
Army para protecção do povo que protestava pacificamente. Actualmente, as motivações já são diferentes
devido à entrada das tais milícias armadas. A Al-Qaeda já lá está através do seu braço armado no terreno e
o objectivo da Al-qaeda se ganhar a revolução é transformar a Síria num Estado islâmico conservador.
Muitos dos que estão na guerra hoje não querem um Estado democrático como queriam, quando nós lá
entrámos.

Tiago – Depois do que se passou em Daraa quem se mobiliza é a população sunita, maioritária, que, como
todas as populações que são discriminadas, vêem uma oportunidade de conseguir obter igualdade de
direitos, aproveitando como pretexto, e é um pretexto bastante forte, o desaparecimento daqueles miúdos e
a morte de alguns deles. Numa primeira instância, quem é que se coloca nas manifestações pacíficas? Os
sunitas porque sempre foram postos em segundo plano em relação aos alauítas e aos xiitas; os curdos que
eram tidos como não-cidadãos pela família Assad, nem sequer contavam como sírios; os assírios, uma
população minoritária, e quem é que se põe ao lado dos alauítas? Os cristãos porque foram sempre
protegidos pelos alauítas ao longo dos 50 anos de regime. Estes actores no início são pessoas comuns sem
objectivos religiosos. Os objectivos que eles reclamavam, além da libertação dos miúdos, eram objectivos
sociais, como oportunidades de emprego iguais para toda a gente, reforma política, reforma eleitoral,
reforma no parlamento. E é neste sentido que eles vão para a rua antes e depois de ‘se ganhar a revolução’.
Numa primeira instância, eles nem pedem a demissão de Assad. Depois dá-se a operação bélica do
exército e as coisas vão-se transformando. Das 30/40 entrevistas que fizemos em território sírio, nenhuma
das pessoas nos falou em religião, nenhuma das pessoas falou na implementação de um Estado sunita,
nenhuma das pessoas nos falou numa divisão entre sunitas e alauítas com a criação do Alauistão na região
de Latakia que hoje alguns defendem. Toda a gente nos falou de uma Síria unida aberta a todas as religiões,
aberta a todas as etnias. Isto foi transversal ao professor de matemática, ao guerrilheiro dos rebeldes, ao
médico, ao ferido.

Quando é que as coisas começaram a mudar?

Tiago - Por exemplo, nós assistimos a um massacre à vila onde estávamos, em que dois adolescentes
morreram. Foi um ataque óbvio sobre inocentes para propagar o medo Fizeram-se uma série de
manifestações. O que nós constatámos, enquanto jornalistas, é que a primeira coisa que era pedida era
uma intervenção internacional. Eles já estavam a perceber que o desequilíbrio de forças era demasiado
grande para eles conseguirem ganhar a guerra ao governo. Numa das manifestações, vimos um cartaz
enorme “Não acreditamos na ONU; não acreditamos nos EUA, só acreditamos em Deus” – foi aqui que
notámos uma mudança no discurso. Era este o sentimento que se começava a viver na altura, uma
descrença enorme em relação à diplomacia internacional, à intervenção externa e uma sensação de
abandono. Ao sentirem-se sozinhos, havia uma aproximação cada vez maior a Deus. Com o evoluir da
violência e num contexto de descrença, é fácil passar para o lado dos extremistas.

27
Sofia José Santos

Nas ruas, há discursos pacificadores?

Tiago - Muitos discursos pacificadores, a maioria. Discursos de ódio em relação à figura do Presidente e do
Maher al-Assad, seu irmão, que é muito odiado pela população e tem uma imagem pior que a do Bashad. O
ódio é muito dirigido à figura do Presidente tanto que depois do massacre, há um miúdo de 16 anos a dizer
para ele nos dar a mulher dele para a violarmos. O ódio reverteu-se.

João – Quando fazem mal aos nossos, nós queremos vingar essa morte. As pessoas no Médio Oriente não
são diferentes de nós.

Tiago – Entrevistámos um refugiado sírio na Turquia a quem tinham morto os dois filhos numa questão de
meia-hora e o discurso dele era exactamente o oposto: por me terem feito isso que eu agora quero um
regime pacífico. Isto também faz parte do Médio Oriente. Este tipo de discurso talvez fosse mesmo a
maioria dos testemunhos e dos discursos que encontrámos. Pessoas que não querem vingança e que
querem viver em paz, finalmente, e em liberdade.

João - O objectivo deles é acabar com a guerra e viver em paz – alauitas, inclusivé.

Que feridas a guerra abriu?

Tiago - Feridas que no espaço de uma geração não vão sarar. As células fundamentalistas que lá estão são
todas diferentes. São guerrilheiros sem pátria. Enquanto não houver Estado, eles vão-se fixar ali e vão
sempre reivindicar o seu espaço.

João - Mesmo quando houver Estado, eles não vão desmobilizar.

Tiago - A História mostra-nos isso – este tipo de pessoas instalam-se em sítios anárquicos e a Síria vai ser
um espaço anárquico durante muito tempo. Não é provável que eles desapareçam dali nos próximos anos.
Eles só estão ali para desestabilizar, eles não vão conseguir criar nada, mas reinam no caos.

E a ideia de Síria como espaço de convivência pacífica?

Tiago - Essa ideia acabou. Os curdos já não estão a lutar pela Síria, mas pelo Curdistão. Os alauítas não
vão poder ficar na Síria e vão ter de se encostar ali ao pé do Líbano e formar uma terra deles. O Irão irá
sempre apoiar a população xiita e alauíta – ligação ao Hezbollah – que é a única coisa que lhes interessa.
Depois os xiitas provavelmente vão ficar divididos entre a Frente da Libertação Nacional e a Irmandade
Muçulmana, que se vai querer tornar numa célula política e conquistar as próximas eleições.

Uma das críticas dos grupos rebeldes dirige-se ao autoritarismo do regime, o que se pressupõe que
haja um certo nível de democracia interna nestes grupos. Um pouco como a ideia de ‘a democracia
começa em casa’. Há democracia na esfera interna destes grupos? De que democracia falam?

Tiago - Democracia, repara que estamos a falar de um país que nunca teve democracia, não sabe o que é.

João -É a mesma coisa que a Líbia. A Líbia estava a ir para eleições. As pessoas não podem querer que se
mande abaixo a ditadura e que a democracia nasça, as pessoas têm de aprender a construir e a viver em
democracia.

Tiago - Aqui tens o impacto da televisão, primeiro, e depois da Internet. O conceito de democracia não era
28
Sofia José Santos

importante, nunca a tiveram – foram anexados pelos franceses, depois tiveram este regime. Mas os valores,
sim. O que é democracia para esta gente? É o mesmo que para nós mas sem teres esta ideia de eleições
livres… ou seja, democracia significa liberdade de expressão, liberdade para escolheres a vida que queres
sem estares condicionado ao poder político, mas não democracia como nós a concebemos ou com a ideia
de eleições, por exemplo. Há muito uma relação de amor/ódio com o Ocidente. O Ocidente é visto como um
demónio porque está sempre a interferir e a pilhar, mas é também uma referência. Por exemplo, na Turquia
entrevistámos um miúdo que nos diz que liberdade para ele é poder ter a minha casa, a minha família o
meu carro. Está ligado ao consumismo e ao capitalismo – isso é democracia e liberdade, poder ter dinheiro.

Intervenção externa. Como é acolhida nas ruas?

Tiago - Toda a gente nos pedia intervenção externa. A primeira coisa que nos pediam era “por favor, Rússia
e China parem com o veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelo menos façam um embargo
aéreo às forças do regime para nós podermos antes e depois no terreno ganhar ao exército, porque nós
conseguimos.” Estas preces foram ignoradas durante mais de um ano.

João - As pessoas começaram a sentir-se cada vez mais revoltadas. Quando tu tens as tais milícias
motivadas pela religião dispostas a defender-te e, do outro lado, ninguém te protege, as pessoas começam
também a juntar-se e estes grupos e a canalizar as suas motivações iniciais – um Estado de igualdade de
direitos, uma sociedade em que toda a gente possa viver de uma forma livre – para as religiosas.

Qual é a representatividade que sírios e sírias sentem perante os grupos no conflito e suas agendas?

Tiago - A população com quem nós estivemos sentia-se identificada porque era a família deles.

E politicamente?

Tiago - Não havia um braço político-militar.

João – Não há uma força política lá na Síria, ela está fundamentalmente na diáspora.

Tiago – A Síria tem um grupo de exilados e dissidentes dispersos que apoiam os grupos, mas a
representatividade que existe é de guerrilha, de luta pela liberdade, de luta contra o regime. É a ideia de
vocês estão a defender-nos destes assassinos.

Como se resiste à violência da guerra?

João - Fumando cigarros …

Tiago – Fazendo com que a revolução seja uma grande esperança. As pessoas reúnem-se nas casas. Há
duas ou três casas por bairro que se tornam quase sedes, onde o pessoal se reúne todo à noite e falam da
revolução, das esperanças que têm, das formas como vão resistir

João – Falam e de muitas coisas que não têm nada a ver com a guerra ou com a revolução.

Tiago – A coisa bonita das revoluções é que as pessoas se aproximam, há uma causa comum, há uma
solidariedade.

29
Sofia José Santos

João – Lembro-me de nós lá estarmos e de eles nos mostrarem fotos no computador das namoradas, da
altura em que eles faziam parte do exército sírio , do orgulho que eles tinham por estar no exército,
mostravam as coisas dessa altura.

Tiago – Muitas conversas banais. No meio das guerras há isso.

Mulheres. Que papel lhes é atribuído no conflito?

Tiago - A zona onde estávamos era muito conservadora. Não falámos com mulheres, apenas com homens.
Se tivéssemos estado em Damasco, aí seria mais fácil. As mulheres estão na sua parte na casa e não
podem andar à vontade no espaço público. Uma das imagens mais agoniantes que vimos foi no funeral de
um motorista morto num ataque. Segundo a tradição islâmica, eles levam o caixão às costas e passam pela
casa da família. As mulheres têm de estar no terraço porque não podem estar na rua durante uma
manifestação publica. Quando o caixão passa, a mulher salta do terraço para se despedir do marido e é
quase esmagada pelos populares que tentam não a deixar passar para a rua.

São incluídas nas agendas políticas da oposição? Ou seja, os programas políticos da oposição
incluem uma agenda de género, de inclusão das mulheres?

Tiago – Não se falava nisso.

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Sofia José Santos

O lado feminino da guerra


http://www.redeangola.info/o-lado-b-da-guerra-e-o-lado-feminino/
Em árabe, as mulheres que combatem chamam-se muqatilat. Formam vários batalhões por todo o país,
carregam armas, disparam, ocupam lugares na frente da batalha, desafiando os papeis tradicionais de
género. Numa reportagem para o jornal português Público, Sofia Lorena visitou o “quartel de uma das
unidades femininas do YPG (Unidades de Defesa do Povo), o exército do PYD (Partido da União
Democrática)”. É uma célula feita apenas de mulheres adultas e de adolescentes curdas, a partir dos 15
anos. Formam-se em academias femininas e usam armas “pesadas” – “treinei para ser sniper e para
combater com Kalashnikov. Disparo repetidamente”, explica uma das guerrilheiras. Algumas têm a família
no grupo militar, mas não estão perto dela. É a causa que prevalece na guerra.

Também em Atme, há uma brigada feminina do Exército de Libertação Síria, liderado por Am Ar’ou, uma ex-
estudante de Direito de 37 anos. Apenas formada por mulheres, não querem um Estado islâmico e
declararam jihad ao Regime Assad em nome da liberdade, democracia e dos direitos das mulheres. Na
mesma cidade operam outros grupos islamistas, como o Jabhat al-Nusra, a brigada al-Farouq, a al-Qaeda e
vários outros combatentes mujahidin estrangeiros. Para Mohamed Abdul Salam, o capitão o grupo Jabhat
al-Nusra, as mulheres não devem carregar armas, mas também não luta contra isso. A questão não é de
todo consensual entre os grupos rebeldes e há vários argumentos a apoiar e refutar a ideia. Também do
lado do regime existem milícias femininas, como as “Lioness for National Defence” que vigiam postos de
controlo. O convívio com os restantes grupos rebeldes nem sempre é fácil.

Ao mesmo tempo que combatem, as mulheres são também uma das principais vítimas da guerra. O
Observatório Sírio para os Direitos Humanos afirma que nos últimos dois anos e meio morreram mais de
quatro mil mulheres. Estas são as vítimas directas, as que a guerra mata pelas armas comuns, pelas
explosões, pelos atentados. Pertencem à massa anónima e indiscriminada de civis que param na hora e
lugar errados, que têm o azar de morar na cidade estratégica ou junto à estrada de abastecimento que é
preciso controlar. Para aqui, ser mulher, homem, criança é indiferente. Há, porém, outros cenários em que
ser-se mulher dita a linha que separa ‘violência certa’ da ‘possibilidade de não-agressão’. São vítimas
directas na mesma, mas também, e sobretudo, específicas: é o seu género que as dita como alvo de ataque.

13
Em contextos de violência armada, o ataque a mulheres grávidas é uma estratégia de guerra comum. O
argumento é tão simples quanto cruel – elimina-se a descendência. Do mesmo modo, a violação sexual de
14 15
mulheres é “arma de guerra” , uma forma ”de humilhar, degradar” e conquistar. De uma só vez,consegue-
se, simultaneamente, enfraquecer o inimigo, social e psicologicamente, e garantir sucessão do seu grupo no
grupo oposto. Quanto mais patriarcais e machistas forem as sociedades, maior a incidência deste tipo de
violência. Esta violência de género tem estado assustadoramente presente no conflito sírio desde 2011,
16
sendo hoje considerada o principal motivo para as deslocações internas dentro do território.

Sair da linha da frente de batalha não é, contudo, garantia de segurança para as mulheres sírias. O
Huffington Post dá conta de inúmeros relatos de violações nos próprios campos de refugiados, sobretudo
17
pelos próprios maridos, que “ficam mais frustrados e violentos”.

O impacto indirecto da guerra na vida das mulheres é também imenso, particularmente em sociedades
rigidamente patriarcais, como a Síria, em que o homem é a figura dominante do ponto de vista social e
político e a única que garante o sustento da família. A perda dos maridos, dos filhos e dos parentes
masculinos colocam as mulheres sírias numa posição também ela de clara fragilidade socia

13
http://edition.cnn.com/2013/10/22/world/meast/syria-snipers-pregnant-women/
14
http://www.theguardian.com/world/2013/jul/25/rape-violence-syria-women-refugee-camp
15
http://www.reuters.com/article/2013/11/12/us-arab-women-syria-idUSBRE9AB00L20131112
16
http://www.thedailybeast.com/articles/2013/03/08/women-fleeing-syrian-rape-hell.html
17
http://www.huffingtonpost.co.uk/2013/10/26/syria-women-rape_n_4166185.html
31

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