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HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ I

I. O PERÍODO PATRÍSTICO
i. Esclarecimento do termo.

O termo ―patrístico‖ vem da palavra latina pater, ―pai‖, e tanto designa o período referente
aos pais da igreja quanto as ideias características que se desenvolveram ao longo desse período. O
termo e não inclusivo; ainda não havia surgido na literatura algum termo inclusivo que fosse
aceitável por todos. Os termos a seguir relacionados são encontrados com frequência e devem ser
registrados.
• Período patrístico. Esse termo representa algo definido de forma vaga que frequentemente
é considerado como o período a partir do término dos documentos do Novo Testamento (c. 100) ate
o decisivo Concilio da Calcedônia (451).
• Patrístico. Normalmente, esse termo significa o ramo do estudo teológico que trata do
estudo dos ―pais‖ (patres) da igreja.
• Patrologia. Esse termo já significou literalmente ―o estudo dos pais da igreja‖, mais ou
menos, da mesma forma que ―teologia‖ significava ―o estudo de Deus‖ (theos). Entretanto, em anos
recentes, a palavra sofreu uma alteração em seu significado. Agora, ela se refere a manuais de
literatura patrística.

ii. Uma visão geral do período patrístico.

O período patrístico representa um dos mais empolgantes e criativos da historia do


pensamento cristão. Somente essa característica é suficiente para assegurar que, ainda por muitos
anos, ele continuara a ser tema de estudo. Esse período também e importante por motivos teológicos.
Todos os principais ramos da igreja cristã - incluindo as igrejas anglicana, ortodoxa oriental,
luterana, reformada e católica romana - consideram o período patrístico como um marco decisivo na
evolução da doutrina cristã. Cada uma dessas igrejas se considera como uma continuação, uma
extensão e, naquilo que for necessário, uma crítica as visões dos escritores da
igreja primitiva. Por exemplo, Lancelot Andrewes (1555-1626), importante escritor anglicano do
século XVII, afirmou que o cristianismo ortodoxo baseava-se em dois testamentos, três credos,
quatro evangelhos e nos cinco primeiros séculos de historia crista.
O período foi da maior importância para o esclarecimento de uma serie de questões. A tarefa
fundamental era delimitar a relação existente entre cristianismo e judaísmo. As cartas de Paulo, no
Novo Testamento, são uma prova da importância desse ponto no primeiro século da história cristã, a
medida que várias questões práticas e doutrinarias passaram a ser consideradas. Os cristãos gentios
(isto é, os não judeus) eram obrigados a circuncidar-se? Como o Antigo Testamento deveria ser
corretamente interpretado?
No entanto, logo surgiram outras questões. Uma das que tiveram importância especial no
século II foi a da apologética - a defesa argumentativa e a justificação da fé cristã perante seus
críticos. Ao longo do primeiro período de história cristã, a igreja foi frequentemente perseguida pelo
Estado. Sua agenda era sobreviver; havia espaço limitado para debates teológicos, quando a própria
existência da igreja crista não poderia ser considerada um fato consumado. Essa observação nos
ajuda a entender, por meio de escritores como Justino Mártir (c. 100 - c. 165), preocupados em
explicar e em defender as crenças e práticas do cristianismo a um público pagão hostil, por que a
apologética tornou-se uma questão de tamanha importância para a igreja primitiva. Embora esse
primeiro período tenha produzido alguns teólogos extraordinários — como Ireneu de Lion (c. 130 —
c. 200), no ocidente, e Orígenes (c. 185 — c. 254), no oriente —, o debate teológico só pode de fato
iniciar-se uma vez cessada a perseguição a igreja.
Essas condições se tornaram possíveis ao longo do século IV com a conversão do imperador
Constantino. Em 311, o imperador romano, Galerius, ordenou a cessação da perseguição oficial aos
cristãos. Essa fora um fracasso e somente havia exacerbado a decisão dos cristãos em resistir a nova
imposição da clássica religião pagã dos romanos. Galerius proferiu um edito que permitia aos
cristãos levar novamente uma vida normal e ―realizar suas assembleias religiosas desde que não
perturbassem a ordem pública‖. O edito identificava, de forma explicita, o
cristianismo como uma religião e lhe oferecia pleno amparo legal. O status legal do cristianismo,
que havia sido ambíguo ate esse momento, fora estabelecido. A igreja não teria mais que lutar por
sua sobrevivência. O cristianismo era agora uma religião legal; era, porém, apenas mais uma religião
dentre tantas outras, lutando por influência no mundo romano. A conversão do imperador
Constantino ocasionou uma mudança completa na situação do cristianismo em todo o Império
Romano.
Constantino, em seu período como imperador (306-307), obteve sucesso na reconciliação
entre Igreja e Estado, cujo resultado foi a mudança de mentalidade, pois a igreja não mais vivia sob
constante perseguição. Em 321, ele decretou que os domingos deveriam se tornar feriados. No
Império Romano, devido a influência de Constantino, o debate teológico construtivo se tornou uma
atividade pública. Agora, a igreja, exceto por um breve período de incertezas ao longo do reinado de
Juliano, o Apostata (361-3), podia contar com o apoio do Estado. Assim, a teologia saiu da
obscuridade dos encontros secretos para se tornar, ao longo de todo o Império Romano, uma questão
de interesse e preocupação públicos. Progressivamente, os debates doutrinários tornaram-se uma
questão de importância tanto política, quanto teológica. O desejo de Constantino era ter uma igreja
unida em todo seu império e, assim, preocupava-se com o fato de que as diferenças doutrinárias
deveriam ser debatidas e conciliadas como uma questão prioritária.
O período patrístico posterior (de cerca de 310 a 451), em consequência disso, pode ser
considerado como o ápice na história da teologia cristã. Nesse período, os teólogos dispunham de
liberdade para trabalhar sem a ameaça de perseguição e foram capazes de tratar de uma série de
assuntos de importância capital para a consolidação do consenso teológico, que emergia nas igrejas.
A igreja percebeu que teria que chegar a um consenso quanto as divergências e tensões contínuas por
meio de um extenso debate e um processo doloroso de aprendizagem. Contudo, em boa parte, o
estabelecimento desse consenso, que mais tarde seria consagrado nos credos ecumênicos, já estava
em evolução nesse período formativo. Evidentemente, o período patrístico é de considerável
importância para a teologia cristã.

a. Teólogos Fundamentais
 Justino Mártir

Justino talvez seja o maior dos Apologistas — escritores cristãos do século II, que se
dedicavam a defesa do cristianismo diante das intensas críticas de origem pagã. Justino, em sua obra,
Primeira apologia, defendeu que podem ser encontrados sinais da verdade cristã em grandes
escritores pagãos. Seria como afirmar que Deus havia preparado o caminho para sua revelação final
em Cristo por intermédio dos indícios de sua verdade, que estavam presentes na filosofia clássica.
 Irineu de Lion

Ireneu e especialmente notável por sua defesa veemente da ortodoxia cristã, em face da
objeção apresentada pelo gnosticismo. Sua obra mais importante, ―Contra as Heresias‖ (adversus
haereses), representa uma defesa importante da compreensão cristã a respeito da salvação e,
especialmente, do papel da tradição em se manter fiel ao testemunho apostólico, diante de
interpretações não-cristas.

 Orígenes

Orígenes, um dos mais importantes defensores do cristianismo do século III, forneceu uma
base importante para o desenvolvimento do pensamento cristão oriental. Suas contribuições mais
relevantes para o desenvolvimento da teologia cristã podem ser vistas em duas áreas principais.
Orígenes, no campo da interpretação bíblica, desenvolveu a noção de interpretação alegórica,
argumentando que se deveria fazer uma distinção entre o sentido superficial das escrituras e seu
sentido espiritual mais profundo. No campo da cristologia, Orígenes consolidou a tradição de se
distinguir entre a divindade plena do Pai e uma divindade limitada do Filho. Alguns estudiosos veem
o arianismo como consequência natural dessa abordagem. Orígenes também adotou, com algum
entusiasmo, a ideia de apocatastasis, segundo a qual toda criatura — incluindo tanto o ser humano
quanto Satanás — será salva.

 Tertuliano

Ele defendeu a unidade do Antigo e do Novo Testamentos contra Marcião, que argumentava
que ambos se relacionavam a deuses distintos e, não, a um mesmo e único Deus. Ao fazer isso,
Tertuliano lançou as bases para a doutrina da Trindade. Ele se opunha intensamente ao fato de a
teologia ou a apologética cristãs tornar-se dependentes de fontes estranhas as Escrituras. Ele esta
entre os primeiros representantes mais influentes que defenderam o princípio da suficiência das
Escrituras, o qual condenava aqueles que recorriam as filosofias seculares para alcançar um
conhecimento verdadeiro de Deus.

 Atanásio

A importância de Atanásio esta relacionada, principalmente, a temas da cristologia que se


tornaram relevantes ao longo do século IV. Ele, provavelmente, por volta de vinte anos, escreveu o
tratado De incarnatione Verbi [A encarnação do Verbo], uma defesa poderosa da ideia de que Deus
assumira a natureza humana na pessoa de Jesus Cristo. Esse tema mostrou-se de importância crucial
na controvérsia arianista, a qual Atanásio deu grande contribuição. Ele ressaltou que se Cristo não
era plenamente Deus, como alegava Ario, desse fato resultava uma serie de implicações. Primeiro,
era impossível para Deus salvar a humanidade, pois nenhuma criatura poderia redimir a outra. Em
segundo lugar, havia o fato da igreja cristã ser culpada pela prática de idolatria, uma vez que os
cristãos regularmente louvavam e oravam a Cristo. A ―idolatria‖ pode ser definida como a ―adoração
de algo construído ou criado pelo ser humano‖, desse fato resultava que essa adoração era idolatra.
Por fim, esses argumentos venceram e levaram a rejeição do arianismo.

 Agostinho de Hipona

Ao falar de Aurelius Augustinus, conhecido normalmente como Agostinho de Hipona - ou


simplesmente por Agostinho - deparamo-nos talvez com a mente mais brilhante e influente da igreja
cristã por toda sua longa historia. Uma parte fundamental da contribuição de Agostinho é o
desenvolvimento da teologia como uma disciplina acadêmica. Na verdade, não se pode dizer que a
igreja primitiva tenha desenvolvido qualquer forma de ―teologia sistemática‖. A preocupação
fundamental da igreja primitiva era defender o cristianismo das críticas que lhe eram feitas (como se
percebe nas obras apologéticas de Justino Mártir), bem como, esclarecer os aspectos centrais do
pensamento cristão, para combater a heresia (como se nota na obra de Ireneu, que ataca o
gnosticismo). Contudo, ao longo dos quatro primeiros séculos, um substancial desenvolvimento
doutrinário ocorreu particularmente em relação as doutrinas da pessoa de Cristo e da Trindade.
Agostinho contribuiu de maneira fundamental em relação a três grandes áreas da teologia cristã: a
doutrina da igreja e dos sacramentos que surgiu a partir da controvérsia Donatista; a doutrina da
graça que surgiu a partir da controvérsia pelagianista e a doutrina da Trindade. Agostinho,
curiosamente, nunca explorou realmente a área da cristologia (isto e, a doutrina da pessoa de Cristo),
a qual, sem duvida alguma, teria se beneficiado de sua notável sabedoria e perspicácia.

b. Cristianismo Judaico e Gnosticismo


Boa parte da reflexão teológica feita nos primeiros séculos foi em reação aos ensinos de
grupos sectários. Os principais grupos dissidentes dos séculos II e III foram os Ebionitas, Gnósticos,
Docetistas, Marcionitas, Montanistas e Monarquianos.

 Ebionismo

O termo ebionitas deriva de uma palavra hebraica que significa ―pobres‖. Seita de judeus
cristãos, criam na salvação pela obediência à Lei de Moisés, rejeitavam os escritos de Paulo. Para
eles, Jesus era um profeta humano, o novo Moisés; era o filho de José que, ao ser batizado, foi
adotado como Filho de Deus por causa de sua obediência a Lei.

 Gnosticismo

O gnosticismo foi uma filosofia religiosa altamente especulativa e sincrética que floresceu
no século II, reunindo elementos mitológicos, helenísticos, cristãos e outros. Na sua base estava um
dualismo radical que colocava em oposição o mundo espiritual e o mundo material. A salvação
consiste na libertação do espírito imortal aprisionado na matéria, para que retorne ao seu mundo
original divino. Para isso é necessário o conhecimento (em grego, gnosis), ou seja, a compreensão da
situação humana.

 Docetismo

Docetismo, do verbo grego dókeo, ―parecer‖. Em virtude do seu desprezo pela matéria, os
docetistas negavam que Cristo tivesse um corpo real, dizendo que ele possuía apenas uma aparência
de corpo. Esse ensino, que questionava a encarnação e a morte de Cristo na cruz, é claramente
combatido tanto na literatura joanina do NT quanto nas cartas de Inácio de Antioquia.

 Marcionismo

Marcião estabelece um contraste radical entre o Antigo e o Novo Testamento: o primeiro


representa o reino deste mundo e a lei (retribuição); o segundo representa o reino celestial e o
evangelho (graça). Para ele, Jeová, o criador do mundo material, é um ser imperfeito e vingativo; o
Deus verdadeiro – o Pai de Jesus - é amoroso e perdoador.

 Montanismo

O movimento visava preparar o caminho para a iminente volta de Cristo e o milênio.


Dirigidos diretamente pelo Espírito, desprezavam a Igreja institucional.

 Monarquianismo

Não foi um movimento, mas um entendimento sobre a doutrina cristã de Deus. Contra
Trindade.
c. Progressos Cruciais da Teologia
 A ampliação do cânon do Novo testamento.

Desde seu inicio, a teologia cristã reconhecia-se como algo que se fundamentava nas
Escrituras. Contudo, havia alguma incerteza em relação aquilo que o termo ―Escrituras‖, de fato,
designava. O período patrístico assistiu ao processo de decisão, no qual se fixaram os limites do
Novo Testamento — processo normalmente conhecido como ―fixação do cânon‖. A palavra ―cânon‖
necessita explicação. Ela deriva da palavra grega kanon e significa ―uma regra‖ ou ―um ponto fixo
de referencia‖. O ―cânon das Escrituras‖ refere-se a um conjunto restrito e definido de determinados
livros, os quais foram considerados de inspiração divina pela igreja cristã. O termo ―canônico‖ é
usado em relação aos livros aceitos como parte do cânon. Assim, faz-se referência ao evangelho de
Lucas como ―canônico‖, ao passo que se diz que o evangelho de Tomé é ―apócrifo‖ (isto é, não faz
parte do cânon).
Quais critérios foram utilizados na formação do cânon? O princípio básico parece ter sido o
do reconhecimento da autoridade, em vez de imposição da autoridade. Em outras palavras, os
documentos em questão eram reconhecidos como algo que já possuía autoridade, em vez de esta lhes
haver sido imposta de forma arbitraria. Para Ireneu, a igreja não cria o cânon; ela, fundamentado na
autoridade que já lhes é inerente, reconhece, conserva e recebe os escritos canônicos. Alguns dos
cristãos primitivos consideraram a autoria apostólica como um aspecto de importância decisiva;
outros estavam dispostos a aceitar livros que pareciam não ter as credencias apostólicas. Contudo,
embora os detalhes precisos sobre a forma como foi feita essa seleção ainda permaneçam incertos, e
certo que o cânon estava fechado, na igreja ocidental, até o início do século V. Essa questão não
seria mais levantada ate a época da Reforma.

 O papel da tradição.

A tradição veio a significar ―uma interpretação tradicional das Escrituras‖ ou ―uma


apresentação tradicional da fé cristã‖ segundo as doutrinas dos apóstolos, que se reflete nos credos
da igreja e em seus pronunciamentos doutrinários. Os credos são uma forma de expressar
publicamente os ensinamentos da igreja. Hereges podem fazer com que as Escrituras digam, mais ou
menos, qualquer coisa que queiram. Por esse motivo, a tradição da igreja tinha importância
considerável, o que era demonstrado pela forma com que as Escrituras haviam sido recebidas e
interpretadas no seio da igreja. Assim, a interpretação correta das Escrituras era encontrada onde
tinham sido mantidas a fé e a disciplina cristãs verdadeiras. Portanto, a tradição era vista como um
legado dos apóstolos, por meio da qual a igreja era guiada em direção a uma correta interpretação
das Escrituras. A tradição era um meio de assegurar que a igreja permanecesse fiel aos ensinamentos
dos apóstolos, em vez de adotar interpretações bíblicas sem fundamento histórico.

 A relação da teologia com a cultura secular.


Um dos debates mais importantes no seio da igreja primitiva dizia respeito a extensão com
que os cristãos poderiam se apropriar do imenso legado cultural do mundo clássico - a poesia, a
filosofia e a literatura. De que forma a ars poética [―a arte poética‖] poderia ser adotada e adaptada
pelos autores cristãos, que ansiavam por utilizar esses padrões clássicos de escrita, para expor e
comunicar sua fé? Ou o próprio uso desse meio literário significava comprometer os fundamentos da
fé cristã? Esse foi um debate de imensa relevância a medida que levantou a questão sobre a
possibilidade do cristianismo voltar as costas a sua herança clássica ou apropriar-se dela, mesmo que
de uma forma modificada.
Uma primeira resposta a essa importante questão foi dada por Justino Mártir, autor do
século II, que apresentava uma preocupação particular em explorar os paralelos entre o cristianismo
e o platonismo como forma de comunicação do evangelho. Para Justino, as sementes da sabedoria
divina haviam sido semeadas por todo o mundo, o que significava que os cristãos poderiam e
deveriam estar prontos para encontrar aspectos do evangelho refletidos no contexto externo a igreja.
Para Justino, os cristãos eram, portanto, livres para se utilizar da cultura clássica, com a consciência
de que o que quer que ―tenha sido dito com precisão‖ se baseia, afinal, na sabedoria e no
discernimento divinos.
Ainda que o argumento de Justino possa ter sido importante, ele foi recebido com certa
frieza por muitos setores da igreja crista. A maior dificuldade estava no fato de que era encarado
como algo que praticamente equiparava o cristianismo a cultura clássica, por haver falhado na
elaboração de fundamentos adequados para se distinguir entre um e outro, aparentemente sugerindo
que a teologia crista e o platonismo eram simplesmente maneiras distintas de ver as mesmas
realidades divinas.
A crítica mais severa a esse tipo de enfoque foi encontrada nos escritos de Tertuliano,
advogado romano do século III que se converteu ao cristianismo. Ele questionava: ―Que relação ha
entre Atenas e Jerusalém? Que importância a Academia de Platão tem para a igreja?‖ A forma como
a pergunta é feita deixa clara a resposta de Tertuliano: o cristianismo deve manter sua identidade
característica, evitando influências seculares desse tipo.
Não é de surpreender o fato de que Agostinho elaborasse a resposta que afinal seria aceita
que talvez possa ser mais bem descrita como a ―apropriação crítica da cultura clássica‖. Para
Agostinho, a situação era comparável a fuga de Israel do cativeiro no Egito, a época do Êxodo.
Embora tenham deixado para trás os ídolos do Egito, levaram consigo o ouro e a prata do Egito para
que pudessem fazer um uso melhor e mais apropriado dessas riquezas, que assim estavam
disponíveis para servir a um proposito mais nobre que o anterior. De forma bastante semelhante, a
filosofia e a cultura do mundo antigo poderiam ser apropriadas pelos cristãos, naquilo em que
fossem corretas e, assim, poderiam servir a causa da fé cristã. Agostinho arrematou seu argumento
com a observação de que vários cristãos, que recentemente tinham se tornado famosos, haviam
lançado mão da sabedoria clássica para o avanço do evangelho.
Assim, estava armado o cenário para a interação criativa da teologia, liturgia e
espiritualidade cristas com a tradição cultural do mundo antigo - sem duvida alguma, um dos
exemplos mais interessantes e férteis de hibridismo cultural da historia intelectual da humanidade.

 A definição dos credos ecumênicos.

A expressão ―credo‖ vem da palavra latina, que apresenta a mesma grafia e cujo significado
e ―eu creio‖, expressão inicial do credo apostólico - , provavelmente, o mais conhecido de todos os
credos: ―Creio em Deus Pai todo-poderoso...‖. Esta expressão veio a significar uma referencia a
declaração de fé, que sintetiza os principais pontos da fé crista, os quais são compartilhados por
todos os cristãos. Por esse motivo, o termo ―credo‖ jamais é empregado em relação a declarações de
fé que sejam associadas a denominações especificas. Estas são geralmente chamadas de ―confissões‖
(como a Confissão Luterana de Augsburg ou a Confissão da Fé Reformada de Westminster). A
―confissão‖ pertence a uma denominação e inclui dogmas e ênfases especificamente relacionados a
ela; o ―credo‖ pertence a toda a igreja cristã e inclui nada mais, nada menos do que uma declaração
de crenças, as quais todo cristão deveria ser capaz de aceitar e observar. O ―credo‖ veio a ser
considerado como uma declaração concisa, formal, universalmente aceita e autorizada dos principais
pontos da fé cristã.
O período patrístico presenciou o surgimento de dois credos, que alcançaram
paulatinamente autoridade e respeito por toda a igreja. O estimulo para seu desenvolvimento parece
ter sido a necessidade de proporcionar uma síntese adequada da fé cristã, apropriada para ser
utilizada em ocasiões públicas, dentre as quais, talvez, a mais importante fosse o batismo. A igreja
primitiva costumava batizar seus convertidos no dia de Páscoa, usando o período de quaresma como
um tempo de preparação e instrução voltado para esse momento de profissão pública de fé e de
compromisso. Um requisito essencial era que cada convertido, que desejasse se batizar, deveria
declarar publicamente sua fé. Parece que os credos começaram a se sobressair como uma declaração
de fé homogênea, que os convertidos podiam utilizar nessas ocasiões.
O Credo Apostólico é provavelmente a forma de credo mais conhecida pelos cristãos
ocidentais. Ele se divide em três partes principais, que tratam, respectivamente, de Deus, de Jesus
Cristo e do Espirito Santo. Ha também conteúdos relacionados a igreja, ao juízo e a ressurreição.

O Credo Apostólico

1 Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador dos céus e da terra;


2 e em Jesus Cristo seu único (unicus) Filho, nosso Senhor;
3 que foi concebido pelo poder do Espirito Santo, nasceu da Virgem Maria;
4 sofreu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; [desceu a mansão
dos mortos];
5 ressuscitou ao terceiro dia;
6 subiu aos céus e esta assentado a direita de Deus Pai todo-poderoso;
7 de onde ha de vir a julgar os vivos e os mortos.
8 Creio no Espirito Santo;
9 na santa igreja católica; [na comunhão dos santos]
10 na remissão dos pecados;
11 na ressurreição da carne (resurrecdo carnis);
12 e na vida eterna.

O Credo Niceno é a versão mais longa do credo (mais especificamente conhecido como
―Credo Niceno Constantinopolitano‖), que inclui um conteúdo adicional relacionado a pessoa de
Cristo e a obra do Espirito Santo. Em resposta as controvérsias concernentes a divindade de Cristo,
esse credo introduz fortes declarações acerca de sua unidade com Deus, incluindo as expressões
―Deus de Deus‖ e ―consubstanciai ao Pai‖. Como parte integrante de sua polemica contra os arianos,
o Concilio de Niceia (junho/325) formulou uma breve declaração de fé, fundamentada em um credo
batismal, adotado em Jerusalém.

O Credo Niceno

Cremos em um só Deus, Pai onipotente (pantocrator), criador do céu e da terra, de todas as coisas
visíveis e invisíveis. Cremos em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai
desde toda a eternidade, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado,
não criado, consubstanciai ao Pai (hom oousion to patri); por Ele todas as coisas foram feiras. Por
nós e para nossa salvação, desceu dos céus; encarnou por obra do Espirito Santo, no seio da
Virgem Maria, e fez-se verdadeiro homem. Por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; sofreu a
morte e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; subiu aos céus, e está
sentado a direita do Pai. De novo há de vir em glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu
reino não terá fim. Cremos no Espirito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho,
que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas. Crei
na Igreja uma, universal e apostólica, reconheço um só batismo para remissão dos pecados; e
aguardo a ressurreição dos mortos e da vinda do mundo vindouro.

A evolução dos credos representou um importante elemento no processo para se chegar a


um consenso doutrinário no seio da igreja primitiva. Uma das áreas da doutrina que sofreu
consideráveis avanços e controvérsias e aquela relacionada a pessoa de Cristo.

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