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Outono

da IdadeMédia
ou
Primaverados
Tempos Modernos?
PhilippeWolff

Martins Fontes
Titulo original: AU TO MNE OU MOY EN AGE OU PRI NTEMPS OES
TEMPS NOUVEAUX? - L' économie européenn e aux
XIV e et XVe siêcles
Copyright © Aubier, Paris, 1986
Cop yright © Livraria Martins Fontes Ed itora LId a.
para a pre sente tradução

1 ~ edição brasileira: dezembro de 1988

Tradução: Edison Darei Heldt


Revisão da tradução: Cri stina Sarte schi
Revisão Tipográfica: Coordenação de Maurício Balthazar Leal

Produção gráfica: Gera ldo Alve s


Composição: Arte l - Artes Grá ficas

Capa - Proj eto: A lexand re Martins Fontes

Da dos d. Ca l. le ga ç i o na P ublic a ç i o (CIP) Inlarnac ion. !


. (Cima ' . B r. lileir . do li't'ro, S P , Bral il)

lO' ol! f, Ph ilippe . 1913-


'IB 90 Ou tono da I dade ~di a ou Prima veu 010 1 Telllpo s !'40-
de rno. ? I Ph i li ppe Wo lff ; [ t ra dut âo Edi50n Dar ei
Held t l. -- s ão Pau l c : ~fti n5 Font. I , 1988.
<COleç âo o h ome m e • histê ria)

Bib 1iolu. {ia.

1. Eu ropa - Condi <;Qes ac onÔlllic as - Atê 194 2 2 . Eur o


pa - His tôr ia - 416- 14 92 3. Id ade Medi a - Hi.s tôri a
I. t i t",lo. II. tit u lo: Pri1llave r . dOI te mpos modernos .
III . Sede .

CDD- ])O.9lo01
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Indle.. pira c atalollO alatem.Ueo:


I. Europa: Hi stôri. t .:o nÔlIIica mediev al 330.940 1
2 . I da de Hé d i & : Europ& : Condicôel ec on Ômi C&1
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3 . I d &d eli';d i.a : Eu ro p& : HiltÓ ri a940. 1

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LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA.
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01325 - São Paulo - SP - Bra sil
"
Indice

Introdução ...... ..... ....... ... ... .. .. ... ... ... ... ... ... ..... .. ... .... ...... 1

PRIMEIRA PARTE - JOÃO Q UE CHORA

1. As fomes 7
Fo mes e pen úrias. 7
Mais frio e umidade'). 10

2. As epidemias ............. ..... .............. .. ..... . ........ ... ........ 15


Um mal difer ent e de qualqu er outro. 15
"A te rça part e do mund o" ? 20

3. A guerra .. .. .......... .... ...... .. .. ...... ..... .... .. .. .... ... .. ... .. ... 29
Amb igüidades de um doloroso privilégio . 30
Uma sinistra contab ilidade . 35

4. Difícil parto dos Estados '.. .... .. .. .. ...... ... ... 39


Nascimento do imposto. 40
E m dire çâo aos exér citos perm anent es. 44
A moed a : o pre ço das carências fiscais. 48

5. As questões que restam .. .. ..... ..... .. ...... ...... .. .... .... ... .. ... 53
Q uando ? 53
Por quê? 55

6. Uma triste paisagem 65


Campos e cidades . 65
As vilas perdid as. 69
SEG UNDA PARTE - JO ÃO O UE RI

7. Cultivar melhor 81
A dem and a das cida de s. 82
Três regiões de prog resso . 89 .

8. Fabricar melhor .... ...... ....... ........ .... ... ......... .... ... ...... . 99
Minas e metalurgia . 102
Um a atividade de pont a : a impren sa. 110

9. Fazer negócios.. .. 115


Nascimento do seg uro . 117
Os pr imeiros passo s do banco. 119
A conta bilida de. condição dos pro gressos. 126
Vicissitudes das fei ras. 132
Progresso das assoc iaçõe s. 137

10. Tr ansportar melhor.... .. .. .. .. 143


Em terra. 143
Na água. 146
A te rra ou a água . 151
Antes das rnídi as. 155

11. Rumo a uma nova revolução do espírito 159


m despert ar intelectua l. 159
Reflexõe s e angús tias . 166

TERCEIRA PARTE - TE NTATI VA DE BALANÇO

12. Esboço da nova Europa. .... .. .. ... .. .. ... .. .. .. .. .. .... .... .. .. .... 179
O eixo It ália-Pa íses Baixos. 179
A verte nte at lântica. 208
Rum o ao Fur East, 225

13. Ho je e amanhã .. . 235


14. Problemas de fonte s e de métodos .. .... .... .. .. .. .. .. .. .. 241
O volume de documen tos. 241
Esboço de bibliografia. 249
As angústias de um histor iador de acervo . 250

Bibliograf ia ....... .. .. ... ....... ... .. .. .. ..... ..... ........ .... ........ .... . 263
Para Charl es Mora zé

Fiel companheiro de
pensamento
há meio século,
como lembrança afetuosa de tantas experiências em comum .
Introdução

At é dat a rece nte - e ainda é essa a visão de vários histo riado-


res - . os séculos XIV e XV tiver amuma reputação lastimável. Para
qua lificá-los . as expressões atropelam- se: estagnação . recessão. cri-
ses. Por muito tempo . eu mesmo com par tilhei dessa opinião. É ver -
dade que . ao tr abalhar sob re uma das regiões que mais sofreram
as agru ras do tempo . sem estar. longe disso . na vanguarda do pro -
gresso - ou seja. a região de Toulouse - , eu falava . em 1952. de
" uma eco no mia estag nante com acide ntes bruscos" . Não se trata
aqui de negar os motiv os de tal atit ude . eles apenas são certos demais;
irei me esforçar par a precisar os dados . Esse será o obje to da prim eira
part e.
O grande historiador Jan Hu izinga tinh a enco ntrado . para desig na r
essa época. uma belíssima fórmula. já mu ito mais elaborada: a de
"outo no da Idade Média" . O outono. certa me nte. é a aprox imação
do inverno; mas também são tão belo s os frutos que nele se colhem!
Como a tantos outros histori ador es. a leitura desse be lo livro não
podia deixar de me influenc iar profundam ente.
À medida que ava nça vam minha s pesqui sas e meus traba lhos , eu
descobria qu anto progresso e novidades - algumas destinad as a se
perpetuarem até o século XIX - trouxe essa é poca tão dep reciada.
Tanto que chegu ei a me per guntar se esse outo no não era de fato
uma prim avera - com freqüên cia aind a atravessa da pelas esca rchas
do inverno , mas rica de prom essas. Logo. em ce rta medida . é meu
itinerário intelectual que con vido meu s leitores a seguirem co migo.
Defin ir essas prom essas será , em tod o caso . a tarefa a que me dedi-
carei na segunda part e .
2 OUTONO DA IDADE MÉDIA

E. por fim. será necessário chegar a um balanço . Que esse é um


problema árduo. complexo, talvez sem solução, eu não ter ia nenhu -
ma dificuldade em assinalar em minha conclusão .
Mas, antes de tudo, como qualquer arquiteto que se preze. antes
de construir meu edifício, quero firmar as bases.

Santa Coloma d'Enclar ,


Andorra ,
junho de 1984
PRIMEIRA PARTE
- QUE CHORA
JOAO
AFame. impidemia et bello libera nos, Domin e! (da fome , da e pi-
demi a e da guerra , livrai-nos, Senhor') . Assim exprimia-se uma ant i-
ga prece, carregada de angústias e de dram as. As fomes . as epide-
mias, a guerra: eis a sinistra trindade que vai absorver agora nossa
atenção. Devem os, ainda , acrescenta r um quarto elemento : foi em
parte da necessidade de coordenar o esforço de guerra que nasceram
- ao menos num a part e da Europa - ou se fortifi caram os E stados
mod ernos. Mas só progressivam ente adquiriram os meio s nece ssários
a suas tarefas - os espíritos não esta vam preparados. Isso obrigou-os
- de maneira desigual. é verdade - a bu scar esses recursos através
de pr ática s diver sas, nas moedas em particular. cujo efeito foi pertur-
bar um pouc o mais a vida econô mica.
Em suma , os séculos XIV e XV surge m para nó s em primeiro
lugar como uma " idade de ferro" - e foi exclusivamente dessa ma-
neira que eu mesmo os vi inicialmente .
Expliquemo-nos.
1

As fomes

Fomes e penúrias

Comecemos por uma precisão de vocabulário, que não é sem im-


portância: a distinção entre penúria e fome. É a morte que as separa:
quando os homens morrem de fome, é lícito falar de fome; a penúria
apenas lhes causa sofrimento e , se pode enfraquecê-los a ponto de
reduzir sua resistência às enfermidades, é só indiretamente que ela
se revela mortífera .
Sabia-se que a Europa tinha suportado numerosas fomes nos sécu-
los XIV e XV. Mas certos estudos sofriam as conseqüências de não
levar muito em conta os aspectos geográficos: é o caso de H. S.
Lucas, que fez uma boa descrição da fome de 1315-1317 no Norte
da França, nos Países Baixos, na Inglaterra, mas deveria abster-se
de qualificá-la de européia (155). Em linhas gerais, é preciso , com
efeito, distinguir as três grandes zonas climáticas (à parte as monta-
nhas) em que se divide a Europa. Duas delas são separadas pela
" dorsal" que atravessa a França em diagonal , do Sudoeste ao Nor-
deste : região atlântica e região mediterrânica. No Leste da França
começa a zona continental , que vai em seguida se reforçando. Feliz-
mente, era raro que as condições meteorológicas fossem más nessas
três zonas ao mesmo tempo . Foi o que aconteceu em 1480-1482,
quando o horror chegou ao seu máximo. Em geral, era possível enca-
minhar, das regiões normais ou excedentes para as zonas deficitárias ,
estoques aguardados com impaciência, e que as autoridades se esfor-
çavam em conseguir para seus administrados - com alguma dificul-
8 OUTONO DA IDA D E M ÉD IA

dade , pois os países atravessados pelos precio sos com boios empenha-
vam-se com muita freqüência em desviar pelo menos uma part e a
seu proveito .
Explica- se que o pro blem a da subsistê ncia tenha-se colocado em
termos tão dramáticos pa ra o conj unto da E uro pa pela debilidade
e irregularidade da produ ção ; pelas más condições de arm azen agem,
que provocavam , de um ano para outro , perd as conside ráveis , por
apodrecimento do trigo , por exte nsão de diversas doenças que o
tornavam impr óp rio ao consumo, pelos estragos causados pelos ra-
tos; enfim , pelos hábitos alime ntares dem asiado uniform es - o mi-
lho, por exemplo , ainda não era conhecido , tamp ou co a batata , que
mais tarde ter ão um papel impo rta nte na alimentação . Um a colheita
fraca bastava para ameaçar o eq uilíbrio ent re a oferta e a procura;
\ duas seguidas inevitavel mente provocavam a fome .
Sabia-se de tu do isso de modo geral. Um estudo muito recent e,
o de Maurice Ber th e sobre os campo neses do reino de Navarra do
fim do século XIII a meado s do século XV. estru turo u . pela primeira
vez. nossos conh ecimen tos de modo sólido (108). Seu mérito é gra nde
por ter utilizado muito bem fontes exce pcionalme nte abunda ntes ,
sem se deixar desencorajar pela própria ab undâ ncia - e isso sem
que recorresse a computador. Aos "li vros de lare s" . enco ntrados
em muita s outras províncias , e que com freqüência exigem algumas
ressalvas, jun ta-se uma série origina l, quase ininte rru pta de 1280 a
1454: a dos relatór ios que tod os os anos o rei receb ia de seus agentes
a respeito das 223 com unidades que compun ham sei.! dom ínio . Eles
detalhavam nesse s relatórios os censos (pechas) divididos por catego-
rias de lares - inte iros (com a família completa) , redu zidos (seja
pelo faleciment o do chefe de família ou ausência de ado lesce ntes
válidos) e indigentes . Anota vam cuida dosa mente as causas e a ampli-
dão dos progressos alcanç ados - ou, na maioria das vezes, da despo -
voação e do em po brecimento . O interessante é que esses domínios
se achavam bem divididos entre as diversas zonas de que se constituía
o reino : atlântica, mont anh osa e medit errânica ; certos dom ínios eram
vizinhos de cidades, como Pamp elun a , outros era m isolados. Port an-
to, a série de amostras é boa. Navarra de antes de 1347 é most rada
como um " mundo cheio"; as fomes apenas começam a agir aí. cavan-
do vazios demográficos rapidamente preenchidos. É em 1347 que
se ro mpe o eq uilíbrio, e por mu ito tem po . Suspeitava-se que a Peste
Negra de 1348 tinha sido precedida por uma fome . à qua l dive rsas
fontes de ou tros países fazem alusões mais ou menos vagas . Dessa
vez, não é mais possível du vidar : 10% das famílias navarresas fora m
/ ceifadas pela fome de 1347, antes qu e , no ano seguinte, 40% desapa-
recessem . Cer tament e hou ve reag rupamento das famílias, o que,
AS FOMES 9

contudo, jamais permitiria uma verdadeira correção . O efeito das


epidemias soma-se ao das fomes . O choque não foi apenas material.
Os espíritos foram atingidos a ponto de levar alguns camponeses
v ao suicídio ou à loucura.
A Navarra, dir-se- á, não é mais que um pequeno pedaço da Euro-
pa, e no mínimo é arriscado generalizar a partir desse caso . Entre-
tanto, comparações cronológicas são possíveis , seja com a Europa
atlântica, seja com a zona mediterrânica. A partir desse exemplo ,
que não deve ser único - um melhor conhecimento da documen-
tação européia, que está longe de esgotar suas surpresas , sem dúvida
o permitiria - , deveria ser possível fazer um estudo sistemático da .
Europa dos séculos XIV e XV. Este pequeno capítulo pretende ser
principalmente um chamado à pesquisa. Os aspectos a definir são
os seguintes.
Por que essas fomes e essas penúri as (mais freqüentes, parece , que
no século precedente) ? Seria necessário estabelecer com a máxima
precisão possível quai s foram os rendimentos e suas variações (212,
215,242) . Certas contas mantidas pelos produtores - os senhores,
eclesiásticos em particular - deveriam permitir fazê-lo . É O caso
das cifras de dízimo s (216), ainda raras , mas sugestivas: sabemos,
por .exernplo, que a parte do arcebi spo de Arles no dízimo cobrado
nos seus domínios podia variar de 118 sest eiros em 1424 a 717 em
1442 - caso s extremos, que escolhi propositalmente , mas que suge-
rem as de sordens da produção. A Inglaterra é particularmente
rica em contas senhoriais.lan Z . Titow e D. L. Farmer tiraram
proveito das contas mantidas pelos age ntes do bispo de Winchest er
(174) . A partir de seus qu adros depreende-se que o rendimento
do frumento podia variar de 2,51 (1351) a 5 ,05 (1352) para um ,
o que confirma es sa extrema sensibilidade ao clima: de 2,51, refli-
tamos , colocada de lado a parte destinada às futura s seme ntes,
sobra pouca coi sa para a alimentação. Nem todos os cereais rea-
giam forçosamente da me sma maneira ao acaso do tempo : um
dos méritos de Tits-Dieuaide é ha ver estabe lecido rendimentos
diferenciais e portanto sugerido transportes po ssívei s do co ns umo
em caso de bai xa de uma da s produções (243). O mais grave é
que essa fraqu eza dos rendimentos era mai s ou menos ine vit ável :
devia-se à falta de aduba ção , at ribuível a uma criação de animais
muito pouco desenvolvida - e , nos anos ruins, não era preciso
aba te r o gado no iníci o do in verno. por ser impossível alimentá- lo
no estábulo nessa est ação ? Com isso , era a pr óxima colheit a qu e
se achava comprometida. H á ' aí um a esp écie de círculo vicioso.
do qu al a agricultura eur o péia no se u conjunto só sairá a partir
do século XVIII .
10 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Mais frio e umidade?

Lançou-se a idéia de que uma mudança de clima, situada em torno


de 1350, teria agravado a situação . No conjunto, esse clima teria
se tornado mais frio e mais úmido . Idéia bastante séria para que
estudos de caráter mundial lhe tenham sido consagrados (149 a 153,
129, 133, 177). Não é improvável que, com efeito, assim como as
grandes glaciações no período mais antigo da pré-história, as varia-
ções infinitamente mais suaves que constatamos nos tempos histó- .
ricos tenham afetado nosso universo. Mas são constatadas? E como?
Essas poucas observações ampliam infinitamente' as fontes postas
à áisposição dos eruditos . Num tempo em que o trabalho era muito
mais compartimentado , homens como F. Curschmann (123), e mais
recentemente]. Z. Titow, trabalhando sobre as mansões que perten-
ciam ao bispo de Winchester (174,176), iam pouco a pouco acumu-
lando os dados que lhes forneciam os textos, de qualquer modo dema-
siado raros e lacunosos . No último instante apresenta-se Maurice
Berthe (108), a quem a Navarra forneceu uma documentação inigua -
lável: "Os cinqüenta mil documentos analisados nos cinqüenta tomos
do Catálogo dei Archivo General de Navarra fornecem todas as infor-
mações desejadas sobre os acidentes climáticos, as epidemias e as
guerras, sobretudo depois de 1350. A abundância e a precisão desses
documentos permitem narrar detalhadamente a história das calami-
dades rurais . Nenhuma infelicidade podia passar através da rede es-
tendida pelas fontes . Sua trama é tão cerrada que facilita um esboço
preciso dos fatos climáticos, epidemiológicos e militares, e uma deli-
mitação das áreas sinistradas. " E fazer a pergunta: "O que se deve
pensar da hipótese de uma deterioração das condições climáticas?
No começo do século XIV , os anos de forte pluviosidade e de seca
são freqüentes em Navarra . Mas bastariam para provar um desregra-
mento da ordem natural? São apenas as habituais mudanças bruscas
de tempo de um país reputado por sua instabilidade climática . As
chuvas dos anos 1300-1320 e, mais tarde, a seca podem ser conside-
radas acontecimentos perfeitamente normais. Mais que os próprios
acidentes climáticos, o que é anormal é a amplidão das catástrofes
ocorridas em um mundo rural em desequilíbrio. A mudança reside
mais em um agravamento da receptividade dos campos às mudanças
bruscas do tempo do que em uma modificação do clima."
A documentação mesmo assim ampliou-se prodigiosamente . São
observações meteorológicas precisas? A data do degelo de prima-
vera, que liberava o porto de Riga, só foi anotada a partir de 1530;
mas, antes, podem-se utilizar a título de comparação os dados finlan-
deses. As variações do nível do lago Suwa, no Japão central, foram
AS FOMES 11

observadas durante cinco séculos pelos sacerdotes do templo vizinho


de Arakawa. Eles também anotaram a data em que a florescência
das cerejeiras era responsável por uma festa celebrada pelo impe-
rador ou governador; se a primavera era quente , a data evidente-
mente era antecipada; ora , a série é completa do século IX ao xtx.
Tais informações, contínuas, são preferíveis às menções dos croni stas
levados a transmitir somente o excepcional. São apenas um pou co
afastadas. Que pena não ser mais freqüente a menção da convocação
das vindimas! Quanto mais a bela estação mostrava-se lumin osa e
quente, mais a uva amadurecia ráp ido , e a convocação acontecia
mais cedo . Ora, muitas vezes ela era fixada por conselheiros e anota-
da nos registros de deliberações ou de polícia mun icipal. Dijon possui
uma bela série a partir do século XIX. Mas outras cidades - em
particular as pequena s - não são igualmente bem providas? ;
Deixemos o escrito . A dendrocronologia parte do fato de que todo
corte de tronco de árvore põe à mo stra uma série de anéis concên-
trico s, sendo que cada um deles representa o crescimento anual ;
portanto, seu número permite calcul ar a idade da árvore . Mas sua
largura indica também as condições meteorológicas que a árvore atra-
vessou ; quanto maior é , mais suas condições foram favoráveis . Pode-
mos até traçar belo s gráficos, com a seqüência dos ano s em abscissa
e a espessura dos anéi s em orden ada . Qu e felicidade! Mas não nos
entusiasmemos . O que entendemos por " condições meteorológicas
favoráveis" ? Em regiões semi- ãridas , como no Maghreb e no Sudoeste
dos Estados Unidos (Arizona) , a cond ição favorável é a umidade ;
já em regiões vizinhas do círculo polar, como o Alasca e a Escandi-
návia , a condição favorável é o calor. Tamb ém foi lá que a dendrocli-
matologia desenvolveu-se mais. Os melhores trabalhos foram consa-
grados às sequóias americanas, com idades de 500 a 1.500 anos. Nas
zonas médias, como a Europa Ocidental , os dois elementos combi -
nam- se, e o equívoco com eça.
A árvore. Mas também a geleira . Relativos ao crescimento ou
fundição das geleiras, ligada é claro ao rigor desigual dos clima s,
nossos textos mai s antigos datam do século XVI , como a notável
descrição das geleiras do Ródano , por Sébastien Mün ster. Mas há
também vestígio s de eros ão glaciária e a po ssibilidade de datar alguns
deles pelo carbono 14: em parti cular as flore sta s esmagadas. cujos
restos foram encontrados nas morenas lat erais. como em Grindel-
wald e Aletsch. Essa s vari ações têm . aliás. ligação com o nível do
mar: quando as geleiras fundem-se . o nível do mar sob e.
Vamos aos resultados, resumindo-os brevem ente . Par a o período
pós-glaciário. no qual vivemos, dois tipos de mudanças do clima po -
dem ser observados. Uma oscilação climática de vário s séculos : hou-
12 OUTONO DA IDADE MÉDIA

ve um ótimo clima localiz ável - em linhas gerais - entre 4000 e


1000 a.e., que favoreceu o nascimento da agricultura, a expansão
dos cereais - com mares altos , em contrapartida a uma fase árida
no Saara . Depois estabeleceu-se um clima "subatl ântico" mais fresco
e úmido, o carvalho desapareceu da Europa Setentrionai, forma -
ram-se pântanos, as geleiras reconstituíram-se, o nível do mar bai-
xou . Entre esses dois grandes períodos plurisseculares, podemos pen-
sar em uma diferença média de 2,5°.
No interior do segundo desses grandes períodos observa-se uma
oscilação secular: situa-se entre 125 a.e. e 450 d.e. um episódio
rigoroso; depois, do século V ao século X, um retorno xerot érmico ,
que contribui para explicar a expansão escandinava; em seguida,
um avanço do frio, que culminará nos séculos XVII e XVIII (150).
O único problema é datar o seu começo , e sem dúvida podemos
situá-lo no meio do século XIV. A história glaciária dos Alpes é
testemunha disso: :J. enchente glaciária foi nítida no vale de Aosta ,
como no Oisans, ou na geleira de Aletsch; em 1380-1390, face ao
mar de Glace , a aldeia do Châtelard ainda existia - ela desapareceria
em 1590. Também as séries " fenol ógicas" do Japão constituem teste-
munhos: assim, sabemos que o lago Suwa congelou todos os anos
entre 1444 e 1504 e em datas anteriores àquelas de depois de 1840.
Enfim, são testemunhas disso as menções nos anais , como os do
padre norueguês Ivar Baardson, que viveu na Groenlândia -o "país
verde"! - entre 1341 e 1364, como intendente do bispo de Gardar.
Ele observa que tinha se tornado impossível costear a região oriental,
. devido aos gelos sempre mais abundantes que vinham do Norte;
foi preciso então passar mais ao largo da costa . Nós mesmos vivemos
uma fase de reaquecimento, como a observação das geleiras cada
J vez mais finas evidenciam. Até quando?

Pierre Pédelaborde escreveu um ensaio de explicação dessas estra-


nhas constatações (158). Baseia-se na existência de um "fluxo do
Oeste da zona temperada" - um movimento "zonal" , portanto,
que arrasta as partículas de ar para o Leste. Quando esse movimento
é rápido , faz com que o jet-stream * que o encima vá para o Sul
e a frente polar provoque um esfriamento. Quando é lento , contrai-se
em volta do pólo, e o ar saariano pode subir novamente . Percebemos
essas pulsações pelas oscilações da radiação ultravioleta do Sol: quan-
do isso acontece, há reaquecimento. \
Então somos pobres seres entregues aos caprichos do clima ? É
a um determinismo climatológico que somos conduzidos? Não , sem

• Vento forte a grande altura . (N .T.)


AS FOMES 13

. dúvida, pois em tudo isso a parte hipotética é importante , e não


se trata senão de uma das cau sas que intervêm. Além disso, o homem
reage, luta. O s ecologistas ensinaram-nos muito. Aqui encontramos
a atitude sã de Maurice Berthe : " Tenderíamos a ver principalmente
na pobreza dos solos os efe itos de um desequilíbrio ecol ógico . O
bom equilíbrio de uma terra cultivada 'supõe com efeito qu e se resti-
tua permanentemente ao meio, pel a freqüênci a das tarefas agrícolas
e pelo emprego de fertilizante s, o equivalente químico retirado com
a colheita ... Não sendo suficiente o fornecimento em matéria org â-
nica, era preciso multiplicar ao máximo as operações de sachadura
e as lavouras. Esse trabalho intensivo de preparação , qu e apenas
permitia assegurar a manutenção dos rendimentos , exigia' um a força
de trabalho considerável e constante. Nesse sistema, o rendimento por
unidade de trabalho investido era bast ante baixo , mas só ele assegurava'
uma produção suscetível de satisfazer as necessidades.. ." Será preciso
nesse caso pôr em causa o regime social? A questão permanece aberta.j
A essas cau sas ma is ou menos permanentes , é necessário acres-' I
centar os efeito s recorrentes das epidemias: com certeza, elas redu- I
ziam o número de bocas a alimentar, porém ainda ma is o dos braços \
aptos ao trabalho. E, além disso , podiam haver , de maneira locali- I
za a. as repercussões da guerra. a presença de homen s armados que
, . ~ ormal dos campos, qu ando não resultava na
:-=5:::":_: " ?"atuita" e capri chosa dos pés de trig o e das videiras
: -;::2.5 : t wC: ... 5.
-:-2.= -:~. seri preciso estudar os comportamentos das populações
atingi das pe las penúrias e fomes. A desigualdade social tinha aí um
I import ante : os mais rico s podiam , qu ando as notícias mostra-
vam-se más , comprar todo seu grão de uma só vez , ao preço mais
baixo e, em-se guida, dosar o consumo , isso quando não chegavam
a se tr ansformar em especuladores . Os assalariados mai s modestos
de viam , ao contrário, fazer compras a cada oito dias , e suportar
diretamente a alta dos preços. Muitas vezes , as oscilações de preços
revelam toda a amplidão dos problemas colocados nas bolsas: para
muitas cidades , em tempo normal , o aprovisionamento familiar tinha
um papel importante , e o mercado permanecia pouco comerciali-
zado ; mas, com a chegada da crise, todos recorriam a ele ao me smo
tempo , no instante em que a oferta estava mais baixa que nunca .
Então , delineava-se uma vertiginosa alta dos preços, acrescida pelo
que os economistas chamam " o efeito King " (isto é , a exageração
da evolução normal , devido a fatores principalmente psicológicos ,
ver pp . 83-4) . O consumo evoluía de maneira não menos significativa
e , entre outros, é Charles de la Ronci êre que o constata na Florença
do século XIV (73) :
14 O UTONO DA IDADE MÉD IA

" Aos prim eiros sinais de encarecime nto do frurnento , uma part e
de consumido res suplementa res volta-se para o cereal pani ficável
mais próximo , sobret udo o centeio ; acentuando-se a carestia, o cen-
teio torna-se raro , seu preço faz com que também ele seja inacessível
para alguns, e então o milho miúdo e as favas passam a pre ench er
esse papel de substituto junto a um novo grupo de con sumid or es... "
Não é precisodramatizar a menção , freqüente sob a pena dos analistas:
em caso de fome , as pessoas contentavam-se em alimentar-se de herbes.
A palavra herbes tinha então um sentido muito mais vasto que em nossos
dias: incluía as saladas e diversos legumes que cresciam de maneira mais
ou menos selvagem e que hoje compõem a alimentação dos vegetarianos.
Seria preciso est abelecer as políti cas dos podere, públicos face
aos problemas colocados pela penúria (8, 99). As vezes, 'ião as autori-
dades mon ár quicas, mas, ainda com mais freq üência, á ' municip ais
que devem enf rentá-Ia. Elas mand am os comerciantes ao exte rior ,
com a missão de conseguir a qualquer custo os grãos que , se for
necessário , revender ão com pre juízo . Proíbem a saída dos grãos ar-
mazen ados na cidad e e . se pr iso. colocam guardas nas port as para
vigiar a aplicação de suas ord ens. Proced em às req uisições e às per-
quisições. Em caso extremo, chegam a fixar preços máximos, medid a
cuj a eficácia pode, aliás, ser discutida.
Seria preci so cartografar uma geografia da produç ão e do con sumo
dos alimentos. El a faria com que aparecessem grandes mercados
permanentes de demanda: as grandes cidades - onde a cultura dos
campos estabelecidos nas parc elas abandonadas graças ao despovoa-
mento era apenas um pequeno paliativo - , as regiões industriais
povoadas - como uma parte dos Países Baixos - , as regiões especia-
lizadas, como o Bordelais, na viticultura. Ao lado disso , mercados
de produção perm anente , que deviam seu papel exportador seja à
riquez a natur al de seus ,solos. caso da Sicília. da região de Arl es,
da Barb aria (isto é, da Africa do Norte), seja à frugalidade de seus
habitant es, como na Apúlia, na Sard enh a, na Catalunh a. Havia ainda
zonas norm almente expo rta do ras, mas que podiam se encontra r " fo-
ra de jogo" em razão de alguma penúria : as planícies das bacias
parisiense e londrina, as do alto Langued oc, a Limagne , as grandes
extensões cerea líferas vizinhas dos Países Baixos (H ainaut , Ar-
tois... ). Enfim, seria preciso esta belecer uma cron ologia o mais com-
pleta possível das penúrias e das fomes no curso dos séculos XIV
e XV , levand o em consider ação seu caráte r geral ou region al -
o que F. Curschmann tinha tentado já em 1900 -, mas tirando partid o
do considerável enriquecimento de nossa documentação desde então .
Assim , to m ar-se-a evide nte como uma E uropa mal eme rsa do
mund o da fome era vulne rável aos out ros flagelos que a espreitava m.
2

As epidemias

Era uma vez .. . Mas acaba ndo as peste s do séc ulo VI, relatadas,
entre outros, por Gregório de Tours. ain da encontra va-se algu ém
para ler a menção nas raras bibliotecas? E en tão como um aconteci-
mento novo que a peste chega à Europa O ciden tal, e m 1347. Descre-
vamos os fatos antes de tentar um a interpretação (110. 116, 170,
184).

Um mal diferente de qualquer outro

Todos os testemunhos concordam em situar a orig~ peste


na Ásia Central, onde ela existia em est ado end émico . O grande
viajante 1bn Batouta, que visitou a Índ ia Meridional um pouco depois
de 1342, assinalou-a ali . Em 1347, os próprios mongóis, que sitiavam
o estabelecimento mercantil genovês de Caffa , no mar Negro. foram
atingidos e, por um requinte de crueldad e , e nvia ram vários cadáveres
para a cidade através de suas máqu inas de guerra. Um navio qu e
partiu de Caffa para a Itália semeou. na pa ssagem. a peste em Cons-
tantinopla ; depois chegou a Gênova: quando deu -se conta do mal
que transportava e ordenou-se que partisse , e ra tarde demais. A
r pe ste atacava a Itália pelos portos . A s cidades do inte rio r não soube-

ram or gan izar nenhuma defesa. Boccaccio deixo u-nos um a de scrição


muito viva das devastações da peste e m Florença:
\ "Já havíamos chegado ao ano 1348 [1347] da fecunda Encarnação
.do filho de Deus, quando a cidade de Florença. nobre entre as mais
16 OUTONO DA IDADE MÉDIA

famosas da Itália, foi atormentada pela epidemia mortal. Que a peste


tenha sido fruto das influências astrais ou o resultado de nossas iniqüi-
dades , e que Deus , em sua justa cólera, a tenha lançado sobre os
homens como punição de nossos crimes, de qualquer modo ela se
manifestara alguns anos antes nos países do Oriente , onde provocara
a perda de uma quantidade inumerável de vidas humanas. Depois ,
sem interrupção , grassando passo a passo, ela propagou-se para nossa
infelicidade em direção ao Ocidente. Tod as as medidas profiláticas
mostraram-se sem efeito . Os agentes especialmente encarregados
em vão limparam a cidade de seus montes de lixo. Em vão interdi-
taram a entrada da cidade a todo enfermo e multiplicaram as prescrições
de higiene. Inutilmente recorreram, e muito mais que uma vez, às súpli-
cas e preces costumeiras nas procissões, e às de um outro tipo, cujos
devotos se desobrigam com Deus . Nenhum resultado foi obtido. Desde
os dias primaveris no ano a que me referi, o horrível flagelo começou
a manifestar, de maneira surpreendente , suas devastações dolorosas."
As outras cidades italianas foram acometidas durante primavera à

de 1348, e poderíamos, infelizmente, multiplicar os testemunhos en-


louquecidos de contemporâneos . Depois a calamidade atingiu a Pro-
vença - pelos Alpes e pelo mar -, e de lá o Languedoc. A carta
de um cônego flamengo que veio a Avignon informa-nos sobre sua
extensão . Desde abril de 1348, a região de Toulouse tinha sido atingi-
da ; nenhum texto narrativo nos guia , mas sabemos que a peste impe-
diu a arrecadação dos impostos previstos para as muralhas da cidade ;
um dos três grupo s de moinhos que trabalhavam para a alimentação
dos habitantes (o da Daurade) foi abandonado ; apenas quatro dos
doze capitouls * de 1347-1348 continuarão capitouls depois (podem
ter morrido na ocasião). A Península Ibérica foi atingida ao mesmo
tempo pelos Pireneus e, da Itália , por mar. Maurice Berthe expõe
a alternativa a respeito da Navarra, onde a existência da peste é
provável desde julho de 1348. A partir de 2 de maio , ela já chegara
em Barcelona; em Aragão, instalou -se apenas em setembro. Entre-
tanto , de Toulouse e de Avignon , ela subia para o Norte: Bordeaux
(fim de junho), Lyon (desde maio) , Paris (junho) estavam " ganhas" .
Logo foi toda a Europa Ocidental. Ingleses e escoceses lutavam como
sempre na sua fronteira; o vencedor comemorou cedo demais a vitó-
ria e, no próprio local de acampamento, tombou quase todo. A Ale-
manha e , depois , a Europa Oriental terão sua vez (1349-1350) . O
mal extinguia-se ao cabo de alguns meses, de 1348 a 1351 conforme
os lugare s. Pôde-se acreditar que desaparecera .

• Assim se chamavam os antigos magistrados municipais de Toulou se. (N.T.)


AS EPIDEMIAS 17

" Então , quando a epidemia, pestilência e mortalidade chegavam


.ao fim , os homens e as mulheres que sobravam casavam-se à porfia",
declara, numa frase citada muitas vezes, a Chronique latine de Gui-
llaume de Nangi s. Assim, voltou o otimismo , e os múltiplos nasci-
mentos que se sucederam logo preencheriam os vazios, se ... Deve
ter sido um golpe horrível essa peste de 1361-1362, ainda geral , que
ceifou tantos jovens - às vezes, chamada "peste das crianças" -
e aniquilou a esperança! (136)
De fato, desde então, a peste instala-se como em sua casa . Não
há mais epidemia universal, mas uma espécie de foco endêmico que
desperta em datas diversas conforme os lugares. Foi preciso um certo
tempo até que se elaborasse uma sinistra contabilidade. Um cronista
de Orvieto assinalou: "A primeira peste geral aconteceu em 1348
e foi a mais forte ." Depois acrescentou : "Segunda peste , 1363. Ter-
ceira peste, 1374. Quarta peste, 1383. Quinta peste, 1389." Uma
o~tra mão completou: " Sexta peste, 1410" (EI. Carpentier, 117).
\ "E também o caso de Châlons-sur-Marne . As datas de epidemia
na cidade parecem obedecer a um ritmo, e destaca-se um golpe por
decênio: 1455-1457, 1466-1467, 1479, 1483, 1494-1497, 1503,
1516-1517, 1521-1522" (1. Delumeau, 337 bis, segundo 138). Daí
a análise de Jean-No êl Biraben: "Se acompanharmos a história da
peste numa cidade nessa época ... , constataremos que ela passava,
a cada oito, dez ou quinze anos, por violentos impulsos em que toda
a cidade era atingida, perdendo até 10 , 30 e mesmo 40% da popula-
ção. Fora desses paroxismos, ela persistia em estado semi-endêmico,
vagando caprichosamente de uma rua ou de um bairro a outro , perio-
dicamente, durante um , dois, e até cinco ou seis anos seguidos, inter-
rompendo-se depois durante alguns anos . Reaparecia então sob essa
forma 'atenuada' que muitas vezes precedia a forma 'explosiva'."
Daqui e dali chegam-nos os testemunhos, inumeráveis, sendo que
a única dificuldade é a de escolher entre eles . Elegerei os de Toulouse
(99), porque embalaram a minha juventude .
Eis aqui ainda um precioso testemunho, datado de fevereiro de
1417: os capitouls assinalam as pestes e mortalidades sobrevindas
há trinta anos, e mais recentemente de três em três anos. A devoção
supersticiosa que cercava o número 3 pode ter levado os capitouls
a sistematizar fatos em que se via uma manifestação da cólera divina .
Mas outros documentos confirmam essa multiplicação dos ressurgi-
mentos da doença no começo do século XV . 1406: vários contratos
firmados em setembro prevêem o caso de epidemia , para autorizar
um aprendiz a voltar para sua terra de origem, ou justificar o rompi-
mento de uma sociedade . 1411: a Universidade adverte que as morta-
lidades tinham aumentado o número de práticos exercendo a profis-
18 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

são sem haver obtido seus diplomas regulares de médicos, os capitouls


proíbem esse abuso, o provisor eclesiástico excomunga os contraven-
tores; o rei Carlos VI ordena ao preboste que puna os culpados.
1414: em setembro , o mesmo rei constata que a mortalidade impediu
o pagamento de vários impostos.
Graças a um registro do Colégio de estudantes de Périgord, aqui
estão informações mais precisas sobre a epidemia de 1420: na sexta-
feira, dia 13 de setembro, o prior diminui a alimentação do Colégio,
pois vários estudantes tinham abandonado a cidade com medo da
mortalidade; em dezembro, ele deve ir a Rodez , a fim de encontrar
mão-de-obra - que se tornara rara em Toulouse devido à epidemia
- para os trabalhos das vinhas.. . Somente em 1440 o flagelo irá
se desencadear realmente de novo. Desde meados de janeiro, mani-
festa-se na região de Toulouse, assim como em Saint-Agnan perto
de Lavam, onde o enviado do Colégio de Périgord, encarregado
de receber os censos, não ousa permanecer. Em agosto, quase todos
os estudantes fugiram, um criado do Colégio voltou para sua terra,
os trabalhos agrícolas tornaram-se difíceis. A epidemia encontra-se
no auge em setembro, o prior fica quase sozinho no Colégio. Final-
mente, o prior também foge ...
Dez anos mais tarde, eis novamente o flagelo desencadeado. Mais
uma vez , é o prior do Colégio de Périgord quem nos informa: em
julho de 1450, ele fugiu para Sarlat , sua terra natal, devido à peste
que grassava em Toulouse ; em sua ausência, foi eleito outro prior,
em 24 de outubro de 1450. Só vem assumir sua administração em
fevereiro de 1451: o mal apenas assola então algumas vilas das redon-
dezas de Toulouse, mas, com o verão, ganha de novo toda a sua
extensão. No início de setembro, o prior vai a Périgueux: a entrada
das grandes cidades, Cahors, Sarlat, está proibida para ele. Seu relato
ainda exala o terror: "Se eu tivesse sido acometido pela peste (bo-
cium), do que, em sua clemência infinita, me preservou Cristo , a
quem presto louvores e graças, ninguém me teria conduzido , sequer
levado ao albergue, mesmo que tivesse as mãos repletas de escudos."
(Ph. Wolff)
Basta . Não temos a menor dúvida . Há três formas de peste , propa-
gadas pelo mesmo bacilo (110) . A mais conhecida é a peste bubônica,
devida à picada de moscas ou de pulgas infectadas, doença que ataca-
va a glândula linfática. Jean de Venette descreve o mal, destacando
sua rapidez: "Eles só ficavam doentes dois ou três dias e morriam
de repente, o corpo quase são; aquele que hoje estava com boa saúde
amanhã estava morto e enterrado ... aquele que, estando são, visitava
um doente dificilmente escapava do perigo da morte." Um único
sintoma, "sinal infalível de morte", atrai sua atenção : os bubões,
AS EPIDEMIAS 19

tumores que nascem bruscamente na virilha e sob as axilas. Numa


carta enviada de Avignon, o já citado cênego de Bruges, Louis Hei-
lingen, assinala também esses "aposternas ", mas enumera ainda ou-
tros sofrimentos: uma infecção intestinal e uma afecção pulmonar
acompanhada de escarros de sangue. A Peste Negra de 1348 associou
duas formas da epidemia: a peste bubônica e a peste pulmonar. Esta
última é contagiosa de homem para homem. sua incubação dura
pouco, a evolução do mal é rápida : as chances de sobrevivência são
ainda menores que no caso da peste bubônica.
Um fato essencial foi bem percebido pelos contemporâneos : o cará-
ter contagioso da doença. E apenas no nosso tempo que se conhecem
suas causas, que a pseudociência de outrora identificava como a polui-
ção do ar, sob o efeito de temíveis conjurações astrais ou de emanações
pútridas que vinham do chão . Consideramos inúteis as precauções que
tomavam então , aspergindo dinheiro e cartas com vinagre , acendendo
fogos purificadores nas encruzilhadas das cidades contaminadas, de-
sinfetando roupas e moradias com enxofre e perfumes fortes, só sain-
do com o rosto coberto por uma máscara com o formato de cabeça
de pássaro cujo bico era cheio de substâncias odoríferas. Em compen-
sação. nem as crônicas antigas nem a iconografia indicam como sinal
precursor da peste a mortalidade dos ratos, sobre a qual insiste Albert
Camus no célebre romance A peste. Os ratos não se locomoviam a
ponto de transportar a epidemia de uma cidade a outra! Mas o contá-
gio inter-humano foi bem denunciado. Se as purgações e as sangrias,
o temor da transmissão do mal pelos dejetos dos doentes, o abate de
animais (boi, cavalo ...) não portadores de pulgas foram vãos, queimar
os tecidos nas casas contaminadas , entretanto , era judicioso. Os "sá-
bios" podiam não concordar, mas o bom senso popular tinha razão:
"A intensidade da epidemia, anota Boccaccio, aumentou devido ao
fato de os doentes, por seu comércio diário, contaminarem os indiví-
duos ainda sãos. Assim, como o fogo. que é alimentado pelas matérias
secas ou gordurosas que lhe são contíguas." O isolamento e a fuga
eram então o melhor remédio. Ainda é Boccaccio quem faz com que
Pampinéia diga : " Acho bem aconselhável seguirmos o exemplo que
muito s nos deram e ainda nos dão, isto é. abandonar estes lugares."
. Indiquemos, todavia , que o homem pouco a pouco aclimatou-se
a esse mal. Enquanto em 1348 todo indivíduo atacado morria, alguns
decênios mais tarde era possível sobreviver: Francesco Datini é um
bom exemplo disso, mesmo se em seus anos de velhice sua saúde
tenha sido duramente comprometida (61) .
Assim foi passando o tempo - e as epidemias estouraram aqui
e ali até 1720. quando o último surto do flagelo no Ocidente acon-
teceu em Marselha (118) . .
20 OU TONO DA ID A D E M ÉDIA

" A terça parte do mundo "?

É Froi ssart que o afirma: mor reu va te rça parte do mundo" (enten-
da-se: a Europa). Ter á ele razão? Coloca-se aí. em tod o caso, o
primeiro problem a: o dos efeitos demográficos da peste.
As respostas não faltam. Os contemporâneos assustados fizer am
avaliações que pod em nos parece r excessivas . E. em pr imeiro lugar.
Boccaccio:
"A crue ldade do Céu. e talvez dos homens. foi tão rigorosa. a
epidemia castigou de março a julho com ta nta violência. muit os doen-
tes for am tâo mal socorridos. ou mesmo. devido ao medo que inspira -
vam às pessoas que passavam bem. aba ndona dos num a tal misér ia ,
que tem os razão segura para estimar em mais de cem mil o núm ero
de homen s que perder am a vida na cidade. Antes do sinistro, não
se havia notado talvez que em nossa cida de existia uma tal quanti -
dade . Qu antos grandes palácios. qua ntas belas casas , qu ant as resi-
dências, o utro ra cheias de servos, de senho res e de damas, vira m
enfim desaparecer até o mais humilde servidor! Qu ant as ilustres famí-
lias, qu ant os impon ent es domínios, qu ant as for tun as reputadas fica-
ram privad as de herd eiro legítimo ! Qu an tos valor osos senhores, belas
damas e graciosos rapazinhos, aos quais não só a Faculd ade , mas
Galeno . Hipócrates e até Escu lápio teriam confe rido um certificado
de boa saúde. tomaram sua refeição da manhã com seus pais, seus
cama radas e seus amigos . e, vinda a noite, sentaram-se no outro
mundo à ceia de seus ancest ra is."
Jean de Venette concluiu qu e hou ve " um núm ero de vítimas como
nunca se ouvira dizer , nem se lera ou vira nos temp os passad os"
- e arri scou uma ava liação, verdadeira ao menos "e m certos luga-
res" : " para cada vinte habit ant es. só restavam dois com vida". O
aba de de Saint-Mar tin de Tou rnai conto u nessa cidade 25.000 mor-
tos: puro exagero já que não podiam existir ali mais que 20.000 almas
antes da epide mia . Certo. e no entanto ...
No enta nto, as verificações precisas que se pud er am fazer são im-
pression ant es. Na França, graças à comparação de recen seament os
que enqua dra m o flagelo , sabe-se qu e em Castres e Alb i a met ade
da população morreu ou fugiu (147. 161). Na Alemanha, segundo
os cálculos - discutíveis. é verdade - , em 1350, a peste já tinh a
levado 50% dos habitantes de Magdeburgo , 50 a 66% dos de Ham-
burgo, 70% de Bremen (100, 145). No fim das contas, pod emos
aderir à razoável conclusão proposta por Yves Ren ou ard: " ... A
proporção dos faleciment os devidos à peste em relação ao conjunto
da população parece ter oscilad o entre 2/3 e 1/8 conforme as regiões"
(71). Vamos ao encontro de Fro issart.
AS EPIDEMIAS 21

"Conforme as regiões ." Quer dizer em particular que as cidades,


sobre as quais somos muito melhor informados, sofreram maiores
petdas que os campos, onde a população estava mais disseminada?
Aqui, as opiniões divergem. René F édou, certamente com razões
para isso, afirma em relação à região de Lyon: "Os campos foram
menos atingidos que as cidades, onde a promiscuidade favorecia o
contágio ; as planícies foram-no mais que as montanhas , onde o clima
mais rude dificultava a propagação do micróbio. " Isso está de acordo
com a hipótese que formularíamos a priori. Há muito tempo, todavia,
sabemos que o pároco de Givry , vila próxima de Beaune , na Borgo-
nha, cujo registro paroquial por feliz exceção foi conservado , contou
39 falecimentos em 1345, 25 em 1346 , 42 em 1347 - mas 649 do
começo de janeiro a meados de novembro de 1348, dos quais 615
entre 2 de agosto e 19 de novembro. Na Provença, o conde mandou
efetuar uma pesquisa nas cercanias de Aix em julho de 1349: a aldeia
de Rians passou de 300 para 213 lares , proporção que chega a 92-40
e 40-11 em duas aldeias vizinhas (l03). Mais recentemente, Maurice
Berthe é bastante claro quanto à Navarra : "O relevo acidentado
do país, sua fragmentação em vales bem fechados, e também a altitu- (
de podiam levar a prever uma contaminação moderada. A baixa
densidade humana nessas zonas de montanha era aparentemente
uma garantia suplementar. E, no entanto , a disseminação foi geral...
As aldeias isoladas foram todas infestadas" (108) . Isso está de acordo
com as impressões de Boccaccio: "Se bem que os camponeses morrem
nos campos como os citadinos aqui mesmo, nós os vemos reagir com
menos angústia, pois as casas e os habitantes apresentam-se de forma
menos densa que na cidade ." O mais prudente é não deduzir, ou
dizer como Michel Mollat: " No fundo, as devastações tiveram força
desigual na cidade e também no campo: algumas aldeias foram muito
atingidas , outras , como Garges [perto de Paris] , foram relativamente
poupadas." (17 e 17 bis)
O flagelo foi mais seletivo socialmente? Seríamos tentados a acre-
ditar nisso . Era mais fácil para um rico fugir, assegurado como estava
de um domicílio rural, menos dependente de um ganha-pão que o
prendesse no lugar. Onde existem, os recenseamentos são claros:
I o contágio devastava mais os bairros populares. Entretanto, os gran-
des deste mundo não foram poupados. Em Paris, o bispo Foulque
de Chanac morreu em julho de 1349, a duquesa da Normandia , em
outubro, e a rainha Joana da Borgonha, a 12 de dezembro . "O efetivo
de monjas do Hôtel-Dieu teria caído de 102 para 40, mas, segundo
os registros capitulares, as fileiras dos cônegos de Notre Dame foram
menos rarefeitas: em média, para 36 a 38, dois morriam por ano;
ora , seis morreram em 1348, mas apenas um no ano seguinte. Em
22 OU TONO DA IDAD E M ÉDIA

compensação. cerca de 30% do s monges de Saint-Deni s (trinta para


uma centena) foram vítim as da pe ste" (Michel Mollat , 17 bis). Pode-
mos ampliar: o clero era ao mesmo tempo privilegiado (pe nsemos
nos monges protegidos pelo s muros espe ssos de suas abadias) e ex-
posto . Sua atitude foi muito diversa (183). Jean de Venette queixa-se '
" ... Em muitas cidades. grandes e pequ en as. os padres abalados pelo
medo afast avam- se" . Evidentemente . não foi esse o caso do pároco
de Givry . " A Peste Negra retira todo s os agostinianos de Avignon ,
todos os frades fran ciscanos de Carca ssonne e de Mars elha (ness a
cidade ele s eram 150). Em Maguelon e só ficam 7 cordeli anos em
160; em Montpellier 7 em 140; em Sant a Mari a Novella de Florença.
72 em 150. Os conventos dessa Ordem em Siena , Pisa e Lucca , que
tinham menos de 100 irmãos. perdem respectivamente 49. 57 e 39.
Alguns Conselhos Municipais são dizimados do mesmo modo. Em
Veneza. 71% dos membros do Con selh o são levados. em Montpellier
83% . em Béziers 100% . em Hamburgo 76% " (J. Delurne au . 337
bis). O mesmo Jean de Venette elogia religiosas parisienses em 1348:
" E as santas irmãs do H ôtel-Dieu , não temendo a morte, cumpriam
até o fim suas tarefas com a maior doçura e humildade ; e. em número
considerável. muitas das ditas irmã s. mais de uma vez renovadas
em conseqüência dos vazios provocados pela morte, repousam . como
cremos, piedosamente. na paz do Cristo." Concluímos, portanto .
que essa seleção existia . mas era muito relativa.
Podemos ser ainda mais claros quanto à seleção regional. Em
1348-1350. nem o Béarn (89) . nem a Flandres. nem a Boêmi a foram
atingidos com severidade. A peste de 1361-1362 devia ser mais tem í-
vel. As vezes. o recorde cabe mesmo a um ataque ulterior.
Conclui-se assim o esforço para calcular a amplitude do dano. Fale-
mos agora das con seqüências econ ómicas , sociais. morais e religio sas.
até mesmo artísticas (112. 115. 128. 132. 140. 141. 148. 157. 159.
160).
Um efeito lógico da peste foi a crise de mão-de-obra: de mane ira
incontest ável, com a fuga completando a obra da morte. falta vam
. braços para o tr ab alho - e tanto mais que. com a ameaça da morte
' tornando vão o entesouramento . muitos compradores apressa ram-se
em gozar a curta vida que, pen savam eles. resta va par a vive r. Por
toda parte foram tomadas medid as de pre caução. Mas em nenhum
lugar, parece , foram concebidas e apli cad as de mod o tão sistemático
quanto na Inglaterra. De sde 18 de junho de 1349. enquanto a peste
estava em seu aug e no reino. Eduardo III enviou aos xerife s dos
condados uma ordem. observando que "alguns , ao verific arem as
neces sidades dos senh or es e a falta de criados. só querem servir sob
a condição de receber salário s excessivos. e outros preferem perm a-
AS EPIDEMIAS 23

necer ociosos e mendigar do que ganhar a vida trabalhando" . Em


seguida , todos os homens e mulheres válidos, com idade abaixo
de sessenta anos, deveriam aceitar o trabalho que poderiam ser
requisitados a fornecer. Os senhores teriam prioridade para utili-
zar a mão-de-obra de seus vassalos, mas só deveriam exercê-la
na exata medida de suas necessidades. Essa obrigação do trabalho
era completada pelo congelamento dos salários , a referência foi
fornecida para o ano 1346 e para os anos precedentes: ninguém
podia exigir, ninguém podia oferecer ou pagar soldadas ou ordena-
dos superiores aos que eram então costumeiros na localidade ou
na região. E isso valia tanto para os artesãos das cidades - a
ordem enumerava os principais ofícios - quanto para os campo-
neses. A mendicância era proibida para os homens válidos, e nin-
guém devia dar-lhes esmolas, " a fim de ' que sejam obrigados a
trabalhar para viver" (164). ~
Esse estrito programa foi apoiado num severo sistema de sanções:
todo contraventor, culpado na justiça, ficava preso até que fornecesse
fiador garantindo seu trabalho. Todo beneficiário de um aumento
de salário - ou todo empregador que aceitasse pagá-lo - devia
ser multado no dobro da quantia paga. A má vontade dos emprega-
dores era prevista: se eles próprios ou seus agentes se opusessem
de certa maneira à ordem, poderiam ser denunciados nos tribunais
reais, e a multa poderia ser triplicada.
Se assim se esforçavam para congelar os salários , seria normal
que fizessem o mesmo com os preços! A ordem quanto a isso era \ -
menos peremptória. Contentava-se em exigir dos comerciantes de
víveres que pedissem " um preço razoável", conforme os preços prati-
cados nas cercanias, de modo que só obtivessem " um lucro mode-
rado, não excessivo " . A imprecisão das fórmulas permitia várias in-
terpretações . Aí também o encorajamento à delação e a triplicação
das multas dos contraventores deviam possibilitar combater a má
vontade das autoridades municipais, mas o problema mesmo assim
colocava-se de maneira inquietante.
Não tardou que os juízes ordinários se sobrecarregassem de quei-
xas e denúncias, e a aplicação da ordem ressentiu-se disso. Também
o Parlamento, ainda mais rigoroso que o rei, completou o texto e
promulgou-o sob a forma de um estatuto (9 de fevereiro de 1351).
Foram criadas comissões de juízes dos trabalhadores, e algumas atas
de suas sessões, conservadas até nossos dias , permitem observar sua
atividade. Ela er a encorajada pelo fato de que as multas recebidas
por seu intermédio eram deduzidas do montante do subsídio devido
ao rei pelo condado em questão. Para os anos 1352 a 1354, calculou-se
que 6% do imposto foi coberto dessa forma, o que não podia ser
24 OUTONO DA IDADE MÉDIA

menosprezado . Essas multas eram pagas sobretudo pelos assalaria-


dos; as condenações de empregadores foram relativamente raras .
Dessa forma , isso resultava, até certo ponto , em lançar o peso dos
impostos sobre os mais pobres.
A aplicação do estatuto dos trabalhadores sem dúvida não bastou
para impedir os aumentos de salário (e de preço!). Os próprios em-
pregadores buscavam com demasiada freqüência conseguir mão-de-
obra a qualquer preço , e muitos assalariados , deslocando-se sempre ,
escapavam das multa s. Mesmo assim, esses aumentos foram , até cer-
to ponto, freados. Mas a contrapartida foi a tensão mantida em todo
o país por esse gigantesco esforço. Sem dúvida , ela não contribuiu
pouco para a degradação das relações sociais, e não é estranha à
explosão de descontentamento , tão violenta e tão surpreendente,
que a sublevação dos trabalhadores de 1381 deveria representar.
Em outros lugares não houve repress ão tão rigorosa . Na França ,
onde a administração real era organizada de maneira menos estrita ,
medidas análoga s só foram tomadas no contexto do prebostado de
Paris. Em Castela, o rei Pedro I - dito o Cruel - promulgou , nas
Cortes de 1351, ordens válidas para as diversas partes de seu reino.
Longas e minuciosas , elas definiam por categorias os preços e os
salários autorizados. Os diar istas, cujo trabalho era obrigatório , eram
punidos com chicotadas. Os artesãos pagavam multas em caso de
exigências excessivas. Mas não parece que essas ordens tenham sido
aplicadas de forma muito estrita e contínua (113).
Passada a primeira fúria de despesas que tomara conta dos sobrevi-
vent es, e sobretudo nos segmentos que ela não atingira , o despovoa-
mento causado pelas epidemi as no final das contas resultou numa
crise de mercado . A febre dos salários durou apenas um certo tempo
- com exceção talvez da Inglaterra e de alguns outros lugares. A
regulamentação da maioria das cidade s traduz a preocupação de re-
servar a freguesia local para os artes ãos locais, e de limitar o número
de mestres. Desde a segunda metade do século XIV , os estatutos
de ofícios restringiam o acesso ao mestrado , tanto para os estran-
geiros quanto para os criados. A obrigatoriedade de um exame , que
exigia freqüentemente um chef-d'oeuvre, longo e caro de ser execu-
tado , o pagamento de um encargo , o hábito de se oferecer um ban-
quete aos colegas, às vezes o depó sito de uma garantia: tantas barrei-
ras tornavam a tarefa quase impossível para os criados , mas eram
extintas para os filhos e os genro s de mestres .
Assim chegamo s às conseqüências sociais da epidemia . As linhas
precedentes explicam a tensão crescente nas relaçõe s entre categorias
sociais. Já se falou de um inten so " ódio de classe em tempo de epide-
mia" . Só estamo s tão bem informados devido à existência de doeu-
AS EP IDEM IAS 25

men tos modernos q ue mostr am os ricos acusa ndo os pobres de have-


rem propagad o o co ntág io . os pobres censurando os ricos de só cuida -
rem de si mesmos. É razoável vislumb ra r manifestações de ódio de
classes nos p ogroms que, e m inúm e ros lugares , aco m pan ha ra m a
e pide mia . O fat o foi co nsta ta do de man eira particul ar na E sp anha
e no vale do R en o . E m toda a Cat alunha. os jude us, con siderad os
se meado res de peste . foram massacrados aos gritos de Mu yren los
traydors, logo qu e o flagel o anunciou-se : ass im foi em Bar celon a ,
depois em Cerv era, em Tárrega, em G eron a , em Lleida . . .; o rei ,
a qu em os judeu s per tenciam, e qu e del es extraía pr eci osas rendas ,
esfo rço u-se, co m mais o u men os eficác ia, par a pr ot egê-los. Na A lsá-
cia, antes me smo qu e surgisse a peste (cuja aproximação se an uncia-
va). as "j udiarias" foram invad idas; te ria chegad o a\2.000_0·óú mero
de vítimas em Estrasburgo (127) . Corria o boato de que os ju de us
enve ne navam poços e fo ntes, que misturavam à comida um pó suspe i-
to. O fato de te re m pago à morte um tr ibuto pelo menos tão eleva do
qu anto as outras categorias da população nad a alte rava; chegara m
até a divulgar a idéi a de qu e eles sofriam pou co da epidemia . Além
dessas vítima s men cion ad as, o própri o de senrolar dos pogroms mostr a
qu e os ó dios estavam sempre prontos a diri gir-se para os ricos.
No e nta nto, podemos suste ntar qu e, materialm ente , a peste tinha
·sido pro veitosa , se não para tod os (po is era pr eciso ter algo para
herdar ), ao men os par a mu itos. O exem plo de Al bi , pr ivilegiad o
pel a documentação. mostr a be m qu e os ben s dos defu ntos fora m
rep artidos co m bas ta nte igua ldade e ntre os so bre vive ntes ; nenhuma
revi ravolta social resultou disso , a desigu ald ad e social não aume nto u
(16 1). Entret anto , essa situação - mu ito embora pudesse se r consta -
tad a e m inúme ro s lugares - não iria durar. Já a conce ntração das
fortunas tendia inev ita velmente a favo rece r os ricos. Ma s não bastava
acumular ben s: ainda e ra pr eciso poder valoriz á-los. O s ricos, qu e
podi am recorrer a um a mão-de-obra assalariad a, tinham melh or es
condições . Inevitavelm ente , muitos ben s for am aba ndo na dos por fal-
ta de br aços , e viera m a somar-se a tod os aque les qu e os pr oc essos
de sucessão mantinh am lon gam ente for a das mão s dos herdeiro s .
Segu iu-se um empo brecimento sensível. Mais o u men os po r toda
parte , os doc ume ntos fiscais revelam essa inchação da categoria dos
pobres.
Social e mor al mistur am -se tan to ! J á ava ncei no do mínio do moral
e do psicológico , ao qual volto ago ra. Seri a de se imaginar , co mo
irem os ver, qu e , se a opinião corrente professava qu e a peste era
um flagel o mandad o por Deu s par a o cas tigo de nossos pecad os,
os so breviventesfosse m se esfo rça r para pec ar men os. M att eo Villani
não esconde suá sur presa :
26 OU TONO DA ID A D E MÉD IA

" Poderíamos acredita r que os hom ens. poupados pela graça de


Deus. tendo visto seus próximos exte rminados e esta ndo info rmados
de que coisas semelhantes haviam aco ntecido em todas as partes
do mundo , teri am se tornado melhor es, hum ildes. virt uosos e cató li-
cos, que evita riam as iniqü idades e o pecado e iriam se encher de
amor e de caridade uns para com os outros . Mas. quand o a peste
acabou , aconteceu exatamente o contrário . pois os hom en s, que so-
brar am em núm ero reduzido e que se enriquece ra m de ben s terrestr es
graças aos herdeiros e às sucessões . esquecendo os acontecimentos
passados com o se não tivessem aco ntecido , entrega ram-se a uma
1 vida mais escandalosa e mais desor den ada que antes. Desse modo ,
I aband on ando-se à preguiça e à devassi dão, pecar am por gluto naria ,
I em busca de festins, ta be rnas e das delícias de um alimento delicado.
assim como dos jogos, deixando-se levar sem con trole ao excesso.
I procurando mod os estra nhos e incomuns de se vestir e as maneiras
deson estas, int roduzindo novidades no corte de todas as ro upas. E
a arra ia-miúda, homen s e mulh er es. devido à excessiva abundâ ncia
das coisas. não qu eria mais exe rcer os ofícios habitu ais; exigia a comi-
da mais car a e mais delicada par a sua mesa cotidia na . e permitia-se
que os servos e as mulheres de baixa condi ção se casasse m. vestindo
as belas e ricas roupas das damas nobres defuntas. E sem nenhum
recato nossa cidade qu ase inteira aba ndo nava -se a uma vida deso-
nesta e , de maneir a semelhante ou ainda pior, iam as outras cidades
e países do mundo ."
O própri o Boccaccio . que. no enta nto. não se fazia de mor alista .
descreve esse frenesi:
" .. . (Pa ra o utros) entregar-se fra nca me nte à bebida como aos
praze res, dar a volt a pela cida de divertindo-se. e, com a canção
nos láb ios. conc eder tod a sa tisfação possível a suas pai xões. rir
e tro çar do s aco ntec imentos mais tristes, tal era . conforme seus
pr op ósito s, o rem édi o mais seguro contra um mal tã o atroz. Para
passar da melh or man eira de um tal princípio à pr áti ca. eles iam
dia e noite de tab erna em tab erna . beb endo sem co nstrangime nto.
nem limites. Mas era bem pior nas mo radas privadas , por po uco
qu e acre ditasse m ac ha r nelas matéria pa ra praze r e pa ra distra -
ção."
Naturalmen te, os próximos não se viam mais: o temo r do contágio
não recomend ava esse afasta mento contra a natureza? Boccaccio insis-
te: " O desastre lançar a tant o pavor no coração dos hom ens e das
mulher es que o irmão aba ndo nava o irmão, o tio o sobrinho , a irmã
o irmão . amiúde mesmo a mulh er o marido . E o que é mais forte
e qu ase inacred itável: os pais e as mães, como se seus filhos não
mais lhes pertencessem , evitava m vê-los e aj udá-los."
AS EPIDEMIAS 27

Acabo de lembrar: a cólera divina em geral é a explicação última


que se dá da epidemia. A iconografia representa Deus lançando suas
flechas nos homens . Na verdade , a imagem era anterior ao cristia-
nismo, mas ele a retoma e a populariza. "As flechas da epidemia
aparecem pela primeira vez num quadro do altar dos Carmelitas
Descalços (1424) de Gõttingen. O Cristo lança-as em chuva densa
sobre os homens. Dezessete personagens são transpassados por elas.
Todavia , vários outros estão protegidos pelo grande manto da Vir-
gem - este último tema seria retomado muitas vezes. Um afresco
de B. Gozzoli a San Gimignano (1464) mostra Deus Pai , apesar de
Jesus e Maria ajoelhados, lançando a flecha envenenada sobre a
cidade que tinha sido atingida pelo contágio no ano precedente."
(J. Delumeau)
Entendemos por que a peste propagou o culto de São Sebastião:
se ele morreu crivado de flechas, não afastaria as da peste de seus
protegidos? Podemos ver aí a aplicação de duas das leis invocadas
pela magia , as da semelhança e do contraste: o semelhante para
suscitar o contrário. Um outro santo muito mais venerado depois
de 1348 foi naturalmente São Roque:
"As duas fontes hagiográficas que difundiram a vida e a legenda
deste (morto em 1327?) contam que Roque, nascido em Montpellier
e que depois viveu na Itália , foi atingido pela peste e expulso de
Piacenza. Refugiou-se numa choça nas cercanias da cidade . O cachor-
ro de caça de um senhor da vizinhança começou a roubar pão da
mão e da mesa de seu dono, levando-o com regularidade ao doente .
Intrigado, o dono , chamado Gothard, um dia seguiu o cachorro ,
compreendeu a manobra e alimentou Roque até sua cura. Em troca,
o santo converteu Gothard , que' se tornou eremita. Roque , quando
voltou a Montpellier, não foi reconhecido pelos seus. Considerado
um espião , foi posto na prisão, onde morreu. Então a masmorra
iluminou-se e o carcereiro descobriu perto do corpo a inscrição traça-
da por um anjo : eris in pestis patronus ." (J . Delumeau , 337 bis)
Em seguida, as relíquias de Roque foram trasladadas de Mont-
pellier para Veneza. Desde então, a fortuna do santo medrou rapida-
mente, a ponto de ultrapassar a de São Sebastião.
Um fenômeno próprio da Alemanha foi a multiplicação dos coite-
jos de flagelantes , penitentes que faziam procissão com o dorso nu,
chicoteando o de seu predecessor. Uma crônica an ónima deplora-o :
" Esses flagelantes fizeram muito mal ao clero por suas predições
e sua sublevação ." Na maioria dos outros países , o clero controlava
melhor a situação . O papa Clemente VI instituiu uma missa particular
contra a peste: "O papa concedeu a todos aqueles que ouvirão e
dirão essa missa 260 dias de indulgência . Todos os que ouvirem a
28 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

missa sobre dita deverão carregar na mão uma vela acesa durante
cinco dia s consecutivos e não poderão ser atacados de morte súbita.
Isso é segur o e aprovado para Avignon e região. Segue-se o ofício
da missa .
" Lntroito , Lembre-se , Senhor, de sua aliança e diga ao anjo exter-
minador: qu e su a mão pare doravante e deixe de arruinar a terra
e de fazer perecer todo ser vivo . Ouça-nos, você que dirige Israel,
você que conduz José como uma ovelha !
" G ló ria ao Pai. Como ele er a . Lembre-se , Senhor.
" Oração. Ó D eus, voc ê qu e não deseja a morte, mas o arrepen-
dim ento do s pec adores, permita em sua benevolência , nós lhe supli-
camos, que seu povo se volte para você, a fim de obter, graças à
sua submissão, que se afaste dele o chicote da cólera ." Etc.
A vela acesa. Eis o qu e anunciam os " cintos de cera" oferecidos
à Virgem e aos santos antipestilentos por municipalidades enlouque-
cidas. As sim, em 1348 os cônsules de Montpellier deram à Notre-Da-
me-des-Tables um círio qu e uma procissão levaria em torno da cidade
sobre as muralhas . O exemplo foi seguido por Amiens em 1418 ,
Cornpi êgne e m 1453 , Louviers em 1468 e 1472 , Nantes em 1490 (em
honra a São Sebastião) , Ch alon-sur-Saône em 1494 (a São Vicente)
- ao menos a documentação nos fornece esses nomes . É a origem
dessas grandes procissões, a um só tempo penitenciais e propicia-
tórias , das quais o futuro propagará o uso , apesar do esforço das
autoridades alarmadas justamente com a idéia do foco de contágio
suscitado por tai s multidões .
Já fiz vári as vezes alus ão ao papel da peste na iconografia. Ela
também teve conseqüências artísticas. Pode-se considerar que , desde
o século XIV , ela tivesse sido " uma fonte ignorada de inspiração
artística" (H . Moll aret e J . Brossollet) . E mais ou menos certo que
. o tema da Dança Macabra , em que homens e mulheres de todas
as condições são arrastados numa ronda infernal por esqueletos care-
teiros , nasceu com a grande epidemia de 1348. Encomendas de qua-
dros representando esse tema , em ligação com golpes do flagelo ,
estão atestadas entre outros na Basil éia (1439 , reproduzido por Me-
rian) e em Lübeck (Marienkirche, 1463) . O s artistas não cessarão
de sutilizar a representação do flagelo: dedos tapando narizes suge-
rindo o fedor dos moribundos , acumulação de cadáveres que apodre-
cem entre os vivos agu ardando que sejam retirados, etc. O capítulo
12 desta obra sugere outros aspectos de ssa aspiração . Na verdade,
é toda a vida qu e é invadida pela morte!
3

A guerra

Tr adicion alment e , os histor iadores faziam da gue rra o fator essen -


cial da vida econômica. A prosperid ade aparecia não apenas ligada
de modo indissol úvel à paz, mas necessariamente pro vocada por sua
manutenção . E o que exprimia de ma neira ingênua Arthur Coville ,
ao escreve r, em 1909, seu texto para a Histoire de France, de Ernest
Lavisse: " O reino gozava felizmente naquela época [início do século
XIV] da maior prosperid ade qu e tenha conhecido na Idade Média .
No século XIII e no primeiro ter ço do XIV , a paz só mui to raramente
tinh a sido interrompida." Lon ge de mim a inte nção de negar a exis-
tên cia dessa ligação! Mas de uma part e aprende mos que a guerra
é uma realidade complexa , que só pode mos compreender verdadei-
rament e graças a estudos locais e region ais cuidadosos . E, de outra ,
compreend emos que o estado econô mico depen de de outros fatores
além do peso dos exércitos .
Não só a Fra nça conhece u. nos séculos XIV e XV. o triste jogo
dos con flitos e das agitações. Mas cabe-lhe a palma com certeza (4,
190). Na Alemanh a, a ausê ncia de um poder imperia l respeitado
fez com que reinasse um a anarquia mais ou men os grande. E o "Faus-
trecht", o "direit o do murro": aos senhores saltea do res as cidades
opõe m suas milícias e seus combo ios. sendo qu e militas vezes elas
se associam para organizá-los e man tê-los. De 1414 a 1436, a Boêmia
e seus arredo res at ravessaram. além disso . a crise hussita , que não
esteve livre de arruaças. E m suma , a situação é basta nte confusa
e evolui pouc o. - Na Itália, o Sul está forteme nte do minado pelos
reis de Nápoles. e depois, após a conquista por A lfonso V, o Magní-
30 OUTONO DA IDAD E MÉDIA

fico (v . 1420-1442), pelos reis de Aragão . O centro feudal, sob admi-


nistração pontifical, multiplica os avatare s que , por algum tempo,
fazem os papas decidirem mudar de Roma para Avignon . No Norte,
grandes Estados urbanos desenvolvem-se, não sem luta entre si. Ne-
nhum desses diversos distúrbios , que se desencad eavam intermiten-
temente , arruinava de fato ou mesmo atingia profundamente o esta-
do do país. - Na Península Ibérica , a situação também é variável :
Castela é palco de querelas din ásticas , e depois de uma verdade ira
anarquia durante a maior parte do século XV . A região de Aragão
permanece mais calma até a grave guerra civil de 1461-1472, que
atinge sobretudo Barcelona e seus arredores . Os Reis Católico s asse-
guram no fim do século XV uma pacificação progressiva e ger al .
-A Inglaterra parece a antípoda da França, mais ou menos tranqüila
até 1450, salvo alguns breves episódios. Durante bons trinta anos ,
a Guerra das Duas Rosas afetou sobretudo as Midlands e o Norte .
Depois a calma voltou . - É sobretudo com a França que quero
entreter o leitor.
Sua experiência é então única. A França supo rta, sozinha , ao que
parece , todo o peso da Guerra dos Cem Anos (194) . Ma s convém
definir o que significa verdadeiramente essa expressão , no tempo
e no espaço .

Ambigüidades de um doloroso privilégio


-,
Em primeiro lugar, o qu e é a França nos séculos XIV e XV? E ssen-
cialmente uma unidade política , um reino engajado na s quere las de
seu soberano . Porém , além de sub sistirem ali grandes feudos , e de
a soberania monárquica não ter estado livre de contestações e de
eclipses , durante esses dois séculos, ela não é nem uma unidade clim á-
tica nem econó mica , e só de maneira progressiva torna-se uma unida-
de moral , uma "nação" . Isso contribui para explicar a extrema diver-
sidade das situações , das quais veremos que el a caracteriza esse vasto
(conforme a época) conjunto.
Por outro lado, não seria inútil insistir sobre o que há de enganador
na expressão Guerra do s Cem Anos . A luta durou mai s e menos
de cem anos. É a conseqüência natural do conflito surgido entre
capetianos e plantagenetas no s séculos XII e XIII. Ela ressuscita
°
pouco antes de 1300, sob rei invasor Filipe IV, o Belo, da França .
Só acabará em 1453, com o acordo assinado em Castillon na Guyenne
- simples trégua, na verdade, ma s depois da qual a gu erra não se
reacenderá. Entre 1300 e 1453, os anos de paz ou de trégua for am
pelo menos tã o numerosos quanto os anos de guerra. R ecordemos
A GUERRA 31

de forma sumá ria as grandes fases do confli to : segundo um a tese


tradicion al , que me esfo rcei em comba te r, a gue rra começa e m 1337 ,
q ua ndo Filipe VI da França co nfisca a Guyenne e Eduardo III da
Inglat err a, co ntes tan do até sua legitimidad e , ta mbém faz-se coroar
rei da Fra nça . Mas as trég uas pr ed ominam até 1346, qu and o Cr écy
mar ca a primeira gra nde batalh a. Após várias tréguas, os combat es
recom eçam em 1355 e ganha m novas regiões. João II, o Bom , esma-
gado e preso em Poit ier s, res igna -se e m assina r o tr at ad o de Calais,
qu e deixa para E dua rdo III , com plena sobe ra nia , tod a a part e oci-
den tal de se u reino. Paz novam e nt e . Ma s é então qu e apa rece o
flagelo mais grave . A gue rra só o punha até então exé rcitos pou co
num e rosos e tem po rá rios, portan to , só cau sava danos est rita me nte
localizados. Tudo iria mud ar co m a formação das Grandes Co mpa -
nh ias.
Assim são chamados os agru pamentos de bandos de mercen ár ios ,
que tinha m-se engajado a serviço de um dos do is reis , insuficie n-
te me nte providos pelo ser viço feudal, mesmo pagando soldo . Com
o reto rno da paz, e les deveriam normalm en te se dissolver , voltando
cada qu al par a sua casa . O qu e dizer? Esses bandos e ram composto s
de hom en s que já tinham portad o armas e campo neses de senraizados
- tri stes frutos das fom es e da s epide mias - com andados por peque-
nos nobres , ge ra lme nte bast ardos , os qu ais de viam procurar um
meio de vive r fora da se nho ria . Ni ngué m es tava disp ost o a vo lta r
par a casa . O s bandos ag ru para m-se, então, e co meça ra m a traba-
lhar par a e les, vive ndo no pa ís - o que ag ravava co nsi de rave l-
me nte o mal. E le torna va-se perman ente e te ndia a ge ne ra liza r-se,
os ca pitães de grandes companh ias aba ndo navam de bom gra do
as re giões de vastad as par a apegare m-se às zo nas a té então pou -
pad as.
Após haver tentad o evacua r um a parte desses "solda dos" para
Castela , Carlos V da Fra nça rein icia a gue rra em 1368, em respo sta
ao pedido do s senho res gascões . Habilmente secundado por Bertrand
du G uesc lin, tem o cuida do de evita r as gra ndes bat alhas que for am
tão nefast as par a seus pr ed ecessor es. A luta prende-se ao solo , regio-
naliza-se . Assi m mesmo, não de ixa de provocar danos, mu ito pelo
co nt rário . Qu an do Carl os V mo rre em 1380, qu ase todo o reino
foi recon qu ist ado , mas suas populações de batem -se nas mais profun -
das miséri as, e o falecime nto do rei é aco mpan hado por um a série
de sublevações. q ue esto ura m em regiões tão diversas co mo o Lan-
gue doc , a reg ião par isien se , a Normandi a e Flandres. O novo rei no
na Fr ança pa rece a nuncia r-se so b aus pícios favoráve is; os co nse lhe i-
ros do novo rei Carl os VI co nseg ue m expulsar e m grande par te as
compa nhias , dep ois es ta be lece m negociaçôes de paz e de recon ci-
32 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

liação com os conselheiros de Ricardo II da Inglaterra. Entre 1390


e 1410 aproximadamente, o reino da França goza de vinte ano s de
relativa calma .
Ent retanto, o conflito vai se reiniciar: na França a guerra civil
entre Armagnacs e Borguinhões , na Inglaterra o advento dos Lan-
castre que se apóiam no sentimento fran cófobo e a esperança de
revanche conduzem a ele inexoravelmente . O infeliz Carlos VI , que
enlouqueceu , é o joguete das facções . Em 1415, o exército francês
sofreu novamente uma derrota humilhante em Azincourt. Os distúr-
bios estão no auge por ocasião da assinatura do tratado de Troyes
(maio de 1420). Há então três Franças: a dos Lancastre , proslamados
herd eiros legítimos do trono franc ês e da coro a da Inglaterra ; a do
delfim Carlo s, o reino de Bourges; tamb ém o Est ado borguinhão
que se constituiu pouco a pouco , da Borgonha aos Países Baixos.
Sabe-se que a epopéia de Joana d'Arc assegurou a vitória daquele
que pare cia o mais fraco , o qual passou a ser Carlos VII pela sagração
de Reims e que pôde ent rar em Pari s, reconciliar-se com o duque
de Borgon ha, e ter minar a conquista da Normandia e da Guyenne.
A Luís XI restará a tarefa de abater o ameaçador Estado borguinhão
e vencer as coalizões feudais .
De uma região a outra, a fisionomia do conflito foi extrem amente
difer ent e. Algum as foram quas e tot almente poupadas: o B éarn , a
Alsácia (ainda não francesa) , e numa certa medida a maior parte
do Estado bor guinhão. Ao contrário , as regiões bordelesa e par i-
siense for am devastadas da maneira mais contínua possível (188).
Ent re esses dois extremos, encontram-se situações muito diversas ,
com justaposição de vilas destruídas e outras levemente at ingidas
em uma mesma zona. Evoquemos rapidament e as desgraças do Bor -
delais e as da região parisiense . Depo is, passemo s para uma provínci a
vizinha do reino , Prov ença, que sofria de seus próprios males, ao
mesmo tempo em que suportava as conseqüências da guerra franco-
inglesa .
Foi o saudoso Rob ert Boutruche quem descreveu de mane ira mi-
nuciosa as experiências da região bordelesa , ond e a fragilidade do
precio so vinhedo tornava aind a mais cruéis as deva staçõe s cometidas
em volta do Bordeaux inglês (31) . No século XIV , há períodos alter-
nado s de destru ições e de restaurações. A região cura suas ferida s
com mais continuidade de 1379 a 1403, mas o restabelecimento é
lento , incompl eto. De qualquer maneira , seus resultados são compro-
metidos pelo bru tal , breve e infeliz esforço de conquista franc ês de
1403 a 1405. Depoi s disso, a região fica a salvo por mais de trinta
anos, que são aprov eitados para uma " reconstrução" , aliás medíocre.
A guerra recome ça depo is de 1438: são , de início , os saques sistema -
A GUERRA 33

ticos dos écorcheurs* e, depois , a reconquista francesa que acabam


fazendo cair Bordeaux em 1450e 1453. Os danos materiais são acom-
panhados por uma crise de autoridade: confiscos e represálias enfra-
quecem o mundo dos senhores, intimados a escolher entre ingleses
e france ses. Suas ligações com o mundo dos camponeses são quase
completamente rompidas.
A região parisiense é, sem dúvida, a mais infeliz de todas . O aplica-
do trabalho de Guy Fourquin (47) permitiu reconstituir a imagem
dessa zona próspera, com um povoamento espantosamente denso
antes de 1348 (134). A presença da capital é um elemento de anima-
ção nos bons dias , mas uma perigosa vizinhança por ocasião das
guerras. Um primeiro período muito duro , aproximadamente de
1346 a 1365, é seguido até 1410 de uma longa fase de reconstrução,
cujos resultados são, na verdade , bastante decepcionantes; o equilí-
brio que acaba se estabelecendo permanece num nível muito inferior
ao de 1342. No século XV , grassam " trinta anos terríveis , talvez
o período mais infeliz da história da região parisiense " : em primeiro
lugar é a guerra civil que suscita , depois de um alerta em 1405, distúr -
bios e saques de 1410a 1418. Depois é a ocupação anglo-borguinhona
que provoca represálias e devastações normais , além da luta contra
os partidários do delfim , que são numerosos a resistir nas vizinhanças
da região de Orle ans. Depois de 1429, as trop as do delfim tomado
rei (Carlos VII da França ) estreitam seu cerco a Paris , a qual acabam
\ ocupando . Após 1436, os ingleses conservam várias fortalezas,
Meaux , Creil, Montereau , etc., e há falta de recur sos para desalo-
já-los. Assiste-se a uma espécie de apodrecimento . A verdadeira
calma só volta em 1441. Então é possível "reconstruir".
Tudo isso aconteceu na França. Às portas do reino , eis a Provença ,
dividida há séculos, e que em 1481 será integrada ao reino da França .
Da primeira metade do século XIV até aproximadamente 1470, é
o palco de uma encruzilhada de conflitos e de desgraças . Para nos
conduzir nesse d édalo , dispomo s felizmente de um guia excelente ,
Louis Stouff (83). Para começar , ela faz part e do reino de Nápoles,
posse dos An jou , herdeiros de Carlo s de Anjou , irmão de São Luís;
por isso, é disputada entre duas linhagens, os Duras e os Tarente.
Mas Robert de Duras morre na bat alha perdida de maneira tão deplo-
rável pelo pobre rei da França, João, o Bom , perto de Poitiers em
1356: um de seus parentes, o senhor dos Baux, resgata sua causa.
Mas Poitiers justamente deixou sem emprego uma grande compa-

• Grupos de salteado res que durante a Guerra dos Cem Ano s aterrorizaram a
Fra nça . (N.T .) .
34 OUTONO DA IDADE MÉDIA

nhia, dirigida por um certo Arnaud de Cervole, dito o Arcipreste.


Instado por um dos rivais, ele atravessa o Ródano (13 de julho de
1357), incendeia a cidade de Tours d'Aix (isto é, um fragmento da
atual cidade de Aix-en-Provence), Saint-Maximin, Brignoles, Dra-
guignan . "Em 1365, o perigo parece aproximar-se novamente: tropas
mercenárias descem o vale do Ródano com Duguesclin ." Evitemos
considerar de modo muito inocente esse servidor, no entanto, fiel
do rei Carlos V da França: costumava colocar-se à frente de compa-
nhias , para dirigi-las no "bom sentido", certamente, mas as pessoas
do lugar tinham dificuldade em diferenciá-lo! Por enquanto, Dugues-
clin toma Tarascon e sitia Arles (11 de abril de 1368).
Após um curto descanso, os mercenários reaparecem entre 1374
e 1376. Em 1380, morre a titular do trono de Nápoles, Joana, dita
a Louca , que adotou Luís de Anjou. Começa uma luta sucessória;
as cidades provençais inquietam-se e põem-se de acordo; o rei da
França intervém por intermédio de seu senescal de Beaucaire. Isso
não é tudo: em 1378eclode o Grande Cisma do Ocidente, escândalo
provocado pela oposição entre dois papas , um dos quais reside em
Roma, e o outro em Avignon. E Clemente VII , e ele apóia a causa
dos Anjou. A confusão chega ao auge entre 1382 e 1387, como tam-
bém na vizinha França meridional, onde acaba de se desencadear
a revolta dos tuchins . Os tuchins propriamente ditos eram pobres
coitados que viviam em bandos, na Haute-Auvergne, de pilhagens
realizadas com a cumplicidade dos habitantes pobres das cidades.
Os distúrbios que se sucederam no Languedoc depois de 1379 abri-
ram-lhes essa vasta região, assim como a Provença, onde se propaga
'um tipo de Jacquerie" rural.
Louis Stouff retoma o fio: "Uma das páginas mais sombrias de
sua história (de Arles) situa-se na noite de 24 para 25 de julho de
1384, com a chegada de um bando de tuchins comandado por Ferra-
gut ." Dispondo de cúmplices na cidade , Ferragut pode penetrar nela,
apenas por algumas horas , pois os representantes de Luís de Anjou
levam vantagem . Irá recompensá-los, aliás, em 21 de outubro de
1387, com uma dessas recepções reais através das quais o cerimonial
começa a fixar-se por toda parte. Mas já antes um sobrinho de Gregó -
rio XI , papa de Avignon , resolvera manifestar-se : Raimond de Tu-
renne, personagem lendário " de quem os eruditos provençais escre-
veram o romance mais do que a história " (No êl Valais) . Com tropas

• Revolta dos camponeses francese s contra os nobres . durante o cativeiro de João .


o Bom. estendendo-se o termo depoi s a toda revolt a dos pobres contra os ricos.
(N.T.)
A GUERRA 35

mercen árias a seu serviço, ele ocupa os domínio s pontificais em Pro-


vença , entre os quais Les Baux . Mas eis que, em 1386, desentende-se
com o papa e os Anj ou . Durante doze anos, com base em Les Baux,
pratica sítios, incursões armadas, pilhagens em toda a região, contri-
buindo desse modo para o prolongamento do Grande Cisma.
Os perigos também vinham do mar. Mouros , genoveses, vizinhos
malévolos estavam sempre prontos a desembarcar e causar danos .
Sobretudo o rei de Aragão , Alfonso V, o Magnânimo, contesta aos
Anjou a posse do reino de N ápoles. A partir de 1420, Arl es sofre
as conseqüências da rivalidade dos angevinos e dos aragon eses em
Nápoles. Este s conduzem em Provença uma guerra impiedo sa. "A
partir de 1426 e até 1452, a palavra 'catalão' aparece todo s os anos
nas atas das deliberações comun ais... A partir de 1453, as menções
são mais raras, porém até cerca de 1470 e mais além o catalão conti-
nua sendo o inimigo." (L. Stouff)
Vê-se que o reino da França não teve o monopól io da anarquia
política e militar. Não se duvida de que ela tenha marcado os espíri-
tos: todos os anos, em 25 de julho , uma procissão percorre as ruas
de Arle s em recordação da entrada dos tuchins. "A persistência desse
acontecimento na memória coletiva dos arlesiano s destaca seu caráter
excepcional. "
A guerra não teve outras conseqü ências além desse choque psí-
quico?

Uma sinistra contabilidade

No início deste capítulo , citamo s a opinião de um Arthur Coville


- historiador de merecido renome - que , em 1909, atribuía à guerra
as desgraças do tempo. Depoi s, tentamos descrever o que fora a
guerra - confusão de acontecimentos medíocres , diversos conforme
as regiões . E nos encontramos novament e diante de nossa questão
inicial. Em boa companhia. Eis aqui Kenneth Fowler em 1968: " E,
entretanto, por mais que tentemos minimizar os efeitos da guerra
sobre a sociedade francesa da baixa Idade Média , nos escritos da
época, nas cr ónicas. tratados , nas epístolas e leis, assim como nos
decretos governamentai s, jurídicos e financeiro s, centrais ou locais,
essa guerra não deixa de aparecer como a fonte de todas as misérias
e sofrimentos da época , mais ainda que as epidemias e a fome .. ."
(L e siécie des Plantagenêts et des Valai s, trad . J. Fillion, Paris, 1968).
Eis ainda Jacqu es Heers , professor de históri a econ ómica nessa velha
Sorbonne: " ... Parece difícildar muito crédito às teorias que associam
de maneira estreita toda s as desgraças da época a uma 'reviravolta'
36 OUTONO DA IDADE MÉDIA

da conjuntura que o estado atual das pesquisas estatísticas não per-


mite nem analisar nem mesmo definir de um modo seguro . A história
calculada da conjuntura do Ocidente medieval no fim da Idade Média
talvez seja possível de se fazer ; mas ainda não está feita ... " (Actes
du Colloque International de Cocherel, Les Cahiers Vernonnais,
,1964)
Atrás deles, e com sua experiência arlesiana, Louis Stouff coloca,
I
por sua vez, a questão (83): é possível, afirma, "ver a parte de cada
I um dos elementos da célebre trilogia: guerra, penúria e peste ... Para
j o Arles da baixa Idade Média, a penúria é um acidente; a peste
I um mal periódico; a guerra uma ameaça permanente". E enumerar

as conseqüências que são atribuídas sem contestação à guerra: os


numerosos edifícios em ruínas, às vezes derrubados por ordem das
autoridades e por precaução (sobretudo se encontram-se fora dos
muros); o recolhimento, ao interior dos muros , de vários estabele-
cimentos eclesiásticos (resultando , como na maioria das cidades, nu-
ma remodelação da topografia), e inúmeros refugiados; o abandono
de uma parte das terras, que são devastadas pelos que fazem a guerra .
Se somamos a isso as repercussões psíquicas evocadas mais acima,
o prato vai pesar na balança. Não é minha intenção negá-lo .
Vou então , por minha vez, fazer a sinistra contabilidade da guerra .
Terá ceifado muitas vidas? Um cálculo rigoroso é impossível , só con-
seguimos formar uma idéia geral. As batalhas não mataram muita
gente. Os exércitos, cujo tamanho meu velho mestre Ferdinand Lot
dedicara-se a desmistificar, e que mais recentemente Philippe Conta-
mine resolveu descrever (191), não eram muito numerosos, e esta-
varn mais preocupados em fazer prisioneiros - pelo menos entre
os cavaleiros, devido aos resgates esperados - do que em matar.
Havia "abusos", naturalmente, e os profissionais não eram os únicos
em causa. Cidades e vilas sitiadas também propiciavam ocasiões de
incêndio e de assassinatos. A crônica de Jean de Venette ilustra bem
essa guerrilha muitas vezes mais sangrenta do que as grandes batalhas
campais. Mas nada disso pode se comparar com as abundantes ceifas
das fomes e das epidemias.
Das conseqüências demográficas, passemos às conseqüências eco-
nômicas. E evidente que a cultura tenha se deteriorado com as guer-
ras, que campos e vinhas tenham sido abandonados, que terras, ar-
rancadas do baldio no século XIII, tenham retornado a esse estado ,
:- substituídas por medíocres arbustos. Na França corria o provérbio:
"Os bosques voltaram com os ingleses." A trégua, a paz significavam
a possibilidade de "reconstruir". Mas ainda era necessário que hou-
vesse ali homens para descobrir isso e que neles existisse vontade
de fazê-lo . Que o comércio padeceu com a insegurança geral é o
AGUERRA 37

que demonstra o que foi dito diante de Froissart por um chefe de


bando envelhecido , Aimerigot March es:
"Não há tempo. diversões , ouro, prata, nem glória neste mundo,
que homens de armas e de guerrear tenham vivido, como o que
anteriormente vivemos. Como ficávamos contentes quando partía-
mos para a aventura e podíamos encontrar um rico abade ou um
rico prior ou um rico mercador, ou um itinerário de mulos, de Mont-
pellier, de Narbonne, de Limoux ..., de B éziers, de Carcas sonne ou
de Toulouse , carregados de tecidos de ouro ou de seda , de Bruxelas
ou de Montivilliers , e de peleteria vinda de Bruge s, ou outras merca-
dorias vindas de Damasco ou de Alexandria! Tudo era nosso ou
extorquido segundo nossa vontade . Todos os dias, tínhamos novo
dinheiro ... Palavra de honra , essa vida era bela e boa! "
Esse texto é citado com freqüência. Não é menos admirado por
sua precisão quanto pelo sentimento que o anima . Se tivessem encon-
trado os ouvidos complacentes de um Froissart, quantos outros sal-
teadores teriam podido dizer os mesmos chavões! Não dramatize-
mos: em geral só eram surpreendidos os comerciantes que não tinham
tomado a precaução de se munir dos salvo-condutos fornecidos, con-
tra dinheiro sonante, por agentes dos chefes de bandos . Eram chama-
dos de p âtis, termo também usado com referência às quantias pagas
pelos povoados para evitar qualquer dano a seus territórios, ou pelas
autoridades para conseguir escapar dos temívei s bandos. Definitiva-
mente , tudo passava a ser questão de dinheiro . Mas será possível
colocar isso em números?
Assim se manifestam para nós as conseqüências financeiras das
guerras. Para que essas guerras existissem, eram necessários homens
que as praticassem. mas também instituições que as organizassem.
Alguns Estados esforçaram-se para possuir essas instituições. O "pre-
ço da guerra" foi pago em parte por intermédio de Estados nascentes
. e de suas finanças . Depois da sinistra trilogia , é preciso evocar o
difícil parto dos Estados. Aliás, será esse estudo que nos permitirá
responder à fatídica pergunta: epidemia, fome ou guerra , qual é a
pior? O exemplo da Inglaterra prova que, por intermédio das finanças
de guerra, um país pôde ser atingido sem nunca ter sido o teatro
, de operações . A resposta deve então variar de região para região ,
a proporção dos fatores deve modificar-se de uma para outra. Só
depois de haver evocado pelo menos rapidamente as finanças de
guerra é que poderemos tentar medir as responsabilidades.
4

D ifícil parto dos Estados

Comecemos pelas definições (193 bis). Um Estado (do latim : sta-


tus) é uma entidade definida por seu território, que é demarcad o
por fronteiras conhecidas com precisão; por sua população. que reco-
nhece pertencer-lhe ; por seu governo. que dispõe do monopólio da
autoridade suprema (nos limit es do simples direito intern acional)
e a exerce para assegura r a ordem pública e promover o bem geral.
Esse governo é reconhecido pelo con junto das nações. Seus súditos
consideram-no como a " coisa pública " (res publica) , instituída para
o benefício de todos, qualificada, portanto. par a cobrar impostos .
admini strar justiç a, criar um exército, emitir a moeda, et c... Con vém
distinguir o Estado da sociedade : esta é a livre associação de homens
em famílias, classes ou grupos, independente de todo controle polí-
tico - é, no entanto , nesse sentido que se falava de " estados" nos
séculos XIV e XV : clero , nobreza. terceiro estado . Também convém
distinguir o Estado da nação , que supõe não só uma linguagem co-
mum - esse qualificativo não se aplicaria à nação suíça pelo fato
de ali haver quatro línguas oficiais? - , mas uma tradição , uma cultu-
ra , uma vontade de viver juntos, que não coincidem necessariament e
com as fronteiras dos Estados.
Foram os pensadores grego s - Platão e Aristóteles em part icular
- que destacaram essas noções. Para eles. o Estado confundia-se
com a cidade (polis) . Os romanos retomaram-nas, e exercera m sobre
elas sua reflexão jurídica, ao mesmo tempo em que as este ndiam
ao conjunto de seu Império. A queda do Império Romano , pelo
menos no Ocidente, assinalou o eclipse dessas noções. Carlos Magno
40 OUTONO DA IDADE M ÉD IA

tento u ressuscitar o Imp ério , mas era incapaz de dife renciá-lo de


seus be ns de famíli a, assim como de esta be lece r uma clara distinção
entre espiritual e temporal. Os séculos seguintes iriam suporta r o
peso dessas confusões.
Os poderes universais - Império e Igreja ro mana, dirigida pelo
papado - iriam se esgotar nu m conflito estéril (salvo no plano das
idéias, já que iria favo rece r o ren ascimen to do direito romano) . O
primeiro saiu exa ngue : na Alemanh a e na Itália , as cidades, ou os
senho res , grandes e pequ enos, exe rcer iam por muito temp o as fun-
r ções estatais no seio desse grande espe lho partido . A Igrej a ficou
sob a influência do rei da França, sob cuja pro teção o papa do veio
se estabelecer no século XIV , em Avigno n. Qu ando esse papado
I retomou a Roma , o Grand e Cisma do Ociden te não dem orou a eclo -
dir , e deveria perturbar os espíritos até mesmo em pleno século XV .
Mais feliz , a Inglaterra soube enco ntrar, juntament e com os anglo-
saxõe s e pressionada pelo perigo normando , um Estado : des de os
séculos IX e X , os reis de Wessex legislavam : A conq uista da Ingla-
terra pelo s normandos, em 1066, assegurou afina l a manut enção des-
sa tra dição : pois os norm andos - tamb ém provariam isso na Sicília
- era m juris tas natos. Nos séculos XII e XIII , essa noção de Estado
refina-se na Inglaterra. O continente enco nt ra-se menos avançado:
na França , a mona rquia dos capetianos desliga-se , dur ante o século
XIII, dessa desintegração do Es tado que a feudalida de constituía .
Contudo , as implicações desse desen volvimento ainda não eram cla-
ramente compree ndidas nem definid as. Com muito mais razão nas
diversas Cor oas da Pen ínsula Ibérica.
Assim aprese ntam-se - em ordem dispersa - os diferent es reinos
no limiar do século XIV. Os século s XIV e XV, com to das as suas
desgraças , acre scentariam nos espíritos humanos progressos deci-
sivos às noções definidas acima . Mas só ao final de um part o difícil
é que o Esta do iria re nascer: Não sem que a eco nomia sofresse dolo-
rosas conseqüências .

Nascimento do imposto (193 e 193 bis)

Por volta de 1300, ainda era corrent e na França a noção de que


o rei devia viver " por sua conta" , ou seja, das rendas normais de
seu domínio , como to do senho r - e que só pod ia reco rre r à aj uda
de seus vassalos (e, através de les, de seus súditos) em casos bem
definidos pelo costume feudal: resga te em caso de cativeiro, sagração
de cavaleiro do filho pr imog énito , casament o da filha prim ogênit a ,
partid a para a Cruza da . Esse sistema mostr ava-se cada vez men os
DI FíCI L PARTO DOS ES TA DOS 41

apto a cobrir as despesas cresce ntes da Coroa: ainda era suficiente


par a as despesas dos palácios (do rei, da rainh a , até dos príncip es) ,
indispensáveis ao prestígio da monarquia. Mas era necessário respon-
der às despesas crescentes da administração, e o feudo-rend a foi
concebido para isso . Porém , cedo ou tarde , seri a substituído pela
concessão de verda deiros estip êndios. Também era preciso - recor-
rendo a donativos - conduzir uma diplomacia dispendiosa , mas ne-
cessária . E sobretudo havia a guerra -em particular quando eclodiu
a Guerra dos Cem Anos ! Era necessário que o rei solicitasse a ajuda
de seus s úditos, mesmo que tivesse que discutir o assunto com seus
/ representantes. Os Estados Gerais, constituídos de delegados do cle-
ro , da nobreza e do terceiro-estado. reunidos desde o fim do século
XIII por ocasião das lutas com o papado. foram o lugar natural desses
debates.
Nessa evolução, seria decisiva a crise de 1355-1356: o rei João ,
o Bom, fora apri sionado perto de Poitiers . O dire ito feudal previa
uma ajuda para o pagamento de seu resgate - mas que resgate
enorme, um ano não bastaria para pagá-lo! No dia seguinte à derrota ,
/ 0 delfim Carlos (futuro Carlos V) teve de reunir eis Estados Gerais ,
mas, antes de tud o. para obte r os subsídios necessários ao pro ssegui-
ment o da guerra. Os represe nta ntes dos contribuintes concederam
os subsídios, mas impuseram condições: sua utilização deveria ser
contro lada, a ad ministração das finanças "extrao rdi ná rias" não seria
confiada aos funcionários que geriam a fortuna do rei. mas a "eleitos"
que organizariam a coleto ria e superv isiona riam o uso . Instituição
dur adoura: mesmo quando os "eleitos " passaram a ser nomeados
pelo rei novamen te poderoso . o nome perm aneceu . distinguind o fi-
nanças ordiná rias e extrao rdiná rias. Destacava-se a idéia de um im-
posto devido não à pessoa do rei , mas ao Estado .
Durant e os meses que se seguiram. os Estados G er ais torn ar am-se
desa creditados com a crise polític a. E foi com as assembléias locais,
as cidade s e comunidades de habit ante s que o delfim teve que discutir
par a obter o montant e necessário ao resgate do rei . Exigiram tamb ém
que a arrecadação fosse confiada a seus eleitos , e o delfim concordo u
ainda com mais boa vontade, já que as comunida des torn avam-se
desse modo respon sáveis por essa arre cadação .
Assim foi criad o o háb ito do imposto . Não sem protestos de ambas
as part es, a quant ia era concedid a apenas por um certo tempo e
par a um objetivo determinado . No meio do século XV , o imposto
torn ar a-se praticamente permanent e. O rei fixava o montante, mes-
mo que tivesse de discutir a base em certas provín cias, como Langue-
doe, D auphin é, Norm andia .. . Mas o peso dessa novidade era sentido
de maneira cru el. Para nos restr ingirmos a um exe mplo: em T oulou -
42 OU TONO DA ID AD E MÉD IA

se, em 1404-1405, 59% das despesas eram destinados ao pagament o


dos subsídios reais concedidos par a a luta cont ra " He nri de Lan castre
que se diz rei da Inglater ra" ; mas é preciso acrescentar 5% corres pon-
dentes a des pesas emprega das no pagament o dos subsídios passados;
e 26% consagrados ao reem bolso dos emprés timos contraídos pela
cidade par a quitá -los. Só sobrava m então 10% para uso propriament e
municipal: salários dos funcioná rios da cidade, provent os em espécie
concedidos aos capito uls, despesas suntuá rias e, finalmente , tra ba-
lhos e conse rtos - pou co menos de 2% da despesa tot al. Isso era
bem pouco , já que uma part e da mur alha caía em ruín as, que apenas
uma das cinco pon tes outro ra construídas sob re o Garonne conti-
nuava mais ou menos utilizável e que numerosas ruas mostr avam-se
inabitáveis. O estado da documentação pe rmit iu-me ana lisar o exe m-
plo de Toulouse. Mas posso assegura r que não aprese ntava nada
de excepci onal. E quero já evocar as linhas de sir John For tescue
que descrevem a miséria dos campo neses franceses: " E les não podem
viver de outra maneira, pois os ar renda tários, que deviam pa gar a
cada ano um escudo pelo uso de seu territór io ao senhor , pagam
agora, além disso, cinco escudo s ao rei."
No entanto , sir John Fortescue era o último a poder denunciar
esse peso do impo sto , pois em seu próprio país, a Inglaterra , a evolu-
ção tinha sido muito mais precoce . Remonta mesmo ao século XII.
Em 1215, a Magna Carta tentava codificar o costume e limitar as
exigências do rei. Em 1275, o primeiro Estatu to de Westminster a
definia e est abel ecia novo s limites às possibilidades do sob erano.
Desde.o fim do século XIII, a ajuda feud al tornara-se um verdadeiro
imposto nacional. A cont ra partida era o desenvolvimen to do regime
rep resentativo : mas evite mos o erro que cons istiria em ver nisso uma
conquista . Tomar assento no Parlament o era be m mais um dever
que um direito. Ao menos o Parl amento esforçava -se por represent ar
seu pap el. Em janeiro de 1377, pedirá que dois condes e dois barões
vigiem o emp rego dos fundos forn ecidos pelo imposto; em outubro,
dará prefer ência a comerciantes, mais competen tes. O esse ncial er a
que o Tesou ro rea l não gerisse o imposto e que se prestassem contas
ao Par lamen to. Em 1381, depois em 1415, as Com unas lembravam
. - em vão - que o imposto devia continua r sendo excepcional.
O que aco ntecia quando cidades, que integ ravam o Im pér io , con-
quistavam sua auto nomia? Foi feito um estudo compa rado bastante
reve lado r das finanças de Floren ça (em 1336-1338), de Bru ges (em
1391-1392) e de Cracóv ia (em 1390-1405). E ntre as rend as, o imposto
direto fornecia mais ou menos 15% a Floren ça , 5% a Cracóv ia, e
pratica mente nada a Bru ges. E m compensação , a caixa bru guense
era quase com pletame nte ate ndida graças ao imposto indireto , res-
DIFÍCIL PARTO D OS ESTA DOS 43

ponsável por cerca de 55% das receitas de Florença e por quase


nada das de Cracóvia. Como ent ão esta última saía-se bem ? Um domínio ·
municipal importante (40% da receita. contra 5% em Brug es e nada
cm Florença), mon op ólios , com o os dos pesos e medidas e das vendas
de cera (30% , contra 3% e nad a) e, por fim, empréstimos (25%.
contra 1% e 30%) dotavam-na . Vê-se como as cidades podiam confi-
gurar casos difer entes. Vê-se tamb ém que sua polític a fiscal traduzia
uma atitude social bem definida: o imposto diret o , sobretudo se era
I mais ou menos proporcional às fortun as. era socia lme nte mais eqüita-
tivo que o impo sto indir eto. que os pobres pagavam com o os ricos,
cujas nece ssidad es não eram evide ntemente a exata medida de suas
.\ possibilidades. Isso significa que Bru ges er a dir igida por pod ero sas
famílias pouco preocupadas com justiça social; a posse de um impor-
tant e patrimôn io urb ano perm itia a Cr acóvia mostr ar-se mais eq üita-
tiva. O caso de Florença é intermediário: ela pedia assim mesmo
muito pouco ao imposto direto ; apenas em 1427, para as necessidades
da guerra contra Milão , foi que os florentinos tiveram de recorrer
amplamente a esse imposto e confeccionaram, para fixá-lo, um catas-
to que existe até hoje e constitui uma fonte de informações inigualável
(143). - Quando as cidades encontravam-se submetidas ao sobe-
rano, era ele, juntamente com elas , quem determinava essa política:
na Inglaterra, havia um sistema que, por direcionar o essencial do
peso do imposto sobre direitos de duana no que concernia a lã, tecidos
e vinhos (entre outras coisas), conv inha tanto às pessoas abastadas
quanto a ele mesmo ; na França, ao mesmo tempo em que havia
o cuidado pa ra qu e um mínimo de justiça social fosse respeitado
(assim foi no Midi , com a elaboração de registro s de estim as, que
permitiam o estabelecimento de impo sto s diretos) , ele tom ava com
freqü ênc ia o part ido dos burgueses contra os pobres, mas também
contra os nobres e o clero .
Pois não faltav am contestações em rela ção a isso. Os nobres alega-
vam que, combatendo. pagand o o imposto do sangue . liberavam-se
de tod a carga financeira ; mas nem tod a a nobreza era militar. e estava
abe rta a via para discussões mesquinhas. Mais importante ainda era
o caso do clero . que não deixava de se dizer isento quanto a seus
ben s. dado s em princípio a Deu s ou aos santos . e destinados - sem-
pre em prin cípio - a piedosos e caridosos fins. Podi a-se tributa r
Deu s? As munic ipalidades estavam cada vez men os dispostas a pen -
sar dessa forma já que a propried ade eclesiás tica era amiúde conside-
rável nas cidades. De fato. teoricamente isento. o clero tinha mesmo
assim qu e suporta r pesad as cargas.
Em torno do pap a em primeiro lugar. e o século XIV é precisa-
ment e o período em que o papado de Avignon organizou todo um
44 O UTONO DA IDADE MÉDIA

/ pesado sistema de fiscalização pontifical. O papa "reservava-se " um


I número crescente de benefícios - de bispos . de abades . de cônegos ...
- sob o nome de " anatas" . recebia os rendimentos do primeiro
ano de todo benefício provido recentemente . Reclamava também .
sob o nome de "espólios". os bens e créditos dos clérigos. e apo ssa-
va-se deles quando morriam, o que não deixava de chocar muitas
consciências. Te-ndia a deixar vagos muitos meses. até vários anos.
benefícios que comportavam , entretanto. curas de almas. e isso a
fim de receber os rendimentos . Obtinha com freqüência dos bispos
as "procurações". isto é. as quantias que estes (ou seus arcediagos)
arrecadavam quando de suas visitas pastorais; assim mesmo. poucos
foram os prelados que continuaram a visitar as paróquias de suas
dioceses. Sistema escandaloso. cujos detalhes evidentemente não ex-
ponho. Ele soçobra na crise consecutiva ao Grande Cisma do Oci-
dente . Os concílios reformadores de Constança (1414-1417) e Basi-
\
léia (1431-1449) restabelecem a unidade da cristandade e põem fim
a esse fiscalismo .
Os cleros encontram-se então sozinhos face aos seus príncipes .
São negociadas em cada país as condições nas quais ele próprio pode-
ria contribuir para as necessidades da Igreja romana... e do Estado .
Uma concordata geralmente resolvia essas questões. Em outros luga-
res, como na França. essa é uma decisão do príncipe. à qual o clero
está menos associado . Assim foi quanto à Pragmática Sanção de
Bourges em 1438. O clero então era privilegiado. mas não se pode
dizer que não pagasse imposto .
Todo esse nascimento do imposto. pelos encargos que fazia pesar
sobre o conjunto das populações . pelas destinações novas que dava
a quantias em geral consideráveis. afetava evidentemente a econo-
mia. Além disso. as dificuldades desse parto trouxeram graves conse-
qüências nos planos militar e monetário em particular.

Em direção aos exércitos permanentes (190 e 191)

! Segundo o direito feudal, quando um senhor - mesmo o rei -


'q ueria fazer uma guerra. convocava seus vassalos. os quais vinham
,I com o contingente determinado pelo costume . Cada qual . aliás . era
I um pequeno chefe , o que privava esse exército de qualquer homoge-
neidade . Um outro inconveniente : o serviço era devido somente por
um curto período, em geral 40 dias. Mas . para uma guerra feudal.
isso podia bastar. Essa operação chamava-se convoquer te ban -
em caso de necessidade urgente. o rei podia também chamar o arrie-
re-ban, ou seja, todos os homens livres do reino aptos para o combate.
DIFÍCIL PARTO DOS ESTADOS 45

Mas uma tal turba também era tão difícil de conduzir ao combate,
quanto de armar convenientemente. Quase não era utilizada, e logo
o rei substituiu a obrigação pessoal por uma taxa. Quadro certamente
simplista. Seria preciso estabelecer diferenças sutis, mencionando
o serviço das milícias urbanas, a presença de sargentos a pé e a cavalo,
etc.
A inadaptação desse sistema apareceu pelo menos já no século
XIII, quando algumas guerras excederam a duração e os desloca-
mentos previstos pelo costume . O uso era que o rei conservasse seus
dependentes , mas pagando-lhes soldo e indenizando-os por suas des-
pesas e perdas - em cavalos, particularmente. Com mais forte razão
a Guerra dos Cem Anos fez ressaltar essa necessidade. Philippe Con-
tamine pôde escrever: "Por volta de 1300, no reino da França, o
servicium debitum [serviço devido] tradicional encontra-se em plena .
decadência. "
\ Não seria o caso aqui de evocar a evolução militar dos séculos
I XIV e XV a não ser na medida em que ela afeta a economia. Deve-

I mos, portanto, nos restringir. É preciso em primeiro lugar mencionar


o importante desenvolvimento técnico a que se prestaram de tão
bom grado esses séculos guerreiros . Procuremos esboçar , de algum
modo, o encadeamento . Na origem de tudo , é necessário, sem dúvi-
da,' colocar o aperfeiçoamento das armas de arremesso: o arco foi
melhorado pelos ingleses durante suas lutas contra os gauleses e os
escoceses: é o long bow de teixo, com altura de 1,50 a 2 metros ,
capaz de atirar três vezes mais flechas por minuto que a balestra.
Esta, arco de aço montado sobre um cabo, retesando-se com a ajuda
de uma mola, podia ter efeitos mais terrificantes ainda (considerada
uma arma "diabólica" , seu uso foi mesmo excomungado no século
XII), mas sua lentidão era um empecilho tão severo que era preciso
que combatentes especiais, os pavesiers , protegessem , com altos es-
cudos, os que manipulavam a balestra das flechas inimigas.
De qualquer maneira, era preciso proteger melhor homens e cava-
los. Quanto aos homens: " ainda na primeira metade do século XIV ,
as placas de metal só recobriam uma pequena parte do corpo do com-
batente (sobretudo os membros), a armadura de malhas continuava
sendo a proteção fundamental do busto, enquanto no século XV
é o "arn ês branco" que cobre com sua carapaça tanto os membros,
a cabeça , quanto o tronco, de modo que as peças de malha encon-
tram-se apenas a título de acessórios de pequena dimensão, por
exemplo abaixo da cintura ou ao nível da garganta" (Ph. Contamine).
Naturalmente, esse sistema reforçado não estava mais ao alcance
financeiro senão de uma pequena minoria. - Os cavalos? É famosa
a frase de Giraudoux: "O cavalo, como todos sabem, é a parte mais
46 O UTO N O DA ID AD E M r:D1A

importante do cavaleiro ." Ora , o cavalo custava caro , era preciso


protegê-lo ao máximo , tanto mais que os arqueiros inimigos visavam
freqüentemente a montaria, da qual o cavaleiro , fincado em sua cou-
raça , não podi a mais se livrar, uma vez que fosse abat ida.
Desde meados do século XIV , a cavalaria tornava-se , aliás, o ele-
mento essencial dos exércitos. Os arqueiros e besteiros montados
só punham os pés no chão na batalha. Por volta de 1450, a infantaria,
numerosa, econômica, tamb ém melhor armada dorav ant e (em parti-
cular da alabarda, da lança e mais tarde do mosquete), recupera-se .
Uma modificação maior foi evidentemente o desenvolvimento da
artilharia de fogo , cuja origem, sem dúvida , é asiática. Seu primeiro
f emprego é atestado em 1346, na batalha de Cr écy, quando os ingleses
explodiram pólvora e atiraram alguns pro jéteis : mais barulho que
mal, ainda ! Em cerca de vinte ano s, a nova arma espalhou-se por
todo o Ocidente. A os pequ eno s canhões, cad a vez mais numero sos,
juntaram-se , desde 1400 aproximadamente, peças pesadas , colubri-
nas e morteiros . T ranspo rta dos de início dentro de carroças , esses
novos engenhos passaram a ser montados sobre carretas munidas
de rodas (por volta de 1450). Tudo isso custava evidenteme nte cada
vez mais caro e devia, com o temp o, provocar a tran sform ação das
fortifica ções, cuja manutenção tamb ém era um ponto impo rtante
dos orçamentos .
Como os sistemas militare s ada ptaram-se a essas transformações?
Em princípio , o serviço dos cavaleiro s conserv ava sua preeminência.
A arrogância exibida pelos cavaleiros franceses em relação à "ge nte
a pé" foi-lhes mais de uma vez fatal (como em Crécy), contudo ,
não se sabe se esses sentimentos tenham sido amplamente compar-
tilhados no Ocidente. Mas o essencial dos exércitos era composto
de homens que recebiam soldo e de mercenários (que se engajavam
pelo chamariz do ganho) empregados de fato desde o século XII .
Como era de esperar, a evolução foi mais precoce na Inglaterra,
uma vez que esse país devia enviar seus exércitos para fora de seu solo,
ao continente . Desde o século XII, foram tomadas medidas essenciais
para o recrutamento e a formaç ão das tro pas , a aquisição e a conser-
vação das armas. No s éculo XIV , o cora ção do exército era consti -
tuído por "retenções" de dimen sões variávei s, reunid as atr avés de
contratos qualificados como certificados de guerra: por exemplo , em
1373, para a expedição de Jean de Lanca stre na França , 6.000 comb a-
tentes estavam agrupados em 28 " retenções" .
Também a Itália cedo fez uso do sistema da condotta, uma vez
que os meios dirigentes das cidades de ixavam-se absorver por suas
ocupações industriais e comerciais e preferiam engajar um condot-
tiere, geralmente estrangeiro, como o alem ão Werner von Urslingen
DIFÍCIL PARTO D OS ES TA DO S 47

(sobre cuja couraça podia- se ler a insolente divisa: " Inimigo de Deus,
inimigo da piedade, inimigo da pena "), ou o inglês John Hawkw ood,
filho de curtidor, que, de 1360 até sua morte em 1394, serviu sucessi-
vamente ao conde de Sav óia, a Pisa , ao papa e por fim a Florença ,
que lhe pagou por serviços pre stad os. Depois a pre fer ência foi dad a
a italianos, como Micheletto degli Attendoli. Na França, os Valois.
que continuavam a recorrer ao serviço feudal, também engajaram
besteiros genoveses e depois multiplic aram os contratos de " coman-
do" com os dirigentes das Grandes Companhias. No século XV ,
espalhou-se por toda part e a fama dos suíços, admiráveis comba-
tentes, duros e sem medo , e muito bem organizado s (Olivier de la
Manch e constata isso por volta de 1470: "Eram em geral três suíços
juntos , um lanceiro , um manobreiro de colubrina e um bestei ro ,
e .. . socorriam um ao outro em caso de necessidade").
Contudo quanto mal essa gente de guerra causava às populações!
Deviam não só pagar o impo sto para seu engajamento , mas além
disso, e com muit a freqü ência, sofriam suas pilhagens. Em razão
das espoliações cometidas na Itália , passou a ser dada preferência
aos italianos: esses amontoados de grosseirões pilhavam sistemati-
camente os territórios. E o que dizer da infeliz França? Os ingleses
não se importavam muito com a qualidade moral dos homens que
enviavam par a lá: " Na maioria dos exércitos ingleses desse período
(1346 a 1360), é provável que a proporção dos fora-da-lei estivesse
! entre 2 e 12%" (J . Hewitt) . Mas os infelizes habitantes não tinham
mais que se rejubilar com as tropas francesas; vagabundos e ladrões
engajavam-se facilmente . A situação ficou pior quando a monarquia
enfraquecida tornou-se incapaz de dissolver os bandos nos períodos
de paz . Isso se deu particularmente em dois momentos. Em 1360,
os routiers (de ruttae, do latim rumpere: frações de bandos) resolve-
ram viver no país, e Carlos V, com a ajuda de Duguesclin , teve
muita dificuldade para enviar tantos quanto possível para serem mor-
tos em Castela e na Prússia. Em 1435, a paz de Arras seguiu-se
das deva stações dos Escorchadores, sinistros bandos conduzidos por
homens tais como o castelhano Rodrigue de Villandrando , mas tam-
bém pelos capitães franceses, antigos companheiros de Joana d'Arc,
La Hire , Xaintrailles... Segundo Monstrelet , eram qualificados de
Escorchadores porque "todas as pessoas que com eles encontra-
vam .. . eram despidas de suas roupas até a camisa " . Pilhavam , mata-
vam, estupravam , destruíam as plantações de trigo ainda verdes ,
espoliavam o país . ..
\\ A França, porque sofrera , sem dúvida , as piore s desgraças da guer-
\\ ra . realizou alguns dos passos decisivos em dire ção à formação de
um exército permanent e, noção cujo sentido é importante discernir
48 OUTONO DA IDADE MÉDIA

plenamente . Para que haja realmente exército permanente , são ne-


cessárias várias condições: existência de estruturas regulares , inde -
pendentes da renovação dos efetivos; desejo do poder em mant er
em serviço elementos de tropas, mesmo em tempos de paz ; presença
de jovens que projetem realizar verd adeiras carreiras militares , com
a disponibilidade e a perda de liberdade que uma tal vocação supu-
nha; e , finalmente , instauração de rendas regulares, suficientes para
manter esse exército . Por volta de 1450, tod as essas condiçõ es exis-
tiam na França, e Carlos VII tomou as medidas essenci ais: procurou
fixar a gent e de guerra nas guarnições fronteiriças; reivindicou unica-
mente para si, e às custas dos príncipes, o recrutamento ; operou,
entre os soldados disponíveis, uma tr iagem e os elementos foram
agrupados em companhias de ordenança com organização e arma-
mento uniformes. Pôde mesmo despender o suficiente par a lançar
as bases do que seria a primeira artilharia do mundo de então . Aco s-
tumar a opinião púb lica a essa novidade era uma tarefa árdua. Muito
mais tarde inter viria o aquartelamento , que terminaria tornando o
homem de guerra simpático à populaç ão . A evolu ção era desde então
irreversível, e iria se generalizar fora da Fran ça.
r- Mas através de quantos sofrimentos os homens dos séculos XIV
e xv chegaram a esses resultados!

A moeda: o preço das carências fiscais (279)

Não há, sem dúvida, esforço maior que o de descobrir no que


consistia o sistema monetário dos séculos XIV e XV. Postas de lado
as moedas fiduciãrias, cujo desenvolvimento ser á estudado adiante
(cap . 9), ele continuava essencialm ente metalista. Baseava-se em
peças de diversos metais, que' não portavam qualquer indicaç ão de
valor, mas apenas a menção do poder emissor e uma imagem simbó-
lica que lhe dava o nome: um agnel ou carneiro, um escudo, uma
flor-de-lis (daí o florim) , uma coroa ... Essas moedas definiam -se
por três elementos:
1. Seu peso, muitas vezes indicado pelo número de peças extraídas
do marco - unidade que , conforme os países , variava por volta
de 240 gramas e compreendia 192 deniers. As imprecisões das técnicas
de cunhagem faziam com que raramente se conseguisse um peso
uniforme das peças . As ordenações previam então uma margem ou
" remédio", e fixavam um peso mínimo , o peso " legal" . A astúcia
dos cambistas consistia em cortar as moedas mais pesadas que esse
peso " legal" , e isso .lhes era facilitado pela ausência de qualquer
impressão sobre a borda da moeda .
DIFÍCIL PARTO DOS ESTADOS 49

2. Seu título ou quilate . Era indicado, para o ouro, em quilates ,


sendo que 24 quilates correspondiam ao ouro puro; para a prata ,
em deniers d'argent te roi, levemente ligados para tomar a peça mais
resistente (assim , 12 deniers d'argent te roi, que era a pureza máxima,
correspondiam a 958/1000 de metal precioso); para as moedinhas
ou, como se dizia, para a prata negra , mais ou menos misturada
com cobre ou estanho, as indicações variavam. Se o povo era facil-
mente capaz de julgar o peso das moedas, era evidentemente muito
mais fácil enganá-lo sobre seu título .
3. Seu valor de conta, indicado segundo as antigas unidades das
libras de 20 soldos, de cada 12 deniers (que variedade de sentidos
para esta palavra deniers , dá para confundirl). Esse sistema de conta
variava conforme os países: na França predominava o tomês, na
Inglaterra o esterlino (e esse país conservador manterá até meados
do século XX uma conta em libras esterlinas, de cada 20 xelins,
cada um deles dividido em 12 pence!), etc. Cada vez que o príncipe
emitia moedas, fixava através de um decreto seu peso, seu título
e seu valor de conta.
Mas quem era o príncipe? Na França e na Inglaterra, assim como
nas Coroas ibéricas, o monopólio do soberano tinha-se praticamente
imposto (260, 287) . Na Itália, as grandes cidades (Gênova, Florença,
Milão , Veneza em particular) possuíam cada uma seu sistema mone-
tário (314, 317) . Na Alemanha reinava a maior anarquia: não existia
moeda verdadeiramente imperial, e os senhores (como os Habsburgo)
e as cidades emitiam cada qual suas moedas (284-285, 290).
Era evidentemente fácil para o príncipe " mudar" um desses dados:
seja o peso, o que constituía a mudança mais constatável pelo po-
vo; seja o título, o que era mais sutil; seja o valor de conta - ou
ainda dois ou três desses elementos. Mudar a moeda era, na falta
de recursos fornecidos por um imposto regular, uma tentação muito
forte , pois a operação era de grande interesse para o príncipe: com
o mesmo peso de metal precioso, doravante seria possível para ele
fabricar um maior número de peças ; além disso, a margem de lucros
de seus ateliês seria aumentada e podia ser ampliada pela depreciação
das moedas anteriores , pela proibição de utilizá-las doravante e pela
obrigação imposta a seus possuidores de levá-las para refundição
nos ateliês monetários. Os lucros da operação podiam ser enormes:
segundo a conta do Tesouro do rei da França no natal de 1349 (perío-
do de grandes enfraquecimentos), os rendimentos da moedagem foro,
neciam 70% das receitas da monarquia! Cada crise política ou militar
traduzia-se, desse modo, por uma série de "enfraquecimentos" das
moedas, e nenhum país foi com mais freqüência palco disso que
a França, em particular devido à lentidão com que ali se organizava
50 OUTONO DA IDADE MÉDIA

o sistema de impostos. Certamente, seria errôneo imaginar que uma


anarquia monetária constante tenha reinado na França durante dois
séculos. Devem -se ressaltar dois períodos que correspondem justa-
mente a tais crises: de cerca de 1330a 1360, os esforços empreendidos
para preparar e conduzir a guerra , os cruéis reveses provocados pelas
derrotas (de Crécy e Poitiers em particular) traduziram-se numa série
catastrófica de desvalorizações da moeda ; desde 1360, Carlos Vesfor-
çou-se para corrigir a situação. Dessa época data a difusão do franco,
unidade que conheceria destino tão duradouro. Uma nova crise de
1417 a 1435, associada a um dos episódios mais sombrios da história
francesa: calcula-se que a moeda , nos piores dias, teve seu valor
diminuído em 24 vezes! Desde 1436, Carlos VII e depois Luís XI
empenharam-se para restabelecer o equilíbrio. Mesmo assim, o ba-
lanço final era fortemente negativo: o soldo tornês que, sob Luís
IX , no século XIII, correspondia a G,419g de ouro, ou 4,046g de
prata, não mais continha, por volta de 1480, além de 0,102g (ou
seja, uma queda de 24%) e 1,149g (28%f
I A situação não foi tão catastrófica em todos os países. Os reis
da Inglaterra, apoiados num sistema de impostos bem mais desenvol-
vido, puderam manifestar uma dedicação à estabil idade da libra es-
\ terlina - a qual, fato notável, permaneceu no fundo da alma britâ-
nica. Na Itália, as cidades esforçaram -se em manter, na medida do
possível, o valor de suas peças de ouro e de prata. Na Espanha ,
o rei de Aragão tentou imitar o exemplo florentino, pela cunhagem
de seus próprios florins. Mesmo na Alemanha, onde ligas de cidades
e de senhores buscavam salvaguardar algumas moedas comuns: tal
foi o objetivo do Rappenbund (desde 1387), da aliança suábia (forma-
da em 1396), e desde 1379 da aliança wende que se propunha dar
uma base monetária à Hansa germânica.
Não saberíamos calcular os danos causados à economia por um
sistema tão complexo e instável. Os textos apressam-se para pô-lo
fora de dúvida . Durante a ocupação inglesa, o Bourgeois de Paris
descreve assim a perturbação causada pelos erros da potência inglesa
ocupante (90):
"No sábado, 12 de abril [1421] , foi proclamada em Rouen a nova
cotação das moedas: o gros de 16 deniers parisis não valia mais que
4; o nobre [moeda inglesa] valia 60 soldos turneses e o escudo 30.
"Terça-feira, em Paris, todos acreditaram que essa cotação iria
ser observada na quarta-feira ou sábado seguintes, e o preço dos
alimentos subiu tanto que não se podia comprar mais... Os comer-
ciantes vendiam assim qualquer vívere pelo preço que queriam, pois
ninguém encontrava solução de interesse geral. Dizia-se, aliás, que
aqueles que deveriam tê-lo feito eram eles próprios comerciantes .. .
DIFfC/L PARTO DOS ES TA D OS 51

"Houve um forte murm úrio para que se fizesse um novo pregão


da moeda, pois as pessoas do Palais e do Châtelet exigiam por todos
os gros pagamento em moeda forte ... E só tomavam o gros por 4 deniers
parisis e o davam em mercadoria às pobres pessoas por 16 denierspari-
siso Então o povo explodiu de cólera e a multidão reun iu-se no Hôtel
de Vil/e . Quando os governadores a viram , ficaram com medo e manda-
ram proclamar que o primeiro termo dos aluguéis a vencer se pagaria
à cotação de 12 gros por um franco .....
Os tesoureiros das diversas instituições - municipalidades, igre-
jas, hospitais, colégios universitário s - não sabiam mais muito bem
no que acreditar. A ssim, em 5 de agosto de 1427, forçado pela doença
a abandonar sua administração , o prior do Colégio de Périgord, em
Toulouse , traduzia sua confusão (99): " É preciso saber que , devido
à cotação simultânea de moedas diversas durante esta administração,
o Colégio sofreu grandes prejuízo s: pois , da Saint Front [25 de outu-
bro de 1426] a 15 de fevereiro , duas espécies de doubles tiveram
cotação, e o escudo elevou-se de 36 para 40 doubles; se bem que apre-
sentando o mesmo aspecto , não eram da mesma qualidade, de modo
que muitos foram enganados, e eu também. Depois surgiu uma outra
moeda, o escudo valeu 30 doubles, depoi s subiu até 36 neste dia."
Em geral , os enfraquecimentos favoreciam os devedores, os refor- .
ços, os credores. Não sem um evid ente exagero , os ricos denun-
ciavam os ganhos que nisso teriam obtido os " populares" . Assim
fez Al ain Chartier em seu Quadriloge in vecti], pondo essas palavras
na boca do cavaleiro :
"Os popul ares têm a vantagem de terem a bolsa como a cisterna
que recolheu e recolhe as águas de goteiras de todas as riquezas
deste reino ... pois a fraqueza das moedas diminuiu para eles o paga-
mento dos deveres e da s rendas que nos devem e a ultrajante carestia
que impuseram aos vívere s e obras criou-lhes o haver que , a cada
dia, recolhem e amealham ."
9 que era fácil de dizer. . .
E testemunha da confus ão dos espíritos em particular o hábito
de fazer as contas, não mais em libra s, soldos e deniers , mas em
peça s de ouro , mesmo se apenas simbolicamente, e em submúltiplos
totalmente teóricos. Constatei-o em Toulouse no início do século
XV , mas não faltam outros exemplos .
Os pensadores exerceram sua reflexão nessas vicissitudes
(347-348) . Originalmente, a moeda era considerada propriedade do
prínc ipe . Desde o século XIII teve lugar um longo esforço, do qual
é testemunha este alerta do pap a Inocêncio IV (papa de 1243 a 1254):
" Se o príncipe tem necessidades urgentes , ele pode obter algum
ganho sobre a moed a, de modo que a mesma valha menos que seu
52 o TONO DA IDADE MÉDIA

valor material... Não pode fazê-lo sem o consentimento do povo;


mas, com esse consentimento, pode fazê-lo, pois é possível a cada
um renunciar licitamente a seu direito ... Devido à jurisdição e ao
fato de que a moeda recebe uma certa autoridade e comunhão da
pessoa ou do caráter do rei, ela ganha um valor suplementar."
Ninguém fez mais para aprimorar essas noções do que Nicole Ores-
me, preceptor do futuro rei Carlos V da França, bispo de Lisieux
em 1377, e que, a pedido de seu real aluno, traduziu várias obras
de Aristóteles e redigiu um tratado De l'origine, nature et mutation
des monnaies. Estabeleceu que o rei só era possuidor da moeda em
nome da comunidade, e que não devia mudá-la a não ser que visasse
ao proveito público:
" Não se deve jamais mudar as moedas se a necessidade não é
uraente, ou se a utilidade não é evidente para toda a comunidade ..."
--.. Assim , ao ritmo do renascimento do imposto, emergia também
uma teoria moderna da moeda . Mas quanto mal terão ocasionado
nesse entretempo os erros dos séculos XIV e XV!
5

As questões que restam

A causa parece compreendida. O dossiê não é estafante? Na maior


parte da Europa Ocidental, senão em sua totalidade , os séculos XIV
e XV foram um período de depressão . As únicas questões que subsis-
tem são : quando se começou a degringolar? e por que isso aconteceu ?
Consagremos a esse assunto alguns instantes de reflexão.

Quando?

Quando? Foi grande a tentação - e numerosos historiadores dei -


xaram-se levar por ela - de fazer tudo partir de 1348, da grande
vaga de Peste Negra que desequilibrou tudo de maneira irresistível.
É a solução simples , fácil. E depois vozes ergueram-se.
Algumas, pouco numerosas é verdade, afirmavam que, em certos
lugares, 1348 era demasiado tarde . É preciso espantar-se? Elas vêm
sobretudo do mundo mediterrânico . Em Barcelona, Claude Carr êre
faz partir de 1380 a era das dificuldades reais; antes, tinha havido,
evidentemente o mal any de 1333, mas as dificuldades tinham sido
superadas (34) . Refletindo sobre a história de Veneza, Jean-Claude
Hocquet escreve (51): "Se tivesse me contentado em dirigir uma
pesquisa sobre o comércio marítimo do sal - ii vera fondamento
dei nostra Stato; diz ele - , teria, creio, confirmado as conclusões
habituais da historiografia sobre vários pontos: dificuldades do século
XIV . . . , prosperidade dos anos 1380-1430 (sobre esse aspecto o acor-
do é unânime) - 'podia-se então falar de apogeu', diz ele ainda
54 OU TONO DA ID A D E MÉDIA

- cris e da segunda metade do século XV .. . depois derroc ada . T eri a


no máximo avançado o começo das dificuldades para 1270-1280 e
acentuado o caráter catastrófico do s anos 1500-1530 ." Para Valên cia,
Jacqueline Guiral apresenta dados dificilmente recusáv eis (48): a ci-
dade contava com 8. 000 lares no recen seamento de 1418, se ja entre
32.000 e 40 .000 habitantes ; 15.000 lar es e m 1483, seja entre 60 e
75 .000 habitantes . E conclui naturalmente : " E nqua nto um certo de-
clínio afeta Barcelona, o sécul o XV por muito tempo ap areceu como
o apogeu do reino de Val ência e de sua capital. " Sem dú vida, é
uma chave que ela nos põe na mã o qu an do esc re ve qu e um fato r
essencial . além da s dificuldad es pr óprias a Barcelona , foi o favor
sistemático que Val ên cia recebeu, ju stam ente contra Barcelona, da
parte da nova dinastia instalada desde 1412 no trono da Coroa de
Aragão: a dos T rastamare .
Muitos historiadores. ao contrário. recusaram a data de 1348 com o
mu ito tar dia . Já há vários decênios , a Europa Oc idental da va mo str as
indiscutíveis de de clínio. Michael Postan não tev e nenhuma dific ul-
dade em provar como o equilíbri o ent re a oferta e a' procura de
trigo - base da alimentação - tinha-se deteriorado (19). A excep-
cional abundância dos arquivos ingleses permite pensar qu e. depois
de 1270. exist ia toda uma população subalimentada. pronta a sucum-
bir à menor penúria . Depois vieram as fomes - apesar de evitar
cansar o leitor com um excesso de estatísticas, é preciso que , entre
elas (pois estava longe de ser a única), seja mencionada a fome de
1315-1317 , que Lucas cometeu o erro de considerar um aconteci-
mento europeu. mas que de qualquer modo devastou bastante a Eu-
ropa Atlântica (155) .
Há também outros sinto mas qu e provam isso . São as falênc ias
(71). A s mais conhecidas situ am -se antes de 1348. Desde 1298 es to u-
rou a falência da companhia sienense dos Bonsignori , cuj os negócio s
es te nd iam-se por todo o Ocidente. Ela contava com 23 associados.
entre os quais quatro filho s e um sobrinho do fund ad or da socieda de .
e 18 "estrange iros" . A preponderânc ia da família ge ra lme nte era
ace ita; entret ant o . foi um desacordo e ntre associa dos - sobre a ma-
neira com o deviam se r enfrentad as as dificuldades - qu e lev ou à
declaração de falênci a. Mas os grandes abalos vier am mais tarde
e atingiram companhias flor entinas. que pareciam verdadeiros colos-
sos. Pa ssemos a palavra a G iovanni Villani (98 e 131):
" No dito ano de 1345 (1346 ). no mês de janeiro, a compa nhia
dos Bardi - que tinham sido os mai ores co me rciantes da It ália -
faliu . A raz ão foi que havi am, como os Peruzzi, empres tado se u
dinheiro e o do próximo ao re i E duardo da Inglaterra e ao da Sicília.
e assi m os Bardi tornaram -se cred ores do rei da Inglat erra em capital.
AS QUESTÔES QUE RESTAM 55

juros e donativos prometidos por ele , de 900.000 florins de ouro,


os quais, devido a sua guerra com o rei da França, não podia pagar.
Do rei da Sicília eram credores de 100.000 florins de ouro ... Daí
que (Bardi e Peruzzi) foram à falência em detrimento dos cidadãos
florentinos e dos estrangeiros, a quem apenas os Bardi deviam mais
de 550.000 florins de ouro ... Os Bardi devolveram, depois de um
acordo, os depósitos a seus credores. à razão de 9 soldos 3 deniers
por libra, que só voltaram ao mercado à razão de 6 soldos por libra ...
E. se tivessem podid o recuperar o que lhes deviam o rei da Inglaterra
e o da Sicília, ou uma parte. teriam continuado senhores de grande
poder e riqueza. E os miseráveis credores ficaram arruinados e pobres
devido a sua confiança insensata e às iniqüidades dos regulamentos
e modificações de nossa comuna corrompida."
Destacamos o caráter espantosamente " moderno" do aconteci-
mento: o endividamento mal escondido, a indiscrição que leva os
depositantes aos bancos onde querem recuperar seus fundos, a neces-
sidade de parar e fechar passados alguns dias. É que, no início do
século XIV , o capitalismo já estava bem desenvolvido, pelo menos
em certos setores (11). A crise desse capitalismo não esperou 1348.
Isso nos leva à nossa segunda questão, intimamente ligada à primeira:
por quê?

Por quê?

Há várias tentativas de explicação para a depressão dos séculos


XIV e XV. Vou começar pela malthusiana , que por muito tempo
considerei a principal. Ninguém fez mais para elaborá-Ia que meu
velho mestre . o saudoso professor Michael Postan (19). Ei-la aqui.
em algumas palavras: desde uma certa época, que é possível situar
por volta do século XI (mais cedo ou mais tarde. conforme as re-
giões), teve início um movimento duplo. Um surto demográfico tão
evidente quanto incomensurável: chegou-se mesmo a negar sua exis-
tência. mas os números que forneci mais acima impossibilitam dúvi-
das. Ao mesmo tempo foi feito um esforço para nutrir todas essas
bocas novas : houve certamente progressos da produtividade - isto
é. um número menor de homens produzia mais alimentos. o que
liberou braços. e levou seus possuidores a buscar trabalho nas cida-
des. É. portanto . necessário falar de êxodo rural : foram as cidades
que atraíram os homens. depois esforçaram-se em criar tarefas para
eles ali. Mas também há arroteamentos. que são o aspecto mais visível
e (graças à toponímia. isto é. ao estudo dos nomes dos lugares) mais
seguro dessa prosperidade da Idade Média central (séculos XII-
56 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

XIII) . A maior parte desses ganhos foi obtida às custas da flore sta,
até o momento em que se rompeu o equilíbrio, em meados do século
XIII, e em que os senhores florestais começaram a se defender dos
arroteadores. Muito menos numerosas foram as reduções de pânta-
nos, mas houve: o mais belo exemplo ainda pode ser visto no Langue -
doe, é a " estrela de Montady", que pode ser admirada das alturas
da Ensérune -os arroteadores avançaram pouco a pouco em direção
ao centro do lago .
Seríamos tentados a perguntar: qual desses dois movimentos come-
çou primeiro? E porque cultivava-se melhor o solo que os bebês
foram melhor alimentados, que sua "esperança de vida" aumen-
tou, e que os homens tornaram-se mais numerosos? Ou é porque
se multiplicaram que se esforçaram em responder a suas necessi-
dades crescentes? A primeira solução é a que vem naturalmente
ao espírito . É preciso sempre desconfiar do que vem naturalmente ao
espírito . De fato , as duas séries devem ter crescido juntas - apoiadas
uma na outra, se ouso escrever.
Seja como for - e , hoje. ° que não nos faltam são exemplos
disso - chegou um l1!0mento em que a produção agrícola não mais
satisfazia a procura. E mais fácil ter filhos do que alimentá-los! Por
volta de 1270. na Inglaterra. país em que a documentação é mais
rica (164), e onde o crescimento demográfico foi particularmente
forte , sinais de subalimentação surgem na parte mais pobre da popu-
lação . Isso eu já disse . Pode-se pensar que aconteceu a mesma coisa
praticamente em todos os lugares. De qualquer modo , é um pouco
por toda parte que penúrias e fomes - se bem que diferindo os
anos segundo os climas - multiplicam-se desde o início do século
XIV . E, portanto, uma população subalimentada que é atacada pela
grande peste de 1348. Desde então , o equilíbrio foi rompido. Certa-
mente, há menos bocas para alimentar. Mas há ainda menos braços
para produzir, pois a fuga foi tanto quanto a morte um efeito da
epidemia. Era até mesmo recomendada como único remédio eficaz .
Muitos camponeses foram então desenraizados: são eles que vão
engrossar as companhias de tropas mercenárias. Colheitas apodre-
ceram no pé. Campos foram abandonados.. . O equilíbrio só irá se
restaurar progressivamente durante o século XV .
Inúmeros foram os discípulos de Michael Postan . Acham-se seus
nomes - pelo menos os principais - na bibliografia final. Portanto ,
não insisto nisso .
Mais raros foram os defensores de uma segunda explicação: pela
moeda. Num art igo da Economic Histor y Review de 1959 (307), W.
C. Robinson recusava-se a atribuir a essa pressão demográfica um
papel constrangedor comparável ao que ele representa hoje nos paí-
AS QUESTÕES QUE RESTAM 57

ses em via de desenvolvimento, e concluía que a teoria quantitativa


da moeda, bem aplicada , fornece a explicação adequada das flutu a-
ções de preços entre os séculos XII e XV , portanto , da sensível revira-
volta de conjuntura no início do século XIV . O fator decisivo teria
sido a parada do crescimento de M (estoque monetário) e de V (velo-
cidade da circulação) , que teria arrastado o de P (nível dos preços)
e finalmente o de O (volume das trans a ções). Debate forço sament e
bastante teórico, que as observações precisas pouco podiam alimen-
tar.
Recentemente , essa discussão foi mais uma vez levantada pelos
autores de dois artigos publicados na mesma revista , C. C. Patt erson
e N. J. Mayhew (292). Ambos emp enhavam-se em prov ar que , se
o estoque monetário cre scia naturalmente com os produtos da extra-
ção mineira, diminuía pelo menos com a mesma rapidez devido a
diversas causas de perda, acidentais ou não. Mayhew insistia sobre-
tudo na importância do gasto " o desgaste normalmente ligado ao
manuseio das peças. Ambos esforçavam-se mesmo em calcular a im-
portância desse adelgaçamento e, com a ajuda dos arquivos dos ate-
liês monetários ingleses, Mayhew pensava poder fixar entre 2 e 3%
por ano , ou seja , perto de 10% em meio século , a redução devida
a esse gasto. Esses cálculos permitiam recomeçar a contestação da
tese defendida por Postan . Este afirmav a que, tendo em conta o
crescimento regular do estoque monetário , a diminuição da extração
mineira assinalada por Robinson por volta de 1300 só podia ter tido
um efeito limitado. Essa defesa n ão caía por terra a partir do mo-
menta em que se admitia que esse fator secundário atingia um esto-
que monetário em diminuição e não em aumento? Logo , a causa
determinante da depressão teria sido o declínio de M , arrastando
o de P segundo um processo de deflação conhecido . A perturbação
.da tendência demográfica teria sido antes uma conseq üência do que
uma causa, ou mesmo um simples fato do acaso . A explicação da
depressão deveria ser , portanto, sobretudo monetária .
De fato , essas considerações pedem elas mesmas várias observa-
ções. Os dados seguros são insuficientes para afirmar que a extração
mineira tivesse efetivamente diminuído de modo sensível por volta
de 1300. Diversos índices, tais como a criação do gros de Misnie
em 1339, levam a pensar que esta de fato prosseguiu a um nível
pouco variáv el, graças à descoberta de novos filões. Por outro lado ,
os numismatas contestam os cálculos de Mayhew. Censuram-no por
não ter levado em conta evasões de prata da Inglaten a para o conti -
nente. Baseiam-se em averiguações realizadas oficialmente no século
XIX para considerar que o efeito do gasto era sensivelmente mais
fraco do que pen sava Mayhew.
58 OU TONO DA IDADE M ÉDIA

Isso me faz pen sar - e estou long e de se r o ún ico - que a expli-


cação demográfica apre senta da por Postan , aliás muito mais natur al
e fundamental , continua válida .
Desconfiamos qu e os histor iador es marxi sta s não podiam aceitar
nem uma explicação ma lthu siana nem um raciocínio pela moed a.
Num artigo já antigo , Z. A . Kosminsky, qu e tinha seguido o semi-
nário de Postan , mas não se con siderava facilmente vencido, assina-
lava de maneira profética que esses séculos XIV e XV tão desacre-
ditados eram sobretudo caracteri zado s por uma passagem da econo-
mia feudal para a economia capitalista , portanto , por um avanço
(11) . De fato , acaba mos de ver, o capit alismo existia desde antes
de 1300 - mas a diligência intelectual é melindrosa.
Mais recentemente , Jean-Claude Hocquet , estuda ndo L e sei et la
fortun e de Venise - obra-mestr a que já menc ion ei (51) - foi levado
a escrever em sua " advertê ncia" estas linhas reveladoras:
" Finalmente, um dos resultados essenciais deste trabalho , a meu
ver, foi descobrir o quanto os venezianos enganavam-se ao recusa-
rem- se a cons iderar o sal como uma mercadoria. Sempre quiseram
ver de uma parte o sal, de outra parte alias quascumque m ercaciones.
Mas o sal reagiu a todas as pulsações do mercado . A idéi a difundida
de que o tráfico do sal, produto indispensável, mantém-se sem luta ,
não resiste à análise. As importações maciças, às quais procedeu
G ênova por volta de 1450:1460 , foram autorizadas pel a existê ncia
de um mercado , qu e os venezianos eram , na ocasião , incap azes de
abastecer, e essa incapacidade do monopólio tev e origem no duplo
funcionamento do mercado do sal: com efeito, o Estado , para vender
o sal grosso dos mercadores, eliminou a produção do sal do Adriático ,
mas essa política era contrária a seu interesse: nos ano s 1420-1450,
o Estado pagou pelo sal de Piran entre 5 e 7 libras e revendeu-o
por 6 a 8 ducados a Bolonha ou Mântua, ou seja , um ganho para
o Est ado de 600 a 800% . E , no entanto , o Estado encarregou-se
de arru inar essa receita extraordinária , a fim de conseguir para os
merc adores um a saída para o sal mediterrânico , que ele comprava
por 8 ou 9 ducados e revendia por 10 ducados, ou seja, uma receita
de 10 a 20%, que não era um lucro líquido , já que era pr eciso arcar
com as despesas de gestão do monopólio . O Estado pagav a então
pelo sal dos merc adores entre oito e nove vezes mais do qu e pelo
sal dos produtores. O Estado de certo mod o dava de pr esente aos
mercadores as receitas da gab ela . As du as receitas confundiam-se
nas caixas do Ofício ou em seus livro s, e, com o o Ofício era rico,
muitas vezes recorria-se a ele para financi ar as despesas extraordi-
nária s. Então foi pr eciso difer ir o pagamento do s produtores e dos
mercadores . Depois da revisão do 'e stimo' de 1434, os merc adores
AS QUESTOES Q UE RESTAM 59

hesitaram em importar sal, e estourou a crise. Gênova substituiu


Venez a ao longo do itinerário do PÓ ."
Minha citação é um pouco longa. É que a. demonstração pare-
ceu-me inteligente e de difícil interrupção. Aí está a questão social
- e uma política social favorável aos mercadores - na origem de
uma crise. Nesse texto , não se trata expressamente de "luta de clas-
ses" ; por isso ela seria menos forte?
Em compensação, e quaisquer que sejam, por outro lado , os imen-
sos méritos que convém reconhecer-lhe , a síntese de Guy Bois deixa
a desejar (28) . Contudo , ela evidencia um refinamento e uma prudên-
cia na análise que nem sempre (oram manifestados por seus colegas.
As conclusões são vigorosas. Parecem estabelecer para ele de modo
decisivo o caráter científico da teoria marxista. Isso é verdade? De
maneira característica , Emmanuel Le Roy Ladurie, a partir de sua
experi ência languedociana , intitula a " nota crítica" que consagrou
a essa obra, e na qual não lhe poupa elogios , de " Na Alta-Normandia:
Malthus ou Marx ?" . Basta, aliás , olhar a capa do volume . O título
principal Recherches sur /' écono m ie rurale et la d émographie du début
du XIV au milieu du XVI~ siêcle en Normandie orientale aparece
em caracteres tão pequenos que são quase ilegíveis. Em compen-
sação, o subtítulo mostra-se à vontade : Crise du féodalisme. Em mi-
nha humilde opinião , Guy Bois traz uma contribuição de primeira
ordem para o estudo da economia medieval que acaba e de sua passa-
gem para a economia " moderna"; mas, em relação a Marx , ele não
traz nada.
Para concluir, diria que o debate também é muito teórico . Certa-
mente ele o é na medida em que os defensores dessa posição escrevem
em nome de um dogma , de uma ciência. Não há ciência marxista ,
mas apenas uma ciência . E a história não é nem mesmo uma ciência;
é uma arte, que se pratica com meios tão científicos quanto possível.
Dito isso, parece-me que não se pode descartar tão facilmente do
que esses historiadores escrevem , na medida em que são de fato
historiadores.
Parecia-me, portanto, que a explicação proposta por Postan era
a melhor, mesmo que tivesse de ser completada, aliás, de maneira
desigual pelas outras duas . Até o escrevi . Era dar muito pouco valor
a um excelente artigo, já antigo (foi publicado na Economic History
Re view de 1977) de A. R. Bridbury, intitulado "Before the Black
Death" (Antes da Peste Negra) (33) . Ele mesmo baseava-se em dois
artigos --,- anteriores evidentemente - de E. Miller e de J . R .
Maddicott. O conjunto representa um novo enfoque do problema,
que vou tentar resumir. Quando escrevo que a história não é uma
ciência .. .
60 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

Part amos ainda de Postan e de sua afirmação de que a economia


estava enfraquecida desde antes da Peste Negra. Que seja. Mas,
defendem nossos autores, se a populaç ão começa a diminuir então,
a superfície cultivada a se reduzir. é principalmente em razão do
conflito franco-inglês. que remonta aos últimos anos do século XIII
- a expre ssão Guerra dos Cem Anos não deve nos enganar. Esse
conflito impunha à economia uma tal tensão que só podia levar a
pôr em causa a organização social. Por isso. eis uma ligação estabe-
lecida entre as ambições políticas que. ao preço de crises financeiras
e constitucionai s. resultaram em vitórias brilhantes (Crécy!) e nos
movimento s mais obscuros da economia e da sociedade camponesas.
Do mesmo modo, seremos tentados a crer que , porque a Gu erra
dos Cem Anos foi inteiramente realizada em território francês, os
camponeses e citadinos franceses foram os únicos que sofreram .
Constatação tão evidente, à primeira vista. que, acima, quase só
falei deles. a verdade, o povo inglês também suportou o fardo.
O período de conflitos e de intrigas, que tran scorreu de 1294 a
1360. foi muito estudado pelos historiadores constitucionais , milita-
res e financeiros. Sua importância não é menor no plano econ ómico ,
mas os historiadores da economia não se arriscaram - contidos por
tantos obstáculos que encontram em seu caminho . Precisavam deter-
minar o custo da guerra. Geralmente , admite- se que ele não parou
de aumentar: o cavaleiro montado que, no século XI, não era mais
que um cavaleiro levemente equipado , tornou-se no século XIV uma
espécie de tanqu e de guerra, servido por vários cavaleiros e infante s;
o castelo que. no século XI, reduzia-se em'geral a um simples torreão,
torn ou-se no século XIV uma construção altamente sofisticada. Fal-
tam-nos em part e as fonte s par a calcular o preço da diferença. E
não esqueçamos que tudo isso aconteceu num clima de alta dos preços
difícil de medir.
Outra questão: o serviço militar era pago ou não? Certamente
o sistema anglo-normando era famoso por fornecer ao rei um exército
remun erado pelos feudos que recebiam seus membros; o número
de cavaleiros que eles deviam enviar servia mesmo de medida para
esses feudos . Ape sar disso, e muito cedo , o rei foi levado a pagar
o serviço em espécies: era preciso pagar um soldo aos cavaleiro s
além de seu tempo legal de guerra; era preciso tran sport á-los ao
exterior; era preciso construir e manter os castelos ; era preciso , atra-
vés de pagament o.obter aliados ; last but not least , era preciso assegu-
rar a burocracia indispensá vel a tantas tarefas.
Desse modo . o serviço feudal foi pouco a pouco substituído pelo
" mercenariato" . A guerra ainda assim custou muito mais caro? Não
é seguro. Cert amente. ela fez correr muito mais dinheiro . Mas, de
A S QUESTÕES QUE R ES TA M 61

qualquer man eira, os senhores despendi am to do seu dinh eiro : eles


gostavam de se rodear de dependent es tão nu merosos qua nto possí-
vel , embelezar seus castelos, viver luxuosament e ... A guerra , para
eles . era o passatempo supremo, e a caça só con stitu ía um pálido
" ersatz" . Fazer a guerra dava um sentido à vida . Quanto prazer
seu rei Eduardo I causava-lhes lançan do-os cont ra esses " malditos
franceses "! Por isso, qu anti as melhor utilizad as até então passar am
a ser desviad as para usos improdutivos.
Mas a própria economia tinha ganho um volume maio r, aliás , difícil
de medir. Sabemo s qu e no fim do século XIII , na Inglaterra , ela
fazia viver 17.000 hom en s e mulh eres encerrados (mais ou menos)
em conventos e cerca de 35.000 padres seculares . A administração
era num erosa: apenas no condado de Lincoln , era m necessário s 4.000
burocratas ocupados em coletar os impostos aut orizado s pelo Parla-
mento. À part e Londres, as cidades mais impor tantes tinham mais
ou menos 10.000 habitantes. O qu e eram exércitos qu e rar ament e
ultr ap assavam esse núm ero? O país parecia em condições de suporta r
com facilidade o peso da guerra. Se partirmos das estatísticas de
exportação de lã - a grande riqueza do país - estuda das com aten-
ção por Eileen Power , podemos pen sar que era m alimentadas no
essencial por cerc a de 20.000 campo neses. possu indo cada um 260
carneiros em média; muit o mais fraca apa rece a parte dos gra ndes
domínios. Pen semo s enfim nas constru ções de qualq ue r espécie -
igrej as, for tificações, conventos, casas - cujo nú mero , sem dú vida ,
nunc a foi tão elevado qua nto por volta de 1300.
Foi sobre essa economia variada , opulenta , qu e os Eduard o impu-
seram o fardo das guerras. Quais for am as conseqü ên cias? E natural-
mente em direç ão aos historiadore s das finança s que nos volt amo s.
Seus trabalhos talvez nos fizessem pen sar que o cus,to da guerra tives-
se aumentado mais depressa do que a econo mia . E preciso cuid ado!
Na verdade , somos menos informados sob re esta última. As contas
mostram-nos sobretudo déficits e excede ntes ; não dizem como os
reis tentaram resolver seus problemas. As Comunas falaram em cer-
tos momentos das dificuld ades da economia ; era seu papel. Por outro
lado , se era melhor org anizado que seu prim o da França para enfren-
tar as guerras, o rei da Inglaterra podi a-se colocar em dificuldade
temporária até mesmo por um pequ eno conflit o . Não cremos que
a eco nomia mesmo assim fosse perturbada.
Naturalment e o rei podia dever qu anti as important es. As Comunas
reclamavam bastant e ; estavam ali par a isso . De fato , ninguém se
enganava: os exércitos continuavam pequ enos, as armas simples, os
pre juízos apenas locais. Par a os senhores. a guerra era sobret udo
uma op ortunidade de mostrar sua bravura. Se eram der rot ados por
62 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

simples camponeses ou burgueses mais ou menos bem armados -


o que lhes ocorria mais de uma vez nas front eiras da Escócia e do
País de Gales -, não faziam disso um drama. De qualqu er maneira,
a economia não sofria .
A situação agravou-se depois de 1294? O peso da guerra com certe-
za aumentou . Como crescia entre os camponeses uma desigualdad e ,
que era o preço do desenvolvimento econômico , os mais pobr es,
mal alimentados, não puderam resistir às grandes fomes do início
do século XIV. Mas era uma crise social. A tendência geral dos
preços do trigo permaneceu em alta (exceto entre 1333 e 1351) por-
tanto os rendimentos de todo s os vendedores aumentaram . Certa-
mente, terras foram abandonadas, mas isso teve como efeito ajud ar
ainda mais a alta dos preços . De qualquer modo , os camponeses
eram em sua maioria assalariados ; as fomes resultaram num aumento
maior dos salários do que dos preços ; no pior dos casos, apenas
seguiram a alta. A popul ação ainda er a bastan te numerosa para que
os proprietários pudessem mandar ocupar as terras que queriam con-
servar. Sua dificuldade foi só um pouco maior depois da Peste Negra
de 1348, Às vezes era necessário uma geração para que os vazios
. fossem preenchidos, mas o foram. Não se pode afirmar realmente
que ela atingisse uma população deprimida em seu conjunto .
Uma outra data importante é 1333. Até então , os senhores safa-
vam-se bem das dificuldades. Arrendavam as terras que , no " manor"
{nome inglês da senhoria) , constituíam seu domínio ; mas era princi-
palmente por razões fiscais. Desperdiçavam seu dinheiro com bebida
e comida, que lhes eram fornecidas, a baixo preço , a título de requisi-
ções, por seus foreiros. De maneira que eram os camponeses quem
mais suportavam o peso da guerra: pagavam censos ou arrendamen-
tos aos senhores , e ao rei os impostos que cada vez mais amiúde
ele arrecadava para o exército . As vezes, rebelavam-se : em 1337,
os foreiros do conde de Warwick recusaram-se , devido aos impostos,
a pagar seus censos , e o intendente do conde teve de lhes dar razão.
Ora , desde 1333, os senhores também enfrentaram dificuldades: tive-
ram de aceitar os baixos preços do trigo sem poder baixar os salários ;
ou mudaram os costumes de suas senhorias; mas não demoraram
em se arrepender disso, quando a alta recomeçou depois de 1351 .
Nesse meio tempo , o rei recorria desmedidam ente ao imposto , até
a crise política de 1341, que o tornou mais prudente . Crécy sobreveio
.a tempo para salvá-lo, mas antes , como vimos, seus principais credo-
res, as grandes companhias italianas, tinham estourado. .
O que concluir de tudo isso, a não ser que , mesmo na Inglaterra,
o Estado devia improvisar para conduzir a guerra e a diplomacia,
e que as principais vítimas foram os pobres ? Assim, às fomes e epide -
AS QUESTOES QUE RESTAM 63

r mias, portanto, ao afastamento crescente entre crescimento demo-


gráfico e produção agrícola (tese de Postan), devemos acre scentar
a guerra como causa da depressão, mesmo onde não se estendiam
seus estragos visíveis, e a incapacidade do Estado - mesmo inglês
- de conduzir uma guerra longa , salvo o acaso das bat alhas. Mas
não devemos perder de vista o aspecto social.
r> Aqui estou eu, pela última vez, reconduzido à questão: qu and o?
Desta vez, minha resposta será categórica: a depressão é ant erior
à Peste Negra . Ela começou por volta de 1270, e suas manife stações
foram diferentes segundo os países, ou melhor, segundo as regiões
naturais. Do mesmo modo deu-se a retomada do desenvolviment o
que se seguiu à depressão: entre o começo do século XV e o começo
do século XVI. Duas grandes noções a conservar: a compl exidade
dos problemas e a diversidade das regiõe s.
6

Uma triste paisagem

Campos e cidades

Epidemias e fomes foram um fenômeno europeu . Porém , a guerra


mais importante daquele tempo foi aqu ela em que se lançaram com
paixão as monarquias inglesa e francesa . E é exclusivamente a França
que goza do duvidoso privilégio de fornecer o teatro de operações.
O leitor não se surpreenderá então se , no instante de descrever a
triste paisagem criada por tantos flagelos, as imagens francesas apare-
cerem em primeiro plano. Entretanto, o que há de mais surpreen-
dente do que o desaparecimento de centenas de vilas nesses séculos
XIV e XV?! Ora, aqui são a Alemanha e a Inglaterra que aparecem
em primeiro plano. A questão , portanto, é complexa.
Sombrias descrições da miséria que esmaga a França do século
XV não faltam . São os documentos da época que as fornecem. O
padre Denifle - historiador estimável, apressamo-nos em dizer-
reuniu numa obra de título espalhafatoso, La grande désolation des
Eglises de France (1897-1899), centenas de súplicas dirigidas ao papa-
do por igrejas, monastérios, hospitais, para obter favores, isenções,
reduções de impostos, até socorro, ou a reunião de duas paróquias
empobrecidas . O quadro que disso resulta é horrível; trata-se somen-
te de vilas abandonadas, de terras não cultivadas, de regiões inteiras
transformadas em verdadeiros desertos. Descrições que não deixam
de ter fundamento, mas estaríamos errados se acreditássemos pia -
mente nelas . Ainda hoje, qual o contribuinte que descreve sua situa-
ção como sendo agradável, ao escrever a seu inspetor de impostos?
66 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

"O trabalho parava totalmente . Os nobres eram privados de seus


censos e rendimentos; suas vilas e os habitantes destas foram destruí-
dos. Oficiais reais e capitouls ficaram tão nervosos e alterados que
quase não eram mais obedecidos e recebiam múltiplos insultos . Os
comerciantes pararam de comprar, de vender e de transportar suas
mercadorias. Os burgueses não puderam receber nem cobrar seus
censos e outras rendas. Os artesãos não tinham com o que trabalhar
ou, se conseguiam fabricar algo, só podiam vendê-lo a preço vil.
Considerando tudo, não havia mortal suficientemente ousado para
sair ou ficar fora dos muros das aglomerações , devido a essa guerra."
Assim manifestava-se o assessor dos capitouls de Toulouse, ao abrir
a sessão de deliberações municipais de 20 de abril de 1419 (99). Aí
também é preciso tomar cuidado . Esse texto é um exercício de escola.
Se de fato a situação de Toulouse não era invejável naqueles tempos,
sabemos por vários documentos que a realidade não era tão negra.
Outros testemunhos parecem mais dignos de confiança. Thomas
Basin , bispo de Lisieux, redigiu sucessivamente as histórias de Carlos
VII e de Luís XI , dos quais viveu próximo. Ele coloca estas palavras
na boca deste último, que veio das ricas terras borgonhesas tomar
posse de seu reino:
"Ele residira durante quase cinco anos nas terras do duque de
Borgonha ; as cidades e os burgos magníficos e ricos, com tudo em
abundância , as casas tão bem mobiliadas quanto construídas, os habi-
tantes gozando de uma grande liberdade, convenientemente vesti-
dos, tudo o que se via no país era a própria imagem da fortuna
e da liberdade; não se percebiam em nenhum lugar ruínas ou destrui-
ções. Ao contrário , desde que entrou em seu reino , só encontrara
por toda parte ruínas e construções demolidas, campos áridos ou
não cultivados ; quanto aos homens e às mulheres, a magreza de
seu rosto , a pobreza de suas roupas , que mal escondiam sua nudez,
traduziam tanta privação que parecia que essas pessoas tivessem saí-
do da mais cruel prisão e não que se tratasse de um povo livre ."
Mas Basin não louvara em outros tempos o renascimento da agri-
cultura sob Carlos VII? Seu testemunho certamente não é sem valor.
Mas o mestre mudara...
Um inglês, sir John Fortescue , atravessava em 1465 o Norte da
França para chegar a Paris. Suas impressões são bastante acabru-
nhadoras:
"Os camponeses da França bebem água , comem maçãs , com pão
muito escuro, feito de centeio; não comem carne, salvo às vezes
um pouco de toucinho ou entranhas e cabeças dos animais que eles
matam para a alimentação dos nobres e dos mercadores do país.
Não usam roupa de lã, exceto um pobre gibão, sob sua roupa de
UMA TRIS TE PA I SA G EM 67

cima, que é feita de pano grosseiro e chama-se blu sa. Suas polainas
são do mesmo pano e não ultrapassam os joelhos, onde.são amar-
radas por uma jarreteira; as coxas ficam nuas. Sua s mulheres e crian-
ças andam com os pés descalços. El es não podem viver de outra
maneira, pois os rendeiros que deviam pagar um escudo por ano,
pela terra , ao senhor, agora pagam, além disso , cinco escudos ao
rei . São de tal modo constrangidos por necessidade a velar , arar ,
arrotear a terra para sua subsistência, que suas forças são consumidas
nisso, sua espécie reduzida a nada . Vivem na mais extrema miséria ,
apesar de habitarem o reino mais fértil do mundo ."
Tanta precisão impede-nos de considerar esse testemunho como
possível de ser desprezado. Mas uma dupla preocupação patriótica
e literária transparece tão claramente que não podemos confiar com-
pletamente nele . Commynes, um bom observador , descreve em ter-
mos bem diferentes essa mesma região percorrida na mesma época.
A lição que guardamos disso é que só se deve confiar realmente
em testemunhos estritamente localizados: em tal lugar, em tal data.
É assim, com efeito, que de uma maneira geral procederam os erudi-
tos (47) . Yvonne Bézard, ao estudar o Hurepoix, de acordo com
o registro das inspeções do arcediago de Josas, chegou a conclusões
desoladoras (203): perto de Chevreuse , a aldeia de Magny-les-Ha-
meaux ficou sem habitantes durante mais de vinte anos, de 1431
a 1455, quando instalaram-se três imigrantes normandos. A própria
Chevreuse tinha chegado a 300 paroquianos, era uma aglomeração
importante: em 1458, tinha apenas 28. O destino de Bi êvres é quase
paralelo, dois terços abaixo: 100 lares outrora, 8 almas em 1458.
Entretanto, mesmo aqui, a crítica histórica não perde se us direitos:
desde antes da guerra, o Hurepoix era uma região relativamente
pobre, sua densidade de população só chegava a um terço ou à
metade daquela de que podia se gabar o conjunto do prebostado
de Paris .
Se passamos para zonas ricas, o quadro muda: em Saint-Denis
e arredores, em Corbeil e redondezas, os estragos são muito locali-
zados e raramente totais. O senhor de Meudon mandou transcrever
num cartulário todos os contratos de restabelecimento do censo que
ele autorizara de 1445 a 1520; concernem a 59 arpentes* dos 210
que compunham o território sujeito ao censo ; menos de 30% do
solo tinha , portanto , sido submetido a um abandono duradouro . Pa-
rece que as regiões ricas eram as melhor armadas: mai s povoadas,

* Antiga med ida agrária francesa. variando conforme a região de 30 a 50 a. (N . T.)


68 OUTON O DA IDADE MÉDIA

dispunham de mais forças para repelir salteadores, aliás, menos segu-


ros de si; mesmo depois dos sinistros, continuavam a atrair os campo-
neses que vinham preencher os vazios .
Admite-se sem dificuldade que a região pouco acidentada, aberta,
sem defesa era uma presa mais fácil que as cidades e aldeias prote-
gidas pelas cintas de suas muralhas . É , aliás, o que confirma um
texto famoso de Thomas Basin:
" T udo o que se podia cultivar naquele tempo ... , era apenas em
volta e no interior das cidades, praças ou castelos, perto o suficiente
para que , do alto da torre , o olho do vigia pudesse ver os salteadores
atacando. Então, a toque de sino , de trompa ou de qualquer outro
instrumento, ele dava a todos aqueles que trabalhavam nos campos
ou nas vinhas o sinal para que recuassem ao ponto fortificado. Era
a coisa mais comum e freqüente quase por toda parte; a tal ponto
que os bois e cavalos de lavoura , estando soltos da carroça, quando
ouviam o sinal do vigia, imediatamente e sem guias, instruídos por
um longo hábito, voltavam a galope, enlouquecidos, para o refúgio
onde sabiam estar em segur ança ."
E, no entanto, as paisagens urbanas também não foram pertur-
badas? Não faltam exemplos. Citemos um- que vem da Inglaterra:
Coventry - que tinha sido no século XIII uma das cidades mais
importantes do país , mas cuja indústria estava em declínio , incapaz
de se recuperar dos golpes causados pelas epidemias e fomes - cai
ao nível de cidade média, e abundam as casas arruinadas. Nada de
guerra, entretanto - quero dizer: ali mesmo.
Voltemos à França . Em Montpellier, o autor do Grand Thalamus
escreve em 1395: . .
" A cidade de Montpellier era há muito tempo uma cidade notável
em que havia habitualmente pelo menos 10.000 lares; ela está agora
tão diminuída que mal pode oferecer 800." Os capitouls de Toulouse
expõem em 1408 que "outrora a cidade era tão habitada que uma
grande parte dos cidadãos tinha de se abrigar nas aldeias; ela era
bem edificada com belos palácios e edifícios, sem lugar vazio, en-
quanto hoje a cidade tornou-se mui rui nosa " . Era apenas exagero.
Eu mesmo pude (99) traçar a imagem de uma cidade despovoada,
empobrecida, incapaz de conservar seu capital imobil iário, redu-
zida a manter de qualquer jeito uma única de suas pontes sobre
o Garonne , a se satisfazer com uma medíocre muralha de lanços
sempre desmoronadiços. Incêndios periódicos reduzem-na até que
o de 1463 destrói dois terços dela .
Mas nada iguala-se ao pungente quadro deixado das desgraças
de Paris durante os vinte anos que precedem a volta de Carlos VII
à sua capital pelo Bourgeois de ?aris, an ónimo que escreve um Iour-
UMA TRISTE PAISAGEM 69

nal célebre (90): os preços do s alimentos eram declarados ali diaria-


ine nte , os famintos mostrados morrendo nas ruas...
Estendamos agora nossas vistas para toda a Europa.

As vilas perdidas

Nada despertou mais as imaginações do que esse fenômeno das


vilas perdidas, descoberto pelos historiadores há alguns decênios (26
e 105). O que chamamos de " vila perdida" ? Uma aglomeração cuja
existência fora atestada antes, e da qu al restava pelo menos um ele-
mento, castelo, casa de lavrador, igreja , amiúde em ruínas, ou mesmo
absolutamente nada (181).
Naturalmente , mal é dada essa definição , impõ em-se as nuanças :
"vil as" é o que escrevemos, contendo igreja ou castelo , e não apenas
um modesto lugarejo. Mas como trabalhar em zona de habitat disper-
so , onde a vila resume-se a quase nada? - Também é preciso distin-
guir, entre os abandonos, aqueles que foram temporários - e que ,
no momento , possuíam mesmo assim um significado equivalente -
e as deserções definitivas, cujo alcance revelava-se mais grave , na
verdade , outro. Outra distinção: algumas vilas foram abandonadas ,
mas não suas terras , distribuídas para a lavoura das vilas vizinhas
- falando com o os alem ães, há então Wü stllllg , e não Wüst e Fluren .
A atenção do s ob servadores foi atraída, sobretudo de início, pelas
fontes escrit as: pesquisas regionais feitas num ou noutro momento ,
queixas , descrições , visitas pastorais e até , com mais esm ero , exame
das contas e dos livros de registro dos censo s. Há, infelizmente, bem
poucos mapas anteriores ao século XVI. O estudo dos nomes de
lugares pode ser revelador, um top ônimo , ligado desde então a um
local, sobrevive à vila que ele designara. Alguns indicam expressa-
mente ruína s: como Maziêres, ou M ézi êres (do baixo-latim mace-
riae); mas de quando datavam essas ruínas? Uma contribuição ina-
preciável foi fornecida pela fotografia aérea: a presença de íragmen-
ros subterrâneos muitas vezes dava às culturas atuais uma fisionomia
f: uma cor que foto s tiradas de helicóptero nas condições mais favoráveis
revelavam facilmente (26). Guiados desse modo , os escavadores po-
diam começar a tarefa, com toda s as precauções que hoje são a norma.
Tornava-se possível apresentar os grandes problemas. Qual era
a importância relativa de sses abandonos de vilas? De qu ando data-
vam? Apenas dos séculos XIV e XV ? Ocorreram antes e depois?
Enfim, quais foram as causas desses fenômenos ?
As pesquisas foram feitas por país (181), e será por país que , por
razões de comodidade, também procederei .
70 OUTONO DA IDADE MÉDIA

1. Na Alemanha, esse fenômeno foi analisado mais cedo, desde


o século XVIII , e suscitou uma literatura tão desigual quanto abun-
dante. Os eruditos entraram em ação e compuseram sobretudo cuida-
dosas monografias locais. O grande homem da síntese foi Wilhelm
Abel (25, 100, 196-198). O problema era complicado devido ao fato
de que , posteriormente a esses sinistros séculos XIV e XV, a Alema-
nha sofreu, no século XVII , as te rríveis devastações da Guerra dos
Trinta Anos - útil elemento de comparação , mas causa de destrui-
ções que ocultaram em parte as antigas.
Tendo em conta essas condições e o desigual progresso da pesqui-
sa , foi possível de stacar a amplidão desse desenvolvimento. O " coefi-
ciente de deserção" indica a porcentagem das aldeias desaparecidas
em relação a um total que inclui vilas desaparecidas e subsistentes.
Varia muito, mas nunca é baixo :
- cerc a de 20% na Alsácia e em Würtemberg;
-44% em He sse ;
- 66% em Thuringe setentrional.
Portanto, sobretudo a Alemanha central, país cerealífero por exce-
lência, é que foi atingida. O Noroeste e o extremo Sul foram-no
muito menos.
Apesar das devastações da Guerra dos Trinta Anos , a grande maio-
ria des ses de saparecimentos data dos séculos XIV e XV . Uma esta-
tística feita para o Würtemberg mostra que a proporção dos Wüstun-
gen remonta
- ao século IX e antes em 5% dos casos;
- aos séculos X e XI em 3% dos caso s;
- aos séculos XII e XIII em 20% dos casos ;
- aos séculos XIV e XV em 50% dos casos;
- aos séculos XVI e XVII em 12% dos casos;
- do século XVIII aos nossos dias em 10% dos casos.
Outro exemplo: o território dos Cavaleiros Teutônicos , onde em
aproximadamente um século os imigrantes criaram 1.400 vilas e 93
cidades . Ora , seu cre scimento esgotou-se bem antes da derrota de
Tannenberg (1410) - esse esgotamento começara antes da Grande
Peste. Em 1419, sobre 31.525 manses * da Ordem, 6.561 (ou seja,
21% ) estavam desocupados.
O fenômeno, portanto, é certo , con siderável. Explicações não fal-
taram : falou-se de redi stribuições da população entre vilas , associa-
das a uma nova organização das culturas; e houve de fato casos de

• Po rçã o de terren o que . nesses temp os. se julgava necessário par a um homem
viver co m sua fa m fli a . (N .T .)
UMA TRISTE PAISAGEM 71

terras retomadas por outras vilas vizinhas . Mas isso não significa
esquecer os Wüste Fluren que apesar de tudo existiram? De outra
parte, a maioria das vilas desaparecidas estavam, no fim do século
XV, num estado lamentável que não lhes teria permitido empreender
o cultivo de duas terras. Tomou-se como bode expiatório o êxodo
rural em direção às cidades : mas ele tinha sido , sem dúvida , mais
intenso nos séculos XII e XIII, em que, entretanto , as vilas se multi-
plicaram , mas num clima de crescimento demográfico geral. Esse
êxodo subsistiu aos séculos XIV e XV, mas no interior de zonas
menores, e, por outro lado , foi ineficaz para deter o declínio das
cidades, onde a mortalidade era grande .
De qualquer maneira, é com o recuo demográfico geral que deve
ser concebido esse fenômeno das vilas desaparecidas. Números preci-
sos mostram que ele atingia todas as aglomerações : as cidades decli-
nayam, as aldeias vegetavam , as vilas mais frágeis desapareciam.
As vezes esse movimento fez-se acompanhar de um progresso da
criação de animais. Mas esse progresso é apenas uma conseqüência:
os camponeses voltavam-se para a criação porque havia falta de bra-
ços para a lavoura . Não é uma causa: não é porque a criação desenvol-
via-se que as vilas desapareciam .
2. O caso da Inglaterra é bem diferente (26,105-106) . Em primeiro
lugar porque a extensão do fenômeno só foi reconhecida muito recen -
temente: em 1946, sir John Clapham - historiador de primeira linha
- declarava negligentemente que na Inglaterra as vilas perdidas
eram "singularly rare " . De fato , a documentação, dessa vez , era
superabundante: arquivos judiciários notavelmente ricos, processos
intentados por foreiros livres ameaçados de evicção, petições de co-
munidades (219); em 1517 uma comissão de investigação toma conta
do fenômeno das enclosures que marcava os desaparecimentos de
vilas. Essa abundância não desencorajou um intrépido aventureiro,
Maurice Beresford, que escrutou a riqueza , e mandou realizar as
admiráveis fotografias aéreas (há um atlas), que foram imitadas por
toda parte , e suscitaram muitas escavações.
A partir daí, a colheita parece "singularmente" rica. Cerca de
2.000 sítios de vilas desaparecidas foram localizados, sobretudo nas
Midlands, nas Lowlands do Sul e do Sudeste, nas planícies setentrio-
nais - isto é, nas melhores terras cerealíferas.
Como se procede? Um exemplo permitirá julgar, o de East Lilling
em Yorkshire . Uma investigação feita em 1625 sobre os bens. da
Coroa revelou a existência antiga de uma importante vila com esse
nome, da qual só restava uma residência e alguns lanços de casas .
O mapa atual traz a indicação de uma paróquia chamada "Lilling
Ambo" (isto é, os dois Lilling), mas só aparecem a vilazinha de
72 OUTONO DA IDADE M ÉD IA

West Lilling e , num o ut ro lugar , um co nj unto de morro s . A fo to -


grafia aé rea que foi tir ad a d al i sugeriu um pl an o de vila, q ue as
escavações co nfirmara m, graças às quais fo ra m enco ntradas asba-
ses das casas .
, Na ve rdade, testemunhos mais antigos po deriam ter sido evocados.
Unico por sua pr ecisão é o de John R ou s, padre de W arw ick . A o
morrer (1491) , deixou uma Historia Regum A ngliae, qu e foi edi ta da
várias vezes . O b ra medíocre. para dizer a verdade, mas onde o autor
protesta contra a cobiça do s proprietários das terras . que ma ndavam
cercá-Ias , visando criar carneiros, e expulsavam os fo reiros. E le men-
cio na , apenas no Warwick sh ire e se us arredores. 58 vilas despovoa-
das. Em onze casos, ele teve a curiosidade de comparar co m o nú me -
ro de aldeões assinalado nos Hund red Rolls de 1279: assim Compton
Scorpion possuía , além de uma capela, 53 fo reiros - dos quais não
res ta nen hum ; e ape nas do is em)9 em Co mpton Ve rney .
A que atrib uir ta l fenô me no ? E ev ide nte qu e não às gue rras! Pode-
se de p referência pe nsar nas pestes: assim Tusmore (Oxfordshire)
foi transformad a em inve rnada em 1358, depois da mo rt e de to dos
os servos. Se m dúvid a , ape nas pequenas vilas fo ram aniq uiladas desse
modo. Noutras partes man ifestava-se , por volt a de 1450, um a reto-
mad a demogr áfica . Foi então que e ntrou em ce na uma po lítica senho-
ria l: co m o boom da tecelagem inglesa , que provocou um a grande
procura de lã , era preciso desenvol ver a criação de ca rneiros. Pa ra
fazê-lo na s melho res condições, co nvinha ce rca r os ca mpo s e, port an-
to, exp ulsa r os forei ro s. E sse mo vim ent o da s enclosures to mou tal
dimensão que um a comissão de investigações parlamentar foi criada
em 1517. Entre os vários casos que ela de nu ncio u, encontra-se o de
Lillington D ayrell (Buc kingha ms hire): Thom as D arrel , qu e tomava
co nta dos be ns do conde de O xford , desp ovo ar a oito casas e quatro
cabanas, ce rcando 164 acres; 40 pessoas "foram dolo ro samente ex -
pulsas e levadas ao desemprego .. . A cidade de Lillington D ayrell
foi to ta lme nte devastada. exceto um domínio principal no qua l reside
o dito T ho mas " (feve re iro de 1493) . As víti mas irão se defender
em vão, mas o processo irá se arrastar at é 1545 , q uan do fina lme nte
é adiado sine die.
Assim tinha sido em todas as grandes zonas ce realíferas citadas
acima . A paisagem agrícoia inglesa sofre u e ntão uma ampla e defi ni-
tiva mu tação - mas pe la vontade de alguns hom en s , não dos flagelos.
3. O que acontece na França? Não há ne nhuma grande investi-
gação aq ui. mas apenas algumas recentes pe sq uisas de detalhes . Mu i-
to men os escavações: foi um a eq uipe de a rqueó logos po loneses que
veio abri r o sítio de Montaigu (Ta rn) (181) , vila tam bém citad a num a
ata regis trada em ta be lião de 1340, depois ati ngida por fomes e pes-
UMA TRISTE PAISAGEM 73

tes, e cujos sobreviventes sem dúvida encontraram abrigo na bastida *


de Lisle-sur-Tarn .
A impressão geral é de estabilidade - surpreendente, se compa-
rada ao caso inglês: das 32.500 paróquias recenseadas em 1328 no
reino (154), apenas 900 (ou seja, 2,77 %) desapareceram antes do
século XIX . Esses desaparecimentos não datam necessariamente
dos séculos XIV e XV: desse modo , em Artois, em 153 vilas desapare-
cidas, 29 morreram então, contra 28 antes de 1340 (resultado dos
fracassos da colonização ou de oposições senhoriais), e 73 do século
XVI a 1800 - triste preço de freqüentes guerras (111) . Em Cham-
pagne , a evolução foi bem parecida.
A estabilidade confirma-se em regiões que, no entanto, foram mui-
to atingidas e eram pobres: é o caso de Ouercy, onde a maioria
das vilas foram repovoadas; e de Rouergue que, apesar de uma forte
emigração, quase não perdeu nenhuma vila. Provença foi mais atingi-
da : No êl Coulet contou , apenas na viguerie'" , cerca de 50 vilas desa-
parecidas , das quais cerca da metade antes de 1471 (36 bis). Se obser-
varmo s mais, veremos que esses desaparecimentos deviam ser muito
progressivos . Seus habitantes foram para Aix ou trabalharam nos
novos centros de produção, chamados bastidas (não confundir com
as do Sudoeste) .
Esses poucos dados - que obviamente seria preci so completar
- sugerem que uma mut ação tão considerável como a da Inglaterra
não aconteceu na França . Não é seguro que se deva regozijar-se
disso .
4. Mais fragmentárias ainda foram as pesquis as feitas na Itália.
E, no entanto, o fenômeno é muito sensíve l ali: os casos de vilas
arruinadas são numerosos , subsistiram desertos (181). É verdade que
fortes disparidades regionais se distinguiram : enquanto na Toscana,
nos séculos XIV e XV, apenas 10% das vilas desapareciam, a propor-
ção crescia para 25% na província de Roma, para 50% na Sardenha
- e o que dizer do Mezzogiorno e da Sicília, ainda muito mal estu -
dados?
A explicação desse fenômeno parece ainda mais complexa que
em outros lugar es. Retrocesso demográfico? Mas houve numerosos
abandonos na Sicília desde o século XIII. Exterminações repentinas?
Mas as guerras dão o pontapé inicial ou o golpe de misericórdia .

• Nome qu e se dava às cidade zinhas criadas co m objetivo político o u militar


na Idad e Méd ia. no sudo este da Fran ça. (N.T.)
•• Territóri o sob jurisdição do viguier, cargo equivalente ao de pr eb oste e m outras
províncias. (N.T .)
II II
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s; 39" ~
" I (
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+ 11 Praza ~4 G ênova
1.3 Crecóvta 25 Milão
I Roma 14 Vars óvia 26 Flo rença
~ Assis 15 Nurcrnbera 27 P i ~a
3 Bolo nha 16 Co ló nia - 2R Palermo
-t Jerusalém 1i Bruxe las 2Y Barcelona
5 A vianon IR Lon d res 30 Vale nça
6 Co mpostel a 19 Pa r i ~ 31 Mar selha
7 Ar le s 20 Bou raes 32 Mo ntpellie r
XCant er bur v 21 To ulo use 33 Na rbonn e
o Yor k . 22 Aix 3-t Bruaes
35 Ypre s
{:,
36 Ga nd
C 37 Antu érp ia
I II Bizáncio 23 Ven eza
II Náp o les
+ Centro s principalmente religio so s.
O Cent ros p rincipalme nte políticos.
b. Cen tros principalmente comerciais,
• Ce ntros principalmente ind ust riais.
O Principa is feira s.

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2 ••
S7

.1F: A mst e rd ã 50 Fabri a no ( pa pel ) 62 Le ndit


3Y H ambu rgo 5 1 Xa tiva ( pa pel) 63 Chalon ~ . Sa óne
..UI Bremen 52 Co urt rui (t ecidos) fH P ézenas-Montagnac
41 L übeck 53 w ervi cq (tecidos) 65 Winchestc r
.Q Muni que 54 Ma tines (t ec id os) 66 Br i ~ [Q 1
43 Ra risbo na 55 Liêge ( car vão ) 67 Bosto n
44 V iena 56 Newcastle (ca rv..io) 6R Ber gen -o p-Zoo rn
45 D a ntzia 57 Kutn á H o ra (p rat a ) 69 Frankfurt am M ai n
46 Bergen 70 Lei pzig
47 No vgorod
o
58 Lvo n
5YGenebra
4R Murano (vidro) 60 Tr o ves
4Y L ucca (seda) 61 Prev ias
76 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

De qualquer maneira, sempre que se encontravam camponeses obsti-


nados prontos para voltar a uma vila, ela sobrevivia. Não é impossível
que tenham colaborado para isso, aqui ou ali, políticas senhoriais
análogas às dos proprietários ingleses. Quando o papa voltou para
Roma , por volta de 1420, o campo estava arruinado; cerca de um
quarto dos centros rurais do século XIV , sobretudo os menores, ti-
nham desaparecido. Uma retomada do desenvolvimento teria sido
concebível. Mas seria não contar com o jogo de interesses : apenas
entre 1422 e 1428, os Colonna compraram 35 localidades , dentre
as quais , metade arru inadas e desertas ; só mandaram reconstruir
três nos séculos XV e XVI , e preferiram dedicar as outras à criação
ovina. Em vão , de vez em quando , o papa lembrava a obrigação
de manter a terça parte das terras com culturas cerealíferas .
E então? Vamos finalmente concluir? De mane ira alguma se deve
dizer que a guerra não tenha uma grande responsabi lidade por tantas
desgraças e ruínas . Também é preciso pensar que , aqui e ali, certas
categorias de homens não tinham absolutamente a consciência tran -
qüila? Mas não são as desgraças de um tempo que preparam as ativi-
dades salutares do futuro? - Também é certo que o mal-esta r mora l
provocado pela guerra não se distinguia bem nos espíritos daquilo
que as fomes e pestes suscitavam . No entanto , é essa dupla sinistra
que designo como a mais culpada .
SEGUNDA PARTE
- QUE RI
JüAü
Penso que já insisti o bastante sobre a gravidade dos flagelos que,
nos séculos XIV e XV, se abate ram sobre o conjunto da Europa ,
par a que a impr essão não se apague no decorrer desta segunda part e ,
mais alegre , que vamos abordar agora. As desgraças, foi só o que
vi de início , e não havia quase mais nada par a se ver na Toulouse
daqu ela época. Depois, principalment e na Itália e nos Países Baixos,
revelou-se par a mim o que. na mesma época . nascia portador de
tant o futu ro . É a segunda face que nos cabe ago ra escruta r.
7

Cultivar melhor

Os historiadores da economia rural da Europa dispõem de uma


Bíblia , na qual Marc Bloch encarna o Antigo Testamento (204), e
Georges Duby, o Novo (213) . Certamente nenhum dos dois dedica
muito espaço à agricultura dos séculos XIV e XV, mas desde então
a lacuna foi preenchida por muitas obras e artigos de boa qualidade .
Podemos , portanto, tentar um primeiro quadro.
As dificuldades, contudo, não estarão ausentes. Mais uma vez,
elas se prendem amplamente ao problema das fontes. Dados precio-
sos não faltam nas fontes narrativas: tanto as notas de Thomas Basin
que descrevem a devastação do reino da França, quanto as observa-
ções de sir John Fortescue ao atravessar o Norte da França em direção
a Paris, em 1465, são insubstituíveis ; só é preciso evitar tomá-las
ao pé da letra . Os livros de registro de cen sos , que fornecem a lista
dos foreiros de uma senhoria, designando as parcelas ocupadas por
eles , enumerando os encargos que recaíam sobre eles, revelam a
dura realidade . As contas de senhoria, como as dos arcebispos de
Bordeaux, da abadia de Saint-Denis na França, aquelas, inúmeras,
que propõe a Inglaterra - ou de clientes, como as grandes Cortes
e os hospitais - fornecem um útil complemento . E preciso ainda
recorrer aos contratos registrados pelos notários (onde há), aos docu-
mentos judiciais (especialmente ricos na Inglaterra) - e , com mais
prudência ainda, às súplicas dirigidas ao papa pelas comunidades
religiosas , às cartas de franquia . A iconografia também é útil, em
particular os trabalhos dos meses, esculpidos nas catedrais , pintados
n0S missais; ainda aí, é preciso precaver-se, pensar que seus autores
82 OUTONO DA IDADE MÉD IA

eram mais ou menos realistas, qu e se copiavam de bom grado ent re


si, qu e o aparecimento de novas técnicas corre o risco de esta r dissi-
mulado nisso. Outras contribu ições, que devem sempre ser utilizadas
com prudência: a top on ímia (isto é. o estudo dos nomes dos lugares);
os planos parcelar es. mais ta rdios, mas que pod em revelar certas
características das paisagens ante riores; ou então a aná lise das paisa-
gens rurais atua is. Mais modern os são os méto dos de estudo do clima:
a palinologia (ou estudo dos polens conse rvados nas tur fas), a den -
dro cron ologia (o u aná lise da seção transver sal das árvo res). a foto -
grafia aé rea , que revela muit os fenôme nos não apa ren tes ao nível
do chão. E outras ... Ser ia preciso tamb ém interpret ar a evolução
dos preços. Em resumo , abundantes mét od os de aná lise que ainda
deixam questões sem resposta. mas que permitem te nta r um a síntese .
Uma série de probl emas merece ser evocada aq ui. Vamos desde
já indicá-la: irá se basear ainda no hom em . em sua alimentação ,
seus gostos , suas reações diante de dificulda des de clima , suas capaci-
dad es de iniciativa individual. Dit o isso, passemos ao estudo desses
probl emas - individua lizados para a clareza da exposição, mas muito
relacion ado s na realidade . Qu e influênci as sofreu a agricultura dos
séculos XIV e XV ? A da guerra. naturalmen te - e aq ui remetemos
aos ca pítulos da pr imeira parte . O mesmo se dá quanto ao des povoa-
ment o . que exigiu uma dedicação mais ampla a culturas qu e envol-
viam menos mão-de-obra. Outras influên cias são mais positivas.

A demanda das cidades

É o caso da demanda urb ana , pois a popul ação das cida des reclam a
uma alime ntação mais variad a: não mais apenas o compa nagium,
o pão acompanh ado de diver sos ingredien tes - às vezes passado
no alho - ou as sopas variadas a part ir de cer eais. carnes rar as
com o pred omín io do por co. ovos e frangos mais ou menos magros,
peixes secos ou salgados . Doravant e a gam a de necessidades se enri-
quece muit o (256. 291).
Nad a é mais surpree ndente que a pro cura cresce nte de carne , sa-
lient ada por Wilhelm Ab el na Alemanh a (196) , como por Ch arles
de la Ronci êre em Florença (73), por Lou is Stou ff em Proven ça (82) ,
por mim mesmo em Toul ouse (99) ... Wilhelm Abel consta to u que ,
na Alemanh a , mesmo os simples assalariados comiam carn e du as
vezes por dia. Criavam-se mu itos por cos e carne iros . Na região de
Moselle , impo rta vam-se carn eiros gar anh ões de Gotland e da Ingla-
terra , para melhorar as raças. Tive um a impr essão parecida em rela-
ção a Toulouse ; em 1322, temos um a lista de 177 aço ugue iros. ou
CU L TIVA R ME L HO R 83

seja, 1 par a 226 habitantes, para uma popul ação máxim a de 40.000
almas - cerca de dua s ou três vezes mais que hoje ; e alguns figura -
vam entre os com erciant es mais ricos da cidad e . Para que estende r
essa lista de refer ências?
Toda uma alimentação difer enciada em carn es surge em Flore nça
como bem o mostrou Ch arles de la Ronci êre , ao analisar principal-
mente as contas do hospit al Sant a Mar ia Nuova. Ele anota: " O cab ri-
to figura tradicio na lmente na refeição pascal e é o prat o das gra ndes
festas (que m o experime nto u compree nde bem ). Em comp en sação ,
o carneiro é a carne de consumo corre nte, e o hospital nunc a compra
carneiro vivo." Q uant o a por cos, "o hospital, que cria seus animais
ou os compra vivos, só compra carne de porco em quantidad es médias
e irreg ularme nte . Suas compras acontecem sobretudo no invern o ;
antes da pes te são mesmo excepcionais fora dessa estação" . E , final-
men te, as novilhas constitue m " um pr ato de luxo que é reser vado
para as gra ndes festas" . E possível que tenha havido mudança de
háb ito dep ois da peste de 1348.
Com o obte r esses animais? Criando-os, é claro. Era uma da s ativi-
dade s dos açougueiros, e mostre i, a propósito dos macelliers de Tou-
louse , como eles tr aziam seus anim ais do Maciço Central , prevendo
par adas para o rep ouso e a engorda , e praticando até mesmo a inver-
nad a final. H avia també m agasalha - contrato de parc eria pecuária
- que se multiplicava por tod a part e , sob divers as forma s, a qual ,
aliás, já tive opo rtunidade de analisar detid amente . É a associação
do capita lista urb ano com o campon ês criador - sem que o primeiro
fornecesse forçosamente tod o o capita l - , com um a divisão variada
dos lucros e perdas . Verdadeira infusão de capitais urbanos no seio
dos campos.
Os cereais continuam assim mesmo a ser a base da alimentação.
Sua gama torna-se mais variada. Introduzido na Europa oriental a
partir do império mon gol , o trigo- sarraceno ou trigo negro chega
à No rmandia e, no fim do século XV , à Bretanha, onde sua boa
adaptação às terras pobres o torn a precioso , alcançando um sucesso
not ór io. Aos cer eais podemos acrescentar o arroz , cuja cultura, prati-
cada em vár ias regiões da E spanh a outrora muçulmana , também
surge na It ália setentrional, na baixa planície do PÓ. Ainda faltam
o milho e a batat a.
Penúrias e fome s atingem sobretudo essa 'base da alimentação .
O eco nomista inglês Gregory King (1650-1710) estabelecera uma re-
lação entre uma colheita insuficiente e a alta do preço dos cereais .
Se a colheita era inferior de 1/10 da normal, os preços subiam 3/10
acima da normal ; de 3/10, elevavam-se de 16/10; de 5/10, ascendiam
de 45/10. Essa " lei" . qu e cert ament e pod emos discutir , só funcion ava
84 OUTONO DA IDADE MÉDIA

dessa maneira, reconhecia King, quando não entrava em jogo qual-


quer outro elemento , tal como a importação de outros países , a pre-
sença de estoques do s anos precedentes, a existência de substitutos.
O " efeito King " permite mesmo assim compreender que havia ali
um notável estímulo para os agricultores.
Al ém do mais , elementos psicol ógicos agiam para agr avar a situa-
ção em per íodo de penúria . E justa me nte então qu e os aume ntos
dos pr eços tornavam rentáveis os transportes a longa dist ância . Nun-
ca se viu circular tam anh a qu ant idad e de grãos como nessa ocasião.
Assim impunha-se a idé ia de qu e de fato rein ava a abundâ ncia, qu e
a penúria devia-se ape nas a man obras de especulado res. De sse mo-
do , propagou- se na Fr ança do século XVIII essa lenda do " pacto
de fome" qu e deveri a representar um enorme papel nas origens da
Revolu ção Francesa .
Ha via os dias de abstinê ncia. aume nta dos pela religião, sobre tudo
em per íodo de qu aresma. Era preciso entã o comer pe ixe. É um a
pen a qu e o comércio de peixe s tenha sido tão pou co estudado . Limi-
tem o-n os. port ant o , a dizer algo a respeito. D esenvolveu-se muit o
o comé rcio de are nque, favor ecido pelo processo de embarricam ento
(91): logo depois de pe scados , os peixes eram salgados e po sto s em
barri s. Pode-se not ar um deslocamento dos centros de pesca para
o Oeste : além da Esc ânia , os mares da Noruega à Islândia (onde
obtêm-se o arenque branco e o bacalhau , que é posto para secar) ,
as águas ao largo da Inglaterra oriental (Yarmouth) , e o estuár io
do Reno na Holanda - o progresso de Amsterdã está à vista. Michel
Mollat mostrou o papel qu e a pesca do bacalhau representou no
movimento das grandes descobertas em direção à América do Norte
(65). Pod eríamo s dizer algo parecid o em relação à pesca da baleia
praticad a pelo s bascos. A pesca med iterrân ica não estava em at raso :
em Mar selha existia um a importante corpor ação de pescadou s -
100 a 350 pessoa s conforme as épocas .
Cad a vez mais difundia-se o con sumo de legum es e frut as. A p rodu -
ção de legum es aume ntava e diversi ficava-se: à tradiciona l trindade
das ervilhas, dos fei jões e da s favas, à cebola e ao alho, jun tavam- se
agora os espinafres, os aipos. os melões, os aspargo s. as alcachofras ...
For am de início cult ivados na Itália . Ch arles de la R on ci êre fala
de sua existên cia em Floren ça (82): " Dos pomares e hortas, qu e
cer cam e sitia m Flore nça , os legum es e as frut as, em dezenas de
espé cies , são exp ed idos tod os os dias no merc ado urb ano" - e ele
conta onze espécies de frut as e outras doze de legumes. Eram expor-
tad os da Itália. às vezes, para muito long e . Depois for am aclima ta dos
noutros luga res . e sub úrbios " ho rte nses " começaram a ser criados:
Vizille espec ializou-se na produ ção de ce bola e de alho ; a Bret anh a
CULTIVAR MELHOR 85

enviava seus legumes para a Inglaterra ; em 1453, os burgueses de


Poitiers mandavam trazer de Milão seus grãos de salada. O mesmo
acontecia com as frutas: a região de Erfurt, "jardim do santo Império
Romano", fornecia para toda a Alemanha . Os frutos mediterrânicos
- laranja e limão, que ainda mal se sabia distinguir; romã , figo
e tâmara - faziam um sucesso crescente nos países do Norte, onde
chegavam da Espanha e de Portugal , ou mesmo diretamente da Áfri-
ca.
Legumes e frutas eram cultivados nos jardins e pomares. Ninguém
disse melhor que Noêl Coulet quanto a Aix-en-Provence (247) como
o jardim foi um dos tutores do sentimento nascente em relação à
natureza: "O prazer tem sua parte nisso. As aléias sombreadas pelas
parreiras, o perfume suave das rosas, vermelhas e brancas, o cheiro
do alecrim e da salva - aromas misturados, é verdade, ao acre fedor
do estrume em fermentação - , o frescor e o murmúrio das águas ,
as distrações da pesca no viveiro são um estímulo ao passeio e ao
descanso . Os burgueses não admiram menos que o soberano esse
campo domesticado nas portas da cidade. Muitos atos do rei René
são ditados nesse grande 'pomar que ele constituiu entre 1447 e 1449
entre seu palácio e o antigo convento das Clarissas." São muitos
os documentos iconográficos que nos mostram que Aix não foi um
caso isolado.
Ovos e frangos completavam de form a tradicional essa alimen-
tação. Mas que frangos? E mesmo que ovos?
Esses alimentos precisavam ser temperados. Havia em primeiro
lugar o óleo . "O óleo de oliva é em Florença - sempre Charles
de la Ronci êre (82) - uma das bases da alimentaçao e da indústria
têxtil, a oliveira é muito cultivada ... " Aqui nos encontramos no domí-
nio mediterrânico . A Itália meridional exportava o óleo para Veneza
e Egito, entre outros países. No Sul tunisino , a ilha de Djerba forma-
va um verdadeiro "oásis do óleo", ainda mais precioso devido ao
quase desaparecimento dos antigos olivais da própria Tunísia . Ara-
gão expedia o óleo para Toulouse. Indo em direção ao Norte , entra-
va-se 'no domínio da manteiga . Fernand Braudel exprimiu bem o
estupor dos espanhóis ao chegarem no século XVI nesses países "on-
de se preparam os pratos, coisa incrível, com a manteiga de vaca
em lugar de óleo". Ninguém me convencerá de que a manteiga era
coisa nova no século XVI (2).
Havia naturalmente o sal. Saint Michel Mollat é o seu patrono,
rodeado de uma corte celeste composta por Jacques Le Goff, Jean-
Claude Hocquet e muitos outros (51, 289, 295, 297). Guiados desse
modo, como nos perdemos? Atualmente não temos mais idéia de
todos os antigos uso s do sal. Ele não servia apenas para salgar a
86 OUTON O DA ID ADE MÉDIA

comida. Tinha usos industriais - preparação do couro, limpeza das


chaminés, soldas de canos e goteiras - , usos farmacêuticos - era
utilizado como auxiliar na destilação do álcool a partir do vinho ,
e também de remédios contra a dor de dentes , acidez estomacal...
Sobretudo, ele conservava alimentos - o que será feito pela conserva
no século XIX e pelo frio no século XX. Conservava a carne (devido
à falta de forragem , muitos animais eram ab atidos na entrada do
inverno e colocados para sa lgar) , a manteiga e o queijo (punha-se
até uma libra de sal para dez libras de manteiga ) , por fim e principal-
mente o peixe - em es pecial os aren qu es do Báltico e do m ar do
Norte - , de modo qu e era particularmente nece ssário no s países
setentrionais.
. O mesmo não se dava quanto à produção. Havia sobretudo ali
as salinas costeiras: conjuntos de pequenas represas cada vez menos
profundas, pelas quais passava-se a água para evaporar, até que o
sal se cristalizasse . Era então colocado em montes cobertos de palha.
Método rudimentar, mas econômico. Tais salinas eram encontradas
em todas as costas baixas de clima suficientemente quente: costas
mediterrânicas, é claro ; mas também atlânticas , desde Setúbal , em
Portugal , até a costa francesa. É preciso insistir principalmente no
papel internacional representado pela baía de Bourgneuf: as salinas
estendiam-se ali por cerca de 35 quilômetros de costas, bem prote-
gidas pela ilha de Noirmoutier; era uma zona intermediária entre
Poitou e a Bretanha, isenta de qualquer taxação sobre o sal ; era,
especialmente para os consumidores do Norte , o primeiro grande
conjunto de salinas que encontravam em direção ao Sul. Já o sal-ge-
ma , terrestre , é diferente: é o caso da montanha de sal de Cardona
na Catalunha ; as minas de Franche-Comté e de Lorraine , cuj a explo-
ração enriqueceu os burgueses de Metz e os duques de Lorraine ;
finalmente as da Alemanha do Sul e da Áustria (Hall, Hallein , o
Salzkammergut), que expediam muito para a Alemanha setentriona l;
Munique era um grande mercado. Podemos rel acionar isso com as
fontes de salmoura , qu e surgiam em diversos lugares , como no No-
roeste da Inglaterra e na hinterlândia próxima do Báltico . Fervia-se
essa salmoura e, com muito custo , obtinha-se um exc elente sal , como
o de Lüneburg , qu e por muito tempo abastece Lübeck. Nas costas
do Norte , como na Inglaterra e nos Países Baixo s, havi a um a turfa
salgada: era queimada , depois a cinza era dissolvida na água do mar
e fervida . Excelente sal , mas que saía muito caro ! No conjunto , os
países meridionais aparecem , portanto , como os mais favo recidos.
Havia ali - e houve de sde a pré-história - um grande comércio
de sal. A baía de Bourgneufvivia então seus melhores dias. Os navios
hanse ãticos, holandeses e flamengos (até cerca de um a centena) agru-
CUL TI VA R MELHOR 87

pam-se em camboio para lutar contra a pirataria . A Hansa tem sua


" frota da Baía", que parte de Zwin entre dezembro e março a fim
de, na volta, abastecer o mercado de arenques do Báltico. Mas há
também pequenos navios isolados, sobretudo bretões: têm mais liber-
dade de movimento, e sua própria pequenez os salva das cobiças.
Bruges é o grande porto de redistribuição. A frota parte novamente
para os mercados de Gdansk, Tallin , Riga (onde o sal é ensacado
par a a Rú ssia). A amplitude desse tráfico não é bem conhecida,
devido à falta de cont as de aduanas. Entretanto , a apre ensão de
tod a a frota da Baía pelo s piratas ingleses, em 23 de maio de 1449,
causou uma disput a internacional que fornece alguns eleme ntos.
Avalia-se o estoque de sal em pelo menos 1.840 toneladas, levadas
em 60 navios flamengos e holandeses e 50 hanseáticos .
Há aind a as especiarias , cuja importância temos dificuldade de
perc eber, já que , hoje , o especieiro é um comerciante igual aos outros
(281). Elas constituem de fato um conjunto muito variado de produ-
tos, dos quais só citarei os principais. Eram utilizadas na alimentação ,
mas também na farmacopéia . São de início essências vegetais , mais
ou menos tratadas, como o aloés (purgante), a cânfora (utilizada
contra o reumatismo e as doenças do coração), a escamônea (purgan-
te) , o açúcar de cana (contra as doenças do peito) . Outras eram
partes de plantas: raízes, de galanga (excitante) e de ruibarbo (pur-
gante) ; as próprias plantas , como o gengibre; cascas , como a canela ;
flore s, como o açafrão (também utilizado para tingir ) ; fru tas , cravos-
da-índia , noz-moscada e , sobretudo , pimenta. E , por fim , há alguns
produtos animais, principalmente o almíscar, muito procurado.
Todos esses produtos , ou quase , eram provenientes da China, da
Insulíndia e da Índia - portanto, tratava-se de um comércio muito
longínquo . Encaminhadas para os grandes mercados do Levante ,
sobretudo Cairo e Alexandria, as especiarias eram compradas ali
pelos comerciantes italianos , que as vendiam em seguida nas grandes
feiras, especialmente em Gênova e -Lyon. Certamente , tratava-se
de um tráfico muito importante . As especiarias eram utilizadas na
farm acop éia, ainda limitada aos "simples" da tradição romana e oci-
dental, que só iria se renovar de fato depois do século XVIII. Eram
muito utilizadas na cozinha , e não apenas porque se apreciavam os
sabores fortes . As especiarias compensavam a falta de gosto de certos
alimentos: carne cozida por ser muito dur a, vinho demasiado novo
(porque não se sabia fazê-lo envelhecer) . Quando era preciso , pimen-
ta e gengibre serviam de moeda de troco , em que eram estipulados
alguns aluguéis e rendas. Contudo , não vamos exagerar. Richard
Gascon chegou a escrever que, mesmo em Lyon , " não foram as
especiarias qu e deram o impulso deci sivo às feir as. Ess e papel foi
88 OUTONO DA IDADE M ÉDIA
a' "1
representado pelos tecidos de luxo das cidades manufatureiras italia-
nas" .
E a bebida? Aqui triunfa o vinho . " O vinho jorra aos borbotões
nas mesas florentinas , observa Charles de la Ronci êre (73)... O clero
deplora a bebedeira, mas admite as virtudes do vinho ... Todos os
anos, em 1~ de novembro , festejos comemoram o vinho novo , e o
papaia minuta fica tão alegre que não se aconselha, às personalidades
de passagem , a permanência na cidade nessa época." Passamos por
Provença e Louis Stouff, baseando-se em belas séries de contas , ob-
serva: "Tudo nos arquivos demonstra a importância do vinho . Não
há alimentação conveniente sem ele ." Eu mesmo lembrei a respeito
de Toulouse (99): " A importância do vinho na alimentação tolosana
era considerável. Puro , ou misturado com água (limphatus ), era a
bebida por excelência, aquela que invariavelmente estipulava contra-
~_ tos de trabalho e de emprego . Seu consumo , embora seja dif ícil prec i-
sar a sua importância , certamente era cotidiano em todas as classes
da sociedade . O vinhedo constituía então, por excelência, o cinturão
das cidade s, como hoje as culturas hort enses: 'Ela constitui em belos
vinhedos e bons e plantados em plena luz' , tal é o mais belo elogio
que Froissart pode fazer a uma cidade." Mas o gosto pelo vinho
também é forte nos países nórdicos , a ponto de suscitar um grand e
comércio analisado em particular por Jan Craebeckx (265). E Henri
Pirenne indica como sinal de distinção social nos Países Baixos o
fato de se beber vinho em casa - e não apenas nas tabernas .
Essa voga do vinho justifica-se com facilidade (211, 303, 304).
Não insistamos em demasia nas necessidades litúrgicas (para a comu-
nhão) , reais , no entanto, a ponto de haver suscitado , em regiões
que certamente não lhes convinham, criações de vinhas , aliás desapa-
recidas nos séculos XIV e XV. É preciso atribuir mais importância
às necessidades fisiológicas, à necessidade de um tónico - especial-
mente nos climas frios - numa época em que nem o álcool, nem
o café, nem o chá eram bebido s. Logo , é fácil de se compreender
que um grande comércio do vinho tenha podido se instaurar entre
países meridionais fornecedores e países setentrionais consumidore s.
Os poucos dado s de que dispomos assinalam essa extensão: Yves
Renouard estab eleceu que a região de Bordelais exportava em média
250.000 hectolitros aproxim adamente ; a título de comparação, a ex-
portação de 1956 era de 424.000 hectolitro s, número que os bons
anos medievais deviam alcançar. Cidades, senhores e Estados obti -
nham desse tráfico grande s recur sos. Para nos limitarmo s a um exem-
plo: em Gand , os impostos sobre os vinhos repre sentam 88% das
finanças municipais em 1400-1401, e 30% em 1436-1437, situando-se
a média entre esses dois extremos . Jan Craebeckx conclui: "o fato
CULTIVAR MELHOR 89
't
de que um consumo sem dúvida bastante fraco tenha sido a, causa
de tal situação prova até que ponto a estru tura econô rnica anterior
à revolução industrial era diferente da de hoje " . O pai do escrito r
Chaucer enriqueceu-se com o comércio de vinho. Assinalemos ainda
que , embora a cultura da vinha fosse muito sábia e cuidadosam ente
praticada, a vinificação era muito medíocre. Sabia-se praticar o corte
dos vinhos e o enchimento constante dos tonéis para evitar a acidifi -
cação do vinho ao contato do ar. Mas não se sabia clarificar o vinho
como hoje pela colagem. Tampouco podia-se envelhecer o vinh o
e desconhecia-se o uso da garrafa de vidro. Era , portanto , preciso
expedir o vinho a partir de outubro e consumi-lo no ano. Para dar
sabor a esses vinhos jovens, amiúde misturavam -se a eles especiarias
e mel, até mesmo substâncias estranhas.
O século XV é o último grande século do com ércio de vinho. Con-
correntes vão aparece r e de senvolver-se: em primeiro lugar a cerveja,
que se aprende a fabricar melhor na Alemanha no século XIV , com
a utilização do lúpulo. A grande cervejaria alemã de senvolve-se no
século XV , e a cerveja torna-se uma bebida popular nos Países Bai-
xos . Depois é o álcool, cuja destilação progredira muito desde o
fim do século XIII ; em Toulouse, fabrica-se aguardente no começo
do século XV . Em compensaç ão , tornam-se melhores a produção
e a conservação de vinhos de boa qualidade .
Peço desculpas por ter insistido tanto nesses aspectos da alimen-
tação . Além do fato de qu e uma história econ ómica só tenha muito
a ganhar apoiando-se no homem , também pos sibilita a seguinte afir-
mação: no século XIII, certas regiões tinham começado a passar
de uma simples agricultura de subsistência a uma explo ração de mer-
cado . Nos séculos XIV e XV , apesar da reviravolta da con juntura,
essa evolução confirma-se e estende-se. Com todas as vantagens ,
ma s também com todos os riscos que isso comporta . Como, então,
aconteceu essa mutação?

Três regiões de progresso

A agricultura tradicional enco ntra va-se encerrada num círculo vi-


cioso : os rendimentos e ram fracos devido à falta de fertilizantes,
mas a criação - e, portanto , a produção dos preciosos restos animais
- estava pouco de senvolvida devido à falt a de alimento para os
animais, poi s era impossível mantê-los durante o inverno no estábulo ,
sendo necessário ab ate r um grande número no fim do outo no. Desse
círculo vicio so, a Inglaterra sairá no século XVIII atra vés de sua
"revolução agrícola", e o continente irá imitá-la no sécul o XIX . Não
é po ssível fazer remontar essas datas ao s séculos XIV e XV ?
90 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Os Países Baixos - Fland res e Br abant em particul ar - e seus


arre do res par ecem fornecer um a resposta ·positiva a essa per gunt a .
Mari e-Jeanne Tits-Dieuaide , um de nossos guias mais seguros e mais
penetrantes nesse s problemas delicados , consta ta em pr imeiro lugar
result ados obtidos no fim do século XIII (243) : nas pro ximidades
de Lille , o rendiment o de 21 hectolitros por hectare é cor rente para
o frum ent o , cont ra apenas cerca de 11 hectolitros na In glaterra , 11
a 12 ainda nas regiões flameng as menos favoráveis. Além disso, hou -
ve diversificação das culturas, ger almente conhecidas há mu ito tempo
em teoria , mas então ado tadas de fato. Ass im, o lúpul o , originário
da Aleman ha , apareceu no Brabant no século XIV, e rapid amen te
tornou-se comum. As sementes de nabo-silvestre eram muito cor ren-
tes no século XV ; algumas Mesas do Espírito Santo, em Lierre pe rto
de An tuérpia e em Louvain, distr ibuíam óleo de nabo a seus pobres
dura nte a Q uaresma. O linho , conhecido desde a época romana no
Norte da França , e no Sul dos Países Baixos, prop aga-se nos séculos
XIV e XV no Sul do Brabant, em Flandres (exist iam pôlderes perto
de Bru ges, nos países de A lost e de Waas, nos Qu atr e-M étiers, na
pouco acide nta da região gantense, no vale do Lys) , o que permite
- temos prov as disso - o ava nço da indústria do linho .
Isso supõe uma melho r prep aração do solo, qu e é pr eciso rege ne -
rar , mas cuja ferti li-íade origina l també m ambiciona-se aum entar.
Da tam do século XIV os primeiros vestígios escritos da cultura siste -
mática de ervilhas, ervilhacas e favas: têm um pod er fertilizante sobre
o solo , fixando o nitrogênio at mosférico . Em Flandres, desde pelo
menos 1333, duas plantações que dep end iam do hospital Saint-J ean
de Bruges são regul arme nte seme adas . No Brabant , no segundo
quarto do século XV, a En ferm aria da Grand e Beguinaria de Bru-
xelas consagra-lhes 15 a 20% de suas sementes sobre os cerca de
20 hectares que cultiva em exploração direta de propriedade agrícola .
Os camponeses com cer teza seguiram esses bons exem plos, mas não
deixar am conta s.
A boa fabricação dos adubos era conhecida na In glaterra desde
o sécu lo XIII. Mas apen as em Flandres e no Brab ant os cam po neses
utilizam os métodos com obstinação. Tamb ém recorrem à ma rga,
o que a época galo -rom ana não ignorara. As cinzas de madeira e
de turfas, aos restos das saboa rias e lavand erias, às tor tas de colza
e de nabo-silvestre apen as depoi s do século XV . A colheita à foice
permite obter palha em abundâ ncia, tamb ém necessária pa ra os tetos,
e que serve de cama de animais, a qual , saturada de urina e excre-
mentos, conclui sua ferm entação no solo , ao ar livre . Por fim, a
disper são dos resíduos hum anos organiza-se , sem dúvida , com a ins-
talação dos equipamentos urb anos.
CULTIVAR MELHOR 91

É preciso também desenvolver a criação, alimentar os animais em


qualquer estação . Tradicionalmente, deixavam que pastassem nos
bosques e charnecas, no alqueive, nos raríssimos prados; depois ,
como já foi dito , a maior parte devia ser abatida com a aproximação
do inverno . As ervilhacas permitem alimentá-los melhor agora : ricas
em cálcio , elas fortalecem os ossos, tornando os anima is jovens capa-
zes de puxar bem a carroça e de ter vários filhote s. De fato , mais
uma vez, tudo se equilibra. Ainda praticam o cultivo das plantas
forrageiras no alque ive, mant êm prados perm anentes e desenvolvem
prados artificiais. De sses ganho s, alguns exemplos aparecem por vol-
ta de 1300, mas apenas na Flandres france sa. Os solos da Flandres
flamenga são meno s ricos; há , port anto , reticência s. Impõe-se uma
solução intermediária: desde a met ade do século XVI , nas regiões
de Brug es, o alqu eive acha-se integrado a um novo tipo de rotação ,
que se estende por períodos mais longos do que o afolhamento trie-
nal; prados temporários surgem ali. No Brabant , isso acontece no
século XV, mas é possível que seja anterior. O estudo menos apro-
fundado impede o julgamento.
Quanto aos prados , os contratos freqüentemente obrigam os arren-
datários a arrancar o mato e os espinheiros que poderiam impedir
que a erva cresces se. Numerosas contas brabantesas do século XV
contêm os salários dos ceifeiros , tanto para o pnmeiro corte quanto
para a erva nova. Em Flandres , os prados temporários, de dois a
quatro anos, ocupam superfíci es às vezes importantes : assim, um
camponês , ao alugar 70 med ida s de terra em 1473, deve deixar 34
de prado ao fim de seu contrato de arrendamento. São exemplos
- mas quem dirá a difusão exata desses métodos?
Na Holanda e na Zelândia , regiõe s pouco acidentadas, varridas
pelos ventos , o moinho de vento propaga-se : é um enorme engenho
inteiriço que gira sobre um grand e tripé de madeir a - somente mais
tarde faz-se com que gire apen as a parte de cima , com as pás. Em
1408, aparece o primeiro exemplo conhecido de um moinho de vento
que bombeia a água dos pôlderes. Tem um belo futuro pela frente ,
tanto na economia como na ... pintura.
Esses progressos não teriam se realizado, se não houvessem algu-
mas condi ções favoráveis. O número de homens, de fato: a grande
peste de 1349, relativamente, teve aqui pouco efeito, e a den sidade
da população mantém-se num bom nível. A liberdade de que gozam
os camponeses sobre suas terras: o afolhamento trienal , com suas
obrigações, raramente lhes é impo sto . Muitos são proprietários de
seus quinhões de terra e não hesitam em fazer experiências nelas.
Em geral, os senhores , movidos por uma caridade bem ordenada ,
adotam uma atitude positiva. Até mesmo a baixa dos preços dos
92 OUTONO DA IDADE MÉDIA

cereais não deixa de ter conseqüências felizes, já que leva os cultiva-


dores a se interessarem por produções mais rentáveis, como linho,
culturas industriais .. .
Certamente , a verdadeira "revolução agrícola" só acontecerá no
século XIX . Mas, nesse meio tempo, tudo isso não pode ser deixado
de lado!
A situação é semelhante numa zona mais ampla. Gérard Sivéry
afirmou (238) que , no Hainaut , as possibilidades de exportação eram
maiores para a criação de animais do que para os grãos : as cidades
de Flandres, do Brabant e da Holanda tanto podiam comprar seus
"trigos" em Artois , na Inglaterra, como nos países bálticos. E uma
parte dos produtores conscientizou-se das condições do mercado:
os condes seguramente ; como também os monges cambresianos da
abadia do Saint-Sépulcre que , cinco séculos antes dos fisiocratas ,
distinguem a riqueza nova , proveniente da produção agrícola, da
renda oriunda de uma riqueza já existente; muito provavelmente
vários senhores laicos e eclesiásticos ; talvez grandes arrendatários
ativos - aqueles que em outra época e em outros lugares irão se
chamar cúlaques; certamente não a massa dos camponeses mais hu-
mildes. Mas isso basta . Aliás, os solos prestavam-se bem a essas
especulações. Os monges cambresianos desenvolveram a criação de
carneiros, cuja lã era muito procurada e, em menor grau , a cultura
do pastel-dos-tintureiros e da garança . Sem dúvida, a economia ce-
realífera continuava sólida . Mas, na medida em que o permitia uma
conjuntura cujas flutuações a guerra multiplicava, a criação ovina
estava em pleno progresso no Cambrésis, e a criação bovina no vale
do Sambre. "As rendas da criação lhes [aos camponeses] trazem
um complemento de recursos e representam o mesmo papel que
os lucros dos vinhedos na região parisiense." Seriam todos incons-
cientes das causas dessa mutação?
Desse modo, louvam-se os Países Baixos. Mas há nisso uma certa
dose de injustiça para com o país pelo qual , afinal , se abrirá ao século
XVIII a "revolução agrícola " - isto é , a Inglaterra? Bruce Campbell
colocou-se essa pergunta e , para respondê-la, situou-se no Norfolk
oriental , zona ideal: os solos eram férteis , charcos aluviais ofereciam
possibilidades ainda não imaginadas, o terreno com ligeiras ondula-
ções assegurava às comunicações terrestres uma facilidade quase
comparável à da água . A população era numerosa, sem dúvida , a
mais elevada do país: no início do século XIV, chegava a quase 190
habitantes por krrr' . A maior parte era livre, e o espírito de iniciativa
não lhe faltava . As cidades constituíam-se num estimulante pode-
roso: com seus quase 18.000 habitantes; Norwich era provavelmente
a primeira cidade provincial da Inglaterra; com mais ou menos 11.000
CULTIVAR MELHOR 93

almas Yarmouth estava, como porto , em seu zênite. O sinal mais


claro do progresso era a relativa raridade do alqueive, que vinha
sendo eliminado desde o fim do século XIII - e , pela primeira vez,
em 1268-1269, em South Walsham, domínio do duque de Norfolk.
Entretanto, seu total desaparecimento não era desejável , pois era
o melhor meio de limpar o solo; a maioria dos domínios consagra-
vam-lhe uma pequena parte (cerca de 7%) de sua superfície. Durante
o alqueive, as lavragens eram repetidas: três, e até seis. O perigo
era a deterioração do solo . Surgia , então , o problema: o gado tinha
necessidade do alqueive para se alimentar, e a eliminação deste leva-
ria à dos fertilizantes.
Segundo Titow (242) , considerando eqüídeos e bovinos como uma
unidade, cordeiros e carneiros como um quarto de unidade, pode-se
estimar que , nos 30 domínios do Norfolk oriental , entre 1255 e 1350,
para 40 hectares semeados, o número de unidades animais variava
de 10,3 a 87,8 , com uma média estabelecida entre 30 e 34. Ora,
para as propriedades do bispo de Winchester, era de 72,7, número
que Titow considera como sendo apenas suficiente para fornecer
adubos. Entretanto , a produtividade permanecia alta em Norfolk:
os rendimentos médios, 'de 1260 a 1350, eram, para o frumento,
em 20 domínios , sobre 141 colheitas , de 5,6 (ou seja, 10 para 1 em
relação à semente), com um máximo de 7,1 ; para a aveia , em 20
domínios também, sobre 199 colheitas, de 2,8 (ou seja , 7,4) , com
um máximo de 4,1. Eram números excepcionais para a época: vizi-
nhos um do outro , os domínios de Martham e Hemsby já atingiam
o máximo no fim do século XVIII (215) . O mais notável é que alguns
dos melhores rendimentos eram obtidos nos domínios em que a ratio
animal era mais fraca: reencontramos Martham e Hemsby . Como isso
era possível?
A cultura extensiva das leguminosas era, de fato , um dos traços
essenciais do sistema. Seu papel era o de enriquecer o solo em nitro-
gênio e fornecer forragem rica em proteínas. Utilizam-se em primeiro
lugar as ervilhas negras, depois a ervilhaca surgida pelo fim de 1350,
que logo igualou-se a elas. Cultivava-se também um pouco de ervilhas
brancas para a alimentação humana. Essas leguminosas eram impor-
tantes desde aproximadamente 1240: ocupavam então 9% do solo
cultivado em onze propriedades da abadia St. Benedict de Holm -
e essa importância não deixará de aumentar: para o conjunto
1239-1350, as leguminosas ocupam 14% do solo cultivado. Média
que dissimula variações consideráveis: em Martham e Hemsby ainda,
a parte podia subir para um quarto ou um quinto . .
Resultado: a alimentação do gado no estábulo - o que fornecia
muito mais fertilizante, já que bastava recolhê-lo ali mesmo , evitando
94 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

as perdas causadas pela oxidação e pela busca dos excrementos nos


campo s. Em Marth am e Hemsby, havia um esforço sistemático para
emparelhar criação e cultura cerealífera, e os rebanhos mais nume-
rosos coincidiam com os anos de cultura máxima: 1296, 1306, 1318
e 1349. Isso não era evidentement e um acaso. - Aind a se recorria
a outros fertilizant es: a marga , os dejetos humanos, os excrementos
dos inúmeros carneiros.
Tudo isso não deixa de nos colocar problemas. Discutiu-se bastante
sobre o uso do cavalo nos traba lhos agrícolas. Vamos opor Lynn
White - desde o fim do século XII, pelo menos em certas partes
da Inglaterra, a lavragem era feita principalment e com cavalos (255)
- e Titow (242) - " Os documentos ingleses asseguram, sem a menor
dúvida , que não houve nenhuma passagem da lavragem com bois
para a lavragem com cavalos." O Norfolk oferece uma resposta sem
equívo co: desde meado s do século XIII , os domínios da abadia St.
Benedict já dispõem de um número considerável de cavalos, cinco
a oito por propriedade . Bruce Campbell acredita que se usassem
cavalos e bois.
Outro problema: o recurso ao trabalho humano. A densidade da
população tornava-o barato , sobretudo para a sachadura, que conti-
nuava essencial, apesar das lavragens repetidas do alqueive. Sem
dúvida , o declínio demográfico do século XIV reduziu essa intensi-
dade . Pelo menos na "reserva" cultivada em exploração direta graças
às corvéias devidas por foreiros. Em Martham , desde 1292, o rendi-
mento era seis vezes superior ao da reserva. De modo que posses
inferiore s a dois hectares eram perfeitamente viáveis; tratava-se de
cultura de hortaliças . Entretanto, em muita s propriedad es, posses
e parcelas da reserva combinav am-se; pode- se pensar que o trabalho
era conduzido da mesma maneira tanto numas como nas outras.
Pode-se então considerar as técnicas agrícolas do Norfolk como
iguais às dos Países Baixos; ele os precede em cinq üenta anos quanto
à primeira eliminação do alqueive. Mas quid do resto da Inglaterra?
Tr atou- se várias vezes das pesquisas de J . Titow sobre as proprie-
dades do bispo de Winchester (242), amplam ente espalhadas no Sul,
sobretudo em Hampshire , Berk shire , Wiltshire , Somerset , Oxford-
shire ... Mais recent ement e foram retomadas por D. L. Farmer (215),
que , como Titow , calculou o rendiment o em si, e não por unidade
de área, sempre discutível , mas fez um uso mais sistemático das con-
tas do intendente, freqü ent es sobretudo depoi s de 1350. Titow con-
cluía que o rendimento médio anual e ra bastant e estável para o fru-
mento no século XIII e no começo do século XIV, e que baixava
em relação à aveia e à cevada . Atribuía esse fato à falta de adubo
animal e à carência das leguminosas. Mas a maioria dos rendimentos,
CULTIVAR MELHOR 95

depois de uma curta baixa , recomeçou a aum entar após 1350, princi-
palmente os oriundos do frumento . Pelo menos a met ade dos domí-
nios que tinham "rendido" mais ent re 1325 e 1349 ainda melhoraram
seu desempenho de 1381 a 1410. Parece que isso pode se explicar
pelo espaço cada vez mais ampl o consagrado às leguminosas (por
volta de 1390, em cinco propriedades, é mais de 15% do solo), por
um progresso consecutivo do adubo anual, pelo melhoramento das
sementes. Mas não nos entusiasmem os! A maior parte tem dificul -
dade para seguir. Comparados aos de nossos dia s, os resultados mé-
dios são medíocres .
Voltemo-nos agora para o Norte. R . A . Lom as escreveu um artigo
sobre os domínios do bispo de Durham , cuj as conclusões merecem
atenção. Um fato importante, que ainda não mencionei, é que pouco
a pouco os senhores pararam de pr at icar a exploração direta da parte
que se "reservavam" de suas propri edades. Na Inglaterra setentrional,
os Percies arrendam desde o começo do século XIV a totalidade
de seus domínios de Northumberlan d . Fazem o mesmo em Yorkshire
somente em 1416 (201). O bispo de D ur ham pára de arrendar a
partir de 1387. Por que essa evolu ção ger al? O que se tornam os
domínios arrendados? Eis uma sondagem que nos pode ser esclare-
cedora. Por quê? Alta dos salários e queda ,dos preços , má vontade
dos foreiros, foi dito . Tudo isso não é falso . E preciso pensar também
na comutação em espécie que muitos senhores , instados pela necessi-
dade , concediam de suas corvéias a muitos de se us foreiros. Geral-
mente, ou as parcelas da antiga reserva ter ão a mesma sorte das
parcelas a que estavam misturadas; os arrendat ários , pequenos no-
bres e burgueses quando é preciso , mas sobretudo camponeses mé-
dios, terão pressa em combinar a criação ovina com a cultura de
cereais, e poderão assim participar da exportação da lã. Em todo
caso, é importante lembrar que a política dominial, principalmente
a dos senhores eclesiásticos , só até certo ponto obedecia a conside-
rações económicas: era preciso conservar da melhor maneira possível
a propriedade do santo! Mas uma Igreja , apesar de tudo , não era
uma empresa; seus desígnios eram acima de tudo religiosos e litúr-
gicos.
Quid do resto da Inglaterra? perguntava eu . O Norfolk parece,
assim mesmo, ser a exceção. Os resultados de conjunto permanecem
inferiores aos dos Paíse s Baixos (86). De qualquer modo , todos foram
dignos de um tratamento aritmético, que me parece um pouco artifi-
ciai. Mas como os leitores podem julgar isso se eu não apresentá-lo
pelo menos rapidamente?
A "tese" de Tits-Dieuaide (243) já dera o exemplo de um bom
trabalho , fundado em métodos apurados. Hugues Neveux lembrou-o
96 OUTONO DA IDADE MÉDIA

bem. Escolher acuradarnente as séries de observações que se esten-


dam, se possível, de modo contínuo (o que é raro), sobre pelo menos
uns cinqüenta anos; pois as "más colheitas " não sobrevêm em vagas
de dez ou vinte anos seguidas de períodos de calmarias de mesma
extensão? Essas séries também precisam ser bem analisadas: compa-
rar a instabilidade dos rendim entos por categorias de cereai s. Tits
calculou as amplitudes máximas, depois, ano por ano , os desvios
da média expressos em porcentagens desta. Hugues Neveux sugere,
para se ter " uma visão global da instabilidad e" , calcular além disso ,
para cada série , o coeficiente de dispersão , isto é , o quociente do
desvio padrão pela média aritmética. Também é necessário confron-
tar as flutuações simultâneas dos diversos rendim entos numa mesma
exploração - e, para isso, estabelecer " coeficientes de variação li-
near " , levar em conta ainda a hierarquia entre cereais - pode- se
admit ir que uma variação superior em 15% da média pode razoavel-
mente definir , se for o caso, o déficit ou o excesso! Quantos refina-
mentos !
Vamo s tentar aplicar concretamente esses métodos. Podemos par-
o tir de Titow, mas limitados ao período 1300-1349, e só conservar
as séries em que não haja excedente superior a 10% da média alta
sobre a média baixa , ou seja , 19 para o frumento , 11 para a cevada ,
8 para a covariação dos dois cereais . Para o frumento , notamos
sem surpre sa as médias elevadas da amplitude máxima (de 1 a 4,64)
e da dispersão (28,4%). Com mais surpr esa , constatamos que o grau
de dispersão é totalmente indiferent e ao valor da média aritmética .
" Na Inglaterra, a instabilidade anual dos rend imentos das proprie-
dades de Winchester não tem nenhuma ligação com o seu nível mé-
dio .. . o que é grave se isso se confirmar no tempo : os progre ssos
da produtividade não seriam acompanhados de uma atenuação das
oscilações de colheita a colheita ." Mas Tits obriga a matizar essa
hipótese: " Numa exploração agrícola da Enfermaria da Grande Be-
guinaria , de 1450 a 1499, o rendimento médio sobe para 13,9, sem
que a dispersão ultrapasse 23,5%. " Constatamos ainda que , se a
instabilidade global situa-se em níveis vizinhos em tod as as explora-
ções, apesar das amplitudes máximas variáveis de uma unidade para
outra, mesmo assim há sérias divergências: desse modo, em 1306,
estabeleceu-se a variação de um déficit de 60% em relação à normal
para um excedente de 51% . Para a cevada , Tits confirma : a indepen-
dência da dispersão em relação ao valor da média aritmética é quase
tão grande quanto para o frument o. Entretanto, essa dispersão pode
variar muito: é o que acontece entre as séries Winchester e Brabant ;
ora , o intere sse concedido à cevada na produção e no aliment o alte-
ra-se muito no tempo e no espaço . Há também fort es disparidades
CULTIVAR MELHOR 97

individuais: nas propriedades de Winchester , 12 anos em 42 oferecem


algumas importantes; entretanto, quando há paralelismo , a seme-
lhança dos comportamentos é nitidamente mais acentuada que no
caso do frumento. Enfim , se estudarmos a covariação do frumento
e da cevada, constataremos que mais ou menos por tod a par te a
cevada é um apreciado auxiliar do frumento ; a priori , adm ite-se movi-
mentos grosseiramente sincr ônicos. Contudo , por falta de fertilizan-
tes, o camponês é levado a nem sempre dedicar os mesmos cuidados
às diversas plantas. Parece que " a covariação cevad a-frumento é
da esfera do mito ". Mas a cevada é um alimento de substituição;
por ocasião dos anos de déficit frumentício , o camponês pre sta mais
atenção nisso . .

Os Países Baixos . A Inglaterra. Seria injusto não compl et ar a trilo-


gia com a Itál ia set entrional. Emilio Sereni fez um estudo da " paisa-
gem rural italiana", isto é, da "forma que durante suas atividades
agrícola s, e para cumpri-Ias, o homem imprime à paisagem natural
de maneira consciente e sistem ática " . Além disso, esse estudo é enri-
quecido por numerosas referências picturais (235).
No século XIV, afirmou-se a predominância das cidades e da refle-
xão. Desta última, o bolonhês Pietro de. Crescenzi (v. 1233-1320),
autor de Ruralium commodorum opus - que Carlos V de França
mandará traduzir em 1373 sob o título de Livre des prouffi z cham-
pestres - deixou não apenas regras, mas o resultado de suas observa-
ções . E sobretudo a paisagem suburbana que se transforma , sob o
efeito de iniciativas individuais que se combinam de maneira racional.
Ela humaniza-se , multiplica os campos fechados à " pigola", isto é,
de forma poligonal irregular. Os desflorestam entos excessivos são
limitados; Siena cria , em 1358, uma magistratura especi al para as
florestas , e Veneza procede de modo sistemático. Um esforço é feito
para desenvolver - aqui também - a criação de carneiro . Mas a
anarquia administrativa, a manutenção dos regulamentos feudais
muitas vezes impedem que , na Itália meridional e nos Estados pontifi-
cais, se vá além do estágio das boas intenções. Na Toscana, as consi-
derações de povoamento passam a ser predominantes . E o vale do
Pó que representa a vanguarda da agronomia. Ele é dirigido apenas
por poderes organizados e conscientes dos problemas econ ómicos:
a Senhoria de Veneza e os Sforza de Milão, no século XV, que em-
preendem os trabalhos de irrigação necessários para superar o obstá-
culo essencial ao progresso agrícola, a secura do clima (62). Veneza
ordena sistematicamente o curso dos rios. Francisco I Sforza mandou
cavar o canal de Binasso para as água s do Naviglio de Milão até
Pavia (1457), depois o da Martesana para levar as águas do Adda
98 OUTONO DA IDADE MÉDIA

de Trezzo até Milão (1464). O exemplo foi seguido pela Toscana,


onde o primeiro lago artificial foi criado em 1469. Assim surge o
prado irrigado, em que a atividade vegetal prossegue o ano todo,
enquanto o gado fica no estábulo. Um ordenamento das colinas em
terraços faz sua estréia ainda modesta; Boccaccio apresenta-o em seu
vale das Damas (6" jornada). A paisagem da vil/a , elaborada na Tos-
cana , propaga-se : em 1.411 vil/as de interesse artístico em Venécia,
15datam do século XIV , 84 do XV, mais de 257 do XVI. São grandio-
sas construç ões simétricas , que guardam pouca coisa de suas origens
utilitárias. E, pois, um movimento que prosseguirá. De fato , as gran-
des linhas da paisagem rural italiana , que irão perdurar até o século
XIX , foram fixadas nessa época.
Vemos , portanto , destacar-se a evolução agrícola dos séculos XIV
e XV. Não é uma agricultura científica. Os manuais de agricultura
são conhecidos apenas por alguns eruditos; o autor principal é , sem
dúvida, Pietro de Crescenzi, que será traduzido para o alemão e
impresso a partir de 1471. A economia cerealífera é a base. Mas,
em pelo menos três zonas privilegiadas, Países Baixos, Este da Ingla-
terra, planície do PÓ, uma evolução para a criação transforma o siste-
ma agrário e prepara a "revolução agrícola". A transumância organi-
za-se em particular na Espanha , para o carneiro merino . A floresta
não é mais apenas protegida; às vezes, é explorada, em proveito
das espécies de luz (as coníferas) (210). Chega-se a um novo equilí-
brio. Sim, cultiva-se melhor!
8

Fabricar melhor

Assim como a necessidade de produzir os alimentos indispensáveis


para uma população, sem dúvida decrescente , mas cada vez mais
exigente, levou a cultivar melhor áreas reduzidas, condições desfavo-
ráveis do trabalho artesanal estimularam a pesquisar - e a encontrar
novas técnicas. Se os progressos da agricultura estiverem longe de
nos parecer dignos de serem posto s de lado, o que diremos dos pro-
gressos da indústria? No curso desses séculos precedentes , o cresci-
mento das trocas, a riqueza distribuída de modo mais amplo , o surgi-
mento de necessidades e gostos novos desenvolveram a procura de
produtos mais bem-acabados e em maiores quantidades. De outra
parte, a crise de mão-de-obra , real pelo menos em certos ramos ,
o desejo de economizar sobre salários mais elevados, incitavam a
substituir o homem pela máquina. A Europa parece ter sofrido tam-
bém a falta de metais preciosos : disso decorreram os esforços feitos
para separar a prata, dos quais toda a metalurgia deveria tirar provei-
to ... A guer ra , em um meio suficientemente aberto aos aspectos
técnicos , é um fator de progressos materiais: em relação a esse aspec-
to , os corrflitos dos séculos XIV e XV representaram amplamente
seu papel , já que podemos contabilizar a seu ativo (?) o desenvol-
vimento das couraças e o aparecimento das armas de fogo na Europa
(23,240-249 ,255).
Dentre essas inovações técnicas , apresentamos as principais, assi-
nalando aquelas que mais modificaram as condições do trabalho hu-
mano .
100 OU TONO DA ID AD E M ÉDIA

o homem começara a utilizar melhor as forças colocadas a sua


dispo sição pela natureza . como a água que fazia os moinhos funcio-
narem (214). Faltava diversificar os emprego s, através de melhores
proc edimentos de transmissão . Tr at ava-se de transformar um movi-
mento circul ar contínuo , tal co mo o que era fornecido pela mó de
um moinho , num movimento retilíneo alterna tivo. Para as serras ,
os tornos, tiveram de início que pr ever uma mola que reconduzisse ,
a cada vez , o instrume nto para sua posição primitiva . Num caderno
do começo do sécul o XV está finalmente representado de maneira
esquemática o siste ma bie la-ma nivela. Na prática , sua realização ain-
da apresen tava dificuldades. que só deve riam ser supe radas durante
os séculos XV e XV I. A ssim , to rna-se possível ape rfeiçoar os tornos ,
para o trabalho da madeir a e dos metais e , sobretudo , fabricar as
bom bas aspirantes e de compressão . que vão revolucionar a técnica
de mineração .
Desde o século XII. a mecan ização do pisoamento abriu novos
caminhos para a indústr ia têxtil (246) . Todavia, o progresso é mais
humano que mecânico - o pisoam ento com os pés era uma op eração
muito penosa! Eram importantes sobretudo: a crescente divisão do
trabalho , a experiênci a adquirida para a escolha e preparação das
lãs, a utilizaç ão do s corantes, o acabamento . Permanecerá muito
tempo des se modo, apesar de alguns aperfeiçoamentos de detalhe.
A roda de fiar , cuja or igem é desconhecida , é atestada na Europa
o mais tardar no fim do século XIII. É uma verdadeira " libertação
da mulher" , outrora sempre presa à roca para obter o fio perpetua-
mente necess ário aos tecelõ es . Desenhos que se sucedem desde o
começo do século XIV permitem con statar os melhoramentos que
pouco a pouco lhe são introduzidos , como a adjunção de um pedal
que acelera o trabalho feito com um esforço menor. O tr abalho da
seda , que ganhou com os luqueses um valor artístico real, solicitou
fort em ente o espírito de invenção . O moinho mecânico de dobar
a seda, cujos fios torcidos adquirem mais resistênci a , par ece ter surgi-
do na Itália no fim do século XIII . Um exilado de Lucc a o teria
construído em Bolonha em 1272. A tecelagem de desenhos compli-
cados obrigou a aperfeiçoa r os tear es. e os melhoramentos obtidos
para a seda certam ente for am aplicados aos outros tecidos .
Herman van der Wee mostrou os ob stáculos humanos e sociais
encontrados pela evolução nos Paíse s Baixos (91) . Na verdade, mo-
dernizar a indústria sempre foi um pr obl ema social ao mesmo tempo
que econ ómico ! A solidariedade de grupo impede a adoção dos méto-
dos técnicos novo s - antes , faz retroceder: assim , enquanto os moi-
nho s de apisoar tinham sido introduzidos em várias cidades nos sécu-
los XII e XIII , no século XIV muit os retornaram ao pisoamento
FABRICAR MELHOR 101

com os pés, melhor, ao que parece (?), para a produção de bons


tecidos. Os empregadores entram em acordo para reduzir os salários
de seus trabalhadores; multiplicam-se então as corporações artesa-
nais e as agitações "democráticas" . O sucesso final do corporativismo
é um desastre econ ômico: a tomada do poder pelos artesãos traduz-se
num aumento do s salários, mas também na qued a da concorrência ;
mesmo o aumento do de semprego não provoca nenhuma reação .
A exportação de tecidos baratos sofre duramente a concorrência de
tantas tecelagens pequenas criadas por tod a parte . Isso torna a produ-
ção de tecidos de luxo de Flandres e do Brab ant - os melhores
da Europa - muito frágil, pois de pe nde da importação das melhores
lãs inglesas, e os reis da Inglaterra sabem disso: depois de 1336,
os direitos sobre a exportação da lã aume ntam. O s Atos de Billon
de 1340 forçam os mercadores a pagar dois marc os de prata à Moeda
da Torre por saco de lã exportado. Mais tarde , a exportação da lã
é concentrada no Mercado de Calais . Depois de 1429, essa evolução
é apenas oficializada. As taxas sobre a exportação da lã inglesa ti-
nham crescido entre 30 e 35% ad valarem (e até mais para os estran-
geiro s) , enquanto que, sobre a exportação dos tecidos , eram apenas
de 1 a 3% .
É preciso , portanto , ada ptar-se. Utiliz ar a lã do local , escocesa
ou espanhola - é o mom ento em que os merc adores castelhanos
e bascos abrem seus escritórios de venda em Bruges. As pequenas
cidades dão o exemplo - Pop erin ghe, que na segunda metade do
século XV vende bem suas fazendas no dom ínio da Hansa ; Termon-
de, Cornines, Tourcoing fazem o mesmo sucesso no Sul da Alema-
nha . Nas grandes cidades desenvolvem-se indústrias de luxo desti-
nad as principalmente ao mercado local. Isso é verdade para o traba-
lho têxtil , mas também o é para o tra balho em madeira (pode-se
julgar pelos retábulos de Antuérpia e Malines) , a fabricação dos
móveis, a tapeçaria , a ourivesaria e a joalharia , a indú stria de armas,
e , finalmente , o trabalho de pele s, chapéus e luva s. A grande client e
é a Corte do s duques de Borgonha, em Malines e Bruxelas. É o
tempo em que flore sce a nova Univ ersidade de Louvain; em que
as feiras do Brabant atingem o máximo desenvolvimento . Mas apenas
os ricos tiram prov eito dessa produção ; ar tesãos e camponeses estão
cada vez mais pobres.
Nada de muito essencial também no domínio da vidraria . Mas
os segredos de fabricação outrora conservados em Murano propa-
gam-se ; o Languedoc, a Boêmi a e suas vizinha nças (e ntre outras)
fornecem uma produção cada vez mais abundante e de qualidade .
As aplicações do vidro multiplicam-se , tran sform am a vida cotidiana .
Nas janelas das casas , o vidro suplanta o papel oleado; em 1448,
102 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Enea Silvio Piccolomini, futuro papa Pio II, observa que a metade
das casas de Viena usa o vidro. Os Países Baixos usam estufas para
certas culturas: em Bois-le-Duc, como revela uma carta de 1385,
" eles fazem flores nascerem em pavilhões de vidro, voltados para
o Sul". A importância do vidro cresce entre os utensílios domésticos.
Com o vidro produzem-se recipientes que resistem à ação dos ácidos
que os químicos aprendem a isolar. Dos óculos convexos, e sob o
efeito da necessidade de leitura aumentada pela imprensa, passa-se
no fim do século XV aos óculos côncavos, que corrigem a miopia .
É interessante observar a representação do homem de óculos pelos
pintores. O espelho é um objeto bem raro , de pequenas dimensões:
para forrar o vidro, o estanho substitui o chumbo. A expansão do
espelho, que acontecerá sobretudo depois do século XVI, é muitas
vezes relacionada com um gosto crescente pela observação de si mes-
mo. As indústrias da vidraria alargam então suas perspectivas. São
principalmente indústrias rurais , fixadas pela madeira e areia neces-
sárias ao seu funcionamento. Desenvolvem-se amiúde nos quadros
da senhoria rural, e isso explica o surgimento dos fidalgos-vidreiros.

Minas e metalurgia (244, 253, 254)

Os séculos XIV e XV são, relativamente, grandes consumidores


de metal, para as armaduras, os instrumentos agrícolas e artesanais,
a artilharia. Entretanto, os principais progressos são realizados em
primeiro lugar na produção de metais preciosos , onde o esforço pare-
ce mais rentável, depois consagraram-se ao conjunto da metalurgia.
A extração mineira desenvolve-se em particular. Com que ritmo e
onde? Mais uma vez, isso é difícil precisar. Os textos são demasiado
raros, a iconografia enganadora. A representação mais antiga conhe-
cida de uma via de rolamento e de um "cão de mina" encontra-se
no retábulo de Santa Ana de Roznava (Rosenau), nos Cárpatos,
datado de 1513; mas as contas da exploração mineira de Pampailly
nos montes da região de Lyon provam que essas duas novidades
achavam-se ali desde a metade do século XV. Outro exemplo inver-
so: um manuscrito de Kutná Hora (Kuttenberg) datado de 1490 já
mostra um guincho a sarilho (carretilha) conduzindo para cima a
água que inundava as minas ; mas não nos esqueçamos de que, se
dispúnhamos de tal máquina para a evacuação da água na mina de
Falkestein no Tirol , ainda veríamos no começo do século XVI equi-
pes formando uma cadeia para passar recipientes de couro com água
desde o fundo . Voltamos a dizer: um progresso adquirido num lugar
não o é forçosamente em todos.
FABRICAR MELHOR 103

É necessário, portanto, limitar-se ao essencial. Em relação às ativi-


dades mineiras do Império Romano, a alta Idade Média assinalou
um nítido retrocesso. A retomada do desenvolvimento ganhou con-
tornos sobretudo a partir do século XI. Mas a técnica de extração
durante muito tempo continuou primitiva. Limitava-se a uma raspa-
gem superficial e os filões à flor do solo bastavam para as fracas
necessidades . Os buracos , cavados um ao lado do outro, a céu aberto ,
eram abandonados quando a água os invadia. Mesmo assim, esse
problema de drenagem era tão grave , principalmente nas regiões
bastante irrigadas, que no século XIII foram feitos esforços para
resolvê-lo . O relevo permitia amiúde cavar , desde o fundo do buraco,
valas ao ar livre que terminavam num declive, por onde a evacuação
das águas processava-se naturalmente. São as galerias de escoamento
de água, que além do mais têm a vantagem de ventilar a mina e
fornecer um segundo acesso. Em Pampailly, a administração real
mandou cavar numa rocha duríssima uma galeria de 300 metros,
trabalho que prova quantas esperanças de rendimento a mina de
Jacques Coeur continua inspirando. Em Olkusz , Polônia meridional,
nas explorações em que se encontra o minério de chumbo a pequena
profundidade (menos de 50 metros), executa-se entre o fim do século
XV e o meio do século XVI uma rede de galerias muito longas,
com pouca inclinação .
Uma outra solução consistia em pôr a água para fora artificial"
mente, utilizando a força humana, ou a dos animais, ou então de
máquinas hidráulicas. Com o guincho, a força do homem atinge seu
limite a aproximadamente quinze metros de desnível. Além disso,
é o sarilho atrelado (carretilha) que aciona o guincho e , em certos
sítios, utilizaram-se até trinta cavalos atrelados. Mas, na medida do
possível, as sociedades mineiras, na segunda metade do século XV ,
" esgotaram a água pela água". O tratado de Agricola repertoria
e descreve cuidado samente os engenhos movidos à força hidráulica:
bombas a pistão construídas dentro de troncos de árvore escavados
e reunidos, máquinas de polias, longas cadeias de recipientes que
passam em volta de um tambor no fundo da mina e vertem a água
na superfície. ou esferas de couro que passam dentro de condutos
tubulares ("Heinzenkünste") . Esses engenhos só eram eficazes até
70 metros de profundidade . Se não podiam ser secadas por galerias
de escoamento de água. as minas mais profundas deviam instalar
a altos custos uma roda hidráulica com movimento reversível (rotam
" Kerrad" dictam) movida por uma queda d'água. que acionava os
alcatruzes que a roda possuía nos dois sentidos . Ela acionava um
tambor no qual se enrolava uma corrente de ferro que erguia, cheio
de água, um saco de couro feito com a pele de quatro bois.
104 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

É bem possível que esse sistema tenha sido imaginado por Johannes
Thurzo , que fora chamado pelas sete cidades mineiras da Eslováquia
para dirigir sua instalação. Por salvar minas inundadas, é ele que
encontramos em Rammelsberg , no Harz, em 1486, e muito mais
tarde , em 1513, no sítio das minas de ouro de Nagybánya na Eslová-
quia oriental, onde uma " Kerrad" de 10 metros de diâmetro foi insta-
lada a 65 metros sob a terra . Ela deveria secar uma rede mineira
que descia a 280 metros. Posta em movimento por uma queda d'água
com a altura de 110 metros, girou tão rápido, segundo testemunhas
oculares, que a madeira molhada ameaçou pegar fogo. Para alimen-
tar essa queda d'água, uma série de lagos de barragem foi construída
na montanha, primeira vez na história das minas européias , a aproxima-
damente 15 quilômetros do sítio. Enorme plano de salvamento, conce-
bido e construído por Thurzo com o eficaz apoio do rei da Hungria,
mas as condições climáticas fizeram-no fracassar: os períodos de seca
continental e os rigores do inverno permitiam que funcionasse de modo
efetivo somente durante metade do ano. Foi necessário então organizar
duas campanhas de drenagem total das minas, de 15 dias cada , para
o reinício dos trabalhos no fim do inverno e por ocasião das primeiras
chuvas de outono , o que reduzia ainda mais o número real de dias.
Esse reinício dos trabalhos foi efetuado muitas vezes sobre os rastos
de trabalhadores ante riores, nas minas exploradas sob o Imp ério
Romano. Pelo menos com a mesma freqüência , alcançou novos sí-
tios , no que a Europa central se mostrava particularmente rica: Al-
pes, Boêmia , montes Metalíferos (Erzgebirge), Silésia, Hungria ...
Muitas dessas minas encontravam-se em países de montanhas (daí
a palavra alem ã que serve para designar as minas : Bergwerk). Geral-
mente , essas montanhas ainda eram zonas pouco exploradas , servin-
do no máximo para pastagem de rebanhos ; não havia proprietário
que pudesse , com alguma eficácia, defender seus direitos sobre o
subsolo". Os soberanos puderam aproveitar isso para fazer valer seu
direito de regalia: o divórcio entre o uso do solo e a propriedade
do subsolo é uma característica do direito medieval. É verdade que
os soberanos só se deram ao trabalho de reivindicar sua regalia para
os minérios mais preciosos. Os minérios vis, como o de ferro , eram
explorados por eles apenas quando encontravam-se em seu domínio.
Também é verdade que , se os reis da Inglaterra impuseram sua rega-
lia bem cedo e os soberanos da França mais tarde (sobretudo no
século XV), os imperadores a legaram pela Bula de Ouro " de 1356

• De creto promulg ado em 1356. marcado pela cápsula de ouro do selo imperial
de Carlos IV, regulamentando a eleição para a Coro a do Sacro Império Romano-
Germ ânico . Suprimia qualquer ingerência do papa na eleição imperial. (N.T .)
FABRICAR MELHOR 105

a todos os príncipes, que , por sua vez, freqüentemente delegaram-na


em seguida. No século XV, no Império , centenas de bispos , condes,
senhores mais modestos, de cidades, dispunham de direitos sobre
o subsolo .
De outra parte , essas zonas mineiras eram amiúde zonas de coloni-
zação , onde a liberdade pessoal era o estatuto normal. " O atrativo
misterioso das regiões onde trabalhava o mineiro contr ibuía para
situá-lo nos corações , não no lugar do escravo, mas no do pioneiro"
(J . U . Nef, 253). Enquanto , na Antiguidade , a atividade mineira
era quase sempre reservada a escravos ou a condenados, ela surgiu
na Idade Média inseparável da liberdade e de uma certa dignidade.
Como as coisas se passavam ? Em algumas zonas , a prospecção
era reservada aos membros de certas associações: assim, na região
de Alençon , na Perche e na Alta-Normandia , apenas os " barões
fosseiros" - grupo de senhores laicos e eclesiásticos - podiam abrir
minas de ferro, onde o trabalho era confiado exclusivamente à corpo -
ração hereditária dosférons . Mas , em geral , a atividade mineira esta-
va aberta a qualqu er pessoa.
Nos Mendips (colinas do Somerset), onde cerca da metade das
famílias das vilas mineiras tinham posses medíocres, o arrendatário-
mineiro podia ocupar uma boa situação. Formado no ofício por seu
pai, desde o mês de março , assim que lavrara e se ocupara de seus
cordeiros , ia trabalhar nas minas que se localizavam nas colinas próxi-
mas de sua vila. Em julho , depois da festa do mineiro , voltava à
faina agrícola. Dividia-se então entre cerca de 135 dias de atividade
agrícola e 130 dias de extração. Ele podia produzir entre uma e meia
e duas toneladas de minério por ano, em média; de fato, os números
variam conforme a capacidade de cada um. Com cerca de três quartos
dos recursos que ·lhe proporcionava essa extraç ão, ele podia pagar
o censo de sua posse. O resto, assim como sua produção agrícola ,
cobria largamente suas necessidades. Desse modo ele vivia numa
relativa abastança - e acontecia o mesmo em toda a Inglaterra .
Qualquer um, então, podia pedir ao príncipe , ou a seu oficial espe-
cializado - o Bergmeister no Império - uma concessão . Um filão
em geral era dividido em um certo número de seç ões, das quais uma
ou várias eram entregues por um tempo indefinido ao descobridor,
uma ou várias reservadas para o soberano (que podia ser censatário
de sua exploração) , as outras eram distribuídas entre os mineiros
que se declaravam prontos para trabalhar nelas de maneira contínua
e a se conformar aos costumes. O príncipe estipulava a parte da
produção, em geral um décimo , que lhe devia caber; também podia
possuir um direito de preempção sobre o resto, que comprava a um
preço ligeiramente inferior ao do mercado - faculdade de que os
106 OUTON O DA IDADE MÉDIA

reis da Inglaterra fizeram largo uso em relação ao estanho das Cor-


nua lhas . O senhor , como propriet ário territorial , também intervinha.
Ele devia facilitar o acesso à mina , conceder aos mineiros terrenos
para suas inst alações , seus aloj amentos , até para as lavouras que
pod iam mante r juntamente com sua atividade principal; devia forne-
cer-lh es mad eira e pôr à sua disposição a água dos rios . Era indeni-
zado por isso com uma retirada sobre o minério extraído .
Na maior parte do tempo , portanto , a atividade mineira é exercida
por homens que trabalham por conta própria, agrupados em comuni-
dades. Estas beneficiam-se com numerosos privilégios, como a isen-
ção das taxas ordinária s. Representantes dos mineiros , os jurados ,
tomam assento ao lado dos agentes principescos e senhoriais para
elaborar os costumes, regulamentando o funcion amento das minas:
fixação dos mét odos técnicos, partilha dos prejuízos, horário de tra-
balho ... Alguns desses código s, muito apreciados pela sabedoria de
suas disposições , foram ampl amente imitados: assim, os estatutos
das minas argent íferas de Iglau, promulgados em 1249, depois com-
pletad os pouco a pouco , exerc eram uma vasta influência na Alema-
nha , na Hun gria , e até no território da república veneziana .
O século XIII e o início do século XIV representam uma prim eira
etapa no desenvolvimento da produção mineira . Depois de 1350,
parece ter- se mais ou menos estabilizado, apesar da procura crescente
dos ateliês monetários e dos fabricantes de armas. As guerras, aliás ,
destroem várias aglomerações mineiras, particularmente na Bo émia.
Alé m disso , os filões supe rficiais esgotam-se com freqüência. E pre-
ciso empreender novas pesquisas ou cavar mais fundo. Só uma impor-
tante retomada da procura , acompanhada de melhoramentos técni -
cos. pode permitir um tal esforço e torná-lo rent ável. Essas condições
acham-se reunidas por volta de meados do século XV.
Ab ordamos assim as cond ições do tratamento dos minérios. O
gra nde probl em a era fornecer o metal puro em grandes quantidades
e sem perdas exce ssivas. No século XIII, os métodos eram muito
primitivos. De início procurou-se aumentar as forjas . As experiências
realizadas par a o tratamento do minério de prata foram preciosas
a esse respeito: limpo s e fundidos, eram submetidos à oxidação nos
fornos de copelação, o qu e os sepa rava do chumbo. depois refina -
va-se a prata a uma temp eratura elevadíssima, obtida através de um
siste ma de dupl os foles movido s à energia hidr áulica e assegurando
um sopro contínuo. Esse sistema também permite tratar quantidades
mais importantes de minério de ferro por vez. No século XIV, surg em
forjas maiores, mais ou menos elevadas acima do chão: o forno Os-
mund na Escandinávia ; nos Pirineus, a forja catal ã. que fornece entre
50 e 60 quilo s de ferro por fundição, ou seja , cerca de 15 toneladas
FA BRI CA R M ELH OR 107

po r ano; e, so bre tudo, o Stückofen da Europa central, com a qu al


se obtê m at é 50 toneladas por ano.
A gran de no vidad e - se m dúvida inspirada no exem plo do bronze
- foi produzir o ferro , não ma is dir e tam en te , mas em du as o pe ra -
çõe s . A primei ra se passa dentro do alto- fo rno : um fo rno com altura
que oscila ent re qu atro a cinco me tro s, cuja alve naria é recob erta
de argila ; por um aclive suaye, as carretas carregadas de min éri o
sobe m até a boca de ca rga. As cama das alte rnadas de carvão e de
minério acres ce nta-se calcário. que faci lita a fusão e melh ora o ren di-
mento . Um potente siste ma de foles produz a temperatura conve -
niente. O met al fun did o é escoado através de regos pr ep ar ad os na
areia, colocada no pé do ap ar elh o. Segunda operaçã o : a gu sa em
fusão é lev ad a à forja onde é nov am ente fundida, convertida em
ferro , trat ad a co m o au xílio de poderosos martelo s hidráulicos. O
rendimento passa a ser bem melh or. E o ferro fundido é ut ilizad o
para a fabricação de canhões, de ba las e de lajes funerári as (bela
tril ogia l), na seg unda metade do século X V . E sse métod o indiret o
foi em pregado em prime iro lug ar na Europa ce ntral. De lá , propa-
gou -se bem devagar na Al em anha e depois no O este : Liêge po ssui
altos -fo rnos desde o começo do século XV; no final de sse m esmo
séc ulo é e ncontra do em Lorraine , na Normandia , em Champagne ,
no Niv ernais...
A nova inven ção co loca tantos probl em as quanto resolve. A s di-
mensões maior es do forno, e portanto da fo rja , exige m, para mover
os foles e martelos, um a força mais pot ente . É pr eciso situa r as insta-
lações perto de rios caudalosos, ut ilizar melhor a ene rgia hid ráulica :
as pesquisas resu ltarão no motor hidráuli co.
Sobretudo, o tr at am ento de qua ntida des cada vez maiores de min é-
rio provoca um consumo de com bustível que se torna re alm ente te rri-
fica nte . A pro du ção de 50 qu ilos de ferro ab sorv e , na forma de ca rvão
de madeira , cerca de 25 estéreos de mad eira . Im agin emos um fo rno
repetindo essa ope ração tod os os dias, num país flor est al que fo rnece
100 estéreos por hect are : em 40 dias, to dos os recursos em mad eira
esgotar-se-ia m à distância de um qu ilôm etro ao red or. As queixas
co nt ra esses fornos também multiplicam-se: " abismos de flor estas" ,
" sorve dour os de bosqu es" . A met alurgia só poderá desen vol ver- se
de fato co m a utilização do carvão-de -pe dra .
A grande procura de prata no mercado euro pe u fo i o mot or de
uma sé rie de expe riências qu e result aram , na seg unda metad e do
séc ulo XV , na descob erta de um processo químico que sepa ra qu ase
to ta lme nte a pr at a do co bre argentífero , pela adjunção de chumbo .
O siste ma co mpo rta tr ês fases: a fusã o de cobre negro de forte teor
de prata co m qu atro vezes se u peso de chumbo re sulta , a um a tempe-
108 OUTON O DA IDADE M ÉD IA

ratura de 990°, num a liga; de po is, a diferença de temper atura de


fusã o do cobre (1.083 °) e do chum bo (327°), permite , quando há
o resfriamento , pro vocar a crista lização distinta do "esque leto" de
cobre e do chumbo arge ntífero ; e, final me nte, por um reaqu ecimento
len to em um forno, cha mado ressuage *, o chumbo arge ntífero goteja
do cobre crista lizado. O processo de afinação do cob re conti nua e m
um forno de secagem, e o da pr at a em um forno de cope lação. Em
Nur em berg, de onde sur ge clar amente o avanço tecnológico em to dos
os dom ínios da met alu rgia , é que o uso corrente desse mét od o é
atesta do pela primeira vez , no inventário da fundição mun icipal , em
1453. De lá, veio em pr imeiro lugar para os Estados do conde de
Mansfeld , na floresta da T uríngia: a pureza do cob re arge ntífero
de Ei sleb en , a ab undâ ncia da mad eira de aquecime nto e a antigui-
dade das po sições ad quiridas pela s socieda des nurembe rguian as ex-
plicam a ráp ida fundação de um a sucessão de usinas - Schleusingen
em 1461, G r ãfenthal e Hoh enkirchen em 1462, Steinach e m 1464.
A difusão continuou naturalmente nos centros de tratame nto do co-
bre argentífero: em Mogi la, perto de Cracóvia, em 1469, de pois no
Tirol , onde o arq uiduq ue Sigismo nd receb e do Co nse lho da cidade
de Nu remberg, em 1486, a receita do ressuage, sina l de que, nessa
data , o métod o ain da não caíra no domínio púb lico, de que constituía
um meio de diplomacia econômica e de que Nuremberg e seus espe -
cialistas ainda controlava m sua aj ustagem . Em 1494, H an s Thurzo
associou-se a Jacob Fugger: foi a famosa "empresa hún gara " , e a
afinação do cobre e da prata foi feita em gra nde esca la em Neu sohl
(Ba nská Bystr íca) , Moschm itz (Moste nica) na Es lová quia, Hoh en-
kirche n na T uríngia , e Fu gge rau na Caríntia.
A abordagem, bem localizada e datada, da inovação permite de s-
cob rir a ligação e ntre o trabalho dos me talurgistas, o estím ulo do
mer cado e o interesse que os príncipes, como o arquiduq ue da Á us-
tria ou o du qu e de Saxe , dem on stram pelas novidades. H an s e Georg
Thurzo da Es lováq uia, na Turíngia, e A ntoni von Ross e Pete r R um-
mel, no Tirol, não se propõem a fazer ciência expe rimental, mas,
antes de tudo, a orga niza r um a exportação ren tável, à qual são pes-
soa lme nte ligados como consel heiros do príncipe , empreiteiros-mi-
neiros e mercador es de met al. A corres po ndê ncia do duq ue Lu ís
IX da Bavier a com alguns especi alistas da fundição fo rnece um bo m
exemplo dessa preocup ação de rentabilidade : em 1467-1468, o du qu e
insta o ourives Han s Loch ha user e He nr i III Rummel, pr imo de

• Processo q ue co nsiste em separar os eleme ntos de um metal bru to por su a fusão


parcial. ( N.T .)
FABRICAR MELHOR 109

Peter, de Nuremberg , metalurgista eminente, a construir em Brix-


legg, perto de Rattenberg, uma usina de afinação do cobre segundo
o novo processo. Foram feitos ensaios preparatórios em Nuremberg
com amostras de minério do Tirol bávaro; o duque mantém-se per-
manentemente informado sobre os resultados desses testes, medío-
cres de início, mas que em segu ida melhoram paulatinamente. Antes
de se implantar de maneira definitiva em Brixlegg no final do século
XV, ressuage e afinação deverão , a alguns quilômetros dali, transfor-
mar as condições de produção de Schwaz no Tirol austríaco .
O cobre! Imaginem-se todas as possibilidades que oferecia esse
novo metal, resistente, incapaz sobretudo de enferrujar, doravante
acessível em grandes quantidades? Sem ele, os navios de Cri stóvão
Colombo talvez não tivessem podido atravessar o Atlântico, nem
as grandes descobertas tivessem se desenrolado no ritmo alucinante
em que se deram.
Desaparecidos todos os obstáculos, um verdadeiro boom da ativi -
da de mineira manifesta-se entre 1460 e 1530. Somente na Europa
central, a produção de prata, pelo menos, quintuplica para alcançar
aproximadamente 85 toneladas por ano, número que só será ultrapas-
sado em meados do século XIX. O aumento é da mesma ordem
para o cobre, cerca do quádruplo para o ferro. Em 1525, Charles
Quint calcula em torno de 100.000 o número de pessoas empregadas
nas minas e nas instalações metalúrgicas, apenas no Império. Pode-se
discutir o número . De qualquer maneira, a atividade mineira repre-
senta desde então um aspecto quantitativamente importante do tra-
balho humano .
A ampliação e o equipamento das minas exigiam investimentos
crescentes. As comunidades de mineiros endividavam-se. Sociedades
. capitalistas formavam-se para comprar-lhes as explorações ou obter
concessões novas. O capital estava representado ali por cotas (128,
ou até mais) vendidas a nobres, a monast érios, a comerciantes, a
cidades ... Esses detentores de cotas só podiam se reunir raramente.
Deixavam a gestão da mina aos diretores, que admitiam os técnicos,
contramestres e mineiros necessários. A concentração ainda não ti-
nha atingido o seu máximo: em Joachimsthal , no Erzgebirge , aglome -
ravam-se desse modo várias empresas que empregavam entre 16 e
32 trabalhadores . Mas os mineiros não trabalhavam mais por própria
conta; tinham-se tornado assalariados.
Essa separação entre capital e trabalho resultou em conflitos. Os
mineiros formaram grupos para defender seu s interesses frente a .
seus empregadores, para zelar pelas condições de trabalho, que eram
duríssimas . Eclodiram greves. Apesar de tudo, a noção de uma digni-
dade do mineiro mantinha-se . A atmosfera de liberdade, que as anti-
110 O UTO N O DA ID ADE M ÉDIA

gas comunidades de mineiros haviam conservado, foi também aquela


em que cresceu Lutero, filho de um mineiro de Mansfeld. Como
a técnica mineira dos alemães era muito apreciada, vários príncipes
procuravam atraí-los oferecendo-lhes condições sedutoras. Quando
os agentes de Carlos VII da França recomeçaram a exploração das
minas de cobre confiscadas a Jacques Coeur, na região de Lyon ,
trouxeram da Alemanha um "mestre nivelador", contramestres,
"sustentadores de montanha" ou carpinteiros, e pagavam-lhes salá-
rios elevadíssimos . O regulamento da mina tinha um caráter patriar-
cal: era proibido blasfemar, levar prostitutas às casas dos mineiros .
Nenhum mineiro podia impedir seus camaradas de trabalhar. Mas
os trabalhadores tinham o direito de apelar , perante o bailio de Mâ-
con , das decisões tomadas pelo administrador da mina . As contas
desta mostram que recebiam boa alimentação e · que dormiam em
boas camas , num dormitório com aquecedor. O trabalho dos minei-
ros era muito precioso, por isso procurava-se oferecer boas condições
aos que o praticavam . Como reagirá um leitor do século XX diante
de todos esses fatos?
Aliás, as formas de organização do século XIII subsistiam também
em várias minas pequenas. A extração de carvão continuava particu-
larmente arcaica. Li ége oferece praticamente o único caso de um
trabalho muito concentrado . O carvão apresentava-se em veios es-
pessos que afloravam à suferfície ; a encruzilhada fluvial propiciava
transportes baratos. Desde o século XIII, os mineiros de carvão for-
mavam ali uma corporação importante. Em 1468, Carlos, o Teme-
rário , perseguiu sem trégua a cidade, que pensou ter arruinado para
sempre . Em alguns anos , entretanto, suas minas permitiram que se
recuperasse . Em outros lugares, a extração de carvão era um trabalho
de camponeses, praticado além das atividades agrícolas. Somente
depois do século XVI é que o equipamento das florestas aumentará
.o valor do carvão e tornará rentável a expedição longínqua, feita
em navios que nesse meio tempo terão crescido .

Uma atividade de ponta: a imprensa (250)

Voltemo-nos agora para uma atieidadecompletamente diferente,


a mais nova de todas, por si mesma e pelos problemas de trabalho
que coloca: a imprensa.
Os ateliês dos copistas profissionais que surgiram junto das Univer-
sidades não pararam, depois do século XIII, de aperfeiçoar e de
racionalizar seus métodos. Multiplicavam as cópias, relativamente
fiéis, de manuscritos, fazendo-as, não umas sobre as outras (o que
FA BRICAR MELHOR 111

pro vocaria a rep etição de erros em série), mas todas sobre um exem-
plar de base, dividido em pequen os cade rnos para permitir a vários
escribas tra balha rem ao mesmo tempo . Nos atel iês , o trab alh o era
especializado: prep aro final do per gamin ho , cópia do texto propria-
mente dito , dese nho das rubricas e das iniciais ornadas, pint ura das
miniaturas... No começo do século XV, um livreiro atacadista podia
encome ndar simultaneame nte, a um mesmo ateli é, de três man uais
utilizados nas Fac uldades de artes , repectivamente 200 , 300 e 400
exemplares . Apesar de tud o . essa produção em sé rie saía cara e ainda
não cobria as nece ssida des crescentes, pois. à procura das Universi-
dades, do clero, da s Cortes , dos nobres , somava-se a dos burgueses,
dos artesãos, ent re os quais aume ntava a instrução: ob ras pro fissio-
nais, livros re ligiosos , textos de vulgarização e de dist ração ... A im-
pren sa será a resposta a essa questão. mas apenas depois de longo s
ensaios é qu e se chega rá a sua realização , os qua is mostram bem
a inter ação dos diversos tipos de progresso .
O per gaminho constituía par a os manu scritos um suporte dequali-
dad e sólido e durável. Par a a impren sa, ele não convinha . Só o velino .
ou pele de bezer ro natimorto , ra ro e caro, era suficiente me nte fino
e maleável para passa r n as prensas . No com eço, as con dições ofere -
cidas pelo p ap el não par eciam mu ito boas . Es pesso, flocoso , per -
me ável à tin ta, frági l, só servia mesmo para textos que não eram
destin ad os a dur ar. Fel izm ente , a ind úst ria pap eleira realizou , so -
br etudo e m Fab ria no. na It áli a , um a série de p rogressos que me-
lhorou a qu ali dad e do pap el. ao mesm o te mpo em que dimin uiu
se u pr eço .
A melh or trans missão da energia per mitiu que a mó substi tuísse
os maços no esmagar e tr iturar o "trapo", ma té ria-pri ma do papel:
o rendimen to cresce u muit o . O aperfe içoa mento da pr ep aração final.
at ravés do uso de colas animais (e não mais vegetais) . para uma
" acetinação" mais cuida dosa, de u ao pap el um aspe cto mais liso .
E , pri ncip almen te, o au me nto do cultivo do linh o e do cânhamo
e a genera lização do pan o par a a roupa forneceram às fáb ricas de
pap el. desde o séc ulo XI, tr ap os mais ab undantes e adequa dos à
tran sformação e m pap el. Ao invés de se tra nsportar par a Fabriano
os tra pc s de toda a E uro pa , as fábricas de papel italia nas fora m
evide nte me nte levad as a se dispe rsar. Técnicos ita liano s asseg uravam
o funcion am ent o de moinhos de pap el cada vez mais num e rosos.
na pr ópria It áli a , e m torno de Av igno n , e m Cha mpagne e na região
parisien se , dep ois e m Auvergne - po r tod a parte o nde hou vesse
ao mesmo tempo água pura, tr ap os e m ab undâ ncia e p roximid ade
de ce ntros inte lectua is . Nã o esqueçamos Xat iva , no sul da Espa-
nh a .
112 OUTONO DA IDADE MÉDIA

No início do século XV, a base da impressão estava pronta. O


papel atingira uma qualidade garantida pelas filigranas de seus fabri-
cantes; saía quatro a cinco vezes mais barato que o pergaminho .
De outra parte, nessa época, a reprodução de figuras, de legendas,
de letras isoladas, através de impressão, não era mais uma novidade
na Europa. Relevos talhados em placas de madeira ou de metal e
tintados numa ou várias cores forneciam impressões sobre os tecidos,
o que também se aplicou no papel. Isso serviu de início para multi-
plicar as imagens de piedade, difundi-las até nos lares mais humildes.
Logo depois, séries de imagens, explicadas por legendas, foram reu-
nidas em livretes, que fizeram um imenso sucesso popular.
Todavia, não era dessas estampas que devia nascer a imprensa.
Podiam, no máximo, expor as facilidades que o papel oferecia para
a reprodução industrial de textos. Mas esses xilógrafos eram em geral
talhados em madeira. Caberia aos ofícios do metal resolver os proble-
mas próprios da tipografia. Problemas da fabricação dos caracteres
móveis : era preciso, com um punção de metal duro, que continha
o caráter em relevo, estampar uma matriz menos dura onde se impri-
mia em côncavo; depois fundir, utilizando-a, caracteres de estanho
ou de chumbo -e, portanto, possuir boa técnica da fundição, conhe-
cimento profundo dos metais e das ligas... Problemas da tintagem:
era preciso produzir uma tinta, não mais escura e fluida como a
dos manuscritos , mas realmente preta, espessa e nítida. Problemas
da prensa: era preciso juntar os caracteres dentro de "fôrmas" , onde
ficassem bem presos, e dispostos de maneira a constituir uma super-
fície absolutamente plana; depois pressionar de modo bastante forte
e maleável. Todos esses problemas foram finalmente resolvidos em
meados do século XV, depois de longos esforços de ourives e de
moedeiros, sobre os quais não temos muitas informações. Johan-
nes Gutenberg, ourives, de Mainz, é tradicionalmente considerado
o principal desses inventores. Mas não se sabe ao certo qual foi sua
contribuição, nem a do seu colaborador Peter Sch õffer, ou de Proco-
pe Waldfoghel, de Praga. Rapidamente, entretanto , a imprensa al-
cançou um alto grau de qualidade .
O fato é ainda mais not ável uma vez que essa nova indústria condu-
zia à adoção de novos princípios de trabalho. Mais que qualquer
outra, sem dúvida, ela prefigura a organização " moderna" do traba-
lho. O trabalhador de base é o tipógrafo. Ei-lo diante da caixa, divi-
dida em uma série de caixotins onde estão dispostos os diversos carac-
teres. Pega-os um a um, acomoda-os num componedor que corres-
ponde a uma linha. Depois, dispõe as linhas na fôrma . A qualidade
e o rendimento do trabalho dependem da rapidez e da segurança
de seus gestos. É preciso, portanto, facilitar-lhe a aquisição de um
FABRICAR MELHOR 113

verdadeiro automatismo: situá-lo na melhor posição frente à caixa,


dispor da melhor maneira os caixotins desta , distribuir os caracteres
do modo mais racional. .. Essas pesquisas prolongam-se pelo menos
até o século XVIII e prenunciam o estado de espírito que será, muito
mais tarde, o do taylorismo .
Como o tipógrafo pode ser levado a trabalhar sucessivamente em
vários ateli ês, há interesse de que ele se encontre sempre diante
da mesma distribuição dos caixotins e dos caracteres, a fim de que
esta seja "estandardizada". Outra estandardização que só ocorreu
de modo muito progressivo: a dos próprios caracteres. Os prim eiro s
impressores fabr icavam por seus próprios meios os pun ções, matrizes
e caracteres que utilizavam. Ora , essa era uma tarefa complex a, que
exigia uma enorme expe riência. Logo, trabalhadores especializaram-
se nesse ofício. Algun s impressores adm itiram equipes deles e passa-
ram a ser fabric antes de caracteres. A preocupação com o rend imento
fez com que se uniformizassem os tipos de caracteres e suas dimen -
sões .
Disso decorreram infinitas conseqüências. Qualquer que fosse sua
origem , os impressores compartilhavam a preocupação de vender
o maior número possível de exemplares. Para serem acessíveis ao
máximo de leitores , era preciso que eliminassem grafias, forma s e
palavras que , por seu caráter part icular , pudessem criar obstáculos
para a compreensão do texto. Esse era, de fato , o trabalho dos reviso-
res , cuja influência foi incomparável na fixação das normas . Os revi-
sores contavam mais que Lutero quando, em Wittenberg, pre sidiram
à impre ssão dos cerca de 100.000 exemplares de sua Bíblia em ale-
mão! Pois esses revisores não se sentiam nem um pouc o obrigado s
a respeitar a vontade do autor, ao contrário , era este último quem
observava regras dos revisores para não ser corr igido .
Essa linha seguida pelos revisore s nem sempre foi clara ou unâni-
me . Na França, eles aceitaram as extravagâncias e as contradições
dos manuscritos, deixando para os gramáticos a tarefa quase total
de esclarecimento. Na Alemanha , vária s "escolas" - renana , alemâ-
nica, bávara, nuremberguiana , saxã - opu seram-se por muito tem -
po, até que , no curso do século XVI , chegam a um acordo a partir
das normas das chanc elarias. Na Inglaterra , a ação de um Caxton
parece mais refletida e mais feliz, pois ao imprimir Chaucer e outros
garantiu o triunfo definitivo do dialeto das Midlands orientais.
A implantação geográfic a da imprensa tamb ém é carregada de
conseqüências. Na Itália , um dos seus grande s centros é Venez a,
e os impressores propagam o dialeto veneziano , fort emente influen-
ciado pelo florentino. Na França meridional. são os livros impressos
em Lyon que se espalham. e são texto s frances es que são oferecidos
114 O UTON O DA ID AD E M ÉDIA

aos hom ens instruídos: a expansão rápida da langu e d 'oil não se expli-
ca de ou tra form a. " Não foi Simon de Montfort mas sim Gutenberg
quem afran cesou o Languedoc" (E. Le Roy Ladurie).
De qualquer modo , a imprensa serve às línguas vulgares muito
mais que ao latim . Cert amen te num erosas obras em latim são impres-
sas; as prens as das cida des universitárias, como Bolonha e Roma ,
consagram-se part icularm ente a isso, para satisfazer as necessidade s
do públ ico esco lar. Mas estas já tinh am suscitado a cópia manuscrita
de textos num a quantidade relativamente import ant e. Antes da im-
prensa, os manu scritos latin os eram de longe aqueles que atingiam
os núm eros mais eleva dos de cópias, que tamb ém custavam mais
barato . Foi essa proporção que a imprensa derrubou . As novas cond i-
ções de rentabilidade permitem que se imprimam para um público
simplesme nte cultivado obras liter árias em língua " vulgar" : em 1472,
a Di vina Comé dia já tinh a sido edita da três vezes!
A influência da imprensa não se exercerá plenamente senão no
século XVI. Por volta de 1500, a leitura já ocupava, ent retanto, um
número incalculável de pessoas. Nelas se produzia a revolução inte -
lectual que a crianç a vivencia quando a ação da palavra lida come ça
a exe rcer-se em seu espírito. A língua literária conquista um poder
novo. A impre nsa coroa a obra de fixação, de esclarecimento e de
normalização que prepa rava, não sem hesitações nem confusões, a
evolução lingüística geral.
Língua , pensament o , religião , tudo entrava em jogo com essa revo-
lução da imprensa. Mais uma vez, o con junto do cérebro hum ano
e a evolução da eco nomia esta vam associados!
9

Fazer negócios

Mesmo se alguns progressos podem ser constatados nas téc nica s


rurais e ind ust riais - a ponto de prepararem de longe a " revolução
agrícola" dos séculos XV III e XI X - , as inovações são mui to mais
sur preende ntes no domínio do co mércio. Certos métodos, alguns
dos qua is utilizad os até em pleno século XX , for am experimentados
então . Precisamos, aqui, faze r um certo esforço para explicá-los e
pe rce be r todo seu alca nce (23) .
Nos séculos XI V e XV , as co ndições em que se pra ticava o com ér-
cio era m muito desfavoráve is. Não voltar ei a falar sobre a gr and e
diversidade dos pesos e medi das, sob re a qua l alguns tr atados (299)
procuravam info rmar os infelizes co merciantes; nem sobre a desor-
dem mon etár ia , ligada às vicissitudes da guerra e à des igua l re ação
dos Estados ; nem sobre as bruscas especulações engendradas , de
modo impre visível, por epide mias e fome s. E é praticamente seg uro
qu e o " volume" desse comé rcio dimin uiu durante esses dois sécu los .
A tant os obstáculos, devem os agora juntar mais do is:
1. O s Estad os modernos estavam em fo rmação (193 bis) . Mas dei -
xava m subsistir, aliás, de man e ira mu ito desigual , autono mias urb a-
nas. Na Inglaterra não havia qu ase nenhuma. Na França , var iavam
tanto no tempo (pois havia eclipse s do poder real como , por exe mplo ,
sob o infeliz rei louco Carl os VI) qu anto no espaço (e ra m em gera l
maior es no M idi). No Império , algumas cidades e ram autôno mas
a ponto de elas mesmas to rnarem-se Estados. Na medida de suas
possibilidad es, pu blicavam e m ed ito um a regulam e ntação - até mes-
mo um a legislação - destinad a a defender os interesses de seus mem-
116 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

bros . Os negociantes internacionais tinham de levar em conta essa


confusão de medid as - e , antes de mais nada , conhecê-la.
2. Teoric amente, agiam nos moldes de um mundo cristão . Mais
que teoricamente : seus registro s comerciais começavam com fórmu-
las piedosas, suas associações muitas vezes previam uma parte reser-
vada a Deus e aos seus pobres. Simples roti na, dirão! Não é seguro ,
e tampouco é válido para todos os lugares.
Ora, a Igreja dispensava um ensino que não era especialment e
favorável aos comerciante s - era até mesmo francame nte hostil a
seu respeito (343). Considerava como " usura" não ape nas - como
.ern nossos dias - o fato de se exigir um juro excessivo, mas " qualquer
excedente fornecido por quem toma emprestado ao emprestador"
- por menor que fosse esse excede nte . Os textos das Escrituras
nos quais se baseava essa doutrina eram ambíguos: uma passagem
do Deuteron ômio (Velho Testamento) proibia que os judeus prati-
cassem entre si o empréstimo com juro s; Cristo (Luca s VI, 34-35)
aconselhava - sem orden á-lo! - a " emprestar sem esperar nada
de volta". Sobre uma base tão fraca, foi evident ement e o espírito
do tempo que construiu um edifício tão sólido. Na atmosfera de
aton ia econômica dos séculos anteriores ao século XI , todo emprés-
timo era de consumo . A caridade mand ava que não se exigissem
juros dos infelizes que a necessidade obrigara a tomar empr éstimo.
Isso é tão seguro que , no Oriente bizantino , onde as exigências dou-
trinárias com certeza não eram meno s fortes , mas onde a econom ia
continuava ativa , nenhuma doutrina semelhante se formou.
Desde o século XII somaram-se a isso considerações extraídas de
Aristótel es, que via o dinheiro como um simples instrumento das
trocas, o qual, por naturez a, não dava fruto . Assim o usurário não
se con tentava em empresta r um bem, ele vendia além disso o uso,
o que constituía propriament e a " usura" e parecia algo inadmissível.
Ora , no século XII, o desenvolvimento econômico pôs em quest ão
essa doutrina. De fato, o dinheiro voltava a ser "frutífero": dor avante
era possível investi-lo e obter lucros. Er a preciso, em nome da dou-
trin a, condenar operações indispensáveis tais como a formaç ão de
sociedades, o seguro, o câmbio... ? Impunha-se uma reflexão . Ela
foi empree ndida ao mesmo tempo pelos canoni stas , especialistas em
direito da Igreja , acostumados a discutir obrigações morais; pelos
teólogos morai s, que julgavam os ato s sobretudo por seus motivos
(assim fazia Tomá s de Aquino , um dos mais eminentes) ; pelos pró-
prios civilistas, que raciocinavam a partir do direito rom ano . Entre
esses pensadores havia alguns notáveis, como o franciscano Bernar-
dino de Siena (1380-1444) , ou Ant onino , arcebispo de Florença
(1389-1459), representant e da tendência rigorista, à qual se opunham
FAZER NEGÓCIOS 117

as correntes mais laxistas. Alguns estiveram muito envolvidos com


negócios: é o caso de Fra Santi Ruccellai (1437-1497), banqueiro
florentino que se tornou dominicano na velhice . Não se poderia ,
portanto , acusá-lo de ter ignorado as realidades de que tratavam .
Schumpeter pensa até que esse esforço de reflexão é a origem longín-
qua da ciência econômica.
O problema era: como desenvolver os negócios sem cair sob a
condenação de usura? Paradoxo aparente: se não tivessem enfren-
tado um tal obstáculo, mercadores e cambistas teriam sido tão inven-
tivos? Limitar-me-ei a alguns exemplos que considero decisivos .

Nascimento do seguro (269, 273, 280)

Começarei pelo seguro. Como pode ser definido hoje? É "um


contrato pelo qual uma das partes (o segurador) compromete-se ,
mediante um prêmio, a indenizar a outra parte (o segurado) contra
um prejuízo eventual". Note-se que o prêmio é pago em todos os
casos pelo segurado, quando da conclusão do contrato; e que a inde-
nização intervém, a posteriori , em caso de sinistro. Tudo isso nos
parece natural. Devemos ter consciência do fato de que essa prática
representou um papel importante na elaboração do capitalismo mo-
derno: por si mesma, representava um esforço de racionalização,
de cálculo e garantia do risco ; de outra parte , pela acumulação dos
prêmios, fornece capitais consideráveis. Compreendemos melhor en-
tão por que ela só tenha se elaborado lentamente . De qualquer ma-
neira, os séculos XIV e XV foram a etapa decisiva: é o que tentarei
demonstrar.
Ponto de partida: o "empréstimo marítimo" utilizado na Antigui-
dade . Tratava-se de um empréstimo que era concedido aos emprei-
teiros de uma viagem, normalmente marítima. Esse empréstimo só
era reembolsado se o navio e a carga chegassem ilesos ao ponto
previsto . A taxa legal de juro era bastante elevada, devido aos riscos
corridos: em geral 12% . No que naturalmente se repensou no século
XVII. Para dissimular o juro , foram experimentadas duas fórmulas .
Uma era um contrato de câmbio : o emprestador fornecia uma quan-
tia em moeda do porto de partida ; aquele que tomava emprestado
prometia reembolsá-lo no porto de chegada, em moeda corrente dali.
mas só se o navio e o carregamento chegassem ilesos . A outra era
um contrato de venda: o emprestador comprava o carregamento por
um determinado preço , e o outro se comprometia a comprá-lo de
novo se chegasse ao porto de destino . Essa modificação tinha a vanta-
gem de fazer do segurador o proprietário legal da carga segurada:
118 OUTON O DA ID AD E M ÉD IA

em caso de sinistro , ele podia ob ter a restituição do que fosse salvo .


Po rém , o sistem a era imperfeito, o segurador perdia qu ase tudo em
caso de desgraça . A no ção de prêmio ainda não se formulara . De
ou tra parte , os canonistas não eram ingênuos: perceberam muito
bem que essas fórmulas eram ape nas te ntativas de dissimular o jur o.
Era , portanto, preciso continuar procuran do .
Cer tamente , continua-se a pra ticar , at é em pleno século XV , o
an tigo "empréstimo ma ríti mo", sob o nome de "empréstimo à grande
(aventur a)" , pois esse siste ma forne cia aos merc adores os capitais
sem o que não teriam podido se lançar no comércio marítimo: para
eles, o seguro era uma vant agem secundár ia (ao mesmo te mpo qu e
era apreciável) . Além disso , as autoridades empenhava m-se em dis-
suadir os que tomavam empréstimos de má fé de pr evalecerem-se
da condenação da usur a e de recorrerem aos tribunais eclesiásticos.
Entr etanto, a evolução econ ómica tornava possível o recurso a
novas formas. Ao lado dos mercadores que necessitavam de crédito,
multiplicavam-se as sociedades que dispunham de capita l, que arma -
vam ou fret avam navios , capazes de compra r cargas sem ter de tomar
empréstimo ; buscavam apenas o segur o. De outra parte , definiam-se
grandes traj eto s, nos quais os riscos tornavam-se menores dev ido
ao tam anho dos navios , à formação de comboios ... Com eçava a ser
possível calcula r precisamente o custo do seguro e reduzi-lo ao míni-
mo. Isso permite aceder ao estágio(provisoriame nte) final: o segu-
rado pagava o prêmio em to dos os casos , na conclusão do contrato .
Desse mod o , estava livre de todas as obrigações, e o contrato limita-
va-se a precisar as do segur ado r, ou seja, pagar uma certa quantia
se a carga não chegass e a bom destin o . A transação tinh a a forma
de uma venda (fictícia) do navio ou da carga ao segura dor qu e , du -
rante o risco , era o prop riet ário legal. Mas ele só paga va em caso
de sinistro, pois, se hou vesse boa chegada , o contrato era anulado.
Pa rece que essa evolução fundamental , da qual se depreendia a noção
de prê mio , te nha se reali zado em Gê nova por volta de meados do
século XIV . Certamente, o prêmio nã o era definido, e esse silêncio
(bastante lamentável pa ra o historiador ) é um vestígio de descon -
fiança em relação à conde naç ão da usur a. At é isso acab a desapare -
cendo : o montante do prê mio é indicado em noss os doc ument os flo-
rentinos e barceloneses do início do século XV; naturalmente , Gêno-
va , que dera o passo decisivo , mostr ou-se em seguida muito ma is
tradicional. Mas ela também chegou ao verdadeiro contrato de segu-
ro, em meados do sécul o XV .
Tudo isso justifica que não conhecêssemo s bem o custo do seguro .
De início , era muito elevado : sabe -se que , em 1350, para um trans-
po rte de tr igo de Messina a T ünis, a taxa era de 18% . Depoi s, a
FAZER NEGÓCIOS 119

melh or con strução dos navios, o melh or amen to dos portos, a defe sa
cont ra o corso e a pir at ari a permitiram reduzir os riscos . Segundo
o Manual de comé rcio de Uzzan o, por vo lta de 1440. o seguro de
Bruges a Ve neza custava ent re 12 e 15 % . Dimin uiu muito ainda ,
co mo inform a um reg istro ge novês de 1485: uma taxa, a " gab el a
de seg urança" . acabava de ser institu ída para armar doze galés contra
o rei de A ragão . E ra co brada sobre os contratos de tr an spo rte. e
hou ve 410 naqu ele ano. A taxa do prêmio de seguro garantindo o
tr an sporte em qu estão é indica da a cada vez . Pod emos então avan çar
- se mpre com cautel a , pois , afi nal trata-se apenas de um ano, e
de 410 contrat os some nte . O seg uro raram en te incidia sobre o próprio
navio ; e ra muito baixo então (8 a 12% ) sob re os grandes navios
qu e faziam lon gas viage ns, e qu e no rmalm en te e ram seg urados po r
ano ; e ra muito mais pesad o (20 a 30%) so bre os pequen os navios .
Versava com muito mais freqüên cia sobre as mercadorias; sua taxa
em ge ra l era mod est a , raramente supe rio r a 10% . Não era propor-
cion aI à distân cia - 6% de G ênova à Sardenha , e ape nas 10% de
Quios a Flandres. Os riscos vari avam mu ito con form e as zonas. De
fat o , é pr eciso distinguir do is tipos de tráfico: o tr áfico regional, vul-
ner ável, co m pr êmi os rel at ivam ente im porta ntes (5 a 6%) ; e o gra nd e
comé rcio inte rnacio na l, que se fazia e m gra ndes navios, e pe lo qual
o seg uro, rel ati vamente , não e ra caro (e m média 8,5 de Gênova
à Inglat erra ; 3,6 de G ên ova a Quios) . É prec iso também fazer exce-
ção ao tr áf ico de tr igo da Sicília , em que se pediam prêmios muit o
baixos (2 a 2,5 %) , a fim de favorecê-lo.
O seg uro foi difundido no séc ulo XV, mas ain da não foi feito
o estudo dessa difu são . Pr et endo chegar a duas constatações finai s ,
esse ncia is: no séc ulo XVI, a E sp anh a sucederá a Gênova como me r-
cado mundial do seg uro, enquanto irá se an unciar a predominância
inglesa e holandesa. Sobret udo, no século XVII, o cálcu lo das proba -
bilidades dar á a ba se sóli da que fa ltava ao edifício . Que este tenha
podido ergue r-se se m essa base , eis aí , ta lvez , a maior manifestaçã o
dos pro gressos realizad os nos séc ulos XIV e XV !

Os primeiros passos do banco (74, 311-313, 3 19)

Tai s são as origens do seg uro. Não men os notável é ao mesmo


tempo o nascime nt o do banco . O s histori ado res da eco nomia medie-
va l se nte m certa irritação ao o uvire m falar tão facilme nte de banq uei -
. ro s na Id ad e Média. Convém mostrar-se mais rigoroso . O ba nco
come rcia l e fetua emprés timos, recebe dep ósitos e, at ravés da tran sfe-
rênci ~ de fundos de uma co nta par a o utra , pe rm ite inúmeros paga -
120 OUTONO DA IDAD E MÉDIA

mentos; é essencial sua capacidade de criar crédito pela antecipação


de quantias maiores que o montante total de seus depósitos. Existem
outras funções bancárias: a impressão do papel-moeda, as operações
de câmbio, o desconto de letras de câmbio e de notas promissórias.
O problema é: quando apareceu o banco definido dessa forma? Onde
e como? Terá nascido do câmbio ou do crédito?
De fato, é o câmbio que seremos levado s a pôr em primeiro plano .
Em maior proporção que no mundo contemporâneo, o câmbio era
uma operação indispensável e qua se cotid iana nessa Europa onde ,
às moedas nacionais (como as dos reis da França e da Inglaterra)
somavam-se as dos senho res e das cidades (como na Alemanha e
na Itália) . O câmbio podia ser normal: se tenho escudos de ouro
e desejo florins de ouro de Aragão , levo os primeiros a um " trocador"
instalado atrás do balcão , entrego-lhe os primeiros e recebo os segun-
dos, de mão em mão . Mas o que acontece se eu quiser evitar trans-
port ar numerário numa longa distância , com todo s os riscos de perda
e de roubo que isso implica? A solução é o "câmbio sacado". Por
muito tempo ele foi feito - desde o século XlI - pelo contrato
de câmbio, que era um reconhecimento de dívida, passado em tabe-
lião. Reconhecia o recebimento de uma quantia em tais espécies
I

e prometia seu reembolso noutro lugar e noutras espécies. Esse con-


trato foi muito utilizado. Representava também um empréstimo, gra-
ças ao qual o mercador comprava o carregamento que ia vender,
por exemplo, em feiras ; com o produto da venda, podia reembolsar
seu credor, ao mesmo tempo que obtinha um lucro . Todavia, esse
ato implicava formalidades, como a presença de testemunhas e despe-
sas para a redaç ão de um ato longo que sempre podia ser extraviado .
Também, sem que desaparecesse (pois representava um papel econô-
mico insubstituível) , foi parcialmente substituído pela letra de câm-
bio , preferível para todos aqueles que dispunham de capital e deseja-
vam apenas fazer uma transferência.
A letra de câmbio apresenta-se de mane ira bem mais simples, num
pequeno pedaço de papel (309). E, para traduzir a definição dada
por Raymond de Roover. "uma nota promissória através da qual
um sacador ou tomador, em troca de uma quantia que recebeu de
um doador , ordena a um sacado pagar a um beneficiário uma quantia
equivalente , em um outro lugar e em uma outra moeda, a termo".
E fundamental a presença da pessoa ou da sociedade a quem ele
a destina; intervêm então o tomador e o sacado, que são " cambistas"
(a palavra é posterior, mas muito útil par a assinalar que não se trata
mais de um simples " trocador" ), que executam a transferência por
um duplo jogo de escrituras. Façamos uma pausa para algumas obser-
vações:
FAZER NEGÓCIOS 121

1. A diferença de lugar e de moeda, evidentemente, é essencial.


2. A letra é dita " primeira", ou " segunda", ou "terceira" : em ge-
ral, redigiam-se três exemplares , que se enviavam separadamente ,
para reduzir os riscos de extravio . O sacado conservava , é claro ,
apenas um exemplar da letra.
3. O pagamento devia se realizar " a uso" , a " usança": assim cha-
mamos o prazo legal que existia entre a apresentação da letra ao
sacado e a data efetiva do pagamento. Combinadas , a duração do
trajeto e a " usan ça" representavam um certo período (cerca de dois
meses entre Bruges e Barcelona) , durante o qual o sacador podia
dispor da quantia sem ser debitado. A operação de câmbio implicava
secundariamente uma operação de crédito.
4. A taxa de câmbio era indicada pela letra. Por exemplo , um
certo número de libras barcelonesas por escudo flamengo: diz-se que
Bruges dava o certo (era sempre um escudo) e Barcelona o incerto
(um número variável de libras) . Eram sempre as praças mais impor-
tante s que davam o certo. Essa taxa não era fixada de maneira arbitrá-
ria: os corretores de câmbio estabeleciam uma cotação (apenas , nas
grandes praças as outras as seguiam) , que permitia ao cambista saca-
dor um certo benefício, admitido pelos canonistas , em razão do servi-
ço prestado. Naturalmente , essa cotação variava em função da oferta
e da procura, ligadas a fatore s comerciais (existência de um déficit
das trocas) ou monetários (ameaças sobre uma ou outra moeda) ,
como em nossos dias.
5. Via de regra, o " trocador" pedia ao sacado para debitar sua
cont a do montante da letra. Habitualmente , tinham relaçõe s regula-
res e abriam- se mutuamente conta s que eram debit adas ou credit adas
das quantias inscritas nas letras que sacavam um sobre o outro . Geral-
mente, tamb ém o sacado não pagava o beneficiário em espécies,
mas creditava sua conta. Tudo se resolvia assim atravé s de escrituras,
cujas marcas podem ser encontradas nos registros de cont abilidade
subsistentes.
Como se realizou a tran sição do contrato par a a letra de câmbio ?
Há em primeiro lugar um deb ate jurídico : certos autores pensaram
que a letra resultava de uma simplificação progressiva do contrato.
De fato , parec e se tratar de duas realidade s completament e diferen-
tes. Podemos preferivelmente pensar que a letr a tenha surgido da
nota que o devedor enviava a seu correspondente quando ele próprio
não se deslocava : há um exemplar dessa nota, entre Floren ça e Bru-
ges, em 1330. .
Contudo, mais importantes são as condições eco nó micas e huma-
nas que tornaram essa evolução possível: o desenvolvimento da ins-
trução entre os mercadores, que puderam prescindir do notário, e
122 OUTONO DA IDADE MÉDIA

a constituição de grandes sociedades, com capital , ligadas umas às


outras por laços regulares, e dispostas a honrar as letras de câmbio
que umas sacavam sobre as outras.
A letra de câmbio (redigida em italiano) é atestada em Florença
e Siena desde o fim do século XIII, e um pouco mais tarde em Pisa.
Ao contrário, o contrato notariado (em latim) mantém-se durante
todo o século XIV em Gênova e em Veneza, onde eram poucas
as grandes sociedades com múltiplas sucursais. Elas somente surgem
aí no século XV.
Seu uso normal era de ordem comercial. Servia para pagar compras
efetuadas no exterior. Uma outra variedade era a letra de crédito:
o mercador que queria viajar sem carregar numerário, mandava sacar
dele próprio uma letra pagável no lugar de destino. Nesse caso, doa-
dor e beneficiário eram a mesma pessoa. Os canonistas aceitavam
que o cambista tivesse um certo lucro devido ao serviço prestado
e aos riscos que corria (associados à variação possível do câmbio).
Pediam apenas que a taxa de câmbio estipulada pelas letras não fosse
diferente da cotação normal.
Mas também logo se percebe a possibilidade de vantagens finan-
ceiras. Nesse caso, o montante da letra não servia para liquidar mer-
cadorias, mas para comprar uma outra letra que era sacada em troca.
Tratava-se, portanto, de especulação sobre o câmbio. Podem-se dis-
tinguir dois casos diferentes :
- Podia-se tomar como base a diferença entre as cotações do câm-
bio existente normalmente entre duas praças, em conseqüência de
um déficit regular da balança comercial, sendo que a praça deficitária
sempre devia pagar o câmbio mais caro. Raymond de Roover expôs
brilhantemente essa operação: a lira di grossi, moeda de conta vene-
ziana, que dava a taxa de câmbio para as relações entre Veneza
e Florença, normalmente era cotada mais alta em Veneza. Assim,
comprar uma letra sobre Veneza normalmente dava um lucro: uma
letra comprada em Florença por 15 I. 18s. affiorino a tire di grossi,
na volta, era paga a 15 I. 19s. affiorino. De fato, não era útil sacar
letras . Um capitalista florentino só tinha que investir dinheiro em
um cambista, que lhe rendia à taxa estabelecida em Veneza dez dias
(duração da "usan ça") depois do investimento. Os riscos de prejuízos
não eram nulos, mas sem muita importância. Tratava-se de um "câm-
bio seco", assim chamado porque não havia uma emissão de letras.
Naturalmente, os canonistas, quase todos, condenavam essa opera-
ção . Apesar disso ela propagou-se. .
- Podia-se também especular sobre o câmbio, por exemplo, na
expectativa de uma transformação monetária. Assim, se uma crise
monetária ou política dava a impre ssão de que a .moeda flamenga
FAZER NEGÓCIOS 123

ia ser enfraquecida . mu itos especulador es comprava m ducados ou


florins italianos através de letras de câmbio ; passada a transformação,
eles faziam recolocações que lhes permitiam receber uma quantidade
maior de espécies flameng as. Na falta de tra nsformação, uma varia-
ção sensível das cotações cambiais podia ser aproveita da . Essas espe-
culações. qu e conhece mos no século XX, evide nte mente eram con-
den ad as pelos cano nistas.
Coloca-se um últim o probl em a: o endossamento das letras de câm -
bio . Em geral, hoje é possível pagar a um terceiro atra vés de um
cheque qu e a própri a pessoa recebeu em pagament o . e que lhe é
remetido após ser "e ndossado", isto é. assinado no verso . O mesmo
cheque pode e ntão servir para pagar a vários credores; há uma verda-
deira criação de moeda. Tradiciona lmente , o início dessa prática si-
tuava-se em Antué rpia em 1610. Uma série de descobertas perm itiu
remon tar até 1410, data que se refe re a uma letra de câmbio de
caráte r come rcial, endossa da duas vezes, encontra da por Fedcrigo
Melis nos arquivos Datin i.
O endossamento existia, port ant o , desde o início do século XV,
mas ainda era um " truque" técnico , rarament e empregado.
A letra de câmbi o é um a técnica instaurada pelos mercadore s italia-
nos e corre nteme nte utilizad a nas relações entre as grandes praças
financeiras. ond e sempre havia sucursais das principais compa nhias
comerciais, com contas ab ert as ent re si. Nessas praças, os abo rígines
ou estra ngeiros podiam recorrer a essa técnica , como doador es ou
bene ficiários. Mas como era em outros lugares? Va mos dar ao meno s
algun s exemplos :
- Na Inglaterra não se conse rvou a letra de câmbio. Certamente
as companhias ita lianas tinh am sucursa is em Londres, via de regr a
em Lomb ard Stree t, que negociava com Bruges. Mas os ingleses
prefer iam um sistema de reconh eciment os de dívidas, not as ao port a-
dor , que circulavam livrement e .
- Não havia letra de câmbio nos países longínqu os como a Pol ô-
nia. Par a mand ar vir fund os de Cr acóvia par a Avigno n, o pap ado
devia confiá-los a mercador es ambu lantes, que os transportavam em
forma de mercador ias e paravam no caminho pa ra negociá-los. A
chegada das espécies a Bruges podia levar até um ano; em seguida,
de Bruges para A vignon, chegavam em alguns dias po r letra de câm -
bio. Um contraste imp ression ante .
- Esse mesmo atraso caracte rizava'a Hansa (41). Ela não ignorou
o crédi to . Chego u mesmo a pr aticá-lo amplame nte no século XIV
- vindo a desconfiar dele no século XV. Mas não existiam grandes
compa nhias comerciais com filiais. O por te de espécies era freqüent e :
um important e comerciante de tecidos de lã , como Vicko von
124 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Goldensen, de Hamburgo (temos suas contas de 1367 a 1392), muitas


vezes mandava ouro e prata a Bruges para comprar tecidos ali. Um
recente artigo de Stuart Jenki destacou outras fraquezas da Hansa ,
como a ausência de métodos de informação rápida e completa, o
caráter rudimentar das contabilidades .. .
- Por fim , a península ibérica, com exceção de algumas praças
como Barcelona e Valência , limitou-se ao contrato de câmbio nota-
riado. "O Algarve , a Niobla e Sevilha encontram-se nos séculos XIV
e XV na era da grande mutação italiana dos anos 1250-1350" (P.
Chaunu) . São esses métodos rudimentares que ainda servirão para
a exploração dos novos mundos.
Estamos agora preparados para responder a nossa questão inicial.
Quando e como o banco nasceu na Europa? Não nasceu do emprés-
timo , como acreditaram alguns historiadores, aliás, excelentes, po-
rém um pouco antigos , como Kulischer, mas do câmbio. Na sua
origem, encontramos os "trocadores" de Gênova, desde o século
XII. Pelo menos são conhecidos por um abundante fundo notarial;
se estivéssemos tão bem documentados em relação a outras praças,
talvez pudéssemos encontrar também outras origens . Esses "troca-
dores" não se limitavam ao câmbio normal; aceitavam depósitos,
não regulares no sentido do direito romano, que exigia que não se
tocasse na coisa depositada, e que fosse devolvida de modo idêntico .
Investiam uma parte do dinheiro depositado e pagavam juros ao
depositante. Efetuavam também pagamentos por simples transfe-
rência de fundos entre seus clientes. Criavam, desse modo, uma moe-
da fiduciária. É por esse motivo que podem ser considerados banquei-
ros - bancherii , como eles próprios se chamavam.
Quanto aos séculos XIV e XV, Raymond de Roover estudou de
modo notável a organização do crédito e do banco numa grande
. praça, Bruges (74). Distingue aí com muita clareza três funções, exer-
cidas por três categorias distintas de homens.
- Os usurários, que em geral eram originários de Asti e de Chieri ,
no Piemonte . O conde de Flandres fazia com que pagassem muito
caro por suas licenças de atividade (a última conhecida é de 1480).
Estavam estabelecidos num bairro tranqüilo e discreto, longe do centro.
Possuíam vastas instalações, que possibilitavam organizar os penhores,
pois eram empréstimos sobre penhores que concediam a prazos muito
curtos, em geral a pessoas muito modestas. A taxa legal de juro, calcu-
lada para a semana (dois deniers por libra), subia para 43 1/3% por
ano, o que pode parecer enorme e explica sua impopularidade; entre-
tanto, suportavam grandes despesas , e nenhum deles enriqueceu de
maneira escandalosa. Eis aí cristãos representando o papel que tradicio-
nalmente é atribuído aos judeus. E eis-nos longe do verdadeiro banco!
FAZER NEGÓCIOS 125

- Os cambistas italianos, membros das grandes companhias com


múltiplas sucursais, praticavam ao mesmo tempo o comércio propria-
mente dito e o câmbio sacado . Dominavam o mercado internacional
dos câmbios. Aceitavam depósitos , em geral de italianos afortuna-
dos, que recebiam juros fixos. Também concediam empréstimos ao
conde de Flandres e ao rei da Inglaterra , cuja benevolência era neces-
sária ao exercício de suas atividades .
- Os "trocadores", membros de famílias bem conhecidas do lugar,
agrupavam-se em torno do novo mercado de tecidos : tinham que
dar ordens uns aos outros e , portanto , trabalhar perto uns dos outros .
Efetuavam o câmbio normal, mas também recebiam depósitos de
seus clientes . Essa atividade é bem conhecida, graças aos registros
de contas de Collard de Marke e Guillaume Ruyelle , que foram
conservadas, referentes aos anos 1366-1369: vê-se ali Collard passar
de 100 para 300 depositantes, enquanto Guillaume tinha 82. Podemos
deduzir que, em Bruges, uma dentre 34 a 40 pessoas tinha uma conta
com um "trocador" (contra uma em 30 em Veneza) . Os clientes
não recebiam juros , mas se beneficiavam de uma grande facilidade
para efetuar depósitos, retiradas de fundos e pagamentos, através
de ordens orais . O "trocador" só guardava em seu negócio uma parte
dos fundos depositados, 29% com Ruyelle , 25 a 56% com Marke,
e isso era suficiente para as retiradas de fundos normais. Podia então
investir o resto : como Marke fazia no comércio de tecidos do Hai-
naut. Além disso, autorizava adiantamentos em conta corrente para
seus clientes mais seguros. Esses "trocadores" criavam desse modo
uma moeda fiduciária e poder de compra. Evidentemente havia o
risco de que , em caso de pânico, não pudessem reembolsar de modo
imediato o total dos depósitos. Assim, coexistiam bancos italianos,
de caráter internacional , praticando ao mesmo tempo o comércio
e o câmbio sacado , e bancos puramente locais de depósitos e de
transferência.
Com algumas variantes, essa situação é encontrada nas outras
grandes praças. Em todas existe um mercado monetário , com cotação
cambial, emissão diária de letras de câmbio; os manuais de comércio
informavam sobre as taxas de câmbio, às " usanças" , a corretagem.
As cotações do câmbio eram fixadas por corretores (322), que regis-
travam as conclusões a que chegavam as assembléias de cambistas .
Estas eram feitas nas Lojas de Barcelona e Valença, na praça da
Bolsa em Bruges (264), no Royal Exchange de Londres. As varian-
tes? Não havia distinção entre "trocadores" e cambistas em Gênova.
Em Veneza , o primeiro lugar era ocupado pelo s banco s privados
do Rialto, que recebiam depósitos e faziam transferências de fundos
-era a "rnoneta di banco" , que representava um papel importante .
126 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Em Florença, a Arte de! Cambio incluía ao mesmo tempo os banchi


minuti, que também faziam o comércio da ourivesaria; e os banchi
grossi, os cambistas , como os Bardi , os Peruzzi, os Mediei...
No século XV, assiste-se também ao aparecimento de alguns ban -
cos públicos. Em Barcelona, depois de 1401, a Taula de Cambi servia
de agente fiscal para-a cidade , à qual ela podia emprestar. Recebia
depósitos , mas não podia conceder adiantamento (319). Do mesmo
modo, em Gênova funcionava a Casa di San Giorgio, agrupamento
dos Compadres, ou associações dos credores do Estado (49), que
foi criada em 1407para liquidar a dívida pública, estabilizar a moeda,
fazer estancar a alta da cotação do florim. Tinha um banco, que
recebia depósitos, mas não podia conceder adiantamento em conta
corrente - exceto para o Estado, a quem emprestava sobre o
produto dos impostos e das partes da Dívida pública. Tecnica-
mente seu sucesso foi real. Mas a política seguida por Gênova
obrigou várias vezes a suspender os pagamentos. O banco foi liqui-
dado em 1444.
É visível a fragilidade desses bancos. Em caso de crise repentina,
não se achavam em condições de enfrentar os pedidos massivos de
reembolso. De fato , houve inúmeras falências, que minavam a con-
fiança. Muitos progressos técnicos ainda deveriam se realizar.

A contabilidade, condição dos progressos (277, 293, 300, 308, 310)

Nenhum dos progressos que acabo de enumerar teria sido possível


sem a elaboração de um bom sistema de contabilidade. Nessa maté-
ria, não é exagero dizer que os séculos XIV eXV foram um período
decisivo: a introdução da contabilidade de partida dobrada não preci-
sará sofrer até o fim do século XIX senão ordenamentos de detalhe .
O fato geral é seguro, mesmo se os contemporâneos não esg~taram
todas as possibilidades que lhes abriam essas descobertas. E mais
difícil segui-los historicamente , pois temos apenas restos de contabi-
lidade, às vezes somente algumas folhas . Como comprovar que tal
progresso foi obtido e generalizado? As lacunas de nossa documen-
tação sempre irão impedir-nos de alcançar certezas absolutas. Es-
sas considerações mostram-nos o caminho a seguir: dar as explica-
ções técnicas indispensáveis , e depois nos lançarmos nos caminhos
de Clio.
Que realidade se esconde sob esse termo misterioso de "conta-
bilidade de partida dobrada"? Tranqüilizamos imediatamente o lei-
tor: isso não é tão complicado . Todos nós - ou quase todos -
_mantemos uma contabilidade de partida simples. Nós o fazemos co-
FAZER NEG ÓCIOS 127

mo o Sr. Jourdain* fazia pro sa, ou seja, sem o saber. Anotamos


nossas receitas e despesas num cade rno e fazemo s o que , em termos
científicos, se chama um registro dos movimentos de valores mon etá-
rios ; uma classificaç ão, separando receitas e despesas , ou mesmo
estabelecendo distinções no interior dessas dua s categorias ; uma veri-
ficação enfim , que se faz por comparação entre , de uma parte , a
diferença entre receitas e ,despesas, e, de outra , o dinheiro que ficou
efetivamente em caixa . E o único g énero de contabilidade que os
povos conheceram até o século XII. E também a contabilidade das
fam ílias cuidadosas - e, até rec ent emente, a contabilidade do Esta-
do, que só necessitava de uma conta de receitas e despesas; a contabi-
lidade era apenas o controle do orçamento .
Por que, em um dado momento , essa contabilidade pareceu insufi-
ciente? Vários fenômenos contribuíram para isso . Em primeiro lugar
o da associaç ão : se uma empresa agrupasse vária s outras ou muitos
associados , e se existisse por um certo tempo , os problemas de divisão
dos lucro s (ou dos prejuízos) , ou at é da liquidação da sociedade ,
colocavam-se de modo compl exo. Era necessário det erminar os lu-
cros e prejuízos. De outra parte, o contador percebia que a associação
era uma unidade por si mesma , distint a dos associados. Outro dado :
era hábito dar procuração a entregadores ou correspondentes , ou
chefes de sucursais, cujas contabilidades próprias deviam se articular
bem com a contabilidade geral. Por fim e sobretudo , o desenvol-
vimento do crédito , particularmente se havia numerosos credores
e devedores . A memória já não bastava. Então empenharam-se em
manter um registro adequado através de uma série de aprimora-
mentos . Assim foi empregado o método dos pa rágrafos: registra-
vam-se toda dívida ou crédito , deixando-se um pequeno espaço em
seguida para indica r como a operação fora resolvida . Um aperfeiçoa-
mento real foi o agrupamento de todas as operações referentes a
uma mesma pessoa . Melhor ainda, essas op erações podiam ser distin-
guida s em créditos e déb itos , os quais eram apresentados em duas
colunas em uma mesma página , ou em du as página s opostas .. .
Assim surgi am os primeiros progressos . Os registras de contabi-
lidade multiplicavam-se para uma mesm a empresa : ao registro de
caixa , ou " diário", em que se anotavam cronologicamente as entra-
das e saídas de fundos, era preci so juntar um registro de dívida s
e créditos. Sua manutenção resultou , depois de tentativas sucessivas,
no que se chamará o " livro razão" (quaderno) , classificado por cor -
respondentes , com uma aprese ntação dist inta , para cada um deles,

* Per sonagem de O burguês gentil-home m , de Moliére . (N .T .)


128 OUTONO DA IDADE MÉDIA

dos créditos e dos débitos. À medida que crescia o porte das empre-
sas, essas contabilidades eram cada vez mais complexas. Impunha-se
a necessidade da fixação de regras simples e automáticas para a manu-
tenção das contas. Foi da procura dessas regras que nasceu a "conta-
bilidade de partida dobrada".
Partamos de uma operação simples . Dois clientes de um mesmo
cambista ou "trocador" querem pagar-se por transferência; o cliente
A ordena para pagar 100 libras ao cliente B. Tudo se resolve através
de um jogo de escriturações: B é creditado da soma , A é debitado,
o que se traduz assim:

Débito A Crédito
data; 100 libras

Débito B Crédito

data; 100 libras

Como se vê, essa operação única é normalmente registrada na


forma de duas inscrições de valor igual e de sentido contrário .
Vamos supor agora que a operação seja entre a caixa e um único
cliente : a empresa empresta 150 libras a C no dia 1~ de janeiro de
1390, e ele reembolsa 100 no dia 1 '~ de maio . A conta de C é sucessiva-
mente creditada, e depois debitada:

Débito C Crédito

1.1.1390: 150 libras


1.5.1390: 100 libras

No diário de caixa figuram sucessivamente uma saída (despesa)


de 150 libras no dia 1~ de janeiro, uma entrada (receita) no dia 1 ~
de maio. Tendo em vista a contínua aplicação dessa mesma regra
que acabo de enunciar, somos obrigados a abrir uma conta de caixa
no livro razão, e, o que é grave . mantê-la às avessas:

Débito CAIXA Crédito

1.1.1390: 150 libras


1.5.1390: 100 libras

Manter às avessas, digamos: com efeito. achava-se lançado ao cré-


dito do caixa o que saía dali, isto é. raciocinando-se na ótica do diário,
FAZER NEGÓCIOS 129

documento mais antigo, indicar no haver do caixa o que não se encon-


trava mais ali. Havia nisso uma mudança de hábitos, diante do que
os contadores hesitaram muito . Mas assim nasceu a contabilidade
de partida dobrada, com seu princípio de base: toda operação traduz-
se por duas inscrições de valor igual e de sinal contrário .
As conseqüências lógicas do novo princípio não deviam tardar a
aparecer. Foi criada a conta de patrimônio: o comerciante é obrigado
a manter contas, não apenas de seu caixa, mas de todos os elementos
de seu patrimônio . Assim, quando compra 200 libras de tecidos ,
credita ao caixa 200 libras (já que estas saem) ; mas deve debitar
uma conta de igual valor , aqui será a conta "tecidos" . O mesmo
se d ã para todas as outras categorias do patrimônio.
E, principalmente, a conta de perdas e lucros que surge . Suponha-
mos que esse tecido comprado por 200 libras seja revendido por
250 libras. A conta de caixa é debitada então em 250 libras . Mas
a conta de tecidos só pode ser saldada, pois é a mesma quantidade
de fazenda que entrou e depois saiu . O que fazer então com a dife-
rença de 50 libras? A única solução é criar uma conta suplementar,
na qual serão creditadas essas 50 libras . Essa conta registra todas
as variações de valor do patrimônio, como as despesas realizadas
sobre as vendas; e as despesas feitas sem crescimento equivalente
do patrimônio , como os pagamentos de salários. De fato, é a conta
que apresenta maior interesse econômico , a que informa sobre o
estado da empresa, a que se mostra aos sócios . A coluna crédito
registra os lucros, a coluna débito as perdas .
Assim, destacava-se uma segunda regra fundamental: devia-se
abrir uma conta-despejo, que recebia todas as indicações que não
podiam ser registradas na conta de patrimônio. Essa conta era funda-
mentaI para estabelecer o balanço da empresa. O inventário apenas
fornecia uma verificação . Quando não havia contabilidade de partida
dobrada , o balanço era muito mais longo e difícil de ser estabelecido.
Desse modo, os registras de contabilidade multiplicaram-se . Mas
os elementos de base continuavam: o diário de caixa , mantido por
ordem cronológica ; o livro razão, mantido por contas de terceiros
ou de patrimônio; a caderneta secreta, que continha os contratos
de associação , a conta de lucros e perdas, etc.
Passemos à história. Colocam-se duas grandes questões: Onde e
quando esses progressos se realizaram? Em que ponto encontravam-
se em outros lugares?
Para a primeira questão, a resposta é muito difícil. Como freqüen-
temente dispõe-se apenas de fragmentos de contabilidade, é árdua
a tarefa de distinguir se toda inscrição tinha sua contrapartida, uma
vez que os encaminhamentos nem sempre eram claros . Em geral,
130 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

tamb ém não se sabe como os associados faziam para levantar o balan-


ço de suas empresas. Era através de simples fechamento das contas.
ou recorriam a um longo inventário? Pode-se considerar sua contabi-
lidade mais ou meno s aperfeiçoada . de acordo com o método utili-
zado .
Há aí, inevitavelmente, uma parte de interpretação, o que explica
a oposição entre Fed erigo Melis, que tinha temperamento otimista
e situava os grandes progressos bem cedo , e Raymond de Roover ,
mais prudente . Tem- se a certeza de que a cont abilidade de part ida
dobrada nasceu na Itália , entre 1250 e 1400. Tent emos pre cisar. No
final do século XIII, segundo publicação feita dos textos toscanos
anteriores a 1300, observam-s e grandes progressos realizado s em Flo-
rença e Siena , os grande s centros bancários com Piacenza, dos quais
nad a sobrou: a apre sentação ainda é rudimentar . com a manutenção
das contas feita por parágrafos; entretanto , os registros mult iplicam-
se; há até alguns sinais que pud eram fazer pensar num nascimento
da contabilidade de partida dobrada. Mas os primeiros exemplos
claros aparecem na Itália do Nort e, onde. entretanto. as contas foram
por muito tempo mantidas em latim : o primeiro caso indiscutível
encontra-se nas contas dos "rnassari" ou intendentes da comuna de
Gênova referentes ao ano de 1340. Pode-se mesmo pensar que Gêno-
va adotara essa técnica desde 1317. para lutar contra as fraudes .
Outros casos localizam-se em Milão, no fim do século XIV.
Assim mesmo é possível que a invenção tenh a sido feita na Tosca-
na. E preciso , aliás , não confundir a evolução da apresentação das
contas com a dos próprios princípios de contabilidade. Salientamo s
que as contas foram mantidas em italiano , muito mais cedo que em
outras partes, embora a form a bilateral tenh a demorado a se impor.
Um fragmento subsistente da contabilidade dos Peruzzi mostra os
créditos mantidos na frente do registro. e os débitos no verso, o
que não é uma disposição muito cômoda. A forma bilateral só apare-
ce em 1382, no registro de um mercador (cham ado Polliani), que
diz querer manter suas contas alia veneziana: " numa página o débito ,
e em face o crédito". Entretanto, não passava de um progresso de
apr esentação . pois essa cont abilidade ainda não era mant ida em par-
tida dobrada.
O aparecimento da part ida dobrada cont inua então uma questão
controversa - Melis que pens a que os Peruzz i haviam-na adotado
desde 1292, Roov er que retruca, dizendo que não se possui nenhuma
prova segura disso. De qualquer modo , dois exemplos claro s apare-
cem na contabilidade de Franc esco Datini no final do século XIV.
Finalmente, é possível que a invenção tenh a sido feita de maneira
independente em vários lugare s e várias vezes. De qualquer modo.
FAZER NEGÓCIOS 131

Veneza também parece bastante conservadora: tinha relações comer-


ciais sobretudo com o Levante e a Alemanha, onde as condições
técnicas eram mais primitivas; aliás , por muito tempo nenhuma gran-
de companhia com sucursais múltiplas existiu ali . Durante muito tem-
po, utilizaram-se "contas à aventura" , abertas para uma viagem :
o valor das mercadorias, o preço das vendas e as despesas estavam
consignados ali , e a conta só podia ser encerrada vários meses ou
anos depois . A partida dobrada apareceu somente muito tarde: ainda
não é encontrada na primeira c9nta Soranso (1410) , mas apenas em
um segundo fragmento (1434). E corrente nas contas que nos restam
de Andrea Barbarigo (1431-1449) .
E fora da Itália, qual é a situação?
Evidentemente , farei algumas sondagens. Na França, é no Midi
que aparecem os exemplos mais interessantes. Os mais conhecidos
são os registros dos irmãos Bonis, mercadores de Montauban
(1345-1369): resta-nos um grande livro C (contas abertas aos devedo-
res) , e um livro vermelho dos depósitos - simples fragmentos de
um conjunto que remissões nos permitem reconstituir de modo apro-
ximado. Sua apresentação é feita por parágrafos: é ainda uma conta-
bilidade bastante rudimentar, e não se cogita de partida dobrada .
- Há também um registro de Jacme Oliver, de Narbonne
(1381-1391) , em que se encontram contas de pessoas e de viagens .
- Em Toulouse, houve diversificação dos registros; mas tudo foi
perdido. Resta-nos apenas um fragmento de "inventário perpétuo"
do mercador e fabricante de tecidos Jean Lapeyre (1433-1441): cada
peça de tecido comprada por ele estava inscrita ali, com um número ,
a indicação de seu comprimento e do preço de compra; depois consta,
para cada uma, a menção de todas as vendas a varejo; e, finalmente,
cada conta era fechada, com lucro ou com perda. Tudo era muito
simples. Mas não havia necessidade de mais. Em meados do século
XV, a partida dobrada foi, sem dúvida , introduzida entre vários cam-
bistas tolosanos, que mantinham relações com Antonio della Casa,
banqueiro da Cúria .
De Lorraine nos chegam as contas dos armarinheiros de Metz,
Jean Le Clerc e Jacquemin de Moyeuvre (1460-1461) (77) , que se
abasteciam nas feiras de Bergen-op-Zoom e de Antuérpia. Inscre-
viam suas compras numa coluna e suas vendas noutra. Mas não há
nenhuma adição, e a utilidade dessas contas para os armarinheiros
- que, contudo, devia haver - não aparece .
De Bruges chegaram-nos as contas dos cambistas locais Marke
e Ruyelle (74). Eram mantidas em francês, com apenas algumas pala-
vras flamengas. Havia diários e grandes livros. Acham-se ali apenas
contas de pessoas, o que é normal para uma atividade bancária. Eram
132 OUTONO DA IDADE MÉDIA

mantidas com cuidado, mas em partida simples. Sua apresentação


era bilateral, com duas colunas por página.
Na Alemanha, os métodos hanseáticos permaneceram muito rudi-
mentares (41) . Desejava-se apenas preparar as contas entre associa-
dos e anotar os principais credores. A incapacidade de aceder a méto-
dos mais aperfeiçoados é ilustrada de maneira trágica por Hildebrand
Veckinghusen (1365-1426) (81), que queria ampliar seus negócios ,
criar uma ligação direta com Veneza. Mas seus processos contábeis
foram insuficientes; deixou-se enganar por seus agentes , viu voltarem
letras de câmbio protestadas; não foi capaz de em nenhum momento
estabelecer um verdadeiro balanço. A falência estava no fim disso
tudo: preso no Steen de Bruges a pedido de um banqueiro genovês
(1422) , ficou ali durante três anos, só saindo para morrer. No Sul ,
os métodos foram de início muito rudimentares . como se pode averi-
guar pelas contas dos Holzschuher, negociantes de tecidos de Nurem-
berg (1304-1307) (263); trata-se de um livro de créditos , repartidos
em 445 contas de clientes classificados por categorias sociais, mas
sem distinção dos créditos e dos débitos . Houve no século XV gran-
des sociedades, mas nada nos restou de suas contas. Os membros
da Grande Companhia de Ravensburg (1380-1530) (315) faziam suas
contas aproximadamente a cada três anos , através de um inventário
geral, que durava mais de um mês - no decorrer desse período .
eram mantidas na própria Ravensburg. Tratava-se com certeza de
uma contabilidade simples.
Quanto à Inglaterra, possuímos muito poucas indicações. Quase
não nos restou nenhum fragmento . Há no século XIV algumas folhas
de contas de Gilbert Maghfeld , mercador de ferro londrino, de quem
Chaucer foi um dos clientes; eram mantidas em francês, com algumas
palavras inglesas . Era um simples compêndio , sem organização muito
clara . Na correspondência dos Cely (60) há algumas alusões a sua
contabilidade ; sem dúvida , pode-se comparar à dos hanseatas . Pouca
coisa na verdade ...
Como se vê" não há nenhuma uniformidade na Europa no fim
do século XV . E apenas no século XVI que a contabilidade de partida
dobrada irá se propagar realmente , o que foi facilitado pela impressão
do tratado de Luca Pacioli sobre a contabilidade.

Vicissitudes das feiras (270 , 302)

As feiras constituíam uma instituição muito antiga. Nas civilizações


onde a circulação era difícil, serviam de ponto de encontro para as
caravanas periódicas. Realizavam-se amiúde por ocasião de festas
FAZER NEGÓCIOS 133

religiosa s - daí seu nome , que vem de feria, isto é, " dia de festa ";
em alemão, "Messe" quer dizer ao mesmo tempo missa e feira. É
importante distingui-la do simples mercado; ela realizava-se , não to-
das as semanas como ele , mas uma ou duas vezes por ano; seu pres-
tígio não era apenas local , mas regional ou até mesmo internacional.
Era antes de tudo um encontro de mercadores, operando no atacado,
ou pelo menos no semi-atacado , e não se via ali normalmente clien-
tela privada. As transações concerniam a mercadorias muito varia-
das, e não apenas de consumo local.
Algumas características originais destacam-se de sua organização.
As feiras eram estabelecidas em grandes rotas de passagem, ou próxi-
mas dos principais centros de produção - e não forçosamente dentro
ou perto de cidades importantes. A existência de centros sedentários
não acrescentava muita coisa a esse fenômeno seminômade . Várias
cidades grandes não tiveram feiras not áveis. Com efeito, a instalação
era sumária : às vezes , era apenas um campo provisório de tendas
e de barracas , num local aberto (assim foi no começo em Lyon ,
às margens do Saône) . Apesar de utilizadas apenas de modo intermi-
tente , as instalações podiam ser próprias e duráveis, como em Gêno-
va. A seqüência dos acontecimentos no tempo era sempre resolvida
de maneira bastante estrita: havia alguns dias de entrada, durante
os quais os mercadores instal avam-se ; depois davam-se , por ordem,
as vendas especializadas , tecidos, couros, " avoir-du-poids" (isto é ,
especiarias vendidas a peso) . Finalmente , efetuavarn-se os pagamen-
tos e est abeleciam-se as letras de feira. Muitas vezes, vária s feiras
sucediam-se nos lugares vizinhos durante a maior parte do ano.
Várias instituições eram próprias das feiras . Em primeiro lugar
a " paz da feira", salvo-conduto que protegia os mercadores na estra-
da que levava à feira , e cujo valor era dado pela autoridade do senhor
ou soberano que a concedera . No próprio lugar da feira, materiali-
zava-se numa grande cruz . Na França, existia amiúde uma jurisdição
especial encarregada de assegurar essa paz ; nos Países Baixos ou
na Alemanha, recorria-se ao tribunal ordinário da cidade , que adota-
va um processo mais rápido, para não atrasar os mercadores. Tam-
bém existiam disposições especiais de direito: franquias. como a su-
pressão das represálias exercidas em caso de delitos de um concida-
dão, isençõe s fiscais; e privilégios , como a agrav ação da s penas con-
cern entes a certos delitos que , desse modo, se procurava evitar.
a papel das feiras podia ser múltiplo. Comercialmente, punham
em cantata mercadores de regiões muito diver sas, aos quais essas
reuniões periódicas certamente possibilitavam novos encontros ; mui-
tas vezes também ofereciam um mercado cômodo para uma grande
região de produção - isso era da maior importância para a manu-
134 OUTONO DA IDAD E MÉDIA

fatura de tecidos. Mas também representavam um papel financeiro.


Ali, recorria-se muito ao crédito . Os mercadores deviam tomar em-
préstimos, reembolsáveis na feira , para conseguir as mercadorias pa-
ra vender. Quando, no fim de uma feira, acontecia de deverem di-
nheiro , podiam mandar est abelecer uma letra de feira, isto é , um
reconhecimento de sua dívida , pagável na próxima feira . Aprovei-
tava-se para resolver na feira dívidas contraídas em outras partes,
e cujo pagamento fora estipulado na feira. Por isso Henri Pirenne
afirmou que as feiras de Champagne foram um "clearing house"
embrionário da Europa .
Fornecidas essas poucas indicações gerais, é preciso fazer um qua-
dro geográfico - não completo , é claro - das principais feiras. A
maioria nasceu do desenvolvimento das relações entre Europa do
Norte e região mediterrânica. Tal fora o papel das grandes feiras
de Champagne e de Brie , que, em geral , se considera em declínio
por volta de 1300. Um artigo bastante recente de Heinz Thomas ,
publicado em 1977, na Vierteljahrschrift f Sozial-u. Wirtschaftsges-
chichte, levou-nos a definir ainda mais nossas posições sobre esse
assunto - mas pode ser que a contribuição ainda muito incompleta
dos arquivos italianos traga surpresas. Foi só por volta de 1320 que
elas deixaram de ter um papel ao mesmo tempo comercial e finan-
ceiro. Ainda em 1307, 4 dos 14 feirantes da companhia florentina
dos Alberti dei Giudice ocupavam-se especialmente das feiras de
Champagne e de Flandres; em 1348, os Alberti empregavam 19 fei-
rantes , dos quais nenhum mais se preocupava com as feiras , e dos
quais 6 residem em Avignon, que se tornou o grande centro da com-
panhia ao Norte dos Alpes. Também foi por volta de 1320 que essas
feiras deixaram de ser para toda a Europa uma praça de crédito.
Por quê? Robert Bautier incriminou justamente o desenvolvimento
da confecção de tecidos italiana , que dissuade os mercadores de fazer
a viagem às feiras para conseguir os tecidos flamengos. Pode-se tam-
bém alegar o uso cada vez mais freqüente da rota marítima atlântica
entre a Itália e os Países Baixos . Por fim, o fato de que as feiras
não gozavam mais da liberdade de outrora: os enviados do rei intervi-
nham cada vez mais. Por ocasião das guerras franco-alemãs provo-
cam o fechamento da fronteira do Norte. É então que é preciso
pôr o nascimento do Estado francês em causa.
Não esqueçamos as feiras de Chalon-sur-Saône , que um trabalho
minucioso de Henri Dubois colocou em seu verdadeiro lugar, secun-
dário , mas mesmo assim notável , nos séculos XIII e XIV. Entretanto,
nunca foram um grande centro financeiro .
As feiras de Gênova apareceram no século XIII no cruzamento
de duas rotas: a da Itália à Borgonha (pelo Grand Saint-Bernard
FAZER N EGÓ CIOS 135

e Jura), a da alta Alemanha à Catalunha pelo vale do Ródano e


o Languedoc. Elas progrediram muito no século XIV , em particular
sob a influência da Avignon pontifical. Havia 6 por volta de 1400.
Esse número foi reduzido a 4 em 1439: a de Epifania (janeiro) , a
da Páscoa , a de São-Pedro-das-Correntes (agosto) , a de Todos-os-
Santos. Mas, ao mesmo tempo, a duração de cada uma delas chegava
a duas semanas. Alguns produtos regionais eram negociados ali, teci-
dos de Friburgo (Suíça), cânhamo de Bresse , panos de Borgonha ,
couros de Savóia (a própria Gênova não fornecia nada) ; mas se trata-
vam sobretudo de mercadorias vindas de longe , tecidos e panos da
Normandia e dos Países Baixos, especiarias vindas da Itália , sedas
de Lucca, armas de Milão, metais de Nuremberg, açafrão de Aragão ...
E os italianos fizeram disso um grande centro financeiro . A origem
dos mercadores que freqüentavam essas feiras também era muito
variada. Os bancos italianos , as grandes casas de comércio alemãs
tinham agências ali. São essas feiras que surgem como verdadeiras
continuadoras das de Champagne . Mas Luís XI iria provocar seu
declínio ao favorecer as feiras de Lyon .
Estas passaram ao primeiro plano na segunda metade do século
XV. O futuro Carlos VII de França criara duas feiras em 1420 para
recompensar a fidelidade da cidade . Por muito tempo elas vegetaram .
Foi Luís XI que teve a idéia de favorecê-las contra Gênova , para
beneficiar o reino com esse tráfico, e para atingir o duque de Borgo-
nha, que tinha grandes interesses em Gênova e tomava grandes em-
préstimos. Em outubro de 1462, proibiu os mercadores franceses
de irem a Gênova, e os estrangeiros de atravessarem o reino para
lá chegar. Em 1463, aumentou para 4 o número de feiras de Lyon
e situou-as nas mesmas datas das de Gênova. Gênova bem que tentou
defender-se, diligenciar junto a Luís XI. Mandou prender os merca-
dores que se dirigiam a Lyon. Apesar de tudo, os bancos italiano s,
ao mesmo tempo em que mantinham ligações com Gênova , transpor-
tavam suas ramificações para Lyon: os primeiros estatutos da nação
florentina em Lyon datam de 1466. Entretanto , Gênova não estava
arruinada. No fim do século XV , seu tráfico estava apenas um terço
menor. É verdade que nesse meio tempo o movimento geral dos
negócios aumentou. Até mesmo uma certa cooperação estabeleceu-
se entre Gênova e Lyon. Em 1485, Gênova autorizou os genoveses
a levar para Lyon os produtos não vendidos de Gênova. Foi principal-
mente o tráfico de sedas que assegurou a fortuna de Lyon, e o das
especiarias só o acompanhava de longe. Além disso, Lyon repre-
sentou o papel de uma grande praça de câmbio.
Outras feiras - a maioria - representaram um papel regional,
que às vezes tinha prolongamentos internacionais. Na França , as
136 OUTONO DA IDADE MÉDIA

feiras de Pézenas e Montagnac, no Languedoc, emergiram por volta


de meados do século XIV; Beaucaire concorrerá com elas a partir
do século XV. Na Itália não havia nenhuma feira muito grande:
assinalemos as de Salerno (pelos tecidos), da Apúlia (pelo algodão) ,
de Pontestura, pequeno povoado ribeirinho do PÓ, onde se encon-
trava até mesmo alemães e espanhóis. Na Espanha, as feiras de Me-
dina dei Campo, surgidas por volta de 1320, eram um centro essencial
das operações com a lã; os mercadores italianos freq üentavam-nas,
e no século XV tornaram-se um notável centro financeiro . Na Ingla-
terra, no começo do século XIV, as principais feiras internacionais
para o tráfico da lã e de tecidos eram as de Winchester, Bristol,
e, em Estanglie , St. Ives, Boston e Stamford . No século XV perderam
o caráter internacional: o tráfico da lã diminuía e concentrava-se
em Calais; e a Inglaterra, por fabricar seus próprios tecidos. impor-
tava cada vez menos. Nos Países Baixos, Bruges conservou por muito
tempo seu prestígio; ainda havia outras feiras flamengas, em parti-
cular feiras agrícolas (cavalos em Messines e Thourout) . As feiras
brabantesas eram mais recentes; talvez só datassem do século XIV .
Muito depressa, elas organizaram-se num conjunto coerente: em An-
tuérpia realizavam-se as feiras de Pentecostes, e as de São Bavo
(ou de São Remígio, I? de outubro) ; em Bergen-op-Zoom as da
Páscoa e de Todos-os-Santos. Seu sucesso deveu-se às desordens
que afastavam os estrangeiros de Flandres no final do século XIV
- mas , sobretudo, ao desenvolvimento da exportação dos tecidos
ingleses. Esta encontrava em Antuérpia o ponto de venda sonhado:
durante muito tempo (exceto alguns breves desentendimentos com
o duque), a chegada dos tecidos ingleses coincidia com a abertura
das feiras; vinham mercadores sobretudo da Alemanha: de Colônia
e do vale do Reno, e da alta Alemanha a partir do meado do século
XV . No século XVI, o encontro desses alemães com os portugueses
será um fato de importância mundial. A Holanda também teve suas
feiras, principalmente as de Deventer, que punham em contato ven-
dedores holandeses de tecidos e de produtos leiteiros, e fornecedores
alemães de madeira, de vinho, de produtos metalúrgicos. Na Alema-
nha, o desenvolvimento das feiras foi muito tardio. As mais impor-
tantes foram as de ' Frankfurt-arn-Main, atestadas desde 1227, num
cruzamento de vias (Reno e Danúbio, Lorraine. ..), nas proximidades
de uma região grande produtora de panos. Os mercadores dos Países
Baixos encontravam ali os da alta Alemanha, da Boêmia e da Áus-
tria. Trocavam sobretudo panos e fustões de algodão alemães, os
tecidos e panos dos Países Baixos, os vinhos da Alsácia e do Reno,
os arenques do Mar do Norte e do Báltico, os objetos metalúrgicos
de Nurernberg, o pastel-dos-tintureiros da Turíngia... Mas a aus ên-
FAZER NEG ÓCIOS 137

cia quase total dos italianos diminuía inevitavelmente a importância


desse encontro . Ainda mais para o Le ste , as feiras de Leipzig desen-
volveram-se no século XV: era o grande mercado das peles da Poló-
nia e da Rússia; ali também encontrava-se prata extraída de Schnee-
berg; e , finalmente, o comércio do livro ganhava uma importância
crescente a partir do fim do século . Citemos também a feira de Escâ-
nia , principal mercado de arenque , estabelecido na pequena penín-
sula que separa o Sund do Báltico ; ela declinou no século XV , quando
os centros das zonas de pescaria deslocaram-se para o Oeste .
Ao fim dessa resenha , é impossível não sentir forte impressão que
nos faz considerar as feiras como uma fase ultrapassada do comércio
internacional: errante de início , ele se fixa aos poucos; Bruges, Paris
e A vignon são as grandes sucessoras - permanentes ~ das feiras
de Champagne . Aliás , a Itália , tão evoluída , não possuía nenhuma
grande feira . Evitemos certamente exagerar: fora das regiões mais
avançadas , as feiras conservavam uma função essencial. Mesmo com
o retorno à segurança , o crescimento e a regularização do comércio ,
eram um a instituição condenada. Renascerão a partir do fim do sécu-
lo XIX , sob a forma de feiras de amostras ; Leipzig dará o exemplo ,
logo seguido por Lyon e outras.

Progresso das associações (61 , 71)

Apliquemo-nos, ao descrev ê-las, em distinguir bem os aspectos


legal e económico . Part amos de necessidade s essenciais: um capita-
lista podi a precisar dos se rviços de um merc ador ; inversamente um
mercador pod ia buscar se assegurar de um capital ; por fim, um merca-
dor , ao mesmo tempo ativo e dotado de um capital , podia associar-se
a outros qu e se encontravam na mesma situação, visando alcança r
obje tivos que fossem inacessíveis para um só . As formas jurídicas
que permitem satisfazer a essas nece ssidades podiam variar; afinal,
podi a até me smo aconte cer que um contrato de associação fosse sim-
plesmente a garantia de um empréstimo!
Foram em especial os italianos que de senvolveram os diversos tipos
de associações, e possuíram as mais poderosas. Todavia , na própria
Itália , uma distinção é fundamental: a associação podia ser concluída
para o exercício do comécio marítimo; em geral , era de duração
mais curta , e agrupava menos parceiros . Em compensação, para a
prática do comércio terrestre formaram-se sociedades muito mais está-
veis, dur áveis, e que reuniam um número bem maior de associados.
1. As associaçõe s de comércio marítimo italiano desenvolveram-se
principalm ent e em Gênova e em Ven eza:
138 OUTONO DA IDAD E MÉDIA

- A "comenda" unia um capitalista, que se limitava a fornecer


o capital , e permanecia no porto (é o que os ingleses chamarão de
sleeping partner) ; e um mercador, que se contentava em viajar, ao
risco do primeiro, em vender as mercadorias compradas com esse
capital, e em trazer o dinheiro proveniente das vendas ou de outras
mercadorias compradas com esse dinheiro . A associação é firmada
para uma única viagem , logo, para uma duração não fixada previa-
mente e que em geral era de vários meses. Depois de os lucros (ou
prejuízos) serem divididos no término , o mercador só recebia um
quarto; três quartos eram para o capitalista. Pode-se achar essa distri-
buição injusta , mas é preciso lembrar que os capitais eram raros
e os homens numerosos . Em geral o mercador era um jovem ambi-
cioso , que queria através disso constituir para si os primeiros fundos
e tornar-se um capitalista por sua vez. Assim, é preciso evitar a crença
fácil de grupos antagonistas: capitalistas exploradores e mercadores
explorados .
- A "sociedade de mar" de Gênova, chamada collegantia em
Veneza, era uma associação entre várias pessoas que contribuíam
ao mesmo tempo com capital e seu trabalho, segundo diferentes fór-
mulas, aliás. Ou um dos parceiros fornecia os dois terços do capital,
e o mercador um terço; nesse caso , que se aproximava muito da
comenda, os lucros eram divididos pela metade. Ou então um dos
mercadores fornecia uma grande parte do capital e dirigia o que
em Pisa se chamava na época uma capitania. Ou a sociedade podia
unir vários sócios todos fornecendo capital, e um ou alguns - ou
todos - trabalho.
De qualquer maneira, essas associações eram concluídas para uma
única viagem, o que se justifica muito bem pelas condições em que
se praticava o comércio do Levante; apesar do aparecimento dos
fonduks * ou col ônias, a estadia no Império bizantino e no mundo
muçulmano era proibida aos mercadores ocidentais . Além disso, esse
sistema de curto engajamento permitia repor logo o dinheiro inves-
tido na associação. A responsabilidade er a limitada apenas ao capital
desta ; se houvesse perda , só ele era atingido , os outros bens dos
parceiros ficavam fora da questão. Esse método permitia tanto ao
capitalista quanto ao mercador dividir seus fundos e sua atividade
entre várias associaçõe s. Em ger al, quando um navio partia, levando
vários mercadores, um grande número de contratos era concluído
em alguns dias no estabelecimento do notário . Exemplo: quando,
em 30 de março de 1248, o " Saint-Esprit" preparava-se para zarpar

• E ntre posto e hosped ar ia dos mer cador es. em país muçulm ano . (N.T. )
FA Z ER NEGÓCIOS 139

rum o à Síria , e o "S aint-G illes" para a Sicília , 50 commende e du as


socieda des for am concluídas no estabe lecime nto do notário Giraud
A malric , de Mar selh a .
E m terra , hou ve por mu ito tempo associações temporári as de sse
tip o, ligad as a um comé rcio ainda erra nte . Depois, sem desaparecer ,
cederam lugar a outros tipos mai s originais.
2. As "companhias" de com ércio terrestre eram essencialme nte
associações famili ares . Su as cara cterísticas pr óprias são: a duração,
que é se mpre de alguns anos ; a responsabilidade ilimitada , todo o
patrimônio en contra-se engaja do nas ope rações; por fim , era m so-
cieda des em nom e co letivo. qu e a mo rt e de um do s parceiros não
dissolvi a. Esse e ra, se m dú vida , o caso das com pa nhias placentian as
e sien en ses do século XIII , mal conhe cidas devido à falt a de docu-
mentos. Conhecemos melhor Floren ça , onde no s interessam em es-
pecial as com pan hias poderosas (e não dev emos esque cer as outras).
Elas, aliás , ev oluí ram :
- O saudoso Yves Renouard deixou um cuidadoso estudo das
socied ades integrad as da primeira metade do século XIV , como as
dos Bardi e dos Peruzzi. D urariam muito tempo: mais de cem anos
para os Scal i, mais de sete nta para os Bardi e Peruzzi . D e fato , trata-
vam-se de companhias concluídas para períodos de do is a doze anos ,
que se suced iam . No término de um a delas as contas eram acertadas ;
formava-se uma nova companhia , em parte com associados novos,
com um capital qu e podia variar . A cada vez , er a redigido um contra-
to, abe rta uma nov a contabilidad e. Entretanto , subsistia uma ligação
de continuidade entre essas companhias ; a nova devia mandar liqui -
dar os bens da antiga; para tanto , abria-lhe uma conta em seu livro
raz ão . E ssa continuidade distinguia-se na perman ência da família
e da razão social.
A base da soci ed ad e e ra , po rt anto , antes de tudo , a famíli a , que
podia se r muito numerosa : em sua última companhia, os Peruzzi
ainda era m 11 associa dos (em 22) e 14 co rretores, ou sej a , 25 no
total. O pe ssoal compreendia o dir etor, qu e era o membro mais anti-
go da família ; ga ra ntia a companhia por seu pr estígio , e em geral
só era substituído ao morrer. Havi a entre 10 e 25 associados, que
de hábit o tinham um pap el na vida da socie da de . Não recebi am retri-
buição fixa. Mas suas despe sas profission ais lhes era m reembolsad as.
Em ge ra l todos era m iguais em dir eitos. Havia ainda os corretores,
qu e eram age ntes regul armente re mune rados . Pelo menos 378 se rvi-
ram aos Bardi entre 1318 e 1345. T ambém havia os men sageiros ;
e os ho sped eiros (hot eleiros) que podi am representar a companhia
nas cidad es em qu e e la não dispunha de agente perm anente. Ao
tod o . podi a -se chegar ass im a um total de 500 pessoas nas companhias
140 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

mais importantes. Em geral, esses corretores tinham nascido na pró-


pria cidade . Seu valor intelectual e profissional é admirável. Todos
sabiam escrever, contar em todas as moedas e falavam várias línguas .
Os diretores de sucursais tinham de tomar decisões importantes, e
mantinham relações freqüentes com os soberanos . Um bom exemplo
é Francesco di Balduccio Pegolotti que, corretor dos Bardi , escreveu
um importante manual de comércio.
Havia dois tipos de capitais. O capital social era constituído pelas
contribuições dos associados. Em geral, estes também formavam
uma "companhia para as esmolas" , dotada de um pequeno capital,
cujos dividendos eram distribuídos entre os pobres. Era o "corpo"
da companhia . Mas havia também o "sopracorpo" , formado pelos
depósitos, reembolsável à vista, e que rendia juros fixos anuais de
6 a 10% . Sua importância e sua estabilidade deviam-se à confiança
inspirada pela companhia.
A sede social e os armazéns ficavam em Florença, no palácio esco-
lhido pelos associados . O número de sucursais variava, conforme
o campo de ação das companhias. Os Bardi e os Peruzzi tinham
geralmente 16, estabelecidas nas grandes praças da Itália e do exterior
(Avignon, Barcelona , Paris, Bruges, Londres, Chipre ... ).
Essas companhias, que nunca tinham se especializado, tratavam
dos negócios mais variados - comércios diversos, indústrias, banco,
seguros ... Serviam como agentes financeiros para os soberanos a
quem emprestavam dinheiro (o papel de Biche e Mouche junto ao
rei de França Filipe, o Belo , é célebre). Empregavam os métodos
já descritos, e para funcionar, deviam redigir uma vasta correspon -
dência, que era como o sangue para o organismo.
As falências que a maioria dessas companhias conheceu nos decê-
nios dos meados do século XIV explicam-se por uma conjuntura
desfavorável. Mas elas trouxeram à luz algumas de suas fraquezas:
seria preciso mostrar-se mais prudente nos empréstimos concedidos
aos príncipes e às cidades; calcular melhor a proporção observada
entre " corpo" e "sopracorpo". para enfrentar os pedidos maciços
de reembolsos; a manutenção de uma rígida unidade da companhia
impedia limitar as dificuldades a essa ou aquela sucursal, seria melhor
descentralizar; e, finalmente, parecia necessário assegurar-se mais
claramente o apoio do poder. Essas lições resultaram na formação
da companhia descentralizada do século XV.
A transição já era sensível com Francesco Datini: sua firma era
de fato um conjunto de associações aut ónomas. uma por sucursal;
tinha todas sob controle. Mas o tipo perfeito foi realizado pelos Me-
dici (311) : em 1458, Cosme era sócio de onze negócios diferentes
- o banco, em Florença ; duas manufaturas de tecidos e uma de
FAZER NEGÓCIOS 141

sedas, também em Florença; as ramificações exteriores (Veneza, Mi-


lão , Avignon , Gênova , Bruges , Londres) e, por fim , uma associação
em vias de liquidação. Eram entidades legais distintas, como foi reco-
nhecido por um julgamento de 1455, o que não as imp edi a de chama-
rem-se entre si i nostri, e de se favorecerem mutuamente. Uma distin-
ção era feit a entre os maggiori, membros da famíli a Mediei , ao s qu ais
er am outorgados direito s superiores , e que podiam dissolver as asso-
ciaçõe s; e os governatori. qu e dirigi am as ramificações, eram inte res -
sados nos lucros, mas ligad os por instruções imperativas e se mpre
revogáveis.

Fora da It ália , a organização e ra muito men os ap erfeiç oad a. Quan-


to à França, sabe-se muito pouca coisa . Na Al emanha , no seio da
Hansa (41) existiam doi s tipos: a sendev e (isto é, "ben s e nviados
ao exte rio r"), qu e não era uma verdad eira associ ação , já qu e o em-
presário continuava proprietário do capital ou das mercadorias e que
o representante encarregado de vendê-Ias tinha uma remuneração
f ixa; a Kumpanie ou Wedderlegginge (isto é, " colocação de fundos
recíproca" ) era um a verdadeira asso ciação qu e agrupava e ntre duas
e quatro pe ssoas , baseando-se amiúde numa família. Na Alemanha
meridional havia maior influ ência italian a , ma s não podem os julgar
isso , pois nenhum contrato foi con servado ; existiam, no e ntanto,
grandes companhias , como, no final do século XV , a grande Compa-
nhia de Ravensburg , que durou cento e cinqüenta anos (3 15). Por
fim , temo s dificuldad es em relação à Ingl at erra (69) , um a vez que
não foi conservado nenhum contrato de sociedade , e de termos de
trabalhar ap enas com o auxílio do s documentos jurídicos. Al ém dis-
so, o vocabulário é muito engana do r: sob o nome de "se rvido r",
encarregado de vender as mercadorias , podia se dissimular um mer-
cador importante . Parece que se encontram aqui os mesm os tipos
de associações que em outro s lugares. A companhi a tjo int stock)
permanente , firmada para vários anos, também pode ser enco ntrada
ali : a dos irm ão s G eorge e Richard Cely, por exemplo .

Resta ainda de sculpar-me por ter tomado tanto tempo dos leitores
com todas essas inovações comerciais. Na verdade só interessam dire-
tamente a um pequeno número de pe ssoas - mesmo se sua existê ncia
tem con seqüênci as sobre a vida de um maior núm ero . Mas, com
a imprensa e a transformação do na vio , elas são particularmente
espeta culares .
10

Transportar melhor

Para que serviria produzir mais - tanto gêneros agrícolas , quanto


produtos fabricados - se não fosse possível transportá-los melhor?
Alguns dos progressos da produção só podem se explicar , aliás, atra-
vés do desenvolvimento dos transportes. Assim, às vezes seremos
obrigados a voltar atrás . Nessa mutação económica dos séculos XIV
e XV, tudo se interliga. Mas tampouco deixarei de evocar uma condi-
ção fundamental desses avanços: a melhor circulação das notícias .
Observemos em primeiro lugar que, no século XIV, transporte
e comércio tornaram-se duas atividades distintas (23). Pelo menos
para os grandes mercadores, não é mais o tempo em que o próprio
comerciante transportava seus produtos e circulava com eles . Os
transportadores podem, paralelamente, fazer um pouco de comércio;
mas são essencialmente transportadores, não traficantes. O mercador
comanda tudo de seu escritório. Que revolução!

Em terra (325)

Comecemos pelos transportes terrestres.


A infra-estrutura - como dizemos hoje - são essencialmente
os problemas das estradas e das pontes . Numa parte pelo menos
da Europa, que corresponde ao antigo Império Romano, há as velhas
estradas romanas, bastante notáveis, com o solo preparado sob a
estrada, uma drenagem pelas valas laterais, e na superfície grandes
lajes. Sua construção foi possível devido à autoridade do Estado
144 OUTONO DA IDADE MÉDIA

romano e à existência da escravidão. Sua conservação exigia uma


manutenção importante , que o desaparecimento dessas condições
favoráveis tornou, na maior parte das vezes, impossível. Por outro
lado, eram sobretudo estradas estratégicas, que seguiam direto sem
demorar-se a servir as localidades , e, portanto , estradas de planalto .
Assim mesmo, esse " esqueleto" foi relativamente útil , sobretudo
na Itália, onde a rede era particularmente densa , e na Inglaterra,
em que foi possível ao Estado normando mantê-la muito bem. Tam-
bém nesses países , mas especialmente na França e na Alemanha,
foi necessário construir estradas novas. Na França, a rede romana
estava centrada em Lyon , e novos traçados , que partiam entre outros
lugares de Paris, tiveram de ser projetados . Da Alemanha, uma gran-
de parte encontrava-se fora do antigo Império Romano. Em geral,
pode-se dizer que eram estradas simples, adaptadas à circulação de
bestas de carga. De preferência, pistas . Ainda assim havia exceções:
algumas estradas calçadas, suportavam carroças mais pesadas, em
grandes itinerários. Também eram estradas em curva, seguindo na
medida do possível os vales. Eram muito numerosas para um mesmo
itinerário: havia quatro de Paris a Lyon. Um transportador podia
escolher uma delas . Pode-se falar de um verdadeiro emaranhado
de estradas.
As pontes constituíam problemas particulares. Sua construção foi
por muito tempo urna obra piedosa, entregue a confrarias . No século
XIV , laicizou-se. As enchentes e as guerras (que provocavam destrui-
ções a fim de interromper a estrada para impedir a passagem a um
exército) acarretam muitas perdas. Mas a reconstrução ou apenas
a manutenção foram deixadas a cargo das iniciativas locais, cuja eficá-
cia variava muito. As ligações através dos Alpes foram bastante me-
lhoradas no século XVIII pela criação de uma ponte suspensa que
atravessava as gargantas do Reuss em direção a Saint-Gothard e
pela arrumação de um desfiladeiro na estrada do Brenner. Pode-se
dizer que a fortuna de Milão em parte dependeu disso. O túnel de
estrada mais antigo, o do Monte Viso, com o comprimento de cerca
de cem metros, largura de dois metros e meio , será construído pelo
marquês de Saluces entre 1478 e 1480, com a finalidade de facilitar
o transporte do sal de Provença .
O principal meio de transporte terrestre continua sendo sobretudo
as caravanas de bestas de carga, principalmente os mulos. É um
. animal de difícil criação - cujo crescimento nos séculos XIV e XV
é, aliás, pouco conhecido - e que pode transportar até 175 quilos.
A título de exemplo: entre Gênova e Milão, no século XV, ocorreu
cerca de 60 a 70 mil partidas de mulas por ano em cada sentido
(quase todos os povoados dos Apeninos forneciam arrieiros e bestas);
TRA NSPOR TAR ME L HOR 145

em Jougne , no Jura, ped ágio bem conh ecido graças às contas que
chegaram às nossas mãos. a circulação er a feit a, até o século XV ,
quase que unicame nte por carava nas de cavalos e de mulos; do mes-
mo mod o , por volta do fim do século XV, o tráfic o do sal de Provença
pelo Mo nte Viso em direção ao Piemont e exigia mais de 21.000 passa-
gens de bestas por ano (332).
Aloys Schult e (78) obteve nos Arquivos da Câmara de Com ércio
de Milão um documento muit o sugestivo - publicado por ele -
em qu e são enumera das as cargas levadas de Constança a Bellinzona ,
prevendo o tr ansporte , entre as duas cidades, dos fardos de lã vindos
da Inglaterra , destinados finalme nte a Milão. T rata-se de uma pes-
quisa feita por volta de 1390 por aq uela Câm ara de Com ércio e que
se refere à part e evide nte mente mais delicada desse tr ajeto . Vamos
resumir os dados.
De Constança a Rheineck , a pista ladeia as margen s do lago ; os
mula s seguiam-na tranqüilamente; no máximo , havia algun s ped ágios
para pagar. Dep ois tomavam a estrada do Lukmanier, mais longa
e difícil do que a do Saint-Goth ard , mas er a de domínio da cidade
de Lucerna , e Milão entendia-se mal com Lucerna . Em Rh eineck
fazia-se um pr imeiro descarregamento. O trajeto pro ssegui a até Coi-
re , ao longo do vale do Reno , na margem esquerda em primeiro
lugar , com paradas em Blatt en e Saint-Pierre - em dois dias. Atra-
vessava -se o rio em Werdenberg , e os mulo s caminhavam até Schaan.
Nova par ad a. O tr ajeto cont inuava então na margem direita , com
pausas notu rnas em Balzers, Mayenfeld , Zizer s. Em Coire , os fardo s
eram postos no chão, pesados e novament e rep art idos entre os mula s,
que ret omavam um caminho dor avant e mais montanhoso , até Trins,
dep ois Laax - que se alcançava por um desfiladeiro de 1.150 metros,
afasta ndo -se do vale que nesse trecho tornava-se estreito. Por Ilanz ,
a carava na descia mais uma vez ao vale , depoi s alcançava Rui s -
e de lá , em três dias, Caraccia. As dificuldades mult iplicavam-se:
seguia -se bem o vale do Reno até Disenti s, depo is iniciava-se a verda-
deira mont anh a , com um desfiladeiro de 1.916 metros ; era m neces-
sárias não menos de três par adas par a esses 50 quilôm etros, sendo
a te rceira em Casaccia. A partir de então, a descida era muito vertigi-
nosa (mas os mula s, como se sabe , não têm vertige m) : faltava m
apenas 300 metros para Biasca ! Era o Vale Santa Maria , e a estrada
cont inuava, mais fácil daí por diant e , até Bellinzona. A o todo , per-
corriam-se aproxi mada mente 322 quilômetro s em 20 dias, ou seja,
uma média de cerca de 16 qu ilômetros por dia.
E as despesas? Em primeiro lugar, as do tr ansporte propriament e
dito . Dessa seca contab ilidade ressalta a diferença entre dois mundos
econ ómicos e mentais. Na verte nte germano- suíça , em virtude do
146 OUTON O DA IDAD E M ÉD IA

anti go privilégio da Rodfuhr , que obrigava o viaja nte a descarr egar


seus fardos em cad a parada , cada dia era cont ado à part e. A partir
de Trins, na vertente ita liana, o pagamento er a feito de maneir a
global , para vários dias.
Er a preciso acrescentar as despesas de estadia e os ped ágios; tam-
bém aqui evidencia-se a difere nça: para a estadia, 2 deniers e 112
por par ada, até Ruis; além , apenas 2 den iers. Onze ped ágios a pagar
ao todo , o último em Ilanz , e o de Consta nça represent ava cerca
da met ade de seu tot al. O dos gastos calcula-se facilmente: 7 libras
impe riais lOs. 6 deniers por fard o , dos quais 15 1. Is por carga -
o que, a 30 soldos o florim, perfazia aproximadamente 10 florins a
carga. Er a muito, men os sem dúvida do que a longínqu a circunave-
gação atlântica .
Em todo caso , essa predominância das best as de carga reduz a
importância dos diversos progressos técnicos realizados nos tran s-
portes terrestres (328). Havia em prim eiro lugar os carros, que ser-
viam sobretudo em alguns itinerários , seguindo estradas relativamen-
te boas. Lembro breveme nte que , numa época ante rior, propagou-se
a coleira de armação rígida, mantida sobre as espáduas do anima l,
o que permitiu um esforço maior dos cavalos (aliás, melhor alimen-
tados e mais vigoros os), bem como a atr elagem em fila. Torn ou-se
possível puxar de 2 a 3 toneladas , pelo men os em percursos planos.
No século XIV propagou-se a boléia, peça ligad a ao carro, à qual
se prend em os tirant es, men os rígidos que os var ais. Havia carros
de diversos tipos, com dua s ou quatro rod as, puxadas por um número
variável de cavalo s. E às vezes, no Midi da Fr ança , para os percursos
de planície , atestam-se carros de bois emparelhad os.
Passemo s aos transportes por água. Algumas observações prelimi-
nares são indispen sáveis.

Na água (324, 329)

É preciso insistir sobre a ambigüidade da noção de tonel agem.


Esta baseava-se , nos séculos XIV e XV , no número de tonéis carre-
gado s no navio . Hoje, avalia-se em toneladas o volume do desloca-
ment o de água correspond ent e à par te ime rsa do navio . Não é exata-
ment e a mesma coisa, e essa difer ença torna difícil a utilização dos
número s de tonel agem medievais.
Em segundo lugar , é preciso lembrar que , no século XIII, a genera-
lização do leme de cadaste , que substituía o pesado remo situado
na popa do navio, permitiu dirigir e , port ant o, construir navios muito
maiores. Pod e-se acompanha r essa difusão observ ando os selos das
TRA NSPORTAR MELHOR 147

cidades costeiras - até certo ponto pelo menos, pois os navios nem
sempre são representados ali com exatidão.
Por fim, é preciso notar que a construção dos navios de comércio
não obedecia apenas à preocupação de aumentar a capacidade de
transporte . Buscava-se também a velocidade, pela forma da carena
(parte imersa do casco), pelo modo da enx ãrcia, pela procura de
outras forças de propulsão além do vento . Visava-se também à estabi-
lidade, que era assegurada por um centro de gravidade situado na
parte baixa. Mas, na época, o balanço era duro; também tentava-se
atenuá-lo através de um estudo cuidadoso das formas.
Os historiadores geralmente distinguem a navegação mediterrâ-
nica, em parte a remos (barcas, galés), da navegação oceânica, unica-
mente à vela . Entretanto , sobretudo a partir do século XIII , houve
numerosas trocas entre as duas zonas: assim os bascos introduziram
a nave no Mediterrâneo; no século XV, os velames mediterrânicos
fragmentados propagam-se no Atlântico. Há , portanto , uma certa
unificação .
Dito isso, citemos os principais tipos de navios:
1. A galé. Em Veneza (327) , em Pisa e em Florença, a partir do
século XV , havia: A galé "sutil", navio de guerra de 125 a 130 metros
de comprimento , com largura máxima de cinco metros, tendo dois
metros de calado. Delgada, manobrava bem, podia bater com o espo-
rão no inimigo, mas tinha uma capacidade de carga reduzida. Tam-
bém havia a grande galé, comprimento de cerca de 130 metros, largu-
ra de 6.30 metros, com três metros de calado . Seu perfil era , portanto,
mais redondo, oferecia mais espaço para as mercadorias e resistia
melhor às tempestades. Possuía dois ou três mastros, em vez de
um ou dois.
Essas galés eram trirremes, isto é, em cada banco havia três ho-
mens , cada um munido de um remo . Os bancos eram dispostos obli-
quamente, e os remos eram de comprimentos diferentes: 9,50 metros
a 10,70 metros . Pesavam até 50 quilos. Havia de cada lado 25 a
28 bancos, tendo, ao todo, entre 150 e 168 remadores. Mas os remos
só eram utilizados para entrar ou sair dos portos, o que exigia mano-
bra s precisas; ou então em calmaria, ou para avançar contra o vento .
Em geral, apenas um terço dos remadores trabalhava ao mesmo tempo .
Os remadores via de regra eram homens livres, que se armavam
para resistir aos ataques eventuais; eram relativamente bem pagos.
Entretanto, sua vida era muito dura. devido ao esforço que deviam
fazer e à obrigação que tinham de permanecer em seu banco (para
comer ou dormir, até mesmo durante as tempestades).
Havia, além disso, entre 50 a 70 oficiais e marujos . Podia-se carre-
gar bombardas para a defesa eventual. O lugar das mercadorias era ,
148 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

pois, limitado: 150 tonéis no máximo. Portanto, esse transporte só


podia convir a produtos caros e pouco volumosos . Também ex istiam
galés menores, em numerosos portos do Mediterrâneo, como Mar se -
lha . Essas galé s não circu lavam apenas no Mediterrân eo . Algumas
iam a Flandres ou à Ingl at erra.
Con servam os o diári o de bordo de um certo Luca di Ma so de gli
Albizzi , escrito em 1429-1430, du ra nte a viage m de ida e volta qu e
fez a bordo de um a galé de Porto Pisan o (a ntepo rto de Pisa) a Sluis
e Southampton (328 bis) . Pertencia à celebre fa m ília dos Albizzi
e tinh a sido no me ado capit ão do navio pel a senho ria florentin a. E s-
crevia de Villajoyosa (porto situa do um pouco ao Norte de Ali cante.
na E spanha) para os cô nsules do mar de Florença, dos qu ais dep en-
dia: "No dia 29 do último mês (se te mbro de 1429) , escrevi de Barce -
lon a a Vossa Magnificên cia a respeito de tudo o qu e aco nte ce ra du-
rante nos sa viagem e qu e era digno de menção.. . E stive em Maiorca
e dal i ret ornei a Java , pela graça de Deus. chegu ei lá no dia 7 desse
mês ao am anhecer. D ep o is so ube qu e a o utra galé estava em Deni a ,
e ainda não tinh a chegado a Java como havíamos combinado porque
não tinha acabado se u carregamento . Enviei logo um men sageiro,
e na me sma no ite a galé chego u, co m um a ca rga qu e pegara em
Valen ça e Den ia , tão che ia qu e não podia pegar nad a mais. At é
hoje , temos a met ad e da ca rga qu e pudemos adquirir em nossas
diversas escalas, e espero qu e po ssamos complet á-la . A ssim, graças
a Deu s, as galés terão cumpr ido seu dever na viagem de ida, e
ca rre gada s de boas car gas. Entret anto , porque es pe rávamos enco n-
trar aqui 3.000 cântaros de frutas, não qu isem os carr egar mais em
Barcelona ; qu ando chegam os aqui, só encontramos prontos dois te r-
ços das fru tas que espe rá vamos . tanto qu e foi necessári o co mpra r
de outros, a um a tarifa de frete de 3 sol dos 112 por câ ntaro até Flan -
dres. Es pe ro ca rregar hoj e tanto qu anto as ga lés se rã o capazes. de-
po is ret om ar em os nosso cam inh o se D eu s qu iser. Pen so qu e se ria
bom par a nós faze rmos esca la e m Alicante e em Cart agen a , porque
pod e haver coc hinilha, que para nós se ria um bom fret e . Se tivermos
lugar, ca rreg are mos ....,
Qu an tas incertezas e es pe ra nças! Ali ás. qu ando se fala tanto de
Deu s, não é bom sinal. De fato as duas galés levaram 83 dias para
alca nça r Sluis, e dep ois o Porto Pisan o ; nove esca las e o mau tempo
reduziram a nave gação efetiva a 39 % desse tempo . A volt a, com
ape nas tr ês par ad as. foi fe ita em 32 dias. A so rte de ce rto não estava
do lad o deles.
2. A Kogg e hanseáti ca e ra exatame nte o opo sto (41 ). E ra um navio
red ondo . qu e man obrava ape nas à vela . Desenvolvida a partir de
pequen os navi os, tinha um a capac ida de de 200 to né is no fina l do
TRANSPORTAR M ELHOR 149

século XII. O modelo foi introduzido no Mediterrâneo no final


do século XIII , e deu origem à " nave" . Uma maquete foi construída
em nossos dias, segundo a representação dada em 1350 pelo selo
de Elbing. Esse navio media 29 metros de comprimento e 7 de largu-
ra . Seus mastros, em cuja confecção às vezes utilizavam-se dois fustes
de árvores , tinham uma altura entre 16 e 24 metros. Grandes velas
quadradas ofereciam-lhe muita superfície de velame. No fim do sécu-
lo XIV, esse navio fundiu-se com o tipo do hulk (ou urca) , navio
de fundo plano e com ventre amplo, o que permitia ao menos dobrar
a capacidade de carga (mais de 430 tonéis) . Representa o selo de
Gdansk em 1400.
3. Chegamos naturalmente à naye, já que, como acabo de dizer,
ela teve sua origem a partir dele. E encontrada em Veneza, em Pisa
e em Gênova - porto em que era o único navio utilizado. Era um
navio muito largo (15 a 20 metros, por 50 de comprimento), com
as popas redondas . Seus costados eram muito altos; chegou-se a es-
crever : "a embarcação apresenta-se sobre a água como uma cidadela
- com importantes castelos de proa e de popa" . Era munida de
três mastros, que podiam medir até 45 metros de altura . De grande
capacidade (entre 500 e LOOO tonéis), era um navio maciço , mas
pouco manejável ; poucos portos podiam recebê-lo , logo navegava
pelo caminho mais direto , evitando escalas, ao contrário das galés,
que deviam parar com muita freqüência para se abastecer. Convinha
ao transporte de produtos pesados, de baixo valor.
Também encontravam-se naves em outros portos, como em Marse-
lha. Havia muitas variedades, mas esses navios eram muito menores.
As naves redondas do Atlântico transportavam entre 100 e 200 ton éis
(até menos de 100, como as naves bretãs) . Essa tonelagem aumentou
no século XV: as naves holandesas transportavam entre 200 e 300
tonéis. Eram navios de rápido carregamento, que penetravam por
toda parte e permitiam dividir os riscos.
Para terminar, devo insistir nos consideráveis progressos alcança-
dos, sobretudo no século XV. Aprende-se a construir melhor os cas-
cos, não mais a clin (pranchas imbricadas), mas a carvel (pranchas
justapostas), o que proporcionava cascos lisos, que apresentavam
menor resistência ao avanço. Se pensarmos nas pesquisas atuais de
aerodinâmica! Aprende-se também a fracionar melhor o velame: foi
o caso da caravela, no início simples barco de pesca português . No
final do século XV, tinha três velas " latinas" (triangulares), cada
vez maiores em direção da popa; na proa, um quarto mastro arvorava
uma vela quadrada e um trinquet (pequena vela triangular de proa) .
A supressão do castelo de proa permitiu aliviar a marcha . Cristóvão
Colombo atravessou o Atlântico com essas caravelas.
150 OUTONO DA ID A D E M ÉDI A

A técnica de nav egaç ão , e nt retanto, ainda continuav a sumári a.


Preferia-se a cabotagem costeira . O s portulanos cat alães ou portu-
gue ses representavam principalmente as costas e ap enas indicavam
o ângulo que devia formar com o eixo Norte-Sul da rota a seguir .
e a dist ância a ser percorrida nessa rota. Se o navio se afastasse
dessa rota , por um a te mpe stade por exe m plo, e ra muito difícil reen-
contrá-la. O balanço ainda to rn ava impossív el det erminar coorde-
nadas com o auxílio do astrolábio . No século XV ou sou- se ir da
Espanha à Br etanha em linh a reta , mas os progressos reai s da nave-
gação datam ape na s do fim desse século .
Ainda se ria preciso evo car os es tudos de infra -estru tura. Ne nhum
estudo de con junto fo i consa gra do aos portos, qu e , no e nta nto , colo-
cavam grandes problemas de planificação . Limitar-me-ei a alguns
exemplos. Pisa, em primeiro lugar: Florença , em bu sca da costa ,
apoderou-se dela em 1406. Ma s o mar já se afasta ra 6 quilômetros
desde a época romana . O anteporto de Porto Pisano , a 16 quil ôm e-
tros ao Sul da embocadura do Arno, assoreava-se ele me smo. Bus-
cou-se então desenvolver Livorno , mais longe ainda , contudo e ra
muito insalubre (e continuaria sendo até que a malária fosse ven-
cida).
Um segundo exemplo é Bruges. O Zwin , golfo nascido de uma
invasão marinha do século V , entulhava-se pouco a pouco . Foi pre -
ciso criar sucessivamente cinco anteportos. como Damme no fim
do século XII, Sluis no fim do século XIII . A procura do mar.. .
Também era necessário adaptar os portos ao desenvolvimento da
tonelagem que acabamos de constatar. Não sabemos bem o que foi
feito. Seguramente, as grandes naves genovesas só podiam entrar
em alguns portos: da própria Gênova. ma s também Savana , Náp oles.
Maiorca , Quios . Em outros lugares, era pr eciso parar fora do porto
e baldear homens e mercadorias.
O século XV ainda foi uma época de melhoramento do s rio s e
canais: na França , o leito do Loire foi limpo , se u curs o retificado
em certos lugares, con struíram-se molhes para fixá-lo e for am re aliza-
dos trabalhos para tornar seu s aflue ntes naveg áveis. A partir de 1394,
as eclusas foram ap erfeiçoadas, como no canal de Nio rt ao ocea no .
Na Holanda, por volta de 1408 , ap areceram os primeiros moinhos
de vento , qu e esgotavam a água e permitiam estab ele cer todo um
sistema complementar de dr agagem e de can ais. Ma s os m aiores
progressos for am realizados na It áli a do No rte. O PÓfoi regularizad o
com a derivação de vários rios. A partir de 1457 , o Mart esan a foi
de sviado, para levar água a Milão , dep ois qui s-se tornar esse can al
navegável, para evit ar as curvas do Adda. Um certo Leonardo da
Vinci trabalhou nisso .. .
TRANSP ORTAR M ELHOR 151

A terra ou a água ?

Coloquemo-nos no espírito de um merc ad or daqu eles tempos. Ao


ter de esco lher entre um itine rár io terrestre e um itinerário por água ,
os eleme ntos de sua escolha era m : a velocid ad e , a segur anç a e o
preç o de cust o .
A velocida de? O s autores contemporâneos assinalam sobre tudo
os casos extraordiná rios , e temos pou cas informaçõe s sob re as condi-
çõe s médias. Não se deve apenas considerar as po ssibilid ad es técni -
cas: na terra, e ra preciso par ar à noite (daí o grande número de
hosped arias, até nos pequen os povoados) ; as cara vanas percorriam
até 30 ou 40 quil õm etros por dia , e m terreno médio . No mar, onde
não havia a mesma necessidad e , podia-se per correr 120 quil ômetros
em 24 horas. Mas existiam também muitas necessid ades de abasteci-
mento ou con siderações econó micas: datas da s feira s ou da chegada
das mercadorias para carregar. .. Podia-se fazer desvios para com-
pletar um carregamento.
Havi a , por fim , a influê ncia do tempo : ventos e tempestades eram
particularmente temíveis no mar . De preferência , evitava-se o inver-
no para a navegação . Assim , em Bordeaux havia dois grandes com-
boios para a Inglaterra , um na primavera e outro no outono. Contu-
do , não exageremos : na verdade , o mar não "s e fechava " realmente
no inverno . No máximo aumentava o risco de irregularidade , sobre-
tudo para os pequenos navios. Em Veneza , as galés regressavam
em novembro para não ter de lutar contra os ventos do Norte no
Adriático , e partiam novamente para o Sul em janeiro-fevereiro.
Em terra , também havia uma influência do inverno , seja para a tra-
vessia da s montanhas, seja devido ao congelamento dos rios no Nor-
te. Aqui tampouco deve-se dr am atizar: uma das feiras de G ênova
realizava- se na Epi fani a ; me smo por oca sião dos anos nevosos (como
em 1491) , os mercadores chegavam lá , me smo qu e tivessem que ir
em tren ós. '
Tentemos, assim mesmo, chegar a algumas conclusõe s. As viagens
por terra em ge ral e ra m mais lentas, pelo menos em princípio , sobre-
tud o se o cam inho a percorrer e ra acide nta do : para um a caravana ,
era preciso conta r 24 dias de Toulouse a Pari s, 12 a 20 dias de Augs-
burg o a Ven eza . As viagen s por mar pod iam se r mu ito mais ráp idas:
no Atlântico , os navios podi am , em 10 dias aproxi madame nte, ligar
Londres a Bordeaux , ou Portugal à Antuérpia (por volta de 1.200
qu ilômetros). O s arquivos D atini permitiram calcular uma duração
média de 16 dias de Southampton às Baleares, de três dia s de Maiorca
a Gênova ou Pisa, entre dois e três dias de Maior ca a Túnis ou Argel.
O infeliz exemplo de Luca di Maso degli Albizzi provou-nos que
152 OUTONO DA IDADE MÉDIA
\

também podiam ser mais irregulares; do mesmo modo, entre Veneza


e Alexandria, o prazo podia variar de 22 a 82 dias.
Tratemos, então, do segundo elemento do problema: a segurança.
No mar, havia riscos de naufrágio, que, aliás, não se devem exagerar:
os naufrágios eram muito raros para os bons navios, salvo em casos
de imprudência: em 1458, uma galé " sutil" acompanhando as galés
mercantes de Florença em direção a Flandres soçobrou na baía de
Biscaia. Os riscos eram maiores para os pequenos navios, e sobretudo
nas proximidades das costas, devido aos recifes: em Gênova, isso
era calculado para se fazer o seguro, baseando-se na perda de um
pequeno navio por ano, em média , no século XV. Mais graves eram
o corso e a pirataria. No Mediterrâneo havia o corso, isto é, a guerra
no mar, como entre genoveses e catalães, e mesmo navios mercantes
dedicavam-se a isso. Também havia a pirataria propriamente dita.
Era praticada por pessoas pobres em algumas costas consideradas
perigosas: como as de Provença, onde se emboscava o tráfico do
trigo para Gênova, ou as da Córsega e da Sardenha, onde se fazia
o mesmo para o comércio entre Gênova e a Sicília . Também havia
piratas profissionais, que podiam ser senhores privados de recursos .
Como o doge-arcebispo de Génova, Paolo Fregoso, que, expulso de
sua cidade no final do século XV, partiu com quatro navios e, a
partir da Córsega , infestou o mar durante vários meses. Também
podem ser citados os Gattilusu, patrões de Mitilene, privados de
seus recursos ordinários devido à queda de Constantinopla. No
Atlântico, havia sobretudo o corso, ligado à Guerra dos Cem Anos:
os soberanos tentaram atenuar seus efeitos , fazendo tréguas, conce-
dendo salvo-condutos. Mesmo assim era um embaraço real: Michel
Mollat chegou a ver nisso a causa essencial da lentidão da retomada
das relações anglo-normandas, que se fez principalmente depois de
1475.
Mas era possível premunir-se contra esses riscos através da forma-
ção de comboios, acompanhados de navios de guerra . Em geral isso
era muito eficaz. Federigo Melis (61) citou o caso, bastante comum,
de um navio que no começo do século XV completou quinze vezes
sem empecilho o trajeto Pisa-Sluis. A captura da frota da Baía , em
1449, já citada, é um fato único . Eram sobretudo os pequenos navios
isolados que corriam riscos, e principalmente perto das costas .
Em terra, também havia insegurança devido à guerra e à pilhagem,
sobretudo na Alemanha em razão da debilidade do poder central,
e na França por causa da Guerra dos Cem Anos e das grandes compa-
nhias que saqueavam o país mesmo em tempos de paz. Froissart ,
já dissemos, narrou as lembranças de Aimerigot Marches, evocando
com nostalgia os bons e velhos tempos em que saqueava os merca-
TRANSPORTAR MELHOR 153

dores. Aqui, também. havia meios de luta: formar caravanas (as


cidades alemãs constituíam-nas. com homens armados. o que. aliás.
lhes custava caro); entender-se com os bandos de salteadores. pagan-
do o que na França era chamado " pâ tis"; mudar de caminho . Contu-
do. havia zonas mais seguras.
Podemos comparar os dois casos? Foi lançada a idéia de fazê-lo
levando-se em conta as tarifas de seguro. Não esqueçamos. entre-
tanto. que o seguro marítimo foi mais precoce que o seguro terrestre .
Isso não quer dizer que a via marítima era menos segura: o seguro
evita cobrir riscos muito grandes. e esse desenvolvimento não teria
acontecido se o perigo tivesse sido muito grande; mas o seguro marí-
timo desenvolveu-se antes porque cobria investimentos maiores. Em
meados do século XV. encontramos prêmios de seguro equivalentes
por terra e por mar. da ordem de 3% de Bolonha ou Florença às
feiras de Gênova. ou da Itália até Alexandria. no Egito . Logo. pode-
se concluir que a insegurança era mais ou menos da mesma ordem
tanto por mar quanto por terra. e não se deve exagerar. Pode-se
dizer sobretudo que os neutros acharam-se favorecidos nos dois ca-
sos: arrieiros bearneses entre Toulouse e Bayonne , navios bascos
no Mediterrâneo. navios bretões (desde que se tornaram neutros)
no Atlântico. etc.
Resta um último elemento: o preço de custo. Ele dependia de
vários fatores:
1. O rendimento dos meios de transporte - e. portanto. sua amor-
tização -. segundo o qual , em parte , o transportador calculava seu
preço . No mar, graças aos arquivos Datini, pode-se seguir o ritmo
de navegação de navios em alguns grandes itinerários: em treze anos,
de 1394a 1407, a nave de Pado Italiano (750 tonéis) completou quinze
vezes o trajeto Itália-Southampton e Bruges (mais uma viagem para
Quios); em dezessete anos, de 1393 a 1409, a nave de Lorenzo Bandi-
nella fez onze vezes esse mesmo trajeto, e doze vezes a rota da Itália
no Oriente. Houve com certeza um esforço para utilização racional:
os gráficos de "vidas de navios" apresentados por Jacques Heers
no 7? Encontro de História Marítima testemunham isso de modo
e1oqüente.
2. Ao calcular o preço que iria pedir aos mercadores, o transpor-
tador também devia levar em conta o problema dos fretes de retorno,
a plena utilização de seu meio de transporte em toda a extensão
do trajeto, o que podia fazer com que o itinerário ficasse mais longo.
Assim. fazia-se a combinação de tráficos triangulares: os navios que
vinham da Itália iam descarregar em Sluis, depois receber carga em
Southampton. No Mediterrâneo, deve-se observar os tráficos que
se organizavam em torno de Ibiza, para onde se transportava o trigo,
154 O UTONO DA lDAD E MÉDIA

e de onde se levava o sal ; ou em torno de Quios, associado com


Alexandria, onde se iam buscar mercadorias. Entre os produtos a
transportar, procurava-se lastro , matérias pesadas amontoadas no
fundo do navio para abaixar o centro de gravidade e torná-lo mais
estável, em especial sal e madeira .
3. Havia, sobretudo em terra e nos rios, o problema das taxas
e pedágios. É preciso , aliás , distinguir as taxas ou os leudes nos portos
e nas cidades dos pedágios cobrados nas estradas e nos rios. Estes
tinham-se multiplicado: no Reno havia 19 pedágios no final do século
XII, mais de .35 no final do século XIII, cerca de 50 no final do
século XIV, mais de 60 no final do século XV ; no Sena, no final
do século XV , os pedágios chegavam a mais da metade do preço
de venda; no Garonne , no século XV, entre Toulouse e Bordeaux,
havia mais de 30 pedágios. Mesmo assim não se deve exagerar sua
influência. Os soberanos opunham-se à sua proliferação . Além disso,
amiúde era possível escolher entre vários caminhos . Assim, de Tou-
louse ao oceano, o Garonne estava quase abandonado; existia uma
variante por Condom e Nérac; e havia o caminho Toulouse-Bayonne
por Saint-Gaudens e Pau.
4. Nos grandes itinerários marítimos, houve uma política de dife-
renciação dos fretes: Pegolotti ainda indica tarifas uniformes, que
não levavam em conta o valor das mercadorias (299); ora , com base
nos arquivos Datini, Federigo Melis (61) mostrou que, sob a influên-
cia dos mercadores, uma discriminação das tarifas foi obtida no final
do século XIV - no trajeto da Itália a Bruges, para 100 libras (peso)
de Florença, o frete era de 5 soldos para o pastel-dos-tintureiros,
6 para o alume , 19 para a pimenta, 32 para cochinilha, 41 para o
açafrão . Assim, os produtos, mesmo pesados, raramente suportavam
um frete superior a 10% do preço de compra : eram 2,8 % para o
estanho , por volta de 4% para a lã, 8% para o alume e o pastel-dos-
tintureiros . Pode-se ver aí o sinal de um estado de espírito capitalista,
que favorecia o transporte dos produtos pesados necessários à indús-
tria (ou para o abastecimento) .
5. Houve também, em menor proporção , um esforço de raciona-
lização em terra. No século XIV, no trajeto da Itália a Flandres
pelos Alpes, com escala em Gênova multiplicam-se albergues e entre-
postos; os pedágios são organizados de maneira mais racional; por
volta de 1460, um grupo genovês de homens de negócios resolveu
não pagar aos arrieiros dos Apeninos senão uma determinada tarifa
por fardo de pastel-dos-tintureiros . A partir do século XV há uma
organização das estradas do sal : como em Poitou; em Franche-Comté
um "mestre dos caminhos" instalado em Salins, em 1412, zela pela
manutenção das estradas, pela conservação das estalagens de etapa
TRANSPORTAR MELHOR 155

e pelas rese rvas de forr agem ; na Lorn bar dia , F ra ncisco Sforza o rgani-
zava a est rada G ên ova-Milão . O obstáculo co nt inuava sendo a multi-
plicidad e das autoridades e dos int eresses . Nas estradas alpestres,
acabamo s de ver, subsis tia o siste ma da " Ro dfu hr", em vir tude do
qua l as mercadorias deviam ser descarregadas e recarregadas sobre
outros animais , a cada pou sad a de etapa.
Em ge ra l, portanto , a via terrestre saía mu ito mais cara. No século
XV , o fa rdo de pastel- dos-tintur eiro s custava tanto para ir por terra
de A lessand ria (Itália) ou Voghera a Gênova (80 e 100 qui l ômetros),
qu anto por mar de G ênova à Inglaterra . O co nde de H ainau t , que
devia ma nda r trazer se us vinhos por terra, pagava no século XIV,
pelos vinhos de " F rança" (Ile-de-France) e do Laonnais, um frete
qu e re presentava entre 35 a 40 % do pr eço (mais 12 a 20 % de taxas);
no séc ulo XV, par a os vinhos de Bo rgo nh a , 61% (ma is 11% de despe-
sas diversas) . No Norte, segundo Michael Postan , o transporte de
um to nel de vinh o gascão até Hull não custava se que r 10% do preço
de co mpra em Bo rde au x; o da lã , de Londres a Ca lais, incluídas
as despesas de comboio, saía por menos de 2% do p reço de custo
e m Lond res.
H avia , na med id a do poss ível, es pecialização das vias: o mar serv ia
sobretudo para os grandes tráficos, os produtos baratos; a via terres-
tre gua rdava a predomin ân cia par a os homens (assim, os mercadore s
italianos ca va lgava m com fre qüê ncia de Flandres por A vigno n), para
os pro du to s leves e caros , os metais precio sos. O ra . uma rea l concor-
rê ncia podia exis tir: assi m a o rganização da via ma rítima da Itá lia
até Flandres no fin al do séc ulo XII I é uma das ra zões do declínio
das fei ras de Cha mpagne; ainda no co meço do séc ulo XIV. a lã muitas
vezes via java por te rra, a da In glate rr a chegava a Gênova por Milão;
vimos de que man eira , no sé culo XV, aco nte ce o co ntrário.
E ntre ta nto, esses fat ores de ren tabilid ad e não era m os únicos que
co ntavam: em caso de pen úria , man dava- se traze r trigo de qualquer
man eira ; podia-se ta m bé m preferir o transporte terrest re devido aos
riscos de um idad e , qu e podia de teriora r a lã, os tecidos, os couro s.

Antes da s mídias (330)

Chegamos a um a última qu estão , cuja im portância é indiscutíve l:


a da circ ulação das notícias. Era feita de modos mu ito diver sos , amiú-
de po r viajantes (me rca dores , pe regr inos, jograis) aos quais se confia -
va um a ca rta: po rta nto, era len ta . As no tícias ofic iais, levadas por
co rre io, qu e às vezes cavalgava noit e e dia . circulava m mais rápido:
assim. na F ra nça. Carlos V II proclamo u-se rei em Pa ris no dia 30
156 O UTONO DA ID A D E MÉD IA

de outubro de 1422; a notícia foi conhecida em Toulouse em 13 de


novembro , quinz e dias mais tarde ! Mesmo assim era muit o .
Ora, os grandes mercador es, especialmente os italianos, tinh am
necessidad e de sabe r muito depressa as notícias relacionadas aos so-
ber ano s, suas guerras (ainda mais se lhes haviam concedido emprés-
timo) ; tod as as qu e pod iam fazer pressentir uma mudança mon etária
(principalme nte se especulavam com as moed as); e tod as as inform a-
ções de inter esse comercial (penú rias , procura de alguma mercado-
ria ...). De maneira geral, o dese nvolvimento da difusão das notíc ias
era indispen sável par a o desen volvimen to do comérc io int ern aciona l.
Foram fund adas então organizações postais privadas. No século
XIII , havia corre ios coletivos regulares entre a It ália e as feira s de
Champagne. De Floren ça , a Arte di Ca/im a/a encaminhava um cor-
reio em cada sentido no início e no final de cada uma das seis grandes
feiras . Siena fazia o mesmo . Mas esse siste ma desap are ceu no século
XIV com o declínio das feiras.
As grand es compa nhias do século XIV empregava m corre ios por
corrida , e não por ano. Mas, por si mesmo , esses corre ios especiali-
zavam-se no serviço de determinada companhi a , em cujo s hot éis
pernoitavam nas suas viagen s. Em 1357, dezesset e companhias flo-
rentinas funda ram a " Scarsella dei Mer can ti Fior entini" que manti-
nha , tod a semana , um correio comum e nos dois sentidos com Avig-
non , via Gênova. Foi a prim eira compa nhia postal conhecida , cujos
estatutos foram conser vados graças a um feliz acaso . Tam bém encar-
regava-se , contra o pagament o de uma taxa, das cart as que lhe eram
confiadas pelo povo.
Havia tamb ém organizações urbanas. No século XV, o consulado
dos mercadores de Barcelon a organizou um serviço para Bruges:
dois cavaleiros, cruzando -se na estrada, chegavam a Barcelona e a
Brug es no final de cad a mês, perm aneciam ali seis dias, depois par-
tiam novament e. Muit as outras cidades tinham correios a seu serviço:
Toulouse , Montpe llier, Dijon , etc. Mas seu raio de ação era muito
limitad o . Em Ven eza , o G rand e Conselho receb ia num erosas notí-
cias pelo s mercad or es, pelos patr ões de navios. Mas aqu i não havia
grandes comp anhi as com sucursa is múltipl as. No início de século
XV, a Senh ori a decidiu enviar represent antes perm an ent es junto
aos gra ndes poder es (papa , impe rado r, rei de França , etc.) . São os
primeiro s embaixadores, que expe diam corres po ndê ncias. Muit as fo-
ram gua rdadas e constit uem docu mentos de grande impo rtância .
Por uma transição impercept ível, chega mos às organizações ofi-
ciais. Todos os soberanos possuíam correios a cavalo . No século XIV,
os papas de Avign on colocavam no seu comando um "mestre dos
correios" . Esse siste ma foi imitado pelo rei de Aragão , depoi s por
TRANSPORTAR MELHOR 157

Luís XI na França. No Império, no final do século XV, uma rede


postal foi organizada pelos senhores de Tour e Taxis (que eram de
origem milanesa). Mas em princípio, essas organizações não estavam
à disposição dos mercadores. Mesmo os soberanos reconheciam a
superioridade das organizações privadas: assim, em 1348, o papa
Clemente VI encarregou a companhia florentina dos Alberti antichi ,
que lhe servia de banqueiro, de fornecer-lhe o mais rapidamente
possível todas as notícias referentes ao reino da Sicília, e prometeu
indenizá-Ia por isso . Pode-se ver aí o esboço de uma agência de notí-
cias - com a diferença de que não era aberta ao público .
Juntemos finalmente alguns dados sobre essa circulação por cor-
reios. Sua velocidade era muito variável. Nos casos urgentes , os cor-
reios podiam cavalgar no ite e dia , cobrindo até 150 quilómetros em
24 horas. Em geral. circulava-se apenas de dia: 50 quilómetros
eram uma distância diária média, mas podia variar conforme a
estação, o relevo, as facilidades de trajeto , etc. Se a partida tinha
dia fixo, certas cartas podiam esperar algum tempo antes de partir.
Muitas vezes também os correios aguardavam, antes de se lança-
rem nas estradas , ter um número suficiente de cartas para trans-
portar .
Em meados do século XV, Uzzano forneceu números. Conta em
média: de Gênova, entre 7 e 8 dias para Avignon, 18 e 22 para
Paris , 22 a 25 para Bruges; de Florença, entre 5 e 6 dias para Gênova
ou Roma, 10 e 12 para Milão, 20 e 22 para Paris, 20 e 25 para Bruges,
25 e 30 para Londres - ou seja, 60 quilómetros por dia em média.
O registro das cartas recebidas e enviadas pela ramificação de Bruges
da companhia de Ravensburg em 1477-1478 indica, de Bruges, 5
dias para Nuremberg, 8 para Milão , 9 para Genebra, 12 1/2 para
Gênova, 46 para Valência, na Espanha .
A velocidade não é tudo . É preciso pagá-Ia. Quanto? Muito caro,
e isso é compreensível: havia o aluguel do cavalo, as despesas de
indenização em caso de perda deste, as de hospedagem do correio.
Calculou-se que o envio de um mensageiro especial de Veneza a
Roma atingia o mesmo montante que o salário mensal de um funcio-
nário importante, ou o preço do pão consumido durante um ano
por uma família de três adultos. Entretanto. uma boa organização
permitia que se reduzisse de maneira relativa essas despesas: desse
modo, a Scarsella podia encarregar-se de cartas privadas por um
preço módico.
Notemos, por fim, que os mercadores faziam muita questão de
conservar a exclusividade das notícias e de não informar seus concor-
rentes, ou , pelo menos , informá-los somente mais tarde. Assim, a
Scarsella não remetia as cartas ao público senão 24 ou 48 horas depois
OUTONO DA IDA DE MÉD IA

que seus membros tivesse m receb ido as suas . Esse exemp lo devia
ser largamente seguido .
Pa ra concluir, nun ca ser ia de mais insistir na importância dessa
circulação de cartas , que para o comércio internacion al foi compa -
rável ao que é para um organismo a circulação do sangue. Deve-se
também colocar o pro blema das relações entre eco no mia e tran s-
portes em gera l. Não era simples . Pode-se dizer qu e as trocas intern a-
cion ais continuavam com um fraco volume porque o siste ma de trans-
porte er a bastante rudimen tar. Mas, do mesmo modo pod e-se suste n-
.tar que as necessidades econ ómicas fizera m esse sistema evoluir: isso
foi ob serv ado a propósito do pr ogresso dos navios, da diferen ciação
dos fre tes . Então é possível que. até certo pon to . esse sistem a de
transportes tenha continuado rudiment ar na medid a em que as neces-
sida des econ ómicas não exerciam uma pressão suficiente para provo-
car sua tran sforma ção. Isso será visto. no século XIX, com a revol u-
ção das estradas de ferro .
11

Rumo a uma nova revolução


do espírito

Per numeras ad homines (pe los núm ero s em direção aos ho-
mens)... To da históri a econ ómica qu e se respeita deve basear- se no
homem . artesão. per sonag em e testemunha da evolução mat erial.
E o qu e procur aremos fazer neste difícil capítu lo. Como vimos várias
vezes. nenhum dos progressos realizados durante esses séculos teri a
sido possível sem uma pro fund a tr ansform ação intelectu al. Mas esses
progressos tamb ém não se realizaram sem provocar deb ates inter io-
res. inqui et ações e dr amas, entre hom ens ligados a uma mor al tradi -
ciona l e, ao mesmo tempo . espect ador es de tantos horrores. O pro-
blema é , portanto, intel ectu al e mor al. Tent emos examiná -lo sob
esses dois aspect os.

Um desper tar intelectual

A história do espírito hum ano encontra-se , sem dúvida , na base


de toda a história - muito mais qu e os políticos, que em parte ele
determina ; tamb ém muito mais qu e as relações de produção, cuj a
transformação só se explic a pela evolução do espírito humano. Como
ela é árdua! Uma mane ira ao mesmo temp o vivaz e sugestiva de
abordar o con jun to desses problemas con siste em part ir do retr ato
de dois homens que testemunham muit o bem a mud ança intelectu al
mais obscurament e vivida por vário s de seus contemporâneos em
tod a a Europa dos séculos XIV e XV: Leon Batt ista degli Alb ert i
e Leon ard o da Vinci.
160 OUTONO DA ID ADE M ÉDIA

Leon Batti sta degli Alberti (333. 339) pert encia a uma família esta-
belecida em Florença. no começo do século XIII. Os Alberti forne-
ceram not ário s e depois camb istas. Também participaram da vida
polít ica. o qu e lhes custou o exílio em 1402 por ocasião de uma guerra
cont ra Milão . Entre eles havia um certo Lorenzo qu e , em 1404. teve
um filho chamad o Leon Battista, for a dos laços do casament o . A
juventud e de Leon desenrolou-se em Gênova . depoi s em Veneza ,
e deix ou-lh e muit as lembranças. esparsas em seus escrit os. Como
era frágil. seu pai fez com que praticasse diversos esportes: a corrida.
o lançamento da pa lia (ou jogo da p él a), equitação. Sua instru ção
não foi menos cuidadosa : alé m das artes liber ais, apre nde u grego .
italiano e matem ática. na escola da Barsizza (da qu al saíram letrados
famosos. como Filelfo), a qual freqüentou durante dois ano s. Depois
estudou direito em Bolonha. .
Em 1421. com dezessete ano s, teve a infelicidad e de perd er seu
pai . Sua famíli a qu is que pr aticasse os negócios. com o er a costume .
Mas Leon . que não queria aba ndonar seus estudos . teve seu suste nto
corta do . Seguem-se anos de intensa ativid ade , pois trabalhava du-
rante o dia para sobreviver e estudava à noite . Mesmo assim. ainda
encontrava tempo para apaixonar-se. Esse ardor devorante obrigou-o
a parar tudo por algum tempo . Ap esar disso , em 1428. conseguiu
sua licenciatu ra em direito can ónico, aos vinte e quatro anos.
Datam de então suas primeiras obras, sobretudo poétic as - seja
em lat im. De com mo dis litterarum arque incommodis, onde evoca
seu gosto pelo estudo. suas ilusões . suas privações. ou a com édia
Philod oxeos , atribuída por ele a um códex antigo de Lépido. e que
teve um imenso sucesso - seja em italiano. como as éclogas Corimbo
e Mirza . em que exprime o amor pela mulher . pela paz e pela liber-
dade . e Ecatomfilea, em que . inspira do por Ovídio, faz uma jovem
dissert ar sobre a arte do amor .
Nada disso era especialmente religioso: entretanto . nesse mesmo
ano de 1428. Leon passou a servir o cardeal Alb ergati, mecenas,
a qu em acompanho u em Borgonh a , Picard ia e Alemanha - países
que lhe interessar am vivamente - ; depoi s. em 1431, serviu o chan-
celer pontifical Biaggio Molin . Logo. tornou-se compendiador apo s-
tólico na cort e do papa Eug ênio IV . A visão da Roma antiga. em
ruínas ainda desarran jadas marcou-o profundamente. Em seu tempo
livre. estudava os monumentos. pro cur ava reconstruí-los através de
desenhos, iniciava-se nos métodos dos arquitetos antigos.
Em junho de 1434. expul so de Roma pelo s Colonna, Eugênio IV
refugiou -se em Florença ,onde então Leon pôde entrar. No convento
dos Anjos, freqüentou os mais famosos letrados da época, Cosme
de Mediei e Lorenzo, o Magnífic o. o barb eiro poeta Burchiello , o
RUMO A UMA NOVA REVOLUÇÃ O DO ES PÍR I TO 161

grande matemático Paolo Toscanelli, e artistas tais como Don atello,


Brunelleschi, Masaccio, Lucca della Robbia. Esse inter esse pelas
artes manifestou-se em duas de suas obras escritas nessa época: a
plaqu eta De Statua , em que aconselhava a observ ação diret a dos
modelos vivos, o estudo anat ômico do corpo humano , e os três livros
De Pictura (dedicados a Brunelleschi) , que estabeleciam as três tare-
fas essenciais do pintor: delimitar o espaço a repr esentar, combinar
figuras e volumes segundo as leis da perspectiv a e , finalmente , intro -
duzir a luz e as cores .
Acompanhou o papa a Bolonha, depois a Veneza. Em 1439, em
Florença , assistiu ao Concílio de União das Igrejas grega e latina,
o qual praticament e em nada resultou , a não ser em dar força a
Eugênio IV , que pôde voltar a Rom a em setembro de 1443. Então
Leon acabou os quatro livros de seu tratado Della fam iglia, em que ,
entre outras coisas, defendia a língua "vulgar" contr a os ataques
dos humanistas. Além disso, or ganizou um concurso de poesia em
italiano sobre o tema da amizade , e ele mesmo compôs os primeiros
hexâmetros nessa língua. Isso não o impedia de considerar o latim
mais apropriado à expressão das reflexões mais graves.
O ano de 1447 foi importante para Leon: na ocasião, um dos seus
amigos tornou-se papa , o human ista Nicolau V que, apesar do nasci-
mento irregular de Leon Batti sta, conferiu-lhe um benefício de cône-
go florentino. Pôde desde então consagrar-se a suas atividades arqu i-
teturais: sua Descriptio urbis R oma e é antes de tudo um plano de
ação , e, com efeito , foi ele quem dirigiu os trabalhos de restauração
do aqueduto do Acqu a Vergin e, da ponte Molle e da basílica de
São Pedro. Quando Prospero Colonna encarregou-o de extrair do
lago de Nemi um navio afundado , Leon procedeu pela primeira vez
a essa experiência , com meios mecânicos tão exatamente calculado s
quanto consideráveis; isso inspirou -lhe o opúsculo Navis, hoje perdi-
do . Preocupava-se com as questões matemáticas, como demonstram
seus Ludi matematici, em que são resolvidos vários problem as, como
os colocados pelo nivelamento do solo , e o cálculo da velocidade
de deslocamento de um móvel no ar e na água.
Em 1450, concluiu sua obra essencial, digna de Vitrúvio , a De
re aedificatoria , escrita em dez livros que tratavam tanto dos trabalhos
dos engenheiros modernos quanto dos ensinamento s dos antigos e
proclamavam a eminente dignidade do arqu iteto, artista e não apenas
construtor. Essa obra teve uma repercussão consider ável. Passando
à ação, aumentou a igreja San Francesco de Rimini , a pedido de
Sigismond Pandolfo Malate sta - depois, sob o papa Pio II, erigiu
a igreja San Sebastiano de Mântua com planta em cruz grega. A
pedido do rico banqueiro Giovanni Ruccellai, edificou o palácio e
162 O UTONO DA IDAD E M ÉD IA

a loggia Ru ccellai , a cape la do Santo Sepulcro , e co ncluiu a fachada


da igreja Sant a Mar ia Novella em Flor en ça. Desenhou as plant as
da basílica San Andre a de M ântua, em cru z latin a ; L. Fan celli exec u-
taria essa o bra notável e gra ndiosa .
Leon Battista dividiu seus últ imos anos entre a tarefa de arquiteto ,
pesquisas científicas (no campo da ó ptica , em parti cular ) e med ita-
ções filosófic as . Mor reu em R oma no dia 25 de abril de 1472 .

Por essa época, Leo nar do da Vinci (338 , 340 . 342) chegava aos
vinte ano s. Ta mbém era filho natural: se u pai , o notár io Piero da
Vinci (Vinci era um povoad o próximo de Floren ça) colocou-o -
e Leonardo irá se lemb ra r disso ! - num a espéc ie de o rfa na to . A
proteção dos Medi ei permitiu-lh e felizmente estuda r pintura na esco -
la de Andrea deI Ve rocc hio , co m Sandro Botticelli . Seu s pro gressos
sur preende ntes são ates ta dos por um a pequen a pred el a da Anun-
ciação , co nservada PO Mu seu do Lou vre . Entretanto as partidas de
Verocchio , de Botticelli e de Perugino deixavam-no desampar ad o.
suje ito a um a sensação de isolamento . Essa é a razão pela qu al.
em 1482 ou 1483, e nviado talv ez por Lorenzo , o Magn ífico , Leonardo
seguiu para Milão , onde se apresentou a Ludovico, o Mouro . Como
esse Sforza e ra um príncipe guerreiro, foi co mo enge nhe iro que D a
Vin ci lhe foi recomendado . O fato de ocupa r tal fun ção não o impediu
de cont ribuir para a construção das cated rais de Milão e de Pavia. de
decorar o Castelo de Milão , de pin tar os ret ratos do Mouro e de
sua corte , assim co mo a Ceia (na igrej a Sant a Maria delle Grazie ) ,
de real izar uma gigantes ca maquet e de cavalo par a o túmulo de Fr an-
cesco Sforza, de org anizar vári as festa s da corte e de se dedicar a
pesqui sas anatô micas .
E m 1499, aproveita ndo-se de uma ausê ncia do Mouro , os milane-
ses abrira m suas portas ao rei de Fr ança Lu ís XII, e esse período
central da vida de Leon ar do foi su bstit uído por um a exis tê ncia er ra n-
te entre Ferrar a , Flor e nca , Ve neza, Milão, Mân tu a e R om a ... Em
1502-1503, colocou suas ~tividades de engenhe iro a serviço de César
Borgia e de seus empree ndime ntos militar es na It ália central. Foi
então qu e travou rela ções com Maquiavel. Trabalhou para tornar
o Arno navegável até Flore nça . Por fim , as promessas do rei Fran-
cisco I atra íram-no par a a Fra nça . Ve io a morrer na casa de Lu ísa
de Sav óia , mãe de Fr an cisco 1, perto de A rnbo ise, no castelo de
Clo s-Luc é, e m 2 de maio de 1519.
A amplidão de sua o bra ainda é mal co nheci da, e a auto ria de
vários dos quadros atribuídos a ele aind a é discutível. A parte mais
segura de sua obra são os extrao rdiná rios desenhos, legados por ele
com se us pap éis a se u alun o Francesco Melzi, e que . tomad os pelas
RUM O A UMA NOVA REVOLUÇÃO DO EspíRITO 163

tropas de Bon ap ar te em 1796. nun ca mais fo ra m restituído s. Hoje ,


perten cem ao Institut de France. Aind a existe m o utros desenhos dis-
persos.
O que ressalta dessa obra de uma virtuosidad e espantosa são seus
conhecim entos anatômicos , nutridos por uma pr ática pe ssoal da dis-
secação, e qu e só se rão igualados no século XVII , assim como suas
desco be rtas no es tudo da luz e a representação da ág ua .
São tão comoventes quanto instrutivas as reflexões consagr ad as
por Paul Va léry a Leonardo da Vinci - um cri ador referi ndo-se
a um o utro criador (351) . O qu e mais o impress ionava , e com razão ,
na minh a o pinião era a capacidad e qu e Leonardo tinh a de pa ssar
de um gênero para outro , com a mesma mestria , o qu e não ocorre
para a mai oria do s homens. Duas citações far ão co mpree nde r bem
esse as pe cto:
"Ele desce na pro fundeza do que é comum a todas as pessoas ,
afas ta -se e o lha -se. A tinge os hábi tos e as es tru turas naturais, tr ab a-
lha-as por toda parte , e aco ntecendo-lhe de ser o único qu e con strói ,
e nume ra, agita . Ergue igrej as, for talezas ; obtém eleme ntos cheios
de sua vida de e de grandeza , mil enge nhos , e as figurações rigorosas
de muita pesquisa .. ."
" O seg re do - tan to de Leon ardo qu anto de Bonaparte , com o
ta mbé m daquel e qu e possui a mais alt a int eligência - está e não
pod e deixar de estar nas rel ações qu e encont ra ra m - qu e fora m
força dos a e nco ntrar - entre coisas cuja lei de continuidade esca-
pa-nos. "
Suas obras imp õem- se pelo " rigo r ob stinado " (marca de Leonar-
do) com qu e são concebidas :
" No fund o de A Santa Ceia há tr ês ja nelas . A do meio , que se
abre atrás de Je sus. diferencia-se das o utras por uma corn ija em
arco de círcul o . Prolon gando-se essa curva , obtém-se um a circunfe-
rê ncia em cu jo centro enco ntra -se Cri sto. Todas as grandes linh as
do afresco confluem para esse ponto. A simetria do conjunto é rel a-
tiva a esse centro e à longa linh a da mesa de ágape . O mistério ,
se há algum , é o de sa be r como julgamos misteriosas tais combina-
ções; e esse , receio, pode ser esclare cido. "
D a Vin ci realizo u ape nas uma ínfim a parte do qu e co ncebe u .
Abandon ou , insatisfeito , os esboços de obras qu e a tantos outros teriam
parecido admiráveis. E quantas outras concepções não saíra m de seu
espírito ! Há nele um dram a , que não contribuiu menos para sua lend a
do que sua real mestri a - descob erto muit os séculos mai s tar de .

Tanto Alberti com o D a Vinci foram homens excepcionais . Aqui ,


o qu e no s inte ressa espec ialme nte são suas ligações com a eco nomia
164 OUTONO DA IDA D E M ÉD IA

- O prim eiro , por suas relações com sua própri a família assim com o
com Giovanni Ru ccellai : o segundo . por sua atividade de engenheiro .
Neles combinam-se a ciência. a arte e o pensa mento . São gênios
univer sais - e não con vém fazer mos generalizações a partir deles.
En tret ant o , participam de um movimento conjunto. ao qual é preciso
correlacion ar as inovações enume rad as nos capítulos preced entes,
e qu e ago ra tenta remos analisar.
Um mod elo mu ito mais corre nte nos é fornec ido pelos hom en s
de negócios da Itália , já bem mais numerosos. Qu an tos? O saudoso
Yves Ren ou ard pelo me nos sugeriu ordens de gra ndeza: " As listas
dos sócios e corretores das compa nhias dos Bardi e dos Peruzzi atua l-
ment e conhecidos referentes aos anos 1310-1345 compree nde m, a
prim eira 346, a segunda 142 nom es; e o pessoal da companhia dos
Acciaiuoli também devia ser muito num eroso ." E , mais adiante: " Os
dados num éricos qu e nos restam referent es a Florença e a Veneza
perm item estima r seu núm ero , nessas duas cidades, em 2% da popu-
lação. Juntand o tod os os membros da família, mulheres. crian ças,
velhos , qu e participam da mesma ética, chega-se a um número equi-
valente a 5 e até a 10% da população tot al. " Se considerarmos as
quatro grandes cidades . Florença e Gênova. Milão e Veneza . cada
uma com aproximada mente 100.000 habitant es, isso representa entre
30.000 e 40.000 pessoas.
" O ra , essa minoria é a part e essencial da popul ação urbana: são
os homens de negócios que, ao suscita rem para seu com ércio o desen -
volvimento da indústria, fazem das cida des onde residem grandes
aglome rações; são eles que exercem o poder político e têm a prep on-
der ância econômica. Tamb ém sua maneira de pen sar, de viver e
de agir tend e a se to rnar, pelo própri o fato de sua preemin ência
socia l, um dos eleme ntos dessa civilização ur bana qu e eles, mais
do qu e ninguém , contr ibuíram para form ar , e na qu al as cidades
têm um papel cada vez mais importante. " (71)
Assim, ao ana lisarmos as maneiras de sentir e de pensar desses
homens, que tanto se encontravam em Rom a , em tantas outras
cidades italianas, como tamb ém em Avignon , Montpellier. Barce-
lona , Par is, Bru ges e Londres, ... poder emos chegar a conclusões
de alcance mais geral.
Esses hom en s de negócios tinham-se sede nta rizado . Não que tives-
sem renunciado a viaj ar quando havia oportunidad e: diri giam-se fre-
qüentement e aos principais lugares de sua ativida de , onde mant i-
nham sucursais ou escritórios comerciai s. Residiam ali por longo tem-
po . dirigindo seus pequ enos "i mpé rios" . como se fosse do centro .
Mas em todos os lugare s utilizavam os mesmos métodos: eram ho-
men s de escritó rio . que mantinham uma correspondência abunda nte.
RUMOA UMA NOVA REVOLUÇÃO DO ESPÍRITO 165

anotando os acontecimentos que lhes pareciam mais significativos.


Tudo isso, tão normal e comum para as pessoas mais velhas do nosso
tempo (pois, com o declínio do século XX, já se anunciam novos
métodos), então era novo . Florence Edler falou de uma " revolução
comercial" dos anos 1275-1325. O transporte separou-se do comér-
cio. Homens e mercadorias viajam separados uns dos outros (271).
Por mais numerosas e variadas que sejam suas viagens - e seu
conhecimento do mundo com certeza não parou de crescer e de se
aprofundar - continuam muito ligados à sua cidade de origem. Ge-
noveses, florentinos, milaneses ou venezianos agrupam-se nas cida-
des estrangeiras em "nações", que têm uma vida autónoma, adminis-
tram-se, julgam-se, participam das mesmas festas e emoções coleti-
vasoSão ao mesmo tempo universais e fortemente enraizados.
Seu modo de vida e sua atividade supõem uma instrução adquirida
nas escolas e no trabalho. Assinalamos anteriormente os casos de
Alberti e de Da Vinci. Mas outras centenas de exemplos poderiam
ser citadas. Os séculos XIV e XV viram desenvolver-se entre esses
homens da cidade, tanto por prazer como por necessidade, o gosto
pelos estudos. Para satisfazer a tal fato , foram abertas escolas em
número sempre maior" cada vez mais separadas da Igreja e com
programas mais adequados. Também foram redigidos manuais -
entre os quais, os de Pegolotti e de Uzzano são apenas exemplos
notáveis - com cujo auxílio completavam sua formação enquanto
trabalhavam com seus pais e parentes.
De que maneira sua visão do mundo e das coisas não teria evoluí-
do? Sua curiosidade despertara, estavam sempre à espreita de um
possível aperfeiçoamento, e podemos observar mais de um efeito
dessa atenção ativa, graças à qual a economia se desenvolveu . Passam
a apreciar as notícias, que hoje as mídias oferecem em tão grande
número , mas que então eram fornecidas pelos corretores: o que esta-
ria acontecendo no seio de tal família governante? Haveria uma guer-
ra em preparação? Poder-se-iam prever mudanças monetárias? Agi-
tações sociais? Apressavam-se em perguntar-lhes e não hesitavam
em especular de acordo com as informações trazidas por eles. No
fim do século XIV, Paolo di messer Pace da Certaldo explica cinica-
mente a necessidade desse sistema a propósito das correspondências
agrupadas (330):
"Se você pratica o comércio e se, às cartas que lhe são destinadas,
são juntadas, quando você as recebe, cartas destinadas a outra pes-
soa, tenha sempre presente no espírito ler em primeiro lugar suas
cartas antes de enviar as do próximo . E se suas cartas contêm conse-
lhos de compra ou de venda que devem proporcionar-lhe lucro, con-
voque logo o corretor e faça o que lhe aconselham as cartas, e só
166 OU TON O DA IDADE M ÉDIA

depois envie as cartas que vier am junto com as suas. Mas nunca
as envie sem que antes tenha feito os seu s negócios , pois essas cartas
poderiam conter indicações qu e criariam empecilhos para seus negó-
cios, e o serviço que você teria pr estado a um amigo, a um vizinho
ou a um estranho , ao entregar-lhe suas cartas seria em seu grande
detrimento : ora, você não deve se rvir ao próximo para se prejudicar
em seus próprios negócios. "
Gostavam da s representaçõe s exat as. Sabiam fazer cálculos, com
a ajuda do ábaco , ma s também do seu cérebro ; e os cálculos que
nos proporcionam tão gene ros ame nte os escritos daquela época
eram , ao menos na s regiões de senvolvidas , de uma exatidão sur-
preendente . Falavam várias línguas estrangeiras. Gostavam de ter
um a idéia tão ju st a quanto po ssível tanto do tempo como do esp aço .
Não se satisfaziam ma is com as medidas tradicionais do tempo nem
com o fato de que o ano começasse em datas diferentes conforme
os lugares, sendo Natal, Anunciação ou Páscoa, que além de tudo
é uma festa móvel , todas inspiradas no cômputo eclesiástico , ou de
que as horas fossem mais curtas no verão do que no inverno , segundo
o costume herdado do s romanos. Como o sábio já o fazia mu ito
antes , passaram a se basear num siste ma de horas iguais , qu e os
relógios públicos - mai s numerosos precisamente a partir do século
XIV - ajudavam a contar, poi s a necessidade po ssibilitara sua cria-
ção. Eram apaixonados por uma representação exata do espaço , con-
forme as leis cada vez mais conhecidas da perspectiva; do homem ,
com a diversidade de suas feiçõe s, a cor de sua pel e , a an atomia
exata de seu corpo; e , finalmente , do mundo , graças a uma cart o-
grafia , para cujo progresso contribuíram mu ito os catalões.
Em todas essas manifestações surgiu e desenvolveu- se um ind ivi-
dualismo que devemos reconhecer como a principal característica
desses homens. Sua ética era, sem dúvida , " capitalista" (338) : trata-
va-se , para eles , de " e ncontrar os meio s ma is eficaz es de obter riqu e-
zas e de utilizá-las segundo um princípio de usufruto ind ividu alista " .
Contudo , viviam no seio de um mundo cristão, cujos pr incíp ios era m
outros.

Reflexões e angústias

Tratemos agora do mundo da s paixões, dos sentimentos e da s cons-


ciências . Os homens e as mulheres do s séculos XIV e XV foram
testemunhas de catástrofes tão terríveis - " como nunca se tinham
sido visto de sde o com eço do mundo", escreveram eles mu itas veze s
- , viveram também os problemas que suscitavam em suas consciên-
RUMOA UMA NOVA REVOLUÇÃO DO EspíRITO 167

cias, ainda ligad as às proibições tradic ionais, tantas novidades espan-


tosa s que , sem dúvida, provocaram neles, de mod o infinitamente
diverso, deb ates, reflexões, preocupações e angústias. É o moment o
de também evoca rmos esse aspecto.
A mor te. Esse es pe t áculo , familiar ao homem - seria preciso
dizer: infelizmente? - , torn ou-se lancinant e por ocasião das gra ndes
epidem ias, cuja multiplicação já foi anter iormente citada. Aqueles
que as viver am não pude ram deixar de ficar profundamente tran stor-
nados . Á evo lução do túmul o é um testemunho surpree nde nte desse
sentimento . As estát uas jace ntes do século XIII são apenas re tratos
indiferentes; a mort e não surge ali na decrep itud e final da existência
terrestre, mas na eterna juventude que a ete rnidade lhe confere .
Os pés repousam sobre o cão, símbolo da fidelidade. As mãos estão
juntas . Há um ar sorriden te e distante no rosto. Como são diferent es
os túmulos do século XV! Tomaremo s apenas dois exemplos - pois
precisamos nos limitar (345).
O primeiro é o túmul o do cardea l Lagrange em A vignon . Jean
de Lagra nge . bispo de Amiens, to rno u-se cardeal. Fazia pa rte do
grupo de cardeais que não foram esperados para se proced er à elei-
ção , fato que dever ia provocar o Grande Cisma do Ocident e. Como
era um homem de confiança do rei Carlos V de Fra nça, sua primeira
atitude foi ap rese ntar suas censuras ao novo pap a (1378). Morreu
em 1402. de pois de te r representado um eminente pa pel na história
do Cisma. Era, por tanto . um homem muito pod ero so , porém man-
dou que repr esen tassem seu cadáver _. de modo terri velmente vero s-
símil - nu , as coste las salientes , já devo rado pelos vermes . Qu e
lição de hum ildade ! Diant e da mor te , todos os homens são iguais.
Qu anta difer ença há no túmulo que o eminente escultor Antoine
Le Moiturier const ruiu em 1493 para Philippe Pot, grande senescal
de Borgonh a . Certamente não constitu ía a prim eira manifestação
de todo um pro gram a já estabelecido, mas supera tod as as outras
em perfeição técnica e em sere na gran deza. Para descrevê-lo , tomo
de empréstimo as palavr as do gra nde historiador da arte que foi
Émile Mâle: "As estátuas da desolação , erigidas em esta tura hum a-
na, to rna ram-se carregado res fúneb res e têm nos ombros a laje de
pedra onde repousa o senescal de Borgonh a, vestido com sua arma-
dura. São oito antepassados, todos de família nobre , pois cada um
deles carrega um escudo que indica uma aliança. Caminha m com
gravidade , ato rme ntados por essa mor te que lhes pesa sobre os om-
bros, mas que parece pesar ainda mais em seus corações. Nada mais
real , mais sólido que esses oito cavaleiros, maciços como pilares ro-
man os, e também nada mais misterioso . Essas gra ndes figuras veladas
de negro são assustadoras como apa rições noturnas. Segurame nte ,
168 OUTON O DA IDAD E M ÉDIA

não são deste mundo . Enviadas pela morte , mostram-se um instante ,


mas logo irão se desvanecer e voltar ao país das Sombras ."
Em dois séculos, que grande evolução , a qual me limitei a alinha-
var! E certamente apenas os poderosos nos deixaram sua s imagens.
Pod emos imagina r qu e , de maneira mais obscura , de modo mais
rude, a legião de homens e de mulheres viveu semelhante transfor-
mação?
Outra testemunha dos sentimentos experimentados diante da mor-
te : o testam ento. Pode-se discutir sobre o que ele representa exata-
mente : a norma da época ou as reações do indivíduo . Estabeleci,
pen so eu , o que toca às duas . De qualquer modo , ambas nos interes-
sam aqui. Em 1952, apresentei, com relação a Toulouse , a evolução
desse documento , encontrado em todos os lugar es, com algumas
nuanças cro nológicas (99) . No século XIII, o testador enumera, sem
nenhum preâmbulo , um certo número de legados piedosos e, em
seguid a , legados para parentes e amigos ; institui um herdeiro uni-
vers al e os executores testam ent ário s, e toma diversas providências
em sua inten ção . A partir de meados do século XIV , o testamento
torna-se mais longo . O pre âmbulo aind a é curto: obrigação de testar,
exemplo dado por Cr isto . Após persignar-se e ter recomendado sua
alma a Deus e aos santos, o testador escolhe o lugar da sepultura .
Os legados piedosos multiplicam-se : para o clero de sua paróquia,
para a lâmpada de um altar e para a obra da igreja (isto é, para
a manutenção do imóvel), para as luminárias das igrejas paroquiais
da cidade , para hospitais e leprosários , para reclusos e reclusas, para
as obras das pontes , para as Ordens mendicantes , para diversas con-
frarias. O testador toma providências para os funerai s, em que um a
refeição será oferecida aos pobres. Seguem-se as substituições de
herdeiros, que se tornam indispensáveis devido ao grande número
de falecimentos provocados pelas epidemias.
No século XV, o testamento atinge toda a sua plenitude . Tomemos
como exemplo o do cambista Jacques de Saint-Antonin , que o ditou
em 27 de agosto de 1433, véspera de sua morte . Cito a mim mesmo
(ou qua se) :
" E le quer ser ente rrado no convento dos Irm ãos Prêcheurs ; oito
Irmãos conduzirão seu corpo, vestido com o hábito da Ordem. Mas
quantas precisões! No dia dos funerais, haverá doze círios, pesando
cada um duas libras de cera, assim como as velas necessárias; uma
missa cantada será dita no convento por um Irmão, assistido por
um diácono e por um subdiácono . Será seguida das litanias dos exau -
dis , e acompanhada de cem missas rezadas de requiem , no mesmo
dia . No dia seguinte , outra missa cantada , também seguida dos ex au-
dis , com seis círios de duas libras de cera . No menor prazo, três
RUMOA UMA NOVA REVOLUÇÃO DO ESPÍRITO 169

anos no máximo, 600 missas rezadas, das quais 150 no convento


dos Irmãos Prêcheurs , 150 no dos Menores, 150 no dos Agostinianos,
100 no dos Carmelitas, 50 numa igreja (a Daurade). No aniversário,
nova missa cantada com seis círios, novas litanias, e além disso 100
missas rezadas no convento dos Irmãos Pr êcheurs."
Os legados piedosos são mais ou menos da mesma natureza que
antes. Mas como não se impressionar com essa extraordinária mobili-
zação de homens e de dinheiro em proveito de uma certa ostentação?
Essa evolução do testamento é um fato europeu. Prova disso é ,
entre outros, o ato lavrado em Paris ; em 24 de fevereiro de 1413,
por um dos maiores mercadores do continente ; Dino Rapondi (7) .
Nascido em Lucca, de uma família que seguimos a partir do final
do século XIII, e que conhecemos mal, torna-se, em 1370, diretor
da companhia, que possuía sucursais em Veneza, nas ilhas do Le-
vante em Avignon, Paris, Bruges, Antuérpia (já). Além do comércio
de sedas, especialidade de Lucca, praticava o banco . Rapondi, muitas
vezes, fixava residência em Bruges. Era, aliás, fornecedor, credor
e conselheiro dos duques de Borgonha - Filipe, o Audaz, e João
Sem Medo. Seu grande golpe foi o pagamento do resgate deste último
aprisionado em Nicopólis em 1396. O sultão pedia 200.000 florins.
Dino dirigiu-se a Veneza, fez a transferência da quantia através de
letras de câmbio sacadas sobre mercadores italianos no Levante . Ele
mesmo garantia-se através das letras sacadas sobre Paris e Bruges.
Por fim os mercadores foram reembolsados pela coleta de impostos
dos súditos do duque de Borgonha.
Esse é o homem que , em 24 de fevereiro de 1413, diante de dois
notários do Châtelet de Paris, ditou esse verdadeiro monumento (li-
geiramente modernizado):
" E , em primeiro lugar, como bom e verdadeiro cristão e católico.
reconhecendo com devoção seu doce Criador, Redentor e Salvador.
ele recomendou muito humildemente sua alma. quando do corpo
for embora, à bem -aventurada Santa Trindade , à bem-aventurada
gloriosa Virgem Maria, a São Miguel Arcanjo. a São João Batista.
São João Evangelista. São Pedro e São Paulo , à Santa Catarina.
e a toda a bem-aventurada corte e companhia do Paraíso. e seu corpo
à sepultura da Santa Igreja, cuja sepultura ele designa a capela de
Santa Ana na igreja dos Agostinianos em Paris. em hábito de um
desses Irmãos religiosos; e no caso em que passasse para melhor
vida na cidade de Bruges, gostaria de ser enterrado na capela de
Saint-Voult-de-Lucques, na igreja dos Agost inianos na dita cidade ."
O Voult é o Santo Sudário, a Santa Face. o rosto de Cristo impresso
no pano que lhe estendeu Santa Ver ónica durante Sua caminhada
ao Calvário. Lucca acreditava possuir esse pano. que estava guardado
170 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

na catedral e era mostrado três vezes ao ano. Portanto , um culto


particularmente vivo em Lucca .
Logo em seguida revela-se o homem de negócios . Com uma preci-
são bastante comercial , ele pede que , " antes de todas as outras coi-
sas" , fossem pagas suas dívidas e reparados os seus erros. No entanto ,
seriam necessárias par a isso " provas claras e evidentes" .
Ele próprio ocupa-se pouco de seus funera is. Deposita confiança
em seus executores testamentários; sabe que farão bem as coisas.
Por outro lado sabe. por circular muito , que deverá levar em conta
as possibilidades locais. De todo modo , ordena que sejam celebradas
trint a missas de São Gregório em Paris , assim como mil missas
de finado s, " para a salvação e restabelecimento de sua alma e dos
bem-aventurados que passaram para outra vida melhor. Lega tam-
bém a quantia necessária para a manut enção da capela de São Rieule
(certamente São R êgle , bispo de Ar les e de Senlis, mártir do século
III), fundada por seu pai perto de Lucca para que se possam celebrar
missas ali " pela alma de seu finado pai, de sua falecida mãe, e de
seus irmãos e irmãs e outros amigos" . Peregri naçõe s completam esse
quadro: era costume fazer o percurso a cavalo desde Paris, e são
previstas três , que levarão os viajantes a Compostela, Roma e Jerusa-
lém - quantas graças em perspectiva!
Não me estenderei evidentemente sobre os legados piedosos, ape -
sar de numerosos e importantes, localizados sobretudo em Paris e
Lucca. Seus montantes são calculados pelo velho sistema de nume-
ração , sem dúvida de origem gaulesa, com unidades de vinte : quatre -
vingts (80), mas também huit vingts (160), e dou ze vingts (240). Úni-
cas exceções , mas notáveis , nessa distribuição e que dependem do
caráter individual do ato: as confrarias , os leprosos (porém a lepra
está em vias de ressorção) , as beguinas (em Flandres, entretanto...).
Por uma tran sição imperceptível. passa-se aos legados familiais e
pessoais sobre os quais também não entrarei em detalhes. Dino Ra -
pondi morreria pouco depois, em Bruges. em 1 ~ de fevereiro de 1416.
Tudo isso. certa mente. custa caro. Temos aí um aspecto econ ôrnico
dessa piedad e testament ária. Os legados piedosos e caritativos de
Dino Rapondi chegam a 1.643 libras e 4 soldos parisis (ou seja , mais
de 2.000 libras torn esas) ; prevê atribuir a seus parentes 26.320 libras
parisis* (cerca de 33.000 libras tomesas ), mais seus bens de Bruges
e de Flandr es; mas não indica o que restará para seus três irmãos
que (na falta de esposa) são instituídos. cada um com um terço ,

• Moed a cunhada em Paris. que valia um qu art o a mais do 'l ue a moed a cunh ad a
e m To urs. Daí libr a par isis e libra torn esa. (N.T .)
R UM O A UM A NO VA R EV OL UÇÃ O DO ES PÍR ITO 171

como seus "verdadeiros e leais herde iro s" . Adivinha-se uma fortuna
co nside ráv el. Mas a retirad a é muito fort e . E é um fato geral , qu e
freia a acumulação dos capi tais. Nesse mundo que comprovad amente
se tornara capitalista so b mu itos pon tos de vist a , sob ra uma gr ande
forç a oposta ao cap italismo . a re ligião .
Sem dúvida, depois de Philippe Ari ês. a histó ria da morte pr eocu -
pou muito os nosso s escritores. Há trinta anos, inspira muitas obras
de primeira ordem . Num domínio vizinho , ainda está por se r escrita
um a história do suicídio . Por mu ito tempo acre dite i qu e na Idade
Média não hou vesse suicídios - salvo em caso de loucura - , porque
era m séculos cristãos, e a rel igião cristã proíbe o suicídio . Não esto u
mais tão seg uro ago ra. como o leit or ter á ob servad o.
Na verdade . é a histór ia de to das as paixões , de tod os os senti-
mentos hum anos que dever ia se r abo rda da. Mu itos desses se ntime n-
tos dissimulam- se por tr ás da seca demografia! A história do nasci-
mento e da s festas qu e o marc am . A história do casamento e de
se us ritos. A históri a da família .. . Todas distintas e todas ligadas.
Ligadas também à história econ ómica, uma vez qu e é ela que con s-
titui nossa matéria.
Um outro grave problema moral é o da usura e do capitalismo .
A igreja impunha, como vimo s, uma moral tradicional , qu e rev ela va
um estado de espírito. Eis que os tempos novos traziam prátic as
e pr eocupações que lhe pareci am muito estranhas, senão contrárias .
Desse conflito , nenhum te stemunho é mai s revelador talvez do que
a correspondência dirigida a Fr ancesco Datini , de Prato , um dos
cap ital istas que melhor se conhece de ssa época, por seu notário ,
Ser Lapo Mazei , sinceramente cristão e tradicionalista . Segue a tra-
dução do que Mazei escreveu-lhe em 24 de junho de 1391 (341):
"Já soube através de suas cartas, de suas atribulações e dos impedi-
mentos que lhe causam as coisas de ste mundo; mas, agora que as
vi com meus próprios olho s, sei que são bem maiores do que e u
pensava. Quando pen so nas pr eocupações que lhe causam a casa
que o senhor constrói , seus armazé ns nos países afastados, se us ban -
qu et es e suas contas, e mu itos outros ne gócio s, parecem-me bem
supe riores ao que é ne cessário, e compreendo qu e o senho r não
possa subtrair um a hora ao mundo e a suas arma dilha s. Entre tanto,
Deus conced eu -lhe um a abundân cia de ben s materiais e deu-lhe mil
avisos a fim de despertá-lo . Ei-Io com a idade de quase sesse nta
anos e livre de pr eocupaçõe s com filho s - irá entã o agua dar até
seu leito de morte, qu ando o ferrolho da porta da morte será levan-
tado, para mudar seu s sentimentos? .
" E m suma, queri a qu e o senhor terminas se muitos de se us negócios
qu e , diz o senhor, estão em ordem, que parasse de construir e ainda
172 OUTONO DA IDADE MÉDIA

que distribuísse uma parte de suas riquezas em caridades por suas


próprias mãos, e que apreciasse essas riquezas em seu justo valor,
isto é, que as possuísse como se não fossem suas.. . Não lhe peço
que se torne um padre ou um monge, mas digo-lhe para pôr ordem
em sua vida."
Dezesseis anos mais tarde , em 1407 , quando Francesco Datini esta-
va velho (mais de setenta e cinco anos), próximo da morte (que
aconteceria em 1410), Ser Lapo Mazei escreveu a Margherita, esposa
de Francesco :
"Diga a Francesco que zombarias experimentaria um homem que,
já em alto mar com seus navios, e com o vento soprando em suas
velas, não se dirigisse para algum porto. Nosso porto é Deus . Ele
nos fez; Ele nos chama: Ele devolve nossas dádivas centuplicada-
mente ... Todo homem é mal, avaro, orgulhoso, sem fé, egoísta, inve-
joso; e se demonstra algum amor, o faz como um mercador: 'O se-
nhor me fez um bem, e eu o retribuo.' Mas suplique a seu marido,
que é seu amo, que não se iguale a tais pessoas . Faça com que ponha
fim, se pode, a seus atos vis e profanos; tudo é possível em Deus.
Que ele utilize o pouco de tempo que nos é deixado no final para
Deus; esforcemo-nos pelo menos em morrer em paz. Pois seria tarde
demais para montar a cavalo quando a corrida já chegou ao fim."
Vê-se que tinha sido vão o pedido do amigo!
Temos muitas provas de que esse conflito não foi o único. Assim
como, outrora, os trovadores que cantavam o amor humano, extra-
conjugal, proibido - como Bernard de Ventadour, talvez o maior
de todos - tinham-se fechado no claustro no fim de seus dias, ou
tinham - como Foulques de Marseil1e, que se tornou cisterciense
e depois bispo de Toulouse - batido com vigor no peito dos outros
(pelo que foi muito censurado!), do mesmo modo, homens de negó-
cios, um Fra Santi Ruccel1ai (1437-1497) tinha sido, durante muito
tempo, banqueiro em Florença antes de se tornar dominicano na
velhice e escrever um tratado de contabilidade, a meio caminho entre
a moral cristã e as práticas capitalistas . Quem seria capaz de dizer
os motivos que o levaram a vestir o traje branco?
Surge então - ou desenvolve-se - um contraste entre duas atitu-
des morais e religiosas (337). Uma é a atitude tradicional. Para a
imensa massa de fiéis, a vida religiosa define-se a partir de determi-
nadas atividades exteriores, que são sobretudo relacionadas com as
práticas do culto, com a penitência, com as boas ações , que se resu-
miam amiúde à esmola, e os legados , que os testamentos enumeram
tão complacentemente, constituem apenas sua última forma . Uma
outra - que será tão ardorosamente discutida - é a indulgência :
nunca se cogitou em obter pela indulgência o perdão do pecado.
RUMO A UMA NOVA REVOLUÇÃO DO ESPÍRITO 173

É só uma satisfação concedida pelo papa " àqueles que estão contritos
e confessados" . Mas as instituições têm seu peso , e um verdadeiro
tráfico de indulgências desenvolveu-se . Esses homens são insensíveis
ao escândalo de uma sociedade tão correntemente refratária ao Evan-
gelho , ligada a costumes propriamente pagãos - prostituição, escra-
vagismo , imoralidade conjugal-e crêem que observâncias , seguidas
corretamente , conforme o direito , bastavam para garantir a salvação.
Entendem as coisas da religião com um valor absoluto, o mesmo
para todo s, qualquer que seja o compo rtamento pessoal.

" Em nossa época há múltiplos indícios dessa mentalidade: inscre-


vemo-nos numa terceira ordem , não porque nos sintamos chamados
por Deus, mas porque , em si mesma, a vida religiosa é mais perfeita
que a vida laica e o porte de um costume busca como de maneira
sacramental as graças ; .. . legamos em nossos testamentos grandes
quantias para mandar dizer missas porque o fruto dessas missas adi-
ciona-se, e porque elas valem não pelo fervor daquele que as assiste,
mas simplesmente pelo cumprimento exato dos ritos; fazemos dizer
preces por outros em nosso nome, porque o importante é cumprir
corretamente certas formalidades jurídicas e litúrgicas; damos um
ex-voto de cera de nosso peso porque ele assegura uma presença
que não necessita ser a da atenção e do amor, mas só de um objeto
figurativo . Nos sacramentos o engajamento pessoal conta menos do
que a observação pontual da lei; na confissão , por exemplo , a contri-
ção conta menos do que a satisfação. Compreende-se nessa menta-
lidade o sucesso das indulgências ; o cristão desta época está prepa-
rado para admitir a idéia de um tesouro de méritos, no sentido mais
objetivo que seja." (Ét. Delaruelle) .
" Essa religião é , portanto , uma religião das observâncias e das
obras ." Cristina de Pisano quer exaltar a piedade do rei Carlos V
de França e enumera a exatidão de suas práticas.
Os homens de negócios participam dessa ética.
" Reúnem-se às vezes nos lugares santos ; foi na casa dos Irmãos
Prêcheurs de Siena que a companhia dos Bonsignori foi fundada
em 1289, renovada nessa data . E os contratos de sociedade começam
geralmente com uma invocação, como o da companhia dos Tolomei
de Siena em 1321: 'Em nome de Deus e da Virgem Maria ; que nos
possam dar e conceder os meios para praticar ações que revertam
em seu louvor e em sua glória, em nossa honra e em nosso proveito
para a alma e para o corpo. Amém .. .' Esperam de seus negócios
grandes lucros; mas não pensam acumulá-los de maneira egoísta,
quando há tantos pobres e infelizes. Também prevêem, desde a cons-
tituição das companhias, uma atividadc benfeitora destas , que põem
174 OUTONO DA IDAD E M ÉDIA

em nome de Deu s e do s pobres - 'conto di mes ser Domen eddio' ,


dizem os Bardi - uma parte do capita l social, variável conforme
as companhias, em torno de 1% , e a fração do s ganhos referente
a essa parte é de stinada aos pobres. Não existe melhor maneira de
despertar o interesse de D eu s para o sucesso da empresa . Em cada
arma zém é comum haver uma caixa de dinheiro pendurada na pare-
de , de stinad a a e smo las . Todos os homens de ne gócios fazem parte
da s confrari as. É o caso , em Florença , da d'O r San Mich ele , enrique-
cid a por seus don ativos .. ." (Y. R en ou ard , 71) .
O cristão pertence à Igreja. Fora dela não há salvação. Nã o em
de pr ocurar a fé , ele a enco ntra pronta ; não tem de se interr ogar
sobre a E scritura , qu e recebe na Igreja e por se us, cu idados. " A
Igre ja é, em primeiro lugar , a Igreja da auto ridade" (Et. Delaruelle) .
O padre não é um apó stolo; sua tarefa esse ncial é min istrar os sacra-
mentos .
Contra essa atitude dominante multiplica ram- se , a partir do século
XIV pelo menos, os sina is, aliás muito diversos, de uma interiori-
zação e de um a individu alização do se ntime nto religioso . Os partidá-
rios da Devotio mod erna, qu e se expressam amplamente na Imita ção
de Jesus Cristo , obra do renano Thomas a Kempis (depois de 1420,
aproximad amente) , pregaram uma vida int erior, verdadeiramente
dominad a pelo de sejo de imitar Cri sto . Foram fundados hospitais
e col egiadas, são concedidas adesões individua is a confrarias , a or-
den s terc eiras, a gru pos de Amigos de D eu s , qu e tanto podem proce-
der de uma inclinação pessoal como de um conformismo ambiente.
As mulheres representaram um importante papel nessa evolução ,
como Jeanne-Marie de M aillé e Jo an a d'Arc , entre tantas outras .
No enta nt o, são três hom en s que qu ero evocar mais particularmente
(337) .
Em ord em cronológica , devemos com eçar por Leonardo Bruni
(1370-1444): nascido em Arezzo , é , a par tir de 1405, secre tá rio da
chanc elaria pontifical e , a partir de 1427, cha nce le r da república flo-
rentina . Traduto r do s clássicos gregos, é co nheci do sobretudo por
seus doz e livro s da História do povo flo rentino , escritos em latim ,
primeira históri a dessa cidade qu e se baseou num exame críti co da s
fontes. Soci ólogo , pr ati ca um neoguelfi smo , bast an te antiimpe ria-
lista , ligad o à liberdad e que Floren ça , herdeira da Roma republicana ,
deve enco ntrar. R ecu sa-se a se r nom ead o bispo .
Nicolas de Cu es (1401-1464), filho de um mar inh eiro , nascid o nes-
sa' vila da Moselle , obteve um doutorad o de dir e ito em Pádu a, e m
1423. No Con cílio de Basil éia, apresentou o tr at ado De Con cordantia
catho lica (1437) , em que se u es pírito crítico o levava a discutir a
supre mac ia pontifical c a Doação de Con stantino . Re je itav a um a
R UM O A UMA NOVA RE V OL UÇÃ O DO ESPÍR ITO 175

religião incapaz de livre invenção: " O qu e o move é a confi ança


na autoridade. você é com o um cavalo naturalmente livre , mas aça i-
mado pela arte humana , pr eso à sua man jedoura , onde não encontra
outra forragem senão aque la qu e lhe é oferecida ." É inútil acres-
centar qu e. por muit o tempo legad o pon tifical na A lem anha . ele
não pen sa sair da Igreja rom ana tal como ela é . Mas se u grito mais
profundo não terá sido a lembrança de que. acima dos livros dos
hom en s, há "os livros de Deus. os qu e ele escreve u do próprio pu-
nho" . .
Lorenzo Valia (1407-1457. aproximadamente ) nasceu em R oma ,
filho de um advogado. Tornou- se padre em 1431 e durante algum
tempo levou a vida errant e . de uma Un iver sidade pa ra outra .
que. na época, e ra comum a muito s estuda ntes. Tudo tem um fim :
em 1437, Valia tornou-se secre tá rio particular de Alfon so V . o Mag-
nânimo. rei de Aragão e de Náp oles, cidad e onde , gra ças a este
último . ab riu uma escola . Ma is aind a do que por sua vida priv ad a ,
qu e suscito u os mais contraditórios julgam entos. ele mer ece a celebri-
dade por sua s ob ras. A De Voluptate é um diálogo em que são compa-
radas as ét icas estóica, epicurista e crist ã . Naturalmente , Valia é cris-
tão, mas nã o é tanto do estoicismo , pr egado por mu ito s pr edeces-
sores , ma s julgado dem asiado auste ro e orgulhoso , qu anto do ep icu-
rismo que se queixa . Para ele . o epicur ismo é bem diferente da liber-
dade dos " porcos? ". Celebra o " de leite" , de qu e o hom em gozará
um dia em Deus. o da alm a e do corpo simulta nea me nte - ita ut
nulla Venu s nec comparanda sit, nec requ iratur , de tal modo qu e
nenhum amor carnal lhe poder á ser comparado, ne m será necessário.
A De Elegantiis é um a anális e científica - sem dúvida , a melhor
já feita - da gram ática e do estilo latin os.
Ma s Valia ficou célebre prin cipalmente dev ido a seu De falso cre-
dita e em entita Constantini donation e declamati o - " D iscurso sobre
a doação de Constantino con siderada injustam ente aut êntica"
(1440). Ataca de frente essa doação inventad a no século VIII , na
qual o imperador Con stant ino , con vertido ao cristianismo pelo papa
Silvestr e. teri a por reconhecimento legad o par a sempre ao papado ,
não só o poder espiritual sob re os outro s patriarc ados, ma s um a
dominação temporal de Roma , da Itália e das províncias e cidade s
ocid entais. Essa falsificação grosseira tinh a sido conside rada durant e

* Epic uri de grege porcus , exp . lat. signo porco do reb anh o de Epic uro. Frase
com qu e Horácio (E pístolas. 1, 4, 16). por iro nia, classifica a si mesmo, ao critica r
a linguagem dos estóicos , cuj a austeridade excedia o razoáve l ante os princípios da
sua filosofia . Por ca usa de se u pito resco , a expre ssão ficou par a designar qualque r
hom em grosse irame nte sen sual. (G rande Encic lopéd ia Delta Larou sse. 1975) (N .T.)
176 OUTONO DA IDADE MÉDIA

séculos como um documento evidentemente autêntico. A política


pontifical baseara-se em parte nele. sobretudo contra os imperado-
res. Como vimos. na crise aberta pelo Grande Cisma. que resultou
nos Concílios reformadores. dúvidas tinham sido levantadas. Pela
primeira vez. o documento era criticado a fundo e impiedosamente
rejeitado. Tal audácia não podia ficar impune. Valia foi duas vezes
levado ante um tribunal inquisitorial, do qual foi salvo pela interven-
ção de Alfonso V . Em 1447. o novo papa Nicolau V. já citado. iria
acolhê-lo em Roma na qualidade de secretário apostólico: "triunfo
do humanismo sobre a ortodoxia e a tradição" . escreveu-se . De qual-
quer modo . ao cristianismo exterior. fundado no respeito da Igreja
romana enriquecida por Constantino. Valia opunha um cristianismo
pessoal, o mesmo de São Paulo . Parecia-lhe vão querer conhecer
o segredo de Deus pela razão:
" Diria que nem os homens nem os anjos sabem o motivo pelo
qual a divina vontade endurece um no mal e tem piedade do outro .
Ora. se a ignorância desta e de muitas outras coisas nã o diminui
o amor dos anjos por Deus. se eles. mesmo assim. vão a seus minis-
térios e se sua beatitude tampouco diminui. por que essas mesmas
causas nos fariam perder a fé. a esperança e o amor? E enquanto
depositamos nos sábios nossa confiança sem razão. apenas em virtude
de sua autoridade. não a teríamos em relação a Cristo. virtude de
Deus e sabedoria de Deus?"
Ele recomendava um "epicurismo cristão" . que reabilitava o casa-
mento - com a mulher tal como a entrevira Bruni. não mais o ser
faceiro. sensual. da qual zombavam as fábulas satíricas. mas a compa-
nheira capaz de compartilhar as noções e as emoções mais delicadas .
Não nos espantamos se Lutero assim como Erasmo professassem
a maior estima por Valia.
TERCEIRA PARTE

TENTATIVA DE
BALANÇO
12

Esboço da nova Europa

A nova Europa? Ela lembra espantosamente aquela que o tratado


de Verdun de 843 havia delineado , a velha Europa carolíngia que
se lê ainda em nossos dias como a Europa dos anos 1200, 1300 ou
1400- hesitações significativas! Mas a partir do século IX, ela confir-
mou-se e completou-se, seus traço s definiram-se . Nela reina a maior
diversidade , como mostraram tantas páginas precedentes, como mos-
trarão melhor ainda as que se seguem.

o eixo Itália-Países Baixos

Era o eixo da Europa carol íngia-Países Baixos, de que saíra a linha-


gem reinante, Itália de onde tirara tantas inspirações, a começar
pela idéia do Império. É ainda aquele que , ao examinarmos um mapa
econômico da Europa nos séculos XIV e XV , logo localizamos.
A Itália - ou pelo menos sua parte central e setentrional. O Mez-
zogiorno , sob domínio angevino e depois aragonês , já é subdesen-
volvido . A Sicília surge sobretudo como um celeiro de trigo . no qual
os compradores servem-se constantemente, mas com mais insistência
nos anos difíceis. Em direção ao centro, os Estados Pontificais, que
tomavam a península obliquamente de Roma a Rimini , formam o
teatro, bastante an árquico , como vimos , de operações de resgate
das terras arruinadas. E, portanto, especialmente para os Estados
urbanos do Norte que devemos dirigir nossa atenção: eles acabam
de se constituir no século XIV e, freq üentemente , encontram-se en-
volvidos em lutas fronteiriças no século XV .
180 OU TONO DA ID A D E MÉD IA

" A César o qu e é de César " : Flo re nça é um a ca pi ta l econ ómica


e monet ária da Europa (46. 73 , 84). E isso é um fa to no vo : a cida de
esteve durante mu ito tempo atrasada. afasta da da gra nde est rada
Roma-Milão qu e , par a evitar os ataques vindos de Raven a , passava
mai s a O este . por Pisa e Lu cca . Ao menos ela obteve desse isol a-
mento o gos to da inde pe ndê ncia , com o q ua l havia se habituad o .
São se us talentos industriais qu e a tir am do ram errão : a arte com
qu e tingia os melhor es tecidos , os do Oriente e os de Flandres, e
lhe s dava os últimos retoques - a Arte di Calima la. Mas necessitava
ter um porto: em 1171 , por ter ajudad o Pisa a tr iunfar so bre a coliga -
ção Lucca-G ênova , co nse guiu um tr at ad o comercial qu e lhe permitia
utilizar os navios pisan os pagando as mesm as tarifas dos pr óprios
pisan o s, possuir ent re pos tos. etc. No séc ulo XII I. co mpleto u-se essa
asce nsão eco n ôrnica : os flor entin os viajaram lar gam ente , das fei ras
de Ch ampagne ao Oriente Pr óximo ; desen vol ver am sua pr ópria in-
dú stri a de lã . a Arte della La na ; praticar am um a políti ca de emprés -
timos , às vezes imprudente . para os so bera nos e para as cida des;
criaram uma mo ed a de ouro , o florim (1252) - co nte ndo a im agem
de São João Batist a e a flor -de -lis - que log o tornou-se o padrão
mon et ário da Europa . A s conseqüências pol ític as e mil itares seg ui-
ram -se: a criação do condado florentino, país encerrado entre os
Apen ino s e o mar Tirreno , com montanhas che ias de bo squ es. co linas
vulc ân icas, co be rtas de vegetação arb ustiva . vales férte is , e baixas
planícies litorân eas pantan osas. O Arno con stituía sua a rté ria princi-
pal. Englobava de início a diocese de Floren ça . e as dioc eses vizin has
de Fie sole , Pr ato , Pistoia. Arezz o ; co mpleto u-se graças às vitó rias
co nseg uidas depoi s de lon gas lut as. co nt ra Pisa (1406) , Lu cca e fina l-
mente Siena (1455) .
É em 1338 qu e se sit ua a fam o sa de scri ção deix ad a de Floren ça
por G iovanni Vill an i (90) - es pécie de es ta tística , ela própria teste-
munho de um espírito novo. Flor ença teri a en tão 90. 000 bocas par a
alim entar . ma is os relig iosos (ou seja, cerca de 100.000 habitant es
ao todo ) . e 80.000 no co nda do . H aver ia cerca de 25.000 homens
portando armas, com idade en tre qu inze e sete nta anos . H averi a entre
5.500 e 6.000 bati sm os por ano , co m uma nít ida pr ed ominân cia mas-
culin a: es te último número eviden te mente é muito exagerado e não
condiz com os nossos co nhe cime ntos demográficos. Villani ind ica
a existê ncia de 200 oficinas da A rte della L ana. fab rica ndo ent re
70 .000 e 80 .000 peças de tec ido por a no; e de 20 armazé ns da A rte
di Calimala, imp ortando por ano mais de 1.000 peças de tecid o da
Fr anç a e de Al ém-da s-Montes, por 300. 000 florins. Haveria 80 es ta -
bel ecimentos de cambistas ; e se teri am cunhad o 350.000 flor ins de
ouro , e 20.000 libr as de denier s de prata. Vill an i int er essa-se mesm o
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 181

pelo nível cultural dos florentinos: entre 8.000 e 10.000 rapazes e


moças teriam aprendido a ler ; a um nível mais elevado, entre 1.000
e 1.200 rapazes teriam feito o aprendizado do cálculo, em seis escolas:
no nível superior, entre 500 e 600 teriam estudado gramática e lógica
em quatro grandes escolas. O que valem esses números que foram
visivelmente arredondados? Foram criticados, em particular por
Werner Sombart. Mais recentemente , entretanto, Armando Sapori
examinou-os minuciosamente e concluiu que pelo menos fornecem
uma ordem de grandeza verossímil.
É o grande período urbano de Florença. Em 1333 foi concluída
a sexta muralha: com extensão de 8.500 quil ómetros, reforçada por
63 torres , englobando 630 hectares. Ela será suficiente até 1865. A
partir de 1294, constrói-se a catedral Santa Maria deI Fiore. Giotto,
que passara a diretor dos edifícios em 1334, ergue o célebre campa-
nário em 1355. O Palazzo Vecchio da Senhoria é terminado em 1304.
Em 1336 foi decidida a construção do Or San Michele, mercado,
e depois igreja das Artes; ela prosseguirá até 1377.
No entanto, sob certos aspectos, Florença já se encontra em declí-
nio . Uma primeira epidemia , que se seguira a uma fome, teria feito
15.000 vítimas em 1340, segundo Giovanni Villani. Em novembro
desse mesmo ano, uma conspiração dos Bardi contra o regime teria
sido abortada a tempo, e dezesseis deles teriam sido presos. Em
1342-1343 situou-se o breve episódio de Gautier de Brienne , duque
de Atenas, chamado para dirigir a cidade , mas cujos excessos logo
cansaram . Sobrevieram então as grandes falências de 1343 a 1346.
E, finalmente, a Peste Negra teria matado entre 40.000 e 50.000
florentinos. Desde então a cidade conheceu mais de um acesso do
flagelo. Estabilizou-se com uma população em torno de 50 .000 a
60.000 habitantes e também com um espírito de prudência indicado
por vários sinai s. Desse modo, o sistema das grandes sociedades cen-
tralizadas iria evoluir pouco a pouco para o do século XV, cujo modelo
seria o grupo de companhias dirigido pelos Mediei.
Ass im forjar-se-ia uma organização política original, destinada so-
bretudo a multiplicar as precauções contra o poder de uma única
pessoa (71). Florença é guelfa (do nome da família Welf, antiga rival
dos Hohenstaufen , família reinante - por oposição aos gibelinos,
de Weiblingen, local de um castelo que pertencia aos Hohenstaufen),
pois conquistara sua autonomia contra o imperador. O único partido
admitido é o partido guelfo. Por prudência, os nobres ou magnatas
foram excluídos da vida política: em 1293, as Ordenanças de Justiça
determinaram que não poderia ser nem prior nem gonfaloneiro de
justiça, nem (salvo alguns) pertencer aos Conselhos. Uma rudimen-
tar separação do s poderes já surge aí. O poder executivo, ou Senho-
182 OUTONO DA IDADE MÉDIA

ria, compõe-se de oito priores , pertencentes às Artes Maiores, e


do gonfaloneiro de justiça, designados para o período de dois meses .
São assistidos por dois colegas e diversas comissões. O poder legisla-
tivo está nas mãos de dois corpos, escolhidos pela Senhoria para
um período de seis meses (e só quatro a partir de 1366): o Conselho
do povo, de 300 membros, e o Conselho da Comuna , de 200 (dos
quais 115 de magnatas). Entretanto a iniciativa das leis pertence à
Senhoria; só são adotadas se receberem 2/3 dos sufrágios em cada
um dos dois Conselhos; o que permite que muito poucos projetos
sejam aprovados . O poder judiciário é o único setor confiado a não-
cidadãos: são nobres estrangeiros , assistidos por legistas, que são
chamados para serem podestade , capitão do povo , executante das
Ordenanças de Justiça. Além disso, dirigem a polícia , e tropas arma-
das são colocadas à sua disposição. O sistema das eleições é particu-
larmente sutil: um corpo eleitoral escolhe uma lista de elegíveis, entre
os quais os priores são sorteados a cada dois meses . Mas essas listas
sãu revistas a cada três anos, por três corpos diferentes, que devem
pronunciar-se sobre cada caso com a maioria de 2/3. Para ser elegível,
é preciso ser guelfo, ter pelo menos trinta anos , fazer parte de uma
Arte, não ser falido, magnata ou culpado junto ao fisco. O divieto
impede qualquer prior de ser novamente escolhido antes de decorrido
o prazo de três anos . Desse modo, restam poucos elegíveis: em 1343,
segundo Giovanni Villani, 3.000 nomes tinham sido propostos, e
apenas 300 conservados.
Todo esse sistema repousa numa base dupla: As Artes , e o partido .
As Artes regulamentam a produção e a venda da maioria dos produ-
tos. Entre elas, distinguem-se as sete Artes Maiores (Calimala, Lana,
Cambio , Por San Maria ou comerciantes de seda, Médicos e Dro-
guistas , Peleiros , Juízes e Notários) e as 14 Artes Menores (Açou-
gueiros, Comerciantes de vinho , Sapateiro s, Curtidores de peles,
Ferreiros.. .). Cada Arte possui seus cônsules e seus Conselhos , vigia-
dos de perto pela Senhoria. O partido guelfo tem capitães , sorteados,
e Conselhos. Pode recrutar tropas. Forma uma espécie de Estado
dentro do Estado, mais aliado à Senhoria que subordinado a ela .
O que pensar desse sistema complicado? Suas imperfeições são
evidentes: a extrema divisão da autoridade, a brevidade das funções
opondo-se a qualquer estabilidade verdadeira. Toda uma parte da
população está excluída: os magnatas e o povo . De fato, esse regime
republicano instalou-se numa sociedade violenta , onde se vive no
temor contínuo de um golpe . Em certa medida , a continuidade é
garantida graças à imbricação dos termos. E, se muitas pessoas são
excluídas, numerosos são os cidadãos que participam também no
exercício de diversas funções e adquirem aí um mínimo de expe-
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 183

riência política . De fato, tudo é dominado por um grupo bem limitado


de mercadores ricos e abastados, cerca de 5.000 pessoas, ou seja,
no máximo, 5% da população.
Regime protegido demais contra a autoridade - regime que por
fim sucumbirá . A evolução pode ser vista na história dos Mediei.
Essa família, que gostava de dizer-se ligada a Perseu, aparece nas
crónicas florentinas no final do século XII. O primeiro membro dis-
tintamente conhecido é Salvestro dei Mediei que, em 1378, foi o
chefe real da revolução popular dos Ciompi (cardadores de lã). O
verdadeiro fundador da fortuna da família foi Giovanni di Bicci dei
Mediei (1360-1429), que adotou uma atitude mais moderada, ao mes-
mo tempo em que sempre apoiava as Artes Menores, o que lhe asse-
gurou grande popularidade. Pelos seus negócios, acumulou uma im-
portante fortuna da qual se beneficiarão seus herdeiros; até o Con-
cílio de Constança deu-lhe oportunidade para ganhos consideráveis.
O pequeno grupo de famílias - entre as quais os Albizzi - , que
tinha açambarcadoo poder depois da repressão dos Ciompi , limitava
cuidadosamente o número de elegíveis, exilava as linhagens rivais,
como os Alberti, os Mediei, e conduzia uma política exterior brilhan-
te , mas penosa , cujo apogeu foi marcado pela vitória contra Pisa.
A oposição crescia, em particular em torno de Giovanni. Quando
ele morreu, em 1429, foi alvo de grandiosos funerais, dos quais parti-
ciparam representantes do imperador, de Veneza, etc. A prova de
força começou em 1433: como a guerra contra Lucca fracassara mais
uma vez, Cosimo , filho de Giovanni, negociou uma paz de compro-
misso. Então os Albizzi fizeram com que fosse julgado responsável
pela derrota e fosse exilado por dez anos em Pádua . Ao mesmo
tempo, os Mediei eram declarados magnatas. Mas Cosimo foi bem
recebido em Pádua e Veneza. A Senhoria designada em setembro-
outubro de 1434 era a seu favor e mandou revogar o decreto que
o bania. Pôde então efetuar um retorno triunfal, ao passo que os
Albizzi foram inscritos, por sua vez, como magnatas.
A dominação política dos Mediei será afirmada com Cosimo . En-
tretanto, o espírito republicano, a desconfiança em relação ao poder
pessoal continuavam vivos. É preciso respeitar as aparências. Ele
não exerce mais magistraturas do que qualquer outro elegível; foi
por três vezes gonfaloneiro de justiça - apenas seis meses em trinta
anos. É através de sua influência pessoal, de sua rede de amigos,
os quais transmitem seus conselhos, que ele se impõe . Somente em
caso de extrema necessidade, procede a banimentos. Com essa finali-
dade foi criado em 1458 o Conselho dos Cem.
É, portanto, Cosimo (Cosme, o Velho) que devemos focalizar em
primeiro lugar. Sem dúvida, é o homem mais notável da família.
184 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Hábil e prudente, é bom diplomata. Controla de perto seus negócios,


o que não o impede de praticar um mecenado muito esclarecido.
Manda construir o convento dominicano de San Marco, decorado
com afrescos por Fra Angelico. Funda as duas primeiras bibliotecas
modernas da Europa: a Marciana e a sua própria (que se tornará
a Laurenziana), ambas providas de um catálogo . Favorável ao plato-
nismo , manda vir a Florença o filósofo Marsile Ficin.
Seu filho, Piero, ii Gottoso, só lhe sobrevive cinco anos
(1464-1469): ótimo homem de negócios, mas fraco e bastante pressio-
nado por seu círculo, teve de reprimir uma conspiração em Florença .
Então passam ao primeiro plano seus filhos Giuliano e Lorenzo.
Giuliano é um homem sedutor, mas totalmente estranho aos negó-
cios, cujo peso recai então sobre seu irmão, Lorenzo, o Magnífico .
Ora, este é muito inferior a seu avô Cosimo. Nos negócios , não
tem a mesma prudência e não os controla de perto o suficiente . Tem,
por outro lado, gosto pelas festas e pelo luxo, mas sem verdadeira
personalidade artística e intelectual. Cada vez mais deixa-se levar
por seus agentes, sobretudo Francesco Sassetti, diretor do banco
de Florença, muito seguro de si mesmo , e Tommaso Portinari, diri-
gente da ramificação de Bruges, que passa a emprestar demais aos
duque s de Borgonha , ao mesmo tempo em que mostrava um gosto
artístico bastante seguro - encomenda quadros a Memlinc e tapeça-
rias. Lorenzo comete muitas imprudências políticas. Reprime em
1470 a revolta de Prato. Em 1478, a conjuração arquitetada pela
rica família dos Pazzi chega a um palmo do sucesso: Giuliano é morto
na catedral. Lorenzo consegue refugiar-se na sacristia. A partir de
então, comanda uma repressão feroz . Mas em 1480 passa a predicar
um dominicano oriundo de Ferrera , Girolamo Savonarola, prior de
San Marco, que denuncia com vigor os vícios difundidos em Florença
e o abuso das riquezas. Nos últimos momentos de vida, Lorenzo
solicita em vão seu perdão , e morre sem absolvição (1492). Seu filho
Pietro, o Azarado, acabará por ser expulso pela intervenção francesa .
Tudo isso não deve nos fazer esquecer o extraordinário floresci-
mento da arte e da literatura de que Florença foi palco . Yves Re-
nouard escreveu : "O gênio germinou em Florença nos séculos XIV
e XV como nunca o fez em nenhuma cidade do mundo " (71).

Assim como Florença era, no século XIII, uma novata no con-


certo das potências italianas, Veneza aparecia como a patriarca (32,
51,85). Desde o início do século VI, Cassiodoro indicava as ativida-
des de seus habitantes no comércio do sal e no transporte de merca-
dorias . Seu crescimento fez-se aos poucos na órbita bizantina. Ela
emancipou-se, tornou-se aliada de Bizâncio e, finalmente, em 1204,
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 185

foi a alma da conquista de Constantinopla pelos Cruzados. É aqui


que os primeiros traços do espírito " capitalista" foram sentidos no
Ocidente: o testamento (único conhecido, mas deve haver outros)
de um nobre investindo importante quantia no comércio demonstra-o
bem . Por fim , que quadro geográfico original, o qual ainda hoje
faz parte da voga do turismo veneziano! É um verdadeiro paradoxo
o nascimento dessa metrópole sobre algumas ilhas espalhadas numa
laguna no fundo de um mar quase fechado . De fato , essas ilhas servi-
ram como refúgio para os habitantes do continente invadido pelos
lombardos no século VI. Não tinham outra possibilidade senão viver
do mar, mas poderiam ter vegetado . O crescimento da cidade é resul-
tado de um conjunto de notáveis qualidades humanas : coragem , espí-
rito de iniciativa, tenacidade .. .
Ven eza foi a única potência medieval que teve de fato um Impé-
rio colonial , depois da Cruzada de 1204. A própria Senhoria conquis-
tou seus pontos principais. Os outros foram confiados a patrícios,
que conquistaram feudos: assim , Marco Sanudo fundou o ducado
do Arquipélago no mar Egeu . Ao longo da costa oriental do Adriá-
tico e do mar J ônio, há Ragusa e Durazzo (até 1358), Zara, as ilhas
de Corfu (a partir de 1386), Cefalônia, Zante e, finalmente , os portos
de Modon e Coron no Peloponeso. No mar Egeu, a colônia principal
é a ilha de Creta, " núcleo e força do Império"; ao longo da Grécia,
há a ilha de Negroponto (antiga Eubéia). Uma grande parte do arqui-
pélago (à exceção de Quios que é genovesa) está nas mãos dos patrí-
cios. Em Constantinopla, reconquistada pelos bizantinos, um acordo
com Basileu deixou para Veneza, ao longo do Corno de Ouro, um
importante bairro, com sua igreja , sua própria administração, locais
de comércio (acontece o mesmo em Tessalonica). Além disso, os
venezianos gozavam de uma extensa isenção alfandegária no Impé-
rio bizantino, e da liberdade do tráfico - portanto , de acesso ao
mar Negro . A administração desse conjunto é pesada, centralizada:
há sempre um bailio ou reitor, assistido por um Colégio executivo
e por Conselhos . Os postos superiores são confiados a patrícios
venezianos, eleitos pelo Grande Conselho ou pelo Senado , em
geral para dois anos, com instruções precisas. Esse centralismo
é atenuado pelas distâncias - é necessário quase um mês para
ir de Veneza até C ândia , em Creta - , pela participação das aristo-
cracias locais nos ofícios menores , pelo respeito aos privilégios
locais, como em Corfu , em Tessalonica .. . O que pode possibilitar
uma ampla autonomia para a colônia : é o caso de Ragusa . Fora
do Império, há estabelecimentos comerciais de mercadores vene-
zianos como em Lajazzo (Armênia), na Síria , no Egito (Alexan-
dria) .
186 OU TONO DA IDAD E MÉD IA

A importância desses estabelecimen tos come rciais cres ceu muito


quando , depois da dec omposição do Império Mon gol, Ven eza per-
deu o conta to direto co m o Extre mo Oriente qu e , no séc ulo XIII ,
as viagens do s Polo lhe havi am gara nti do . Lajazzo e principalm ente
Al exandria torn avam- se os gra ndes mercad os da seda e das especia-
rias. O Impér io possuía também seus próprios recursos , apre ciados
por Ven eza: trigo , vinho , mel de Neg ro po nto ; vinhos do Peloponeso
(comprados em Co ron e Modon) ; tri go, mel e cera da s planícies
rom en as ; alume (mas mu ito men os qu e G ên ova) ; escravos, cujo tr áfi-
co fazia-s e sob retudo no mar Neg ro .
Veneza tinha um sé rio con corrente no Ori en te : Gênova qu e, co m
Pisa , apo iara os Cruzad os na Síria. A gind o prin cipalmente no Impé-
rio Bizantino , Ve neza não sentira de início nenhuma rivalid ade. En-
tret an to , para lutar co ntra a pesad a predominân cia do s vene zianos ,
Basileu conced ia, no seu Impéri o , benefícios aos ge noveses. O s vene-
zianos desforrar am- se dele s na Síria . Os gen oveses ajudara m Basileu
a ree rguer-se em Constantinopla em 1261. Acred ita-se qu e tenham
ocorrido guerras entre as metrópoles . Cit amos agora, rapidamente,
uma série de quatro , de 1261 a 1270, depois de 1294 a 1299, de
1351 a 1355, e , finalmente, de 1377 a 1381. Foram disputadas com
obstinação . Em 1379, com o apoio dos pequenos príncipes vizinhos
de Veneza, os ge noveses chegaram às cercanias da laguna . Mais
adi ante volt ar ei a falar sobre as graves con seqüênci as que sofre ra m
pela derrota no comba te decisivo de Ch ioggia.
De qualquer mod o, um a lição Ven eza ap re nde u com isso: era pre-
ciso dominar a T erra Firme, onde, em 1274, ainda era pro ibido a
seus cida dãos adquirir domínios pois isso poderi a desviar do co mé rcio
capit ais út eis. Mas era necessári o proteger as rotas com erci ais do
resto da Itália e da Al em anh a . O desaparecimento do impe ra do r
deixava qu e pr íncip es men os imp ortantes, mas ambiciosos (como
os Carrara de Pádua ) , tivessem possibilidade de control á-las, de enr i-
que cer-se at ravés dos ped ágios, ou até de aliarem-se aos ge no veses .
Não é por acaso que a co nquista definitiva da Te rra Firme seg uiu-se
a Chioggia . Em 1420, Vene za to rnou-se senho ra do gru po Verona-
P ãdua-Treviso , do Friú li, da Ístria: estabelece u sua influê ncia so bre
a D alm ácia. A luta cont ra Milão faria com que seu pod er se este n-
desse até Ber gam o e Brescia (p az de Lodi , 1454). Surgiram e ntão
tod as as vantagens que lhe pr op or cion ava seu co nda do : ele fo rnece
o aprovisio name nto , a madeira par a suas frotas, hom en s pa ra suas
tropas. Rende 306.000 ducados par a a Senhori a em 1440, contra
180.000 para as outras posses de Ultramar. Oferece, par a os próprios
veneziano s, várias op ortunidades de investimentos territoriais, cada vez
mais apr eciad os, enquanto no Ori ente mult iplicam-se as dificuldades.
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 187

Em geral, considera-se que Veneza tenha atingido seu apogeu em


1423. Data de então o discurso que o historiador Marin Sanudo ,
ao escrevê-lo mais de um século depois, colocou na boca de Thomas
Mocenigo , doge expirante (32): .
" Senho res. Nó s os convocamos, a todos, pois Deus quis nos dar
essa enfermidade que porá termo à nossa peregrinação, e louvamos
bem alto a onipotência de Deus... A cujo Deus trinitário somos muito
gratos, por inúmeras razões. No que nos concerne, encontramos o
dito Deus no s 41 que nos elegeram chefe de no ssa cidade, com nume-
rosos capítulos a respeitar: defender a fé cristã, amar o próximo ,
fazer justiça; qu er er a paz e co nse rvá-Ia; coisas que nos esforçamos
para fazer, e qu e Deus, que tudo fez , seja louvado ! Assinalamos
que, nesse mei o tempo , amortizamos 4 milhões de imprestedi , dívida
da Câmara que for a contraída par a a guerra de Pádua, Vicenza e
Verona , e nosso total devido encontra-se em 6 milhões de ducados ;
esforçamo-nos para fazer de tal modo que , a cada seis meses , tivésse-
mos efetuado dois ' pagamentos' de imprestedi além disso e todos
os oficiais e administrações e todas as despesas do arsenal . ..
" As sim , como nos encontramos em paz, nossa cidade põe no co-
mércio 10 milhões de ducados , para seus negócios , no mundo inteiro,
tanto em naves, galés e navios, de modo que o ganho desse investi-
mento é de 2 milhões de ducados, e o ganho, para trazê-lo a Veneza,
é de doi s milhões e , entre investimentos e renda bruta , (o ganho)
é de 4 milhões. Como vocês viram , 3.000 navios de 10 a 200 ânforas
naveg am, tendo 17.000 marujo s; viram que te mos 300 na ves que
levam 8.000 maruj os . Viram qu e na vegam , todos os anos, 45 galés,
tanto "sut is" quanto pesadas, que levam 11.000 marujos ; viram 3.000
carpinteiros de navi os, 3.000 calafates ; viram 16.000 tecelões tanto
em seda, tecidos de lã como em fustão de algodão ; viram as casas
estima das em 7 milhões e 50.000 ducados; os aluguéis das casas,
SOO .OOO ducados; há 1.000 fidalgo s que têm rendimento anual entre
700 e 4 .000 ducados.. . Vocês viram os rendimentos de Veneza serem
de 774.000 duc ados, os da Terra Firme 464.000 ducados, os do mar
376.000 . ..
"Você s viram nossa cidade cunhar todos os anos e m ouro 1.200 .000
duc ados; em pr at a . tanto em m ez zanini, gros e so ldos 800.000 duca-
dos por ano . dos quais 5.000 marcos por ano vão para o Egito e
para a Síria ; em grossetti vão todos os anos para suas regiões de
Terra Firme . e em mezzanini e soldini, 100.000 ducados . Para suas
terras marítimas, vão todos os anos 100.000 du cados de so ldos , e
o resto fica em Veneza . Voc ês viram que os florentinos trazem cada
ano 16.000 peças de tecido de lã, tanto médios, finos, como muito
finos . E nós lev amos para eles na Apúlia , reino de Sicília. Catalunha,
188 OUTONO DA ID A D E MÉD IA

Espanha. Barbaria (Mag hre b) . E gito , Síria . Ch ipr e. Rod es . Rom á-


nia, C ândi a, Mor éia , Lisbo a . e cada semana (?) os ditos flor e ntin os
tr azem 7.000 ducados de merc adorias de todo tipo . o u se ja . por an o.
150.000 duc ad os, e compram lãs france sas. lãs da Catalunha. grão s
de querrnes , sedas . ceras. ouros e pratas tirados à fieir a . açúcares .
pratas brutas. especiarias grandes e miúdas . alume de rocha , anil,
couros, jóias, para o maior benefício de no ssa terra ... "
Os números citados com orgulho nessa triunfante esta tística -
ce rca de um século mais ta rde, eco daqu ela qu e G io vanni Villan i
tr açar a par a Florença - fo ra m. evide nte me nte, discut ido s: tom ando
um a um. o prob o historiador que era Gin o Lu zzatt o dem on strou .
em 1954. qu e cert am en te era m exage rados . aliás de modo desigual,
mas não tão inverossíme is (344).
Par em os para con sider ar o que Ven eza e ra realmente na época.
Devido às ep ide mias , devido ta mbé m à presenç a variáve l de eleme n-
tos flut ua ntes, sua po pulação oscilava ent re 100 e 180 mil habitan tes.
Divi dia-se em classes sociais. O patriciado e ra um a nobreza de dupl a
origem : gra ndes linh agens de merc ador es-armad or es e propriet ári os
de terra (d e nenhum modo feudais) oriundos da Terra Firm e . Eram
as " 200 famílias " qu e monopoliz avam a vida política. Abaixo del as,
os cidadãos deviam se r filhos e net os de venezia nos . e não praticar
nenhum ofíc io " mecânico"; dedicavam- se ao comé rcio o u a ca rre iras
administrativas . O po vo. mui to variado. compree ndia negociantes.
cambistas, lo jistas, alguns mu ito abas ta dos; artesãos ag ru pa dos e m
Artes, qu e a Senhoria vigiava de perto, mas não mu ito poderosos.
pois. ao contrário de Florença. ali não havia indústria muito gr and e .
A s únicas qu e podiam pretender esse título eram as indústrias navais.
que a Senhoria po ssuía - e nas quais praticava uma política de e m-
prego e de alt os salários; portanto . a calma reinava . Não seriam
os maru jos. sub metidos às obrigações de sua s tar efas. qu e iriam rom-
pê-la . O clero e ra numeroso e muito respeitado , pois a pied ad e -
aliás . pr incip almente prática e muito po uco mística - estava viva .
Mas era vigiado de pe rto : o patri ar ca, instalado desde 1451 em Gra-
do . e depois em Ven ez a mesmo . e os côn egos de São Marco s eram
esco lhidos pelo dog e. O s bispos eram eleitos pelo Senado . Era com o
uma " Igreja nacion alizad a" . que pagava seus imposto s.
A vida po litica era uma ati vidade reser vad a ao patric iado: Ven eza
oferece o mais belo exe mplo de união do poder po lítico co m a prática
dos negócios. A Senhoria é o re present ant e perman ente do Estad o.
No seu com ando . o doge é eleito de man eira co mplica da (há onze
escru tínios sucessivos) . mas por tod a a vida . Vest e um uni forme ma g-
nífico. títul os pomposos (" Príncipe Ser en íssimo" ); ma s. for a a autor i-
dad e mor al de qu e pode gozar. não exerce muito pod er. Propõe
ESBOÇ O DA NOVA EURO PA 189

suas opiniões nos Conselhos , ma s não pode impô -las . Também est á
obrigado pelo juramento solene que pronunciou qu ando de sua ele-
vação . Alguém escreveu que ele tem "a majestade de um príncipe
e os deveres de um cidadão" . Em geral , aceita esse " jugo dourado ".
Deve fazê-lo . Francesco Foscari será ,deposto em 1457 pel as simples
suspe itas qu e sua atitude de spertar á. E assistid o pelo Col égio. Parale-
lamente existe o siste ma co mplexo do s Con selh os. O Grande Co nse -
lho possui uma competênci a uni versal. No fim do séc ulo XIII, foi
"fecha do" ; em 1325, crio u-se até mesmo um livro , on de estavam
inscritas as famílias que fazia m par te desse Con selh o . D esse mod o,
achava-se definida e delim itad a a nobreza . Mesmo assim é muito
num erosa - cerca de 1.300 membros. Mas é o Sen ad o (120 mem-
bros) que representa o papel esse ncial: dirige a polít ica estrangeira,
nom eia os embaixa do res; diri ge a gue rra, designa eventua lme nte um
capitão geral do mar e um da te rra; organiza a vida eco nômica, no-
meia numerosos tit ula res de funções; tem um papel legislativo, divi-
dindo com o G ra nde Con selh o o exame das prop osições de lei or iun-
das do Co légio. O Co nse lho dos D ez, instituído provisori am ente ,
torn ou -se defin itivo e m 1355 e nele juntar am-se o doge e seus co nse -
lhei ros. H avia tam bém um advogado da Comuna , que pod ia defen-
der os acusa dos , Seu papel con sistia em dirigir a po lícia e prot eger
o Estado . E ele qu em , em 1457, dep orá Foscari.
O G ran de Conse lho part icipava da eleição pa ra todas as magistra-
turas, tempor ár ias e coletivas, com pod e res cuida dosame nte deli mi-
ta dos: os procur ad ores de São Marc os, que tinham postos vitalícios,
dirigiam a ad ministração fina nce ira ; aos advoga dos da Comuna era
atr ibuído um papel sob re tudo judiciár io , além de con serv arem o Li-
vro de Ouro da nobrez a ; o Grand e Ch anceler, não-patrício , esc rev ia
e conservava as atas pú blicas, etc .. .
Podem os te ntar, co mo fizemos com Florença, ava liar essa organi-
zação? Numerosa e, se m dúvida, eficaz , intervinha e m todos os cam -
pos ge ra lme nte de mane ira minu ciosa. Podemos notar também seu
caráter bastante ari stocrático. q ue e nt regava todo o po der aos patrí-
cios , e seu ca ráte r policial. marcado por prisões e assassinatos . Pelo
men os mant inh a-se a paz pública. favo ráve l ao desen volviment o dos
negócios.
Podem os perfeit am en te reco nstitu ir as ca rreiras norma is dos patrí-
cios . D epois dos est udo s de gra mática e de cálc ulo, feitos sob a dire-
São de um precepto r particu lar, havia o aprendizado no exército
ou na marinha (es pec ialme nte nas galés), e o início de um a ativ ida de
comercial. A juve ntude era passad a em viage ns nos navios da famíl ia :
o jo vem nobre aco mpa nhava a ca rga, negociava as vendas e as com-
pra s... Isso se alte rnava com lon gas estadas no ex terior - no Levan-
190 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

te , em T ünis, em Barcelona, em Portugal , em Londres - dedicadas


a seus negócio s, aos de sua família, aos de seus correspondent es
(sobre os quais cobrava uma comissão de 2% ). Com a idade madu ra ,
passava a ter uma vida mais sedentária, talvez no exterior, mas geral-
mente em Ven eza. Partic ipava da vida política , às vezes da adm inis-
traç ão de um território colonial ou de uma embaixada.
Conhecemos alguns desses pat rícios. O caso da família Barbarigo
(954) pod e ser conside rado como exem plo ou, pelo men os, uma de
suas ramificações, conhecida através de registros do século XV , pois
havia uma ou tra ramificação , que fornece u dois doges no século XV.
Era de fato uma linhagem de nobreza antiga. Em 1417, a ramificação
pela qual nos inter essamo s teve uma queda bru sca. Niccol õ Barba-
rigo , chefe de uma fro ta de galés oriunda de Alexandria, passou
por um can al interditado perto de Zar a e perd eu ali uma galé que
encalhou num recife . Foi punido com uma mult a de 10.000 ducados,
que arru inou a família . Esta foi restaur ada por seu filho Andrea,
que se lançou nos negócios com um capital de 200 ducad os, empres-
tado s por sua mãe. Engajou-se nas galés. Exerceu tamb ém as funções
de procurador junto a um tribunal comercial. Em 1431, possuía cerca
de 1.600 ducad os, capital inteirament e investido no comércio . Para
si mesmo , cont entava-se com uma casa alugada, com um único escra-
vo . Em seguida, tirou proveito de suas relaçõe s: seus primos de Cret a ;
o banqueiro Fr ancesco Balbi , que lhe concedeu adianta mentos ; a
rica família Capp ello , com quem se aliou por casamento , o que lhe
permite dispor de um dote de 4.000 ducado s (1439). Aum entou assim
o volume de seus negócio s, ao mesmo temp o que passou a ter uma
vida mais abastada. Morreu em 1449, deixando cerca de 15.000 duca-
dos, o que mesmo assim não represent ava uma enorme fortun a (sabe-
se de um doge que, em 1476, possuía 160.000 ducados ) . Pelo menos
ele comprara um domínio , com uma casa de ver ão .
Podemos citar vários descend ent es seus: o jovem primo Alvise
da Mosto , que navegou para ele na Barb ar ia , e será um precioso
auxiliar do príncipe português Henrique, o Navega dor (que desco-
brirá as ilhas do Cabo Verde). Com seus filhos, Niccol õ e Alvise
Barbarigo , marca-se uma nítida evolução : Niccol ó fez uma única
viagem para Creta , para se ocup ar dos ben s que possuía lá; em 1462,
dos 15.000 ducados que ele possuía , meno s de 1.300 est avam inves-
tidos no comércio ; em seu testamento de 1496, recomendava a seus
filhos para conservarem sobretudo seus domínios e seus títul os da
Dívida, pois " a atividade comercial não rende mais como outrora" .
O Senado dizia: "O com ércio é a força de nosso Estado. " Com
efeito , não há grande indústria - salvo as construções navai s - ,
mas uma ativid ade de construção , e pequ ena s fabricações de luxo:
ESBO ÇO DA NOVA EUROPA 191

o vidro, em Murano: o marfim e os metais; a fabricação da seda,


a partir de fios oriundos do Egito ou da China ; o algodão, com maté-
ria-prima fornecida pelo Egito e pela Síria . .. Tampouco há grandes
companhias com várias sucursais, a não ser justamente as sucursais
das Sociedades florent inas . Contudo , há um banco local de transfe-
rência de fundos , muito utilizado, no bairro de Rialto. A moeda
é excelente : o duc ado é cunhado em ouro , matéria fornecida em
abundância, e é muito procurado ao lado do florim . Como nos outros
lugares, também há uma moeda de pr ata e pequenas moed as negras.
Diri jamos, então, no ssa atenção para esse comércio, tanto marí-
timo como terrestre . O s tipos de nav ios variam de acordo com os
produtos a serem tran sportados: galé s mais caras, mais segur as e
rápidas são reservadas para as mercadorias de valor (seda , especia-
rias... ); os grandes navios redondos carregam o algodão e outras
matérias menos dispendiosas; os navios pequenos transportam o res-
tante . Seu emprego é domin ado pelo sistema de " mude" : uma " mu-
da " é , no sentido mais conhecido , um comboio ; de fato , ·a palavra
designa os períodos durante os quais os navios podem ser carregados.
Acontecem no Levante no fim de março-abril e sete mbro-outubro .
Quais são os objetivos do sistema? Evitar o mau tempo : é claro
que o mar nunca estava " fechado " ; mas evitava-se voltar a subir
o Adriático contra os ventos do Norte , entre novembro e janeiro.
Devia-se facilit ar a organização dos comboios: certamente, só havi a
comboio em caso de perigo; mas o carregamento simultâ neo dos
navios permitia prepará-lo para o imprevisto . Ao assegurar- se uma
melhor utiliz ação dos navios, tinha-se como objetivo fazer com que
realizassem duas viagens por ano. O s venezianos tinham corretores
no Levante, os quai s faziam as compras antecipadamente . Mas a
tendência era fazer com que as negociações se arrastassem, a fim
de se obterem melhores preços. A fixação de um termo felizmente
limitava essa tendência . Os mesmos capitais se rviam duas vezes para
o algodão qu e, ao chegar da Síria em junho-julho , logo era vendido ;
o dinheiro era investido em carregamentos de navios que partiam
em julho-agosto e chegavam ao Levante a tempo para uma segunda
" muda" de algodão. A renovação era menos ráp ida para as especia-
rias; além disso, os pagamentos operavam-se muito lentamente . Era
preciso assegurar os chamados períodos " de feiras " , não no sentido
exato do termo , incluindo privilégios de feira ; mas os períodos de
transaçõe s ativas, em que Veneza aparecia como o maior mercado
mundial. Es sas transações situavam-se entre as chegadas e as partidas
do s navios, próximo do Natal e no verão. As sim também estava
garantido o controle da quantidade de mercadorias que só era conhecida
de modo exato na conclusão da " muda" . Geralmente , a frota era
192 OUTONO DA IDADE MÉDIA

anunciada por um pequeno navio mais rápido. Então fixavam-se os


preços, calculavam-se os lucros e investia-se visando a próxima "muda" .
A partir dos incanti (leilões para a locação das galés, entre a Repú-
blica e os particulares), Aldo Tenenti e Vivanti reconstituíram a evo-
lução do sistema (Andnales ESC, 1961): foi formado entre 1330 e
1340. No começo, os navios eram construídos nos estaleiros particu-
lares. O Estado impunha apenas algumas regras de navegação . Quan-
do o sucesso de um itinerário afirmava-se , assumia a linha. As gran-
des viagens mais regulares eram as da Síria e Alexandria , com escalas
em Creta e em Chipre; a de Constantinopla e Tana, no mar Negro;
a de Flandres e Inglaterra. Mas também havia linhas secundárias:
como , no século XV, a viagem de Aigues-Mortes, prolongada até
a Espanha; a partir de 1436, a viagem de Barbaria , prolongada para
o Sul da Espanha . Desse modo, constituiu-se todo um sistema de linhas
mercantes regulares .
O comércio terrestre com a Alemanha era igualmente essencial.
Sem a clientela alemã , Veneza teria sido asfixiada sob o peso dos
produtos orientais , de modo que o Fondaco dei Tedeschi era " o
pulmão de Veneza" (80). Em princípio, todos os mercadores ale-
mães , que dominavam esse tráfico , residiam nesse edifício situado
próximo ao Rialto, reconstruído depois do incêndio de 1318. Com-
portava dois andares, com dois pátios interiores , 56 quartos, arma-
zéns, uma sala de jantar, uma capela. Incendiou-se novamente em
1505, e então foi construído o edifício atual. Apesar de ser bastante
grande não era suficiente, e muitos alemães acabavam por residir
fora dele , no seio da colônia alemã situada em volta do Fondaco
e na Merceria. Mas era sempre no Fondaco que o mercador devia
comerciar, obrigado por uma regulamentação minuciosa: ao chegar,
tinha de mostrar seu dinheiro e sua mercadoria (pois não lhe era
dado o direito de trazer mercadorias inglesas ou flamengas, nem
- a partir de 1447 -cobre trabalhado) ; devia negociar apenas com
venezianos, e o Fondaco transformava-se em centro de coletoria das
aduanas; não podia levar de volta mercadorias não vendidas nem
numerário . Da chegada à partida, era cercado de funcionários e de
controladores do Estado, que nem sempre eram imunes a algum
tipo de fraude. Aceitavam tudo isso, não apenas em razão da impor-
tância desse tráfico, mas por causa do papel representado por Veneza
como "escola superior dos mercadores do Sul da Alemanha" - todos
os mercadores importantes de Augsburgo , em particular, ali se intro-
duziram nos métodos comerciais e na prática da língua. Esses apren-
dizados criaram até mesmo laços de amizade .
Assim vinham : da Alemanha para Veneza, os minérios alemães
(ouro, prata, ferro, cobre, chumbo e zinco), os produtos fabricados
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 193

na Alemanha (couros, tecidos de lã, fustões de algodão, panos de


linho) , assim como em trânsito as peles do Norte e da Rússia; de
Veneza para a Alemanha, os produtos do artesanato veneziano (vi-
dros de Murano, tecidos de algodão , de seda ... ), e em trânsito os
produtos do Levante (especiarias, açúcar, vinhos gregos, seda grega ,
algodão ...).
A luta contra os turcos domina a história de Veneza no século
XV . Até aí, o avanço dos turco s foi sobretudo em terra , envolvendo
pouco a pouco Constantinopla . Em vista disso, a expansão veneziana,
servid a por uma supremacia naval segura e pela boa vontade das
popul açõe s gregas incomodadas pelo s turco s, circunscreve esse avan -
ço com uma espécie de "cordão" protetor. Durazzo e Corfu (1387)
são ocupadas, o poder sobre o Arquipélago torna-se mais forte . No
seio do Império, as relações com as popul ações autóctones melho-
ram , inicia-se a evolução em direção a uma administração mista (ve-
nezianos e autóctones). Com a qued a de Tessalonica (1431), o duelo
passa a ser direto . A expansão turca, além de terrestre , começa a
ser marítima . Isso explica a queda de Constantinopla (1453), de Ne-
groponto (1470) , do Tana (1475), de uma parte do Arquipélago .
Veneza aceita essas perdas pela paz de 1479. Compromete-se a pagar
um tributo de 10.000 ducados para conservar o direito de negociar
no Imp ério Otomano. Entretanto , à exceção do Mar Negro, o tráfico
continua - com Constantinopla e Tessalonica. Além disso , em 1489,
Ven eza domina Chipre, que lhe é entregue por uma veneziana her-
deira dos Lusignan . Desse modo , o comércio Continua importante.
Mas o avanço turco continuará (351). .
Apesar de Veneza ser com certeza o maior mercado da Itália,
não havia ali um flore scimento literário e artístico comparável ao
de Florença . Entretanto, não se deve negligenciar a evolução dos
últimos decênios do século XV : certamente as Universidades situa-
vam-se em outros lugares, a de Pádua, por exemplo. Mas os sábios
grego s expulsos de Con stantinopla trouxeram seus manuscritos, que
se acumularam na biblioteca de São Marcos . Veneza torna-se um
centro de ensino do grego e da filosofia platónica. Os impressores
alemães também exerceram alguma influência: a empresa gráfica
de Ald o Manuce é fund ada por volta de 1495, e Veneza será um
grande centro de impressão . A art e, muito bizantina, manifesta um
gosto intenso pela cor , o que explica a adoção precoce da pintura
a óleo . No século XV, as pinturas de Giovanni e Gentile Bellini
fundam a grande tradição veneziana. Mas nota-se em tudo isso a
predominância das influências exteriores . Mas não se observam o
mesmo poder criador nem a mesma participação dos mercadores
existentes de Florença .
194 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Sob mais de um aspecto, o destino de Gênova assemelha-se ao


de Veneza , assim como dele se afasta (49, 56). A situação geog ráfica
é notável: " lançada ao mar " pela montanha que se e rgue em inclina -
ções abruptas e a isola do inte rior - a pobr e Lig üria , que só é rica
em castelos - , Gên ova. diferent em en te de Veneza , encontra no
mar riva is próximos: Pisa , Ma rselha , e depois o rei de França, os
cata lães ... A té o século XL era uma modesta parada na rota te rrestre
da Fra nça . Foi fundamental para ela a luta - empree ndida com
uma mistu ra de fé religiosa e de interesse comercial - contra os
sarracenos, que infesta~am as margens do Mediterrâneo ocide nta l.
Por uma inclinação progressiva , foi levada a transportar e sustentar
os Cruzado s na Síria. Assim criou-se , a princípio ind ireta mente , um a
rivalidade com Veneza, a qual, como vimos . levou Gê nova a gra ndes
lut as. E, finalmente, ao forte espírito coletivo dos venezianos opõe m-
se o individ ualismo e o liberalismo dos genoveses, que, como se
sabe, são tanto sua fraqueza quanto sua força .
Gênova era uma cidade grande. A pa rtir do núme ro de casas cons-
truídas em altura no solo escasso, Jacques Heers estimou sua popu-
lação em pelo menos 100.000 habitant es. G raças ao comé rcio, Gê no -
va não conhece u as pe núrias , mas sim as epide mias (po rta nto, os
dois flagelos não estavam forçosame nte relacionados) . Elas provoca-
vam cortes conside ráveis, sempre preenchidos por uma forte imigra-
ção que a indústria absorvia. E ra uma cidade muito moderna , eco no -
micam ente muito progressiva - onde apareceu pela primeira vez
a conta bilidade de partidas dobradas, ape rfeiçoou-se o seguro , dese n-
volveram-se os transportes de massa através de gra ndes navios, o
que con tribuiu par a o progresso da ciên cia náu tica .
Infelizment e também devem os apo ntar suas fraque zas . Dois gru -
pos muito diferentes de aristocratas en te ndiam-se mal ali: de um
lado , uma aristoc rac ia feudal, que se interessava po uco pelo com ércio
(na metade do século XV , Eliano Spinola era uma exceção), mas
mon opol izava os comandos milita res e os benefícios eclesiásticos;
do outro, uma aristocracia de banqu eiros (como os Ce nturio ni) , de
mercadores, de no tários e de letrad os. E ram do is grupos que se igno-
ravam e que não se casa vam en tre si. No enta nto , era pr eciso viverem
juntos. Qu estão de organização. De uma part e , havia os nobres,
que não eram todos senhores, não tin ha m títulos, não constituíam
uma or de m. Para se r nobr e , bastava esta r inscrito num dos 40 alberghi
- grupos de pessoas que eram designadas pelo mesmo nome e habi-
tavam no mesmo bairro - como , po r exemplo , os Spinola de Luccoli .
A outra met ade da população era formada pelos popolari. entre os
quais figur avam tamb ém senho res, mas espec ialme nte merc ador es
(que também tinh am seus alberghi) e ar tesãos . O doge era co nside-
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 195

rado um popa/are , e os empregos públicos eram divididos igualmente


entre nobres e popo/ari . É tudo? Não, pois a oposição tradicional
entre Brancos e Negros (Gibelinos e Gu elfos) também pesava; quan -
to a empregos, compreende-se que metade pertencesse aos Brancos
e outra aos Negros . Esses dois grupos oponentes não se sobrepunham
um ao outro . Somente um genovês podia situar-se nessa complicação!
Em 1339 foi criado o cargo de doge: era o chefe dos popo/ari,
o "defensor do povo " . Seu papel era sobretudo militar. Era eleito,
em princípio para toda a vida, por uma espécie de assembléia pop u-
lar. Mas cada eleição parec ia uma espécie de reviravolta, e poucos
eram os doges que não acabav am sendo depo stos, e até assassinados.
Na ausência do Grande Con selho - um tipo de assembl éia popular,
que raramente era reunida - era o Conselho dos oito Anciãos, reno-
vados a cada quatro meses , que dirigia os negócios; designava os
outros Conse lhos (da Moed a , do Mar. .. ), e os ba/ies extraordinários,
form ados para travar uma guerra ou restabelecer a paz civil. Sistema
fadado ao insucesso, pois os Anc iãos govern avam , e o doge dispunha
da força pública . e não se entendiam bem. Além disso , os preten-
dentes ao cargo de doge mantinham-se numa agitação quase per-
pétua.
Felizmente (?) , uma part e importante da vida financeira e econô-
mica é subtraída desse "governo da Comun a" . Como o imposto direto
não bastasse para cobrir as várias despesas (especialme nte as de guer-
ra) , era preci so recorrer a empréstimos , muit as vezes a longo prazo.
Devido a uma rece nte derrota em Chioggia, a cidade tinha sido entre-
gue ao rei da Fran ça , que nomeara governador o marechal Boucicaut.
Em 1407, Boucicaut confiou a " procuradores do ofício de San Gior-
gio" a tarefa de fundir os compere , associações de credores cujo
objetivo era obter o reembolso de suas D ívidas. A fus ão operou-se
lentamente, em cerca de meio século. Disso resultou a Casa di San
Giorgio. Dirigida com grande estabilidade por oito "procuradores
e protetores", cooptados para um ano entre os maiores proprietários
de títulos, ela administrava as percepções de rendimentos que lhe
tinham sido deixados em garantia: Dívida Pública, imposto, mono-
pólio do sal, colônias (entre elas, a Córsega) a partir de 1460, Zecca
(oficina monetária) de 1454 a 1473.. . Na base estavam os luoghi
ou títu los da Dívida, que rendiam juros de 7% calculados sobre seu
montante nominal, mas que eram negociados por quantias muito
inferiores, que variavam de acordo com os negócios públicos . Podiam
até servir como moeda. Mais que um Estado dentro do Estado, "San
Giorgio era a comuna livre de todos os elementos feudai s. Os com-
pere prefiguraram a República genovesa proveniente da reforma de
Andrea Daria em 1528" (J . Heers).
196 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Enquanto isso, Gênova paga suas divisões pela submissão a domi-


nações exteriores: o imperador Henrique VII em 1311, depois o rei
de Nápoles, o duque-arcebispo de Milão Giovanni Visconti, o rei
da França de 1396 a 1411 (depois de 1458 a 1461), o duque de Milão
nesse meio tempo e depois disso .
Apesar de ser dominada por estrangeiros, Gênova tem um papel
internacional. No oriente, apóia-se na praça de Caffa, na Criméia,
ponto de chegada das especiarias e da seda, grande mercado de escra-
vos; no bairro de Pera, em Constantinopla, situado na margem asiá-
tica do Bósforo; na representação comercial de Brousse na Ásia Me-
nor ; especialmente em Qu ios, " olho direito dos genoveses" , grande
centro de armazenamento de alume . O avanço turco é exercido às
custas desse edifício; Gênova perde Caffa e Pera em 1453; Quios
continua teoricamente sob seu comando até 1566. Eis aí o suficiente
para levar Gênova a tender cada vez mais para o Ocidente; aliás
ela se encontra mais próxima do Atlântico que Veneza. Os genoveses
são recebidos de bom grado já que não representam uma cidade
imperialista. São encontrados tanto na Inglaterra como na França,
na Antuérpia como em Bruges, em Barbaria como em Portugal (onde
os Lomellini desenvolvem o cultivo da cana-de-açúcar na Madeira),
e principalmente em Castela. Obtêm com isso elementos importantes
para seu comércio: cereais , óleo, vinho , mercúrio - assim que ele
aparece na atividade dos Centurioni . Criam uma base para a explo-
ração das Canárias, de onde importam também o açúcar. É nessa
linha que se situa a viagem que Cristóvão Colombo, nascido em
Gênova em 1451, agente dos Centurioni, portanto, antes de tudo
um mercador, empreendeu para a rainha de Castela, em 1492, em
busca de ouro e de especiarias. Conhecemos o resultado disso .
Não falei do gosto dos genoveses pela arte e pela literatura. Não
que não tenha existido. Mas, para eles, arte e literatura represen-
tavam aspectos secundários . Eram mais tentados a dissimular suas
paixões. Suas preocupações eram sobretudo práticas, por isso tive-
ram uma ótima escola de cartografia. Mas Gênova era um centro
muito original: ali a cidadania era rapidamente obtida, por simples
residência , mas tecia laços morais duráveis ; o individualismo, uma
debilidade sob certos aspectos, encorajava também a audácia; enfim,
mais que a capital de um Império , a cidade era capital de um mundo
- do qual surgirá o Novo Mundo ... !

De todas as grandes cidades italianas, Milão é a que teve o desen-


volvimento econ ómico mais tardio (36, 62). Até o século XIII, foi
eclipsada por Pavia, melhor situada, quase na confluência do Ticino
e do PÓ. Seu sucesso está associado à abertura da estrada de Saint-Go-
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 197

thard , pois constituía-se em sua saída natural. Economicamente, era


uma cidade jovem, cujo dinamismo e prosperidade contrastavam
com as crises e a depressão constatadas em tantos outros lugares.
Também era uma cidade de imigrados que se interessavam pouco
pela política, já que lhes faltava o sentido da liberdade. Aceitariam
a dominação de uma dinastia feudal, contanto que esta garantisse
a paz . Ora, existiam estruturas religiosas e políticas antigas e fortes:
Milão tinha sido no século IV a sé de Santo Ambrósio, e seus suces-
sores exerceram um poder temporal muito amplo, algumas vezes
como vigários imperiais . Depois dos carolíngios, os imperadores fize-
ram de Milão seu centro de ação, onde criaram a numerosa e ativa
nobreza dos vavassalos.
Tudo isso se encontra nos destinos da dina stia dos Visconti . Essa
família de origem modesta dominou Milão em meados do século
XIII , com o arcebispo Ottone Visconti, que fez nomear capitão do
povo (1287) e depois vigário imperial seu sobrinho-neto Matteo. Um
outro arcebispo , Giovanni , exerceu o poder na metade do século
XIV , e fez reconhecer o príncipe herdeiro na família . Em 1395, Gian
Galeazzo obteve do imperador a elevação de seu Estado a ducado
da Lombardia. A manutenção de uma concepção patrimonial do
Estado, com partilhas sucessoriais, era uma fraqueza dos Visconti.
Tiveram de recon stituir seu Estado cinco vezes no século XIV e mais
duas no século XV . A morte de Gian Galeazzo em 1402 provocou
a crise mais grave, que iria durar mais de vinte e cinco anos .
O Estado milanês. portanto, varia geograficamente. Mas ainda
compreende Milão e sua arquidiocese , as cidades dos confins piemon-
teses (Alessandria, Vercelle, Novara), as cidades dos confins dos
Alpes (Angra. Bergamo), e uma ponta em direção ao PÓ. Não era
um "contado" dominado por Milão, que é apenas sua capital , subme-
tida ao Estado . O governo da cidade e o do Estado eram cuidado-
samente distintos. O primeiro era confiado a um Conselho estrito
de doze membros, entre os quais dois juristas, e presidido por um
vigário . O duque nomeava o vigário e os juristas. No ducado exercia
um vigoroso pod er : além de ter subjugado as comunas. fiscalizava
a Igreja (era necessária sua autorização para se obter um benefício)
assim como a nobreza - proibida de construir novo s castelos. quan-
do não tinha de destruir aqueles que parecessem demasiado ameaça-
dore s ao duque . Dispunha de um exército de mercenários, o que
dispensava os burgueses - e eles apreciavam isso - de qualquer
obrigação militar. Aplacou a oposição de Pavia , criando ali. em 1431,
uma Un iversidade, onde os filhos de nobres e de burgueses iam estu-
dar. principalmente direito . Em 1391. erigiu uma cartuxa, destinada
a receber os túmulos da dinastia.
198 O UTONO DA IDADE MÉDIA

Os Visconti praticaram uma política exterior ambiciosa . Lutaram


sobretudo contra Florença, dominaram , algumas veze s, G ênova :
simples expansionismo ou desejo (precoce ) de realizar a unificação
italiana? Conduziram brilhantes uniões matrimoniais na Europa :
uma prima de Gian Galeazzo casou-se com o duque de Baviera,
e sua filha Isabel seria a mulher do pobre Carlos VI, o rei louco
de França: uma filha de Gian Galeazzo , Valentina, casou-se com
Luís de Orleans, irmão desse mesmo Carlos VI, assassinado em 1407.
Apesar da enorme taxação financeira, os mercadores aceitavam esse
Estado, porque ele fazia reinar a paz e a ordem , oferecia perspectivas
administrativas e títulos, regulamentara o território , mandara cons-
truir estradas e pontes, cavar can ais e além de criar outras condições
favoráveis ao comércio - e, finalmente, porque praticava uma polí-
tica econ ómica que eles julgavam ser eficiente.
No final do século XIII, Bonvesin de la Riva traçou um quadro
muito lisonjeiro sobre Milão (66). Falava em 200.000 habitantes,
o que é um exagero; é possível que contassem entre 50.000 e 80.000
almas. Poupada pela peste de 1348, Milão sofreu seguidos acessos ;
entretanto, graças à imigração, sua população cresceu pouco a pouco ,
até aproximadamente 90.000 habitantes em 1463 . A planta da cidade
configurava grosseiramente um círculo, o que Bonvesin considerou
um sinal de perfeição. Houve alguns trabalhos - assim , após 1330,
Azon mandou calçar as ruas , concluir a muralha, consertar o palácio
- mas tudo isso ainda é pouco se comparado a outras cidades.
A economia milanesa caracterizava-se pela predominância do co-
mércio. Não que não houvesse indústrias na cidade . Ao contrário,
ela possui algumas notáveis: todos os têxteis eram trabalhados ali
-lã, algodão , linho, e já a seda. Principalmente as fábricas de armas
e de armaduras gozavam de um renome particular e possibilitavam
exportações. As bombardas juntaram-se ao catálogo. O papel e o
vidro ainda eram, na época, indústrias de ponta . Contudo, os merca-
dores dominavam essas fabricações, pois eram eles que as abasteciam
em matérias-primas e escoavam seus produtos (as telas de linho até
os tártaros) . Encontram-se agrupados na Câmara dos Mercadores,
que praticava uma política ativ a, enviava embaixadores e vigiava
as passagens dos Alpes . Os duques tratavam-na com consideração,
ao mesmo tempo que a impediam de agir como potência soberana .
Alguns mercadores milaneses começam a ser conhecidos . Irei me
restringir aqui a citar os Borromei . Encontramos, na sua origem ,
uma família abastada de Pádua , os Vitaliani. Em 1406, um deles
recebeu o sobrenome da mãe, uma Borromeo di San Miniato: é
Giovanni , amigo do duque Filippo Maria , que lhe outorgou a cidada-
nia milanesa. Tratava-se de imigrados, como era característico . Gio-
ESBOÇO DA NOVA E UROPA 199

vanni fundou um banco , depois retirou-se dos negócios para dedi-


car-se à administração , e tornou-se conde de Arone . Portanto, temos
dois grupos mai s ou menos ind ep endentes um do outro: os Borromei
de Itália , qu e po ssuíam ban cos em Mil ão, R om a, Veneza , e filiais
na E spanha e na França ; e os Barrome i de Bruges, com suas sucursais
de Londres , Antu érpia e Middelburg. Estes últimos são os mais co-
nhecidos , graças à feliz con servação do livro razão da ramificação
de Londres relativo ao s anos 1436-1439 ; os lucros, satisfatórios , atin-
giram 28% em 1439. Mais tarde , a atividade dos Borromei canali-
zou-se sobretudo no campo da política, do exército e da Igreja. Car-
los Borromeo se ria um notável arcebispo de Milão no século XVI ,
vindo a se r beatificad o.
Eram meios marcados pelo espírito de inovação e de investimento .
Uma cláusula qu e se propagou a partir do começo do século XV
permitia uma bonificaç ão rural espetacular: no final de um contrato,
o proprietário de uma te rra devia reembolsar as melhorias feitas
pelo locatário ; se não fosse capaz disso , devia renovar o contrato
nas mesmas condições e pelo mesmo tempo. Isso favoreceu os locatá-
rios empreendedores, que só tinham de pagar um censo mínimo.
Assistiu-se a uma verdadeira expropriação da Igreja a seu proveito .
A agr icultura entrou de fato numa fase capitalista. O exemplo era
dado pelos duques. A planície paduana transformou-se numa rica
horta . A venda de legumes, fru tas e produtos da criação de animais
fez com que aflu íssem capitais para Milão . O s cursos d'água, melho-
rados, serviam ao mesmo tempo par a a irrigação e para o transporte .
Finalmente, havia um a atividade de construção bastante notável :
as catedrais de Milão e Pavia, e a Cartuxa de Pavia são os exemplos
mais conhecido s; ma s muitos castelos foram restaurados, as vil/as
rurais surgiram, as casas urbanas foram ap erfeiçoadas. A expressão
" rico como um milanês" tornou- se provérbio .
Depois de algum tempo, uma crise po lítica inte rr om peu esse de -
senvolvimento. Em 1447, Filippo Maria Visconti morria sem deixar
herdeiro . Em Milão, a lguns nobres e jurist as proclamaram a Repú-
blica. Ao mesmo tempo, o Estado decompunha-se, enquanto sur-
giam candidatos es trange iros à sucess ão : o rei de Nápoles, o duque
de Savóia .. . Foi nessas condiçõe s qu e se sublevou Francesco Sforza,
filho ba stardo de um camponês do Sul , que recebera uma boa educa-
ção e casara-se co m a filh a natural de Filippo Maria. Servindo Milão
como condottiere, ele se vo ltou contra a cidade e apoderou-se dela
em 1450; Cosme de Mediei fez com que fosse reconhec ido em toda
a Itália .
O progresso continuou so b a nova din astia . D esenvolveu-se em
particular a cultura da sed a : passou a se r o brigatório que todo pro-
200 OUTONO DA ID AD E M ÉDIA

prietário de cem var as cultiva sse pelo menos cinco amoreiras (" mo-
ron " em patoá : daí o cognome More [Mouro] que será dado a Ludo-
vico, filho e sucessor de Francesco) . Do mesmo modo , o cultivo
do arroz propagou-se - começou a fazer parte do card ápio das tropas
por volta de 1500. E também os minérios passam a ser procurados
nos vales lombardos dos Alpes. A imprensa foi adotada em 1471.
A importância das colônias estrangeiras crescia : havia alemães (os
Fugger de Augsburgo , em particular), franceses , flamengos, ingle-
ses ...
Os Sforza mandaram executar grandes obras em Milão , com a
ajuda de notáveis arquite tos como Bramante . Contruiu-se o castelo
da porta Giovi a. Ergueu-se um hospital ger al, unificando-se todo s
os asilos anteriores. As obras da catedral pros seguiram. Lud ovico
recorreu a hum anistas, a sábios, a músicos. Leonard o da Vinci, como
vimos, veio organizar os prazeres de sua Corte.
Pena que Lodovico tenha se deixado levar pela ambição de criar
uma monarquia hereditária, suscitando assim oposições! Em 1492,
a morte de Lorenzo, ii Magnif ico, privou-o de seu melhor aliado .
Quando Luís XII de França interveio , em 1498, não pôde resistir-lhe ,
morrendo miserav elmente em Loches. Contudo , continuou sendo
um centro notável:

Quatro cidades, quatro patriotismos, quatr o temp eramentos dife-


rentes! Compreende-se que, além da comunidade lingüística e o des-
prezo pelos ultramontanos, a Itá lia não seria , ainda por longo s sécu-
los, senão uma expressão geogr áfica.

Pelos desfiladeiros alpestres , por Genebra e Basiléia, e depois pelo


vale do Reno ou pela circunavegação atlântica , chegava-se aos Países
Baixos. Alcançava-se a outra ponta do eixo. Os quadros políticos
estavam em vias de transformação. O passado legara uma fragmen-
tação feudal extrema: a partir do Sul sucediam-se o cond ado de Hai -
naut , a região de Liêge dependendo de seus príncipes-bispos, o con-
dado de Namur, o condado de Flandres , o ducado de Brab ant, as
ilhas do condado de Zel ând ia , e depo is o conda do de Hol and a, a
diocese de Utrecht, a Gu éldria e a Frísia. Legara tamb ém uma divisão
entre reino de França e Império : este compreendi a o con junto dos
Países Baixos, mas a fronteira atravessava o condado de H ainaut
e o condado de Flandres, que no esse ncial, além das três cidades
de Bruge s, Gand e Yperen, dependia do rei de França, que tamb ém
adquirira a Flandres valã de Lille e Douai. Legar a, finalment e, um
limite Iingüístico , que o tempo não superaria: a linha passava por
Courtrai , Bruxel as e Louvain , depois atravessava o Reno ent re Liêge
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 201

e Maastricht. No Sul, falava-se valão e franciano, no Norte flamengo


e neerlandês. Salvo nesse plano das línguas, os séculos XIV e XV
foram um período de simplificações, misturadas às peripécias da
Guerra dos Cem Anos.
Em 1361, depois da morte do duque Philippe de Rouvres , filho
de Joana de Boulogne , que casou-se pela segunda vez com o futuro
rei de França, João II , o Bom, o ducado de Borgonha retornou à
coroa da França . Em 1363, João deu-o, como herança , a seu filho
Filipe, o Audaz, que o secundara admiravelmente no curso da infeliz
batalha de Poitiers. Filipe desposou Margarida, filha e herdeira de
Luís de Mâle, conde de Flandres, de quem herdou a sucessão em
1348 (a qual também compreendia o condado de Borgonha, a Fran-
che-Cornt é). A partir de 1380, data do falecimento de seu irmão,
o rei Carlos V de França, assumira, com seus dois outros irmãos,
a regência do reino de França. Em 1382, conduzira o jovem Carlos
VI , seu sobrinho, à vitória de Roosebeke sobre os flamengos rebel-
des . Em 1392, a loucura de Carlos VI fez com que tivesse um papel
importante na França. Em 1404, João Sem Medo, seu filho, sucedeu-
lhe, e logo (1408) obteve uma vitória sobre os liegenses, que haviam
se revoltado contra seu príncipe-bispo, seu cunhado João de Baviera.
Mas João Sem Medo foi assassinado em 1419. Seu filho Filipe, o .
Bom , foi rechaçado para a aliança inglesa, e em 1420 participou
do tratado de Troyes, que reconhecia Henrique V de Lancastre como
rei da França. Entretanto, ele captou a sucessão do Hainaut, o que
contribuiu para afastá-lo dos ingleses. Em 1433, herdou pelas vias
normais o Brabant e a Holanda, possessões de sua mãe . E, final-
mente, em 1435, reconciliou-se com Carlos VII, vitorioso graças a
Joana d'Arc: LI tratado de Arras, que lhe reconhecia o conjunto de
seus Estados em total soberania para toda a vida, acrescentou a isso
os condados de Mâcon, Auxerre, Bar-sur-Seine e Ponthieu, e , sob
reserva de resgate, as cidades do Som me (como Péronne). Na Borgo-
nha e nos Países Baixos tinha-se constituído então a extraordinária
potência dos "grandes duques do Ocidente", para os quais só faltava
o título real. Carlos, o Temerário, seu filho, que lhe sucedeu em
1467, herdou a impossível tarefa de adquirir esse título e reunir seus
feudos - que nada mais separava senão o ducado de Lorraine -
num Estado coerente . Derrotado pelos suíços, morreu durante o
cerco de Nancy (1477). Seus Estados foram divididos entre Luís XI
e Maria de Borgonha, filha de Carlos e mulher de Maximiliano da
Áustria: a luta entre a França e os Habsburgo começava.
Mas esses são apenas quadros. O que nos interessa aqui é a vida
econôrnica dos Países Baixos. Embora não tivessem sido poupados
das epidemias, eram Estados que floresciam . Luís XI de França,
202 OU TONO DA IDAD E M ÉDIA

que durante algum tempo ali se exilara , elogiara-os como já vimos


antes. Isso devia- se a uma agricultura muito progressista, a uma tece-
lagem que se constituía num a da s prim eiras da Europa e a um papel
comercial que Bruge s e Antuérpia ilustra m em particular.

At é o século XII, Bruge s era sepa rada do mar por um conjunto


de pânt anos em que a mar é subia (74, 95). A navegaç ão só podi a
atingi-Ia na maré alta. E prov ável qu e um can al tenha sido aberto
para facilitar a circula ção. Em 1134 um maremoto abriu uma baía
na costa , o Zwin . O mar chegava então a 5 quilôm etros da cidade ;
em 1180 fundou-se na sua orla o antepo rto de Damm e. Tamb ém
no século XII, o tr áfico de Bru ges começou a ganhar alguma expres-
são, graças às relações com a Inglaterra, po is foi então que a tecela-
gem flamenga utilizou em grande escala a lã inglesa , a melhor existen-
te . Os merc ador es brug eses visita ram a Inglat erra inteira e anim aram
a Hansa flamenga de Londres, a qu al aparece nos documentos a
partir de 1241. Bruges torna-se desse modo o grande mercado da
lã inglesa, que revendia a todos os centros fabricantes de pano s.
A partir da união da Guyenne com a Inglaterra , representava tam-
bém um papel importante no comércio do vinho "gascão" .
No século XIII as relações de Brug es ampliaram-se, ao passo que
diminuía ali o papel dos comerciantes aborígines. Cada vez mais
eram os mercadores estrangeiros que vinham a Bruges, ond e tinh am
certeza de escoar seus produtos e encontra r tecidos flamengo s como
frete de retorno. Por volta de 1270, os ingleses já tinham o papel
mais importante. No início do século XIV surgiu o sistema da Etapa
e foram sobretudo os ingleses que levaram sua lã às cidades de Et a-
pa situadas no continente: Bruges beneficiou-se desse privilégio, vá-
rias vezes em 1325-1326, em 1340-1348, e aind a em 1349-1352. Depois
a Etapa foi fixada em Calais, não longe de Bruge s. Por volta de
1200, mercadore s alemães de Colônia e das cidades renanas também
começ aram a visitar Bruges . Dep ois foi a vez dos merc ador es que
vinham de cidade s mais setentrion ais, Lüb eck e Hamburgo em parti-
cular. E finalmente , em 1277, chegar am as primeir as galés genovesas,
logo seguid as pelas galés venezianas. A ligação marítima direta entre
Bruge s e a Itália estava estabelecida.
Os aconteciment os do final do século XIII consagraram esse declí-
nio do grande patriciado mercante em Bruges assim como em outras
cidades flam enga s. O domínio que ele exercia sobre a administração
municipal foi colocado em jogo pelo que foi chamado de a "revolução
democrática" , cujo principal animador foi Pierr e de Coninc, um tece-
lão brugê s. A guarnição franc esa de Bruge s, em que se apoi avam
os patrícios, foi mas sacrada: foram as Matinas de Bruges (lR de maio
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 203

de 1302). Depois um exército de cavaleiros franceses foi esmagado


em Courtrai (11 de julho) . A constituição urbana foi modificada
em proveito dos artesãos. Certamente o rei de França teve sua revan-
che em seguida. Mas os mercadores eram desde então minoria nos
governos municipais e tinham sido muito atingidos pelos distúrbios .
Seus sucessores contentaram-se com atividades locais.
O século XIV pode, no entanto, ser considerado como o período
de apogeu da "Veneza do Norte" . A idéia tradicional é que sua
fortuna provinha do encontro entre mercadores, alguns oriundos do
Mediterrâneo e do Atlântico, e outros da Inglaterra e do domínio
hanseático . Isso não é totalmente correto . Sem dúvida, esses merca-
dores podiam fazer trocas entre si. permitidas na maior parte do
tempo por seus privilégios . Mas a economia internacional pôde dis-
pensar o papel de Bruges como intermediária. A Itália tinha relações
diretas com a Inglaterra, e por terra com a Alemanha. Bruges era
um enorme centro de consumo, situada no meio de uma região excep-
cionalmente rica e povoada. Os mercadores podiam vir de todo lado
para escoar ali seus produtos. Estavam seguros de encontrar no local
um frete de retorno: telas de Flandres e de Hainaut, dinanderies
(objetos de cobre batido) de Dinant edo vale do Meuse, mas princi-
palmente os tecidos flamengos, que agora eram em sua maioria teci-
dos médios. fabricados nas cidades secundárias e no campo. Entre
1394 e 1410, Datini comprou 1.618 peças de tecido originárias do
vale do Lys (Courtrai, Wervick), e a Ordem Teutônica, na Prússia,
importou 11.000 peças de mesma proveniência de 1391 a 1399. Bru-
ges beneficiou-se também de uma organização financeira muito boa.
A Santa Sé mandava trazer. através de letras de câmbio. suas rendas
da Polônia, Alemanha. Escandinávia, transportadas até lá pelos han-
seatas em forma de mercadorias. Era também o maior mercado inter-
nacional para os empréstimos, o que facilitava a presença de capitais
abundantes. Até as falências dos anos 1340, os florentinos tinham
aí o papel principal ; depois foram os lucqueses, em particular Dino
Rapondi; os florentinos recuperaram sua posição no século XV .
Nessa época, eram muitos os mercadores estrangeiros em Bruges.
Os hanseatas eram seguramente os mais numerosos: calcula-se que
fossem em cerca de 600 - comissionados. criados e barqueiros -
numa assembléia geral de 1457; mas havia mais ainda no século XIV .
Por muito tempo seu Kontor não tinha espaço reservado . Os merca-
dores alojavam-se em hotéis ou na casa dos habitantes. Faziam suas
reuniões no convento dos Carmelitas. Entretanto, desde 1442. passa-
ram a ter uma casa. Mesmo assim era uma organização muito forte,
dividida em três terços (lubeckense-sax ônico, westephaliano-prus-
siano, gotland ês-Iivoniano), dirigida por seis Anciãos e dezoito asses-
204 OUTONO DA IDADE MÉDIA

sores igualme nte eleitos nesses terços, com a existência de uma caixa
alimentada pe las multas e pelo Schoss (taxa de 0,14% sob re o câm-
bio). Q uando o Kontor dive rgia das autor idades mun icipais sob re
as condições estabelecidas para o comé rcio, chegava a abandonar
a cidade e se insta lar noutro lugar dura nte alguns anos.
Em seguida vêm os italianos, divididos um po uco antes de 1400
em "Naç ões" : Bolonha , Flor en ça , Gê nova , Lucca, Milão , Piacenza ,
Siena e Ve neza. Tod as se be neficiavam pr aticament e dos mesmos
privilégios, definidos pelos tr atados que o conde de Flandres firmara
com as cidades inter essadas. Par a dar um exe mplo, pod emos exa mi-
nar o que Gê nova ob teve em 1396: nenhum seqüestro de bens pod e-
ria ser feito em rep resá lia pelos prej uízos de guer ra devidos a outros
genoveses. Seria dado um aviso prévio de oito meses, caso o conde
de Flandres decidisse exp ulsar os geno veses. Os marinheiros geno-
veses conse rvariam todos os seus direitos sob re seus navios fundea dos
em Sluis. Os genoveses não teriam mais nenhu ma taxa a pagar sobre
suas mercadorias além daque las que fossem especificadas por aco rdo .
Todas eram submetidas às mesmas restrições: exclusão do comé rcio
varej ista, ob rigação de sem pre passa r po r um corretor , proibição
de comprar produt os locais para revend ê-los no mesmo lugar. A
Nação , dirigida por um Com itê eleito (com um côns ul) , er a ao mesmo
tempo uma associação comercia l, um círculo socia l (pa rticipa ndo
também das festas urbanas) , e uma confraria religiosa prov ida de
uma capela. Per tencer a ela era uma obrigação . Mas o núme ro de
membros era variável : 35 na Nação lucqu esa , em 1378. Havia casas
consulares, várias delas instaladas na praça da Bolsa, assim cha mada
porq ue ali enco nt ra-se um hotel de propriedade da família Va n der
Beurse. Essa praça era o pon to de encontro favo rito dos italianos.
Essa é a origem do termo " Bolsa" , fada do a um tal sucesso .
Ta mbém havia ingleses, espa nhóis, portugueses, mas muito pou-
cos franceses, por qu e o rei de França estava freqüentemente em
conflito, ora com o conde, ora com as cidades de Flandres. Não
é de se sur pree nde r que man uais de conve rsação bilíngüe tenh am
sido com postos em Bru ges.
A organização do crédito e do ba nco em Bruges já foi est uda da
(pp. 124-5) (74). Havia ali três setores economica mente bem distintos.
Correspondiam a três meios sociais não menos diferentes, que ainda
nos falta evocar. Os "lornbardo s" eram em gera l originá rios de Asti
e Chieri no Piem on te . E ram pessoas de fortuna bastante razoáve l,
cuidadosamente man tidos à distâ ncia da boa sociedade , que to lerava
suas at ivida des como um mal necessár io . Assim, seus estabelcime ntos
situavam-se no Qua i L ong ; num bairro tr anq üilo, relativamen te afas-
tado do centro . Não pa rticipa vam das festas. Casa vam-se entre si.
ESBOÇO DA NOVA EURO PA 205

Única exceção conhecida: Simon de Mira bello, cujo pai morrera na


prisão em 1333. Bem depressa o empréstimo pa ra consumo passara
ao segundo plano par a ele . Muit o ao con tr ário , concedeu adia nta -
mentos ao conde e à cidade de Gand. Comprou terras e senho rias.
Ao casar-se com uma irmã nat ural do conde , to rno u-se nobre e pas-
sou a chamar-se Simon de Halen . Representou até mesmo um papel
político, como testa-de-ferro de Jacques van Artevelde. A esse títul o
foi proclamado regent e de Flandres, vindo a acolher Eduardo III
da Inglaterra em 1340. Havia os cambistas italiano s, membros das
Nações, que pert enciam às grandes socieda des com várias sucursa is.
E , finalmen te , havia os "trocado res" que eram autóctones, cida dão s.
Naturalmente , sua fortuna era variável. Alguns pertenciam a famílias
de maior des taq ue e ao clube da Poorterslogie; parti cipavam dos
concursos de arco-e-flecha . Um dos mais brilhantes foi Évra rd Goe-
der ic, de um a linh agem de escabi nos . Tornou-se nobre e combate u
várias vezes a cava lo. E m 1379 fez parte de uma delegação da cidade
de Bru ges, qu e assistiu ao casame nto de Margue rite de Flan dres
com Filipe , o Audaz. Mas tamb ém houve falências entre os " troca do -
res" . Aliás, seu núm ero restrin gia-se po uco a pou co. No final do
século XV , tinh am desapa recid o compl et ament e .
De fato, a partir da segunda met ade do sécu lo XIV, Bru ges come -
çou a declinar. Logo depois de aberto, o Z win não parou de asso-
rear- se. Foi preciso criar o anteporto de Sluis, menc iona do r ela pri-
meira vez em 1290, e unido a Damm e por um canal, que se to rnava
cada vez mais caro e difícil manter em bom estado . Aliás , Sluis tendia
a se desenvolver à parte , substituir Bru ges como mercado, sobretudo
quando seu senhor, o caçula da família de condes de Flandres, quis
praticar uma política autô noma (1320) . Bru ges revidou mandando
demolir seu ant igo antepo rto , e fazen do com que o conde de Flandres
lhe conc edesse um privilégio de etapa: toda mer cadoria que entrasse
no Zwin devi a ser vend ida a Bru ges. Durant e todo o século XIV ,
Bruge s fez con firm ar e aplicar esse privilégio . Apesar de tud o, as
relações com o mar era m difíceis. Muit os patrões de navios preferiam
atraca r na ilha de Walcher en e transferir suas mer cadori as em esqui-
fes que chega vam sem dificuld ade a Sluis. DaÍ, cada vez mais era
preciso tr anspor tar as mercadorias para Bru ges por terra .
Isso não era tudo. A nova produ ção de tecidos flamenga, a das
pequen as cida des e do campo, recuou no século XV diante da concor -
rência dos ingleses, dos holand eses... Isso levou Bru ges a tom ar um a
atit ude prot ecioni sta, pro ibindo a venda desses tec idos estrangeiros .
Ao mesmo tempo em qu e se sentia m fer idos em seu individua lismo
por essa regulament ação, os mercador es não estavam mais certos
de encontrar em Bruges um frete de retorno.
206 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

A isso somava-se o nascimento de novos mercados nos Paíse s Bai-


xos. Para lutar contra o protecionismo encontrado em Bruges, os ~·
ingleses favoreceram outros portos: Dordrecht na Holanda, para on-
de os hanseatas transferiram seu estabelecimento comercial em
1358-1360 (e ainda em 1388-1392); e , principalmente , Midd elburg,
situado na costa da ilha de Walcheren em frente a Bruges. Por volta
de 1380, quando novos distúrbios agitaram Flandres ,. o conde de
Zel ândia esforço u-se para atr air os italianos, os espanhóis e os portu-
gueses , mas não o conseguiu por muito tempo . No século XV , Mid-
delburg tornou-se um centro dos escoce ses e dos bretões . Mas sofria
po r sua situaçã o insular. Além disso , cometeu o erro de procurar
um privilégio de etapa , obtido em 1405, mas que impunha as mesmas
obrigações que a Bruges .
Finalmente, foram os portos do Escalda que mais se beneficiaram
com a mudança. Em prim eiro lugar Bergen-op-Zoom , que obteve
duas feiras em 1350, mas que a evolução dos canais no estuário do
Escald a desfavoreceu progressivamente no século XV a ponto de
fechar esse por to em 1530. Depois, e de modo duradouro , Antuérpia
(91-94). Desde o século XIII, Antuérpia era bastante conhecida como
porto de importância inter-regional e como centro da indústria de
tecidos - porém , secundário . Os primeiros grandes sucessos datam
do século XIV. Em torno de 1320, Antuérpia obteve o direi to de
ter du as feiras, a de Pentecostes e a de outubro . O duque do Brabant
esfo rçava -se em atrair os mercadores italianos e hanseatas através
de privilégios. Antuérpia representava então o mesmo papel em rela -
ção à tecelagem br abantesa, que Bruges em relação a Flandres .
E ntretanto , em 1356, Antuérpia passou , juntamente com Meche-
len , par a o domínio do cond e de Flandres . Chegou-se a cogitar se
não haver ia aí uma nova política inspir ada por Bruges para arr uinar
essa nova concorrênc ia. Contudo , se o conde fez com que a etapa
do sal, da aveia e do peixe passasse de Antuérpia para Mechelen
(1358) , também desejava beneficiar-se das taxa s arrecadadas em An-
tuérpi a. Por outro lado, os mer cadores brugeses favoreciam as feiras
de Antuérpia, ao mesmo tempo que as controlavam ; por exemplo ,
reserv avam para si mesmos a venda da lã e das especiarias. No final
do sécu lo , essas feiras eram cada vez mais freqü ent adas por novos
grupos de merc adores: holandeses, que aí vendiam cereais e cerveja;
alemães do Sul e mercadores de Colônia ligados às feiras de Frank-
furt ; ingleses repelidos pelo protecionismo flamengo .
No século XV , Antuérpia beneficiou-se de várias inundações, que
aprofundaram no Escalda os canais que conduziam a seu porto. En-
tretanto , assim como a produção de tecidos flamenga , a produção
de tecidos brabantesa declinava. Foi fundamental que Antuérpia não
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 207

tenha adotado na época uma atitude protecionista . Beneficiou-se,


ao contrário, de novos circuitos comerciais . Os mercadores de Colô-
nia e das cidades do Reno abandonavam cada vez mais Bruges em
proveito de Antuérpia ; levavam para lá seu vinho e seus produtos
fabricados, e absorviam os tecidos ingleses que revendiam no Sul
da Alemanha. Com a insegurança reinante devido à Guerra dos Cem
Anos na França e nas costas atl ânticas, uma parte das especiarias
italianas vinha diretamente pelo Sul da Alemanha até Antuérpia.
Esse tráfico contribuiu para suscitar no seio desta uma riqueza que
foi investida em explorações mineiras: principalmente o cobre e a
prata encontraram um bom mercado em Antuérpia, onde a prata
era sobreestimada na moedagem a partir de 1465. E esses metais
atraíram os portugueses para Antuérpia. pois aí podiam conseguir
o cobre procurado na África e a prata buscada na Índia ; em troca,
forneciam seu s produtos exóticos e orientais . O crescimento das tone-
lagens dos navios no século XV também favoreceu Antuérpia (e
Amsterdã) contra Sluis. onde não podiam mais atracar. A partir
de então. precipitaram-se as últimas fases do declínio de Bruges.
Ainda durante algum tempo. Lübeck e as cidades vendes favorece-
ram -na. pois gozavam ali de uma preponderância que não encon-
travam em outra parte. Mas as medidas tomadas para esse fim nem
sempre eram respeitadas pelos hanseatas, cujo número diminuía,
a ponto de, em 1472, ter sido preciso reduzir o de seus Anciãos
e assessores de 24 para 18, depois para 12 em 1486. Os distúrbios
que marcaram a regência em Flandres de Maximiliano da Áustria.
de 1482 a 1493, representaram um golpe fatal para Bruges, que se
revoltou contra ele . Em março de 1484 e em junho de 1486, Maximi-
liano ordenou aos estrangeiros que a abandonassem. Na segunda
vez. chegou mesmo a determinar-lhes sua ida para Antuérpia. Em
seguida, deu-se o retorno oficial das Nações para Bruges ; porém
muitos mercadores continuaram fixados em Antuérpia. O movimen-
to do porto de Sluis nos diz muito : de setembro de 1486 a setembro
de 1487,75 navios, que representavam 8.300 tonéis; apenas 42 (4.800
tonéis) de setembro de 1499 a setembro de 1500!
Bruges bem que tentou lutar, mas sem sucesso. O fortim que junto
com Gand foi construído numa margem do Escalda para interceptar
o tráfico de Antuérpia foi subjugado ao cabo de alguns meses. Ela
autorizou altos gastos para melhorar o acesso de Sluis . Várias vezes,
aplicou com maior rigor o sistema da et apa; e depois, em 1501, aban-
donando seu protecionismo tradicional, obteve a Etapa dos tecidos
ingleses em Flandres. Por volta de 1500, era freqüentada somente
por alguns mercadores. Conservou um certo papel como mercado
financeiro, onde se podiam conseguir empréstimos ; mas também nes-
208 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

se campo afirmou-se a concorrência de Antuérpia, que se tornou


um grande mercado de capitais na segunda metade do século XV,
sobretudo com a chegada dos Fugger. Desde então Bruges sobre-
viveu apenas como centro de chegada da lã espanhola (e inglesa,
depois da perda de Calais pela Inglaterra em 1558). No final do
século XVI, a revolta dos Países Baixos contra a Espanha poria um
fim até mesmo a essa sobrevivência, e Bruges entraria num sono
multissecular (do qual não a tiraria sequer o movimento dos turistas).
enquanto Antuérpia iria se tornar um dos grandes portos da Europa
moderna.

A vertente atlântica

Com Antuérpia abordamos a vertente atlântica da Europa . As


dimensões deste livro evidentemente afastam a idéia, que eu poderia
ter, de apresentar um quadro completo das economias inglesa, fran-
cesa e ibérica, sobre as quais, entretanto, não faltam escritos. Deve-
mos nos limitar a algumas idéias gerais e a algumas sondagens.
A Inglaterra dos séculos XIV c XV era o país que já observamos
em várias oportunidades. Possuía uma agricultura avançada de modo
desigual, às vezes mais do que se podia suspeitar. Foi relativamente
poupada pelas guerras, mas menos às suas custas do que se acreditou,
revo ltando-se, às vezes, contra as desigualdades sociais que. nas con-
dições e no espírito da época, elas provocavam (33,37.50.69 .86).
No tráfico dos mercadores ingleses, o primeiro lugar era tradicio-
nalmente ocupado pela lã, a melhor que havia, procurada especial-
mente pelos flamengos e italianos... Para os ingleses. a vinda destes
à Inglaterra para procurá-la era, de início. um comércio passivo .
Mas, relacionada às falências dos mercadores italianos por volta de
meados do século XIV, uma Etapa da lã foi criada , por onde a lã
exportada devia passar: ora era uma cidade inglesa, ora uma conti-
nental , fixando-se por fim em Calais. A Companhia da Etapa, que
agrupava os exportadores ingleses, tinha o monopólio da compra
e concedia subsídios ao rei . Mas, no século XV , a exportação da
lã começou a decair.
Ao contrário, a exportação dos tecidos fabricados na Inglaterra
progredia. Também era praticada por uma Companhia. a dos "Mer-
cadores Aventureiros": assim eram chamados os mercadores que
faziam, não a viagem regular de Calais, como os mercadores da Eta-
pa , mas outros trajetos, visando vender seus produtos " à aventura" .
Iam sobretudo à Prússia, aos países escandinavos. aos Países Baixos.
onde tinham obtido, respectivamente em 1391. 1408 e 1407. privilé-
ESBOÇO DA NOVA E UROPA 209

gios , em particular o direito de administrarem eles próprios suas


representações comerciais. A Companhia dos Mercadores Aventu-
reiros do s Países Baixos tornou-se a mais importante entre todas
as outras: só ela é mencionada pelos tex to s que não se referem a
qualquer outra especificação geográfica . Compunha-se de grupos in-
dividualizados residentes nas grandes cidades e de onde iam às feiras
dos Pa íses Baixos. A ssim, podiam ser encontrados em Newcastle,
em York (onde a Companhia tinha uma grande sala ou half), em
Bristol (primeira menção em 1477, com viagens principalmente para
a Espanha e para os países atlânticos) , e em Londres (onde se confun-
dia com a corporação do s arma rinhe iros) .
H avia também o com ércio do vinho, importad o da " Gascon ha" ,
considerável a partir do século XI I. O vinh o era essen cialm ente trans-
portado por duas frot as, que saía m de Bordeaux no outon o e na
primavera . E ha via outras exportações ali: o estanho , as peles, os
alabastros (espécie de gipsita branca, qu e se assemelha ao m ármo -
re ... ) E, finalmente , no século XV desenvolveu-se o com ércio com
a Islândia , apesar das hesitações da Noruega e da oposição da Hansa .
A partir de 1412, começou a ser praticada a pesca de bacalhau (e
de outros peixes) em pequenos navios , a partir de Lynn e dos portos
do Nordeste , ou a partir de Bristol. Desde então estendeu-se uma
atividade propriamente mercante, com parada de verão na Islândia .
Podemos de stacar algumas figuras de mercadores ingleses? Eram
sobre tudo exportadores de lã. A documentação de que dispomos
é composta principalmente de correspondências . Um exemplo é a
do s Stonor, que possuíam domínios em Oxfordshire e nos condados
vizinhos. Havia, entre outros, Thomas Betson, no ivo da jovem Ca-
therine Riche, com quem se casou em 1478, vindo a morrer em 1486
-apenas depois de oito anos de casamento , mas na época a aventura
era comum .
Podemos citar ainda os Cely (60). Richard, o pai , morreu no fim
de 1481 ou começo de 1482. Deixava três filhos: não falemos senão
por memória de Robert , talvez o segundo , que era " a ne 'er-do-well"
(um homem inútil) ; o primog énito , Richard , administrou seu domí-
nio de Betts (paróquia de Alveley, no Essex ) depois del e; o mai s
jovem , George, morava a princípio em Calais, lugar ba stante adequa-
do a um caçula . Em Londres , resid iam em Mark Lan e, perto da
Torre . Eis um a carta enviada por Richard . o pai. a George:

" Jesus M.IIII c.III I xx

Minha s sa udações . recebi uma carta sua . escrita em Calais em


16 de outubro. e se compreendi bem, você vendeu um fard o de minha
210 OUTONO DA IDADE Mé'D IA

boa lã das Cost wold, ao preço de 19 marcos o saco , e 6 fardos de


minha lã méd ia das Costwold , ao preço de 13 marcos o saco, tudo
vendido à vista a Jean van Unde rhay de Malines... Ai nda não emba lei
minha lã em Londres, nem compre i um único floco de lã , pois a
lã das Costwold é comprada pe los lom bard os, tam bém estou menos
apressado em embalar minha lã em Londres. At ua lmente ten ho um
gran de ~stoque de lã em Ca lais; que Deus nos conceda uma boa
vend a! E tud o o que tenho a dizer pa ra o moment o . Que Jesus o
proteja . Escrita em Bretts, em 29 de outubro prestamen te [...] por
Richa rd Cely.
Endereço: que esta carta seja entregue a George Cely em Calais ."

Notemos as invocações religiosas desenvolvidas num a carta de


1487: " Q ue Jesus Tod o-Poderoso conserve e guarde você e todos
os seus por muito tem po com boa saú de e prosperidade , pois Deu s
Todo-Poderoso envia nova mente o mal aq ui pa ra Calais e na região
em que essa grande peste de doença se abate, imp loro a Sua Miseri-
córdia que a apazigue." Verificamos que o auto r da carta est reito u
sua cro nologia: respon deu no dia 29 a uma carta expedida de Calais,
por seu filho Ge orge, no dia 16 - um prazo de 13 dias, portanto .
Além disso, essas cartas permitem reco nstituir a atividade desses
mercadores. Eles comp ravam lã na primavera ou no outo no, mo-
mento em que se matavam muitos animais que não poderiam ser
alimentados dura nte o inve rno. Essas compras era m feitas freqüen-
temen te nas Costwold , colinas situadas a Oeste de O xfor d. Mas ali
havia a concorrência ilegal de flamengos e de italianos . A lã , empi-
lhada em fardos , em seguida era enca minhada, po r caravanas de
animais de carga, até Londres, e depois até Calais por peq uenos
navios originár ios de ' vários po rtos . Os pacotes era m cont ro lados
na travessia . A venda era feita em Calais ou nos Países Baixos. O
expo rtado r porcur ava então levar seu dinheiro para a Inglaterra ,
a fim de pagar os produtores, de que m tinha comprado a crédito.
Os mercadores de Londres foram cuidadosamente estu dados por
minha velha amiga Sylvia Th rup p (87). Ela observou que esses mer -
cado res estava m agrupados em corpo rações (crafts) , algumas princi-
pa lmente industriais (como as dos curti do res, dos ourives), outras
purament e comerciais (mercado res de vinho , especiei ros, peleiros,
armarinhei ros, vendedores de tecidos de lã... ). Cada corpo ração reu -
nia assalariados, pequenos patrões e grandes mercadores. Havia,
portanto , um a dupla seleção entre as corpo rações impor tan tes e as
secundá rias; nas prim eiras, entre os not áveis, " homens de libr é" ,
e os out ros memb ros. Esse fosso ampl iou-se no século XV . Os notá-
veis form avam clubes, tinham um lugar à part e nos pequ enos palácios
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 211

adquiridos pe las corporações no século XV. Cada corporação , diri-


gida por oficiais. estabelecia toda uma regulament ação do com ércio .
As vezes. hav ia uma con frari a à parte , como a dos peleiros . De fato ,
os grande mercadores eram pou co especializados e praticavam vário s
outros comércios ao mesmo tempo , além daquele ao qual corres-
pondia sua espe cialidade oficial. Numa popul ação urbana total de
30 mil a 40 mil habitantes, havia cerca de 1.200 merc ado res, ou seja,
um grupo social de 6.300 pessoas aproxima damente, com mulheres,
crianças e apre ndizes. Entre eles, encontravam-se cerca de 700 ho-
men s de libré .
Como Londres era uma capit al, esses merc adores pud eram de iní-
cio representar um papel político nacional. De fato. eles qu ase não
se exprimiam no seio da Co mpanhia da Etapa , que discutia, no entan-
to , sobre a importância dos subsídios com o rei . Mais precisament e,
pelo fato de o rei e a Co rte residirem com freq üê ncia em Londres.
enriquec iam-se. subve ncionando-os. e, po r outro lado, suas relações
com a Cort e possibilitavam que ocup assem cargos e preenchessem
missõe s diplom áti cas. Havia ainda a represen tação nos Parl ament os:
uma parte da deleg ação da cidade, cerc a de um qu arto. era composta
de merc adores. Eles tamb ém represent avam o condados vizinhos
em que tinh am propriedades. Seu papel municipal era essencia l: Lon-
dres era governada pelos aldermen , que eram escol hidos pelos diver-
sos bairros (wa rds) e elegiam entre eles o prefeito ; e pe lo xerife .
que tinha poderes ju diciários e policiais . Essas diver sas autoridades
deviam resistir aos avanços do rei. levando sempre em cont a a opinião
pública. O século XIV ainda estav a muito perturbado . principal-
ment e com a grande revolta de 1381. No século XV, surgiu uma
clara te ndência aristocrá tica: os aldermen eram reeleitos em pri ncípio
e permaneciam por tod a a vida nessas funções. Em caso de vacância.
o Conselho da cidade eleg ia dois candidatos, os quais escolhiam o
prefeito e os outros aldermen . Dois xerifes eram designados. um
pelo Conselh o . o outro pelo prefeito . Toda essa administração
era dom inad a pelos mercadores . que comandava m a jus tiça. as
finan ças. a reg ulame ntação (logo. as condições de trab alh o. os
salár ios .. .)
Muitos merc adores er am descendent es de campo neses ou de arte -
sãos, mas principalmen te de mercadores das cidades secundárias .
que che gavam com um pe queno capital inicial. Havia tamb ém os
descend ent es de famílias mercantis locais. As ligaçõe s estabeleciam -
se por casament os entre as linhagens. mas ta mbém através de associa-
ções comerciais. As gra ndes corporações estabeleciam um capita l
mínimo . que se devia possuir par a se estabe lecer. As fortunas o btidas
eram conh ecid as pelos testament os. Segun do o costume de Londres.
212 O UTONO DA ID AD E MÉ D IA

um terço dos be ns móvei s ca bia à viúva. um terço aos filho s e um


te rço era de stin ad o ao s legados piedosos e ca ritativos . Assim. no
século XV. 45 % dos es pe cie iros tinham menos de 400 libras es te rli-
na s. 28 % entre 400 e 1.000. 18% mais de 1.000. Também hav ia as
propriedad es te rritoria is. E ra raro que não represent assem se não
um a pequen a parte do pa trim ónio . e m ge ra l ent re a ter ça parte e
a met ad e . Esse patrimônio e ra composto de ben s variados: manors
(co mo era m cha madas as se nho rias na In glaterr a ). terras . casas. ren-
das.. . . ampla me nte es pa lha dos pel a In glat erra (à exceção do Norte ).
E sses mercad or es dedicar am- se realmen te à ex plo ração de se us
domínios: e ntre os Cely, era o pa i q ue o fazia qua ndo os filhos es ta -
vam no exte rior. Esses be ns ti nha m um a d upl a ut iliJad e para eles :
constit uía m um a gara ntia. que permitia a o bte nção de cré dito; era m
um a seg urança pa ra o fut uro d a mulh e r e das crianças. e se us rendi-
mentos pe rmitia m tam bém fundar uma capelania (co m um ca pe lão
qu e re zava por suas almas ) . Ass im . os ca pita is não era m reservados
para o co mércio .
No ta mos que no séc ulo XV um a p roporção cresce nte dos filhos
de mercado res tinha o ut ra ativida de qu e não o comércio. E nco n-
tram-se algumas famílias esta belecidas por lon go tempo em Londres :
co mo os El syng, armarin heiros durante cerca de ce nto e vinte anos;
os Doget , dos q ua is o ma is antigo qu e conhecem os é um tab erneiro
morto em 1282. e depois mer cad ores de vinho durante cinco ge ra -
ções; os Gi sor s, qu e se est abe lece ra m e m Lo nd res no início do séc ulo
XII I (certament e de o rigem ita lia na) . dos qua is ainda e ncont ramos
um a ramificação no séc ulo X VI. Mas. e m geral . as famíli as de merca-
do res ricos só ficava m em Londres d urante três ge rações . Quando
pe rmaneciam po r mais tempo . e ra sina l de de clínio. Pref eri am inst a-
lar -se em se us dom ínios rurais e pert en cer à gentry rural. o que prov a-
va um a elev ação soci al. H avia. aliás . nu merosas re laçõ es entre mer -
cado res e no bres: os mercadores oste ntavam insíg nias . admitiam no -
br es em suas corporações (ha via ce rca de tr inta nobres entre os arma -
rinheiro s de 1430 ao fina l do séc ulo XV). A lguns eram mer cad or es
e no bres ao mesmo te mpo . E ntreta nto. não havia casam ento ent re
eles; os filhos de mercadores esposavam os dos jurist as e dos oficiais
infe riores (na falt a de mercad ores) . E poucos mer cad ores fazi am -se
sag ra r ca valeiro: e ra um a hon ra . mas que co mpo rtava pesad as despe-
sas mil itares e ad minis tra tivas . Um mercad or enri que cido preferia
inst alar-se em se us domínio s rurais. casar-se na pequena aristo cracia
local (gen try) . qu e be m de p ressa assimilava seus descendente s.
Entre os estra ngei ros . havia du as cate gori as princip ais. O s han sea-
tas po ssuíam em Londres uma importante representação comercial
provida de pri vilégios. Forneciam mercadori as esse nciais. es pe cia l-
ESBOÇO DA NOVA EURO PA 213

ment e os cer eais, a mad eira , a pez, a cera , as peles. No século XV


hou ve um esfo rço inglês para penetrar no domíni o han seático e obte r
recipr ocidad e, po r exemplo nas cidades da Livôni a e da Prú ssia. Se-
guiram-se vár ias guerras , nas quais as cida des han seáticas do Oeste ,
Colôn ia em part icular , inter essadas menos diretamen te nos conflit os,
tom ar am um a posição à parte . No início do século XIV , os ita lianos
ocupa vam uma praça important e , emprestavam dinheiro ao rei, arre-
cada vam impostos por sua conta, principalmente os mer cador es e
financistas florentinos. Isso resultou , como vimos , nas grandes falên-
cias dos Peru zzi, dos Bardi , etc. Mesmo depois, Londres con tinu ou
sendo um lugar importan te para eles , onde as Companhias italianas
tinham sucursais, sob retudo as de Ven eza , Flor en ça, Milão. Compra-
vam aí a lã , os tecidos, o esta nho , as peles, os alabastros; e vendi am
as especiarias, as sedas, o algodão, o alume. Para elas, Londres tam-
bém era uma praça financ eira impo rta nte . No meado do século XV
desenv olveu- se o comérci o gen ovês: Gên ova , aliada da Fr ança , tinh a
sido mal vista até então , mas a Gu erra dos Cem Anos perdi a sua
importância . Os genoves es trouxer am o alume, o pastel-dos-tin tu-
reiro s. Instalaram-se sobretudo em Southampton , porto freqü ent ad o
tamb ém pelos flor entinos a partir do moment o em que possuír am
uma frot a , e mesmo os venezianos. Esses italiano s eram mal vistos
na Inglater ra , houve acessos de xenofo bia, como por ocasião das
rebeliões popul ares de 1456-1457 em Londres e depoi s em Southamp-
ton o
Colocou- se o probl em a do papel eco nômico represen tado pelos
italianos na Inglaterra. A tese corre nte defen dia ·oue os italiano s
conside ravam a Inglaterra como um país reta rda tá rio, mas cuja lã
era procur ada. Seriam os ita lianos que, com suas compras (logo,
com seu dinheiro), com seus investiment os, lhe teri am propor cion ado
o desenvolvimento eco nômico. Qu and o a Inglat erra tornou -se bas-
tan te rica, te ria expulso seus mestres. Postan critico u esse pon to de
vista : certamente os itali anos introduzira m suas técnicas avançadas ,
como o seguro. Mas não se deve exage ra r: os ingleses tinham, e
conser var am , suas técnicas própri as, como o créd ito , as tran sferên-
cias de fundos, as associações. Qu an to aos capitais, alguns eram pro-
venientes da Itália (e o efeito das falências foi fazê-los ficar), mas
outros viera m da Inglaterra (na forma de impostos arrecadados par a
o rei). A maior part e desses capitais foram emprestados ao rei par a
suas guerras: pod e-se dizer qu e os italianos ajuda ram o rei a mob ilizar
os recursos do reino , qu e for am desperd içados na França .

Passemos par a a França , cujo destino devia ser - e foi - tão


diferent e , já que ela teve de supo rta r fisicament e o peso da guerra.
214 OUTONO DA ID AD E M ÉDI A

Deixando que se formem por si mesmas as reflexõe s gerais inspiradas


em se u exe mplo (o que não é tão simples!), vou me restr ingir aqui
a tr ês sonda gens : um meio ur bano , Toulouse ; um meio campes tre.
Anjou , um homem , Jacques Coeur.
Por que Toulouse (99)? A final era ape nas um cen tro secundá rio ,
um a cid ad e que devi a te r ati ngido cerca de 40 .000 habitantes no
começo do século XIV , mas qu e não tinha mais de 20 mil ou 25
mil um século mais tarde , apesar da imigração da qu al se ben efic iava .
portanto , em óbv io declínio , alé m de não estar situa da em nenhum
grande eixo comercial e de sof re r com as crises da época : gue rras
(e ra " ba rre ira" do Lan guedoc face à Guyenne inglesa e se rvia de
palc o para a luta ent re as casas de Fo ix e de Armagn ac) , fomes
e epide mias. Encontrava-se em depressão , testemunhada por as pe cto
físico : muitas casas em ruínas , pontes mal co nse rva das . . . Mas , just a-
mente , est udando-a, pod e-se ver como o mercad or comum reagia
diante das dificuldades da épo ca.
Os tr áficos to losanos ba seavam -se em primeiro lugar e principal-
mente num comércio local e region al , qu e visav a o abastec ime nto
da população em víve res, mat érias-prim as para o artesana to (têxte is,
mad eira , couros.. .) e objet os fabricados. Eram fornecid os, se ja pel as
vizinh an ças mais pr óximas - e ra o caso dos ce reais, do vinho, uma
parte do s an imais e da lã , da mad eira , dos couros .. . - , seja pelas
regiões um pouco mais longínquas, que faziam chegar ali suas especia-
lidad es - mad eiras e pedras dos Pirin eu s, sal do baixo Lan gued oc,
animais e qu eijo do Maciço Central , lã e óleo de Aragão .. . Al ém
disso , Toulouse constituía um tr ech o de tr ân sito , entre essas diver sas
reg iões e também entre elas e o exte rior. Su a dificul dad e era enco n-
tra r no loc al o u nessas regiões produtos de tro ca , suscetíveis de se re m
vendidos no exte rior: tecidos, pastel -do s-tintureiros, pentes de buxo
do Plantaurel , etc...
Toulouse man tinh a tam bém tráficos mais dista ntes. A s rel ações _
com o Mediterrân eo não e ra m tão desenvolvidas: Toulou se com-
pr ava suas espe ciarias em Barc elona , co m um trajeto terrestre até
Perpignan , e marítimo do Roussillon a Bar cel ona . No começo do
século XIV , se us mer cad ores fre qüe ntav am Montpellier, onde com-
pravam aviame ntos e sed as, e qu ando necessário trigo da Sicília ,
contra tecidos e co uros ; dep ois man tinham relações so bre tudo co m
as feiras de Pézen as e de Montagnac , onde esta be lec iam contat o
com os mercadores ital ianos - e ram os me smos tráficos: aviamentos
e sedas contra tecidos. En tr etanto, tiveram mui to pou co co ntato
dir eto com mercad or es italian os. É significativa a ausê ncia de qu al-
quer colôni a italian a e m T oul ou se , onde ela com eça a se form ar
por volta de mead os do século X V . Toulo use mantinha rel ações co m
ESBO ÇO DA NOVA E UROPA 215

os países de língua d' oil: buscava nos Paíse s Baixos uma parte dos
tecidos de lã procurados por seus habitantes - tecidos flamengos
no começo do século XIV. depois tecidos médios de Wervick e de
Courtrai , e também os tecidos de luxo do Brabant e depois os da
Normandia (Montivill iers) . O principal caminho, em direção a esses
países, era a via terrestre pelo vale do Ródano e Paris; não havia
nada equivalente a Oeste do Maciço Central. Uma via mais aciden-
tada. porém menos repleta de pedágios e menos freqüentada pelas
companhias de mercenários, chegava a Lyon, atravessando o Maciço
Central por Rodez e Puy . No século XV , desenvolveram-se as rela-
ções com as feira s de Gênova . Os tolo sanos compravam ali aviamen-
tos, sedas e talvez especiarias. É preciso insistir também nas relações
com a Inglaterra, já atestadas no século XIII: vinhos do " haut pays"
contra lãs. Nos séculos XIV e XV, apesar do obstáculo (intermitente)
das guerras, o comércio diversificou-se : os tolosanos mandavam tra-
zer arenques salgados, peles, estanho, trigo e principalmente tecidos
(de qualidade média); expediam pastel-dos-tintureiros. Mas essas re-
lações não eram mais diretas: eram feita s pelo vale da Garonne ,
repleto de ped ágios e ameaçado pelas operações militares; também,
para Bordeaux, geralmente fazia-se um desvio por Condom. Por
interm édio dos bearneses neutros, arrieiros e mercadores, organi-
zou-se uma via terrestre para Bayonne , por Tarbes e Pau.
Uma regulamentação preci sa e minuciosa dominava o artesanato
e o comércio. Quase todos os ofícios eram organizados - ao contrá-
rio do grande comércio e do câmbio, que permanecem livres. Tou-
louse possuía feiras e mercados . Os mercadores tolosanos freqüen-
tavam também uma rede de pequenas feiras regionais , Moissac e
Agen, Muret e Pamiers, Avignonet e Castelnaudary. Tanto os corre -
tores, verdadeiros funcionários públicos, que eram encarregados de
pôr em contato compradores e vendedores, quanto os hospedeiros,
que notificavam seus clientes dos estatutos em vigor e fiscalizavam
as transaç ões, intervinham em toda a vida econômica . As técnicas
eram extremamente rud imentares: não havia sistema de seguros, era
lenta a penetração da letra de câmbio , as contabilidades eram bas-
tante simples, e havia exclusivamente as associaçõe s sumárias, que
agrupavam dois ou tr ês associados pelo curto período de um a três
anos. Em meados do século XV , e sob influências italianas, o banco
começou a dar os seus primeiros passos.
Não se deve acreditar que os mercadores tivessem a exclusivid ade
das funções comerciais: not ários, médicos, etc., também negocia-
vam . Em período de penúria, a especulação com o trigo era feita
por todos aqueles que poderiam consegu ir algum estoque. A maioria
dos tolosanos tinha condições de se auto-abastecer com suas proprie-
216 O UTONO DA IDAD E M ÉD IA

dades ou com o trabalho. En tr e os mer cadores. não existia es peciali-


zação . Ser ia muito arriscado: em tempo no rmal , os habit ant es conse-
guiam seus víver es pelo auto -abastecime nto . e os produ tos fabricados
eram vendidos normalmen te ; em temp o de penúria . com os preços
dos víveres que subiam. não sobrava mais dinh eiro par a os produt os
fabri cad os. Torn ava -se então mais interessant e especular com os ce-
reais. Era, port ant o . mais prudente tr aficar de tud o . Acrescen tem os
que não havia limite bem def inido ent re comé rcio no at acado e no
varejo . Mu itos mer cador es faziam se us próprios tr ansportes.
Qu al era o pod er dos merc adores na cidade? Sem dúvida To ulouse
era mais com erci al do que indu str ia\. mas ao lado dos mercadores
havia os juristas e os "b urgueses", nobres ou não. que viviam das rendas
de suas propri edades te rrito riais. O pod er era o capital/lar, corpo
muni cipal composto por qu atro . seis . ou doze membros. Tinha-se
acesso a ele através de uma com bina ção entre a coo ptação (os que
saíam propunh am três candidat os por posto) e a esco lha feita pelo
viguier real. De aco rdo co m uma pesqui sa abrange ndo o per íodo
de 1380-1381 a 1420-1421: em 404 capitouls. houve 103 mer cadores,
98 cavaleiros e donz éis, 86 juristas e not ário s. 65 " burgueses" não-no-
. brcs, 1 art esão (mais 51 indet erminados). Os mer cador es eram . por-
tant o , a cat egori a melh or representada .
Mas é preciso consta tar o pr estígio que ainda tinh a para ele a
propried ade rur al e o gêne ro de vida nobre. Não havia preconceit o
contra o com érci o . e até alguns nobres dedicavam-se a essa prática
- contudo. o mais eleva do continuava se ndo adq uirir propri edades
territori ais, se possível uma senho ria . e chegar à nobr eza pe lo capi-
toulat. O dinheiro consag rado a isso era se mpre um pou co men os
do qu e o con sagrado ao exercício do com érci o . onde os cap itais entre -
tant o não eram abundantes . Em tal meio. era imposs ível qu e se for-
masse um capitalismo verda dei ro .
Procur aremos. finalmen te. aprese nta r alguns exemplos indivi-
dua is. Havia. em pr imeiro lugar, uma cama da antiga de famílias mer-
canti s que rem ont avam aos séculos XII e XIII. com o os Rou aix ou
os Maurand . Muitos de seus membros tinh am se torn ad o " burgue -
ses" . Mas ta mbém havia ascensões mais recentes: os Ysalguier, por
exemplo, eme rgira m co m Raim on d, tro cado r no final do século XII I.
liquid ant e dos ben s dos judeus da senesca lia de Toul ouse depois
do confisco de 1306 e enobrecido em 1328. Seus filhos ainda exerciam
um pouc o de comé rcio e faziam alguns emp réstimos ; mas traba lha -
vam , sobretudo , na administração real. Seus ganhos permitiram que
acumulasse m as senho rias na região tolosana. Os Naj ac. sem dúvida ,
eram origin ários da pequ ena cidade de mesmo nom e que se situa
nos confin s do Rouergue e do Qu ercy. A famíli a. ao qu e parece .
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 217

passou por Cordes. Em todo caso , apareceu em Toulouse no último


quarto do século XIV: eram principalmente mercadores de tecidos ,
que tinham um corretor em Paris ; também recebiam depósitos. Fo-
ram algumas vezes capitouls: Nicolas, o pai (morto em 1393), primei-
ra fortuna de Toulou se, Nicolas e Huc , os filhos. Huc representou
várias vezes a cidade nos Estados do Languedoc e nas embaixadas.
Tornaram-se nobres em 1412 e 1416 e adquiriram várias senhorias.
Mas tinham um padrão de vida certamente superior a seus meios.
Nicolas e Huc morreram pouco depois de 1450, e seu herdeiro Jean
debateu-se em processos. Arnaud Amic era descendente de uma
família de vendedores de tecidos. Ele mesmo casou-se com a filha
de um especieiro. Dedicava-se a comércios muito diversos: tecidos ,
pastel-dos-tintureiros, especiarias, metais , lã de Aragão , cavalos, vi-
nho. Além disso, praticava o câmbio e recebia depósitos. Participou
da admin istração da Moeda e encarregou-se da cobrança de vários
impostos. Tornou-se nobre em 1445 e foi vigueur real de Toulouse
de 1445e 1458e capitoul somente em 1461-1462; era ent ão o homem
do rei. Comprou senhorias e terras, mas revendeu-as. Mandou cons-
truir um moinho de apisoar, uma grua para limpar os fossos da cidade
-técnicas que eram indícios de um espírito novo . Também foi man-
tenedor do Gaio Saber (primeira forma dos Jogos Florais) em 1458.
Através dele se esgueira um pálido e excepcional raio da Renascença ,
pois quase todo s os outros exemplos de sucessos mostram o prestígio
que conservava , aos olhos desses mercadores, o gênero de vida nobre
tradicional, ao qual ambicionavam ter acesso.
Para Michel Le Mené (55), os campos angevinos revelaram-se como
sendo um " bom observatório " . Não que os meios de acesso fossem
perfeitos: a ausência de fontes registradas em tabelião e a falta de
qualquer indicação de ordem demográfica são lacunas difíceis de
serem supridas. Mas a província estava bem localizada , diante da
Bretanha relativament e calma desde 1365, espécie de "avenida cons-
tantemente ameaçada mas nunca inteirament e conquistada, no limite
de duas zonas de pressão inglesa que constituíram ao norte o Maine ,
e ao sul o Poitou" . Joachim du Bellay, voltando de Rom a, elogiou
seu charm e:
"Mais me agrada .. .
Meu Loire gaulês que o Tibre latino ,
Meu pequ eno Liré que o monte Palatino,
E mais que o ar marinho a doçura angevina."
De fato, um poeta não é necessariament e um geógrafo . Esse texto
enganador dissimula as reais variedad es regionais, do "Anjou negro"
218 OUTONO DA IDADE MÉDIA

ou armoricano ao "Anjou branco" das terras sedimentares, do Beau-


geois e do Saumorois no vale do Loire. Mesmo assim, é possível
um julgamento geral sobre a paisagem dominante: "se é costume
usar -se a expressão 'a árvore esconde a floresta' para se fazer enten-
der que o detalhe às vezes prevalece sobre o que é importante, neste
caso, o provérbio deveria ser usado ao inverso . Em Anjou, a floresta
era apenas o aspecto mais visível da paisagem, e o capão a caracte-
rística fundamental" . Assim era o país que conheceu as vicissitudes
da época, as fomes e principalmente as guerras: "Durante um século
e meio, o Anjou vivenciou a hora das calamidades largamente com-
partilhadas por muitas outras províncias. A guerra, de início, atin-
giu-o três vezes. Mas, por ter começado e terminado mais tarde que
em outros lugares, seus efeitos diretos sobre os campos foram muito
menos marcados pelos abandonos prolongados das terras de cultivo.
Depois da grande tormenta da década de 1360, a recuperação já
tinha sido amplamente iniciada a partir de 1400. Depois da tormenta
dos anos 1340, que atingiu de maneira desigualo conjunto da provín-
cia, o soerguimento confirmou-se rapidamente, e as hostilidades das
guerras franco-bretãs praticamente não prejudicaram seu pontencial
agrícola ."
É difícil obter algo mais do que impressões sobre esse potencial.
A produção cerealífera, cultura de subsistência, que tinha sido dura-
mente atingida. reergueu-se claramente por volta de 1450. A criação
de animais. na ausência de contratos de parceria pecuária que iriam
se propagar apenas a partir do final do século XVI, continuava limita-
da a seu papel complementar. " A grande riqueza do Anjou estava
em sua vinha" , que fornecia sobretudo vinho branco e era melhor
cultivada nas regiões de forte tradição. " Já não estavam muito distan-
tes os tempos que pre senciariam o progresso do porto de Nantes ,
a vinda dos holandeses e a conquista dos mercados da Europa do
Norte . Se consideramos os homen s, o destino - apesar de essencial
e muito diverso - da população componesa , talvez em vias de empo-
brecimento, nos escapa. E. se a crise não teve repercussões sensíveis
e imediatas sobre os patrimônios senhoriais, traduziu-se, no entanto,
num endividamento muito forte que obrigou a alta nobreza a men-
digar pensões reais. e incitou um grande número de nobres a servir
nos exércitos do rei ."
Na história econômica da França, relativa aos séculos XIV e XV,
praticamente não há quase nenhuma figura de destaque num plano
nacional, para não dizer nenhuma . Por isso, acolhe-se com alegria
a de Jacques Coeur (63-64). Essa alegria talvez tenha sido expressa
de maneira excessiva pelos historiadores um pouco antigos, como
Henri Martin que via nele a mais alta personalidade do século XV
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 219

depois de Joana D'Arc ou Jules Michelet. De fato, um grave proble-


ma de fontes surgiu com a prisão de Jacques Coeur, em 1451, e
com a destruição ou dispersão de seus papéis. Fora o inventário dos
seus bens apreendidos, feito pelo procurador Oauvet , só se possuem
indicações esparsas, na maior parte das vezes, indiretas . Ali encontra-
ram-se sempre informações, sem que o conjunto seja satisfatório.
Isso explica por que não existe ainda uma boa obra de conjunto
sobre Jacques Coeur, tal como a que vai nos oferecer, esperamos,
Michel Mollat.
Jacques Coeur era o filho de um grande mercador de peles de
Bourges, chamado Pierre. Recebeu uma educação apenas prática.
O cronista Thomas Basin diz que era " iletrado" , o que significa que
não aprendera latim. Mas ele era audacioso, trabalhador, de inteli-
gência vasta e não se deixava atrapalhar por escrúpulos excessivos .
Sua sorte foi o papel que coube a Bourges , capital do delfim Carlos
antes da epopéia de Joana D'Arc. Associou-se com o mestre da Moe-
da de Bourges , chamado Ravant, o dinamarquês , um aventureiro
expulso da Normandia pelos ingleses. Junto com ele , cunhou em
1429 escudos de 14 a 15 quilates em vez de 18; fez 76, 80 ou até
89 peças por marco em vez de 70. Obteve, desse modo, um lucro
entre 20 e 30 escudos por marco . Naturalmente , eram operações
ilícitas. Foi perdoado por um decreto de graça de dezembro de 1429.
Com vários sócios, tornou-se fornecedor da Corte em 1430. Por falta
de dinheiro, o delfim pagou-lhe em privilégios comerciais. Jacques
desse modo começou a praticar o comércio do Levante, em associa-
ção com italianos e mercadores de Montpellier: em 1432, numa galé
de Narbonne , foi a Beirute e Alexandria . Na volta, lançado por um
naufrágio nas costas corsas, foi despojado de tudo. De qualquer ma-
neira, a experiência dessa viagem lhe seria preciosa .
Sua carreira estava de fa to ligada à so rte de Carlos VII : mestre
da Moeda em Bourges em 1435, também o foi em Paris de 1436,
quando o rei retornou à sua capital. Nessa condição , cunhou a peça
que foi chamada "o gros de Jacques Coeur" . Em 1440, tornou-se
tesoureiro do rei , ou seja, o encarregado das despesas da Casa do
rei e de suas jóias. Encontrou aí muitas vantagens: tornou-se nobre
em 1441. Como todo funcionário real , sobretudo de finanças, conse-
guiu ganhos importantes no exercício de suas funçõe s -lucros sobre
as moedas, gratificações, pensões que lhe eram pagas pelas comuni-
dades para gozar do seu apoio . Dispunha de capitais abundantes :
especialmente o rei depositava confiança nele (Coeur falaria de "um
documento de conta secreta entre eles"). Conseguiu outros lucros
com o fornecimento paraa Corte de tecidos, móveis, especiarias ...
Finalmente, obteve privilégios, como o monopólio do sal na região
220 OUTONO DA IDADE MÉDIA

de Tours e Bourges, ou a isenção das taxas sobre suas mercadorias .


Tornou-se rico o suficiente para poder, em 1449, conceder um em-
préstimo de 40.000 escudos para financiar a reconquista da Norman-
dia. Na entrada do rei em Rouen, exibiu-se a seu lado, vestido suntuo-
samente. Para ele era o apogeu: várias vezes foi embaixador do rei
(em Gênova, em 1446; junto ao papa, em 1448), comissário real
nos Estados do Languedoc, em 1450, inspetor geral dos impostos
e membro do grande Conselho do rei .
Seus negócios baseavam-se numa combinação entre esse papel co-
mo funcionário do rei e a atividade comercial. Esforçou-se para esta-
belecer ligações diretas com o Levante, sem passar pelos italianos
nem pelos catalães. O tráfico referia-se, na importação, a especiarias
sobretudo, mas também à seda, aos tapetes, aos perfumes, porce-
lanas e, sem dúvida, escravos (vêem-se seus representantes liberta-
rem vários); na exportação, figuravam principalmente os tecidos e
o metal prateado do qual necessitavam o Levante e a Ásia. Esse
tráfico era feito em grandes navios redondos (como o representado
num vitral de Bourges), mas de tonelagem inferior às naves genove-
sas . Eram construídos nos estaleiros de Aigues-Mortes e de Colliou-
re, ou compradas em Gênova e Marselha. Além disso, havia peque-
nos navios para a cabotagem. Para recrutar suas tripulações, estava
autorizado a embarcar rapazes de má reputação , "rufiões, cai-
mãos ... ": seria essa sua leva de marujos. Seus navios ostentavam
a bandeira real, o que era uma preciosa proteção. Como portos,
utilizava Lattes, anteporto de Montpellier, que era, porém, pouco
profundo, Aigues-Mortes e, sobretudo, Marselha, como se pressen-
tisse o futuro desse porto . Como apoio, travava toda uma ação diplo-
mática. Os papas concederam-lhe a autorização de traficar com os
Infiéis. Em 1448, teve peso na obtenção da abdicação do antipapa
Félix V, pai do duque de Savóia, a quem Carlos VII recusou emprés-
timo . Obteve o arcebispado de Bourges para seu filho Jean. Ao levar
ao sultão presentes de Carlos VII, foi-lhe concedido um consulado
em Alexandria e o direito de traficar. Aproveitou-se dos conflitos
que dividiam a população genovesa e associou-se a alguns genoveses.
Com Alfonso V, rei de Aragão e de Nápoles, fez um jogo duplo:
pois criou uma taxa de 10% sobre as mercadorias a caminho da Coroa
de Aragão, ou vindas dela; ao mesmo tempo, fundou uma companhia
para a percepção dessa taxa. Também emprestou ao rei e informou-o
sobre os projetos do Conselho Real de França em relação a Gênova .
Em contrapartida, em 1451, Alfonso V protegeria seus agentes.
Seus negócios estenderam-se amplamente em todo o Ocidente.
Após as tréguas de Tours (1444), procurou entrar em contato com
os mercadores ingleses . Fez de Bruges sua escala para as operações
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 221

com a Escócia (compra de co uros, tecidos, lã) . E m todos os luga res,


asso ciava-se aos mercadores locais, par a fazer render seus capitais,
mas ta mbém par a est imular as produções que proviam suas trocas
com o Oriente . E m Florença, possuiu por algu m tempo uma rnanu-
fatura de sedas . Na França, Mo ntpellier , Lyon e Bourges co nsti tuía m
seus principais ce ntros de ativi da de . E m Mon tp elli er , possuía o hot el
de Lunaret , ass im como um a tinturaria e armazéns para seus es to -
ques. Procurou obter um a melh or exploração do imposto do sal no
Lan gued oc. Em Lyo n, man ifestou so bre tudo seu interesse pelas mi-
nas de chumbo e de co bre argentífero da região: arrema ta nte de
impostos régios por doze anos, tornou-se proprietá rio das minas de
ch umbo arge ntífero de Pampailly, perto de Saint e-Fo y-l'A rgentiêre ;
associou-se aos Baronnat de Lyon , par a a exp loração das minas de
cobre argentífero, e m Joux, Sai nt -Pierre-la-Palud . Empregava minei-
ros ale mães. Teve também uma fábrica de papel em Rochetaillée
e um hotel em Lyon. D e Bour ges, sua at ividade irradiou-se por toda
a região do Ce ntro . Ma ndo u construir par a si mesmo um verdadeiro
palácio . D e fato , tinha negócios em to da a França .
Mobilizou em se u proveito um a parte dos rece bime ntos fiscais,
de cuja cobra nça e ra e nca rregado - por exe m plo, as contr ibuições
do Lan gued oc e do ba ixo A lve rgne. Devia conceder mu itos emp rés-
timos: co mo ao rei. e m 1450, mais de 20.000 esc udos pa ra o paga-
ment o dos legados de sua amante Agn ês Sorel, e 2.000 esc udos par a
o casamento de uma de suas filhas . D o mesmo mo do , chefes mi litares
como Dun ois, toda a alta no br eza, vários prelados e burgueses figura -
vam entre se us devedores. Algumas vezes mostrou-se mu ito rude
na rec uperação desses créditos .
A part ir de 1447, to rnou-se grande proprie tário de te rras . Adquiriu
muitos be ns urban os e rurais cm Berry, Bourbonnais, ba ixo Lan gue -
doe . .. mais rendas em dinheiro e em produtos. Mas não ob te ve altos
rendimentos com isso . Ca lcula-se que te n ha m amo rtizado suas co m-
pras so me nte em dezoito anos . Possuía também muitas jó ias, algumas
dem asiad o impo rtan tes pa ra serem ve ndi das . Teve então de des mo n-
tá -Ias e liquidar os pe daços em Gê nova. Al ém disso, tin ha tapeçarias
e móveis. Tudo isso ta mbém repr esentava ca pitais congelados . Ora ,
numa França empobrecida pe la guerra, o pro blema dos capitais era
essencial.
Se us mé tod os era m pou co notáve is. U tilizava cédulas, isto é, reco-
nhecime ntos de dívidas sob firma não reconh ecida , que o credor
restitu ía na ocasião do pagame nto (m uitos desses se riam doc ume ntos
enco ntrados en tre seus pap éis em 1451) . Mas ta mbé m sacava le tras
de câ mb io em Ge nebra, A vignon, R oma . Mant inh a co ntas corre ntes
a favo r de te rcei ros, co mo Ca rlos de A njo u. Crio u vá rias associações
222 OUTONO DA IDADE MÉDIA

de tipo tradicional. O mais notável foi a bela equipe de comissionados


que soube constituir. Uns eram apenas providos de procurações,
outros associados a seus negócios. Recrutava-os subretudo no Cen-
tro : como , por exemplo, em Bourges , Guillaume de Varye , sócio
da Argenterie e de todos os seus negócios, e Jean de Village, mestre
da frota ; outros em Orleans e Tours. Havia , entretanto , outros , como
Antoine Noir , em Montpellier (72). Essa equipe demonstrou uma
grande coesão e continuaria sendo-lhe fiel em 1451.
Mas são os próprios sucessos de Jacques Coeur que faziam com
que seus inimigos se multiplicassem, além de inquietarem o rei . Havia
muitos devedores que lhe queriam mal por seu luxo: era o caso,
entre outros, da rainha. Foi fácil encontrar irregularidades em seus
negócios: comércio muito grande com os Infiéis, fabricação de más
moedas, desvio de impostos a seu proveito. Foi preso em 30 de julho
de 1451, sob a acusação de ter conspirado contra o rei e de ter partici-
pado da morte de Agn ês Sorel. Entre seus juízes figuravam vários
inimigos pessoais, como Otton Castellani, tesoureiro de Toulouse .
Em 1453 foi condenado ao degredo perpétuo , e ao pagamento , sobre
seus bens confiscados, de 400 .000 escudos por malversações , exporta-
ções de moedas francesas , tráfico proibido com os Infiéis (Iogo , não
foram consideradas as acusações de conspiração) . O procurador geral
Jean Dauvet redigiu em três anos (1453-1456) um inventário de todos
os seus bens. Thomas Basin espanta-se: " Q uem diria que o rei Carlos ,
para quem Coeur tinha sido um administrador tão fiel e tão cuida-
doso, e que o tratava com uma familiaridade considerada amizade
por muitas pessoas, mais tarde iria se mostrar tão duro e tão severo
com ele?"
De fato, desde 1454, aproveitando-se de cumplicidades, Coeur
escapou da prisão . Obteve do papa o comando de uma frota contra
os turcos , vindo a morrer em Quios em novembro de 1456. Aliás,
se uma parte de seus bens foi vendida a baixo preço, o restante
foi entregue a seu filho Jean que , em 1463, era encarregado de missão
na Suíça a serviço de Luís XL Jean de Village, como capitão das
galés de França , e Guillaume de Varye, como tesoureiro e general
das finanças, fizeram brilhantes carreiras sob o novo reinado .
Não se deve exagerar o papel de Jacques Coeur. Ele não inovou;
apenas buscou prescindir parcialmente dos italianos, já que o vemos
associado a alguns deles . Tirou proveito do início da reedificação:
à medida que esta se desdobrava , os rivais multiplicavam-se , e , de
outra parte, o rei dependia menos dele. Sua carreira foi excepcional
e mostra a fragilidade de seu sucesso . Além disso , sua mentalidade
continuava sendo tradicional ; seu objetivo ainda era o acesso à nobre-
za fundiária, com todos os investimentos imobiliários e as despesas
ESBOÇO DA NOVA EURO PA 223

de prestígio que isso implicava e qu e lhe tornavam ainda mai s se nsível


a falta de capitais.

Chegamos, finalmente, à península ibérica . Aqui foi a abundância


de uma documentação demasiado dispersa que , por muito tempo,
desencorajou os pesquisadores. Cada um com seu temperamento,
Jaume Vicens i Vive s (interrompido cedo demais, infelizmente)
(96-97), Charles E . Dufourcq (ainda vítima de uma recente epidemia)
e Jean Gautier-Dalché (42) prosseguiram na tarefa de uma síntese,
sem dúvida , até agora impossível - e eles sabiam bem disso, o que
torna seu mérito ainda maior. Recentemente , Maurice Berthe , utili-
zando habilmente os recursos de um a documentação bastante rica ,
lembrou a enorme preponderância do mundo camponês , e os abis-
mos de miséria aos quais o conduziram cat ástrofes an alisadas mais
precisamente (conclusão que se aplica a toda a Europa). Serei mais
modesto citando as imagens deixadas pel a obras de duas historia-
doras, Claude Carr êre e Jacqueline Guiral.
De uma riquíssima - quase rica demais - documentação , Claude
Carri êre extraiu um estudo considerável, a partir do qual chegou
vigorosamente a algumas conclusões (34). Sem dúvida, com 35.000
habitantes por volta do final do século XIV - o que supõe mais
de 50.000 antes de 1340 - , Barcelona não constituía uma das maiores
cidades do Ocidente . Ma s, sob vários asp ectos , era extremamente
original. Capital da Catalunha - de modo ainda mai s org ânico que
Milão de seu ducado - diferenciava-se profundamente da s outras
cidades italianas que haviam subjugado um condado . Segura de ser
ouvida pelos reis e pelas Cortes, ou seja, a assembléia representativa ,
ela redistribuía no país os produtos de sua importação e orientava
os excedentes da produção para suas próprias necessidades ou para
a exportação . Assegurava , assim, pelo menos a metade do comércio
exterior do principado , encontrando-se à frente de um belo conjunto
de cidades secundárias, de Perpignan a Tortosa, de Gerona a L1eida,
concorrendo com os mercadores , mas de forma leal. A importância
de seu papel devia-se aos capitais que possuía e à habilidade de se us
mercadores. A idéia de uma poderosa fabricação de tecidos catalã
na sceu em Barcelona, mas " então era o país inteiro que tecia e ador-
nava tecidos , dentre os quais muitos tomariam o rumo dos mares" .
Daí seu apego ao liberalismo. Ela deu prova de uma singular lucid ez
com a análise econ ómica à qual procede , entre protecionismo e autar-
quia de uma parte, livre iniciativa e livre com ércio de outra.
Mesmo se não brilhava por seu espírito de invenção, mostrava-se
a aluna mais dotada dos italianos. " Cur ioso de espírito , o aluno cata-
lão sabe o que é feito em outras partes, tem sempre a preocupação
224 OUTONO DA IDADE MÉDIA

de se informar. .. e, quando uma descoberta ou uma prática pare-


ce-lhe benéfica , adota-a com um ardor tanto mais notável quanto
espontâneo. As realizações do aluno passam então a concorrer com
as do mestre. A frota satisfaz no conjunto às necessidades , vastas,
do país; os mercaders têm o controle da rede comercial. .. A confecção
de tecidos de boa qualidade propaga-se por todo o Mediterrâneo
- e aí o aluno ultrapassou o mestre."
Barcelona era profundamente ligada à vida econômica do mundo
de então e sentia, muitas vezes de maneira perigosa, as pulsações
a partir de meados do século XIV. Sem dúvida, "o modo como a
Catalunha atravessa a crise dos anos 1380-1390 parece provar a soli-
dez de um edifício que ainda permitirá belas conquistas a Alfonso,
o Magnânimo" .. . "Mas , para que se apaziguassem conflitos sociais
revelados pela crise , teria sido necessário um longo período, senão
de prosperidade, pelo menos de calma! Este não é o caso." Os anos
1430 foram - ali como em outras partes - particularmente som-
brios. Foi então que Barcelona pagou o preço de seu papel na Catalu-
nha. O problema monetário colocava-se com uma gravidade nova .
Formavam-se dois campos opostos: de um lado, os camponeses
ameaçados por novas formas de servidão, os artesãos, a maioria dos
mercadores (chamados: a "Busca" ); de outro, os "rendeiros", "e
aqueles mercaders que já tinham uma mentalidade diferente , além
de recursos, acionistas antes que mercadores" (chamados: a "Biga").
A luta exacerbou-se numa verdadeira guerra civil, que eclodiu em
1462 e se prolongou por onze anos, esgotando a cidade e o país.

Foi justamente então que , favorecida pelos Trastamare contra Bar-


celona , Valença atingiu seu apogeu (48). Sua população passou , co-
mo vimos, de 32-40.000 a 60-75.000 habitantes, entre 1418 e 1483.
Seu comércio era muito ativo: nas importações, muitos cereais, quei-
jos, massas alimentícias da Sicília, óleo, peixes salgados (sobretudo
de Castela e de Portugal), gado de Aragão, especiarias do Oriente,
algodão - contra o que exportava seus frutos (melões, uvas, pêssegos,
amêndoas, figos) , arroz, cana-de-açúcar, e também algumas sedas, e
cada vez mais tecidos de lã. Utilizava uma grande variedade de navios,
entre os quais a caravela que surgiu em 1434. As colônias estrangeiras
eram numerosas e ativas: italianos, franceses (em 1491 foi criado um
consulado da França), alemães e saboianos, castelhanos e portugueses.
Os propriamente valencianos lutavam para participar de maneira sem-
pre mais ampla desse comércio. Sua força advinha de uma aliança estrei-
ta entre a-nobreza mais esclarecida e a alta burguesia; contudo , cada
vez mais opunham-se a eles os pequenos burgueses e os artesãos, a
ponto de resultar nas sangrentas lutas de 1519-1522, as "gerrnanias" .
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 225

Rumo ao Far East

No século XIX, os Estados Unidos construíam-se à medida que


se estendiam para o Far West - um Eldorado mais ou menos imagi-
nário - e seus arredores . Do mesmo modo , nos séculos XIV e XV,
a Europa tirava partido de sua expansão para um Far East não menos
estranho. No Norte as repre sentações comerciais da Hansa balizavam
esse caminho .
O que significa a palavra " Hansa" (41) que aparece nos textos,
aliás não apenas para designar a Hansa Teutônica? É uma palavra
antiga, encontrada desde o século IV no sentido de "séquito guerrei-
ro" . Reaparece no século XII, com sentidos diferentes: taxa paga
pelos mercadores, agrupamento de mercadores no estrangeiro . Em
1267, designa os mercadores da Europa do Norte , na Inglaterra.
Propaga no século XIV , e é encontrada num documento oficial de
1343, designando a comunidade dos mercadores da Alemanha seten-
trional. É a " Ha nsa Teutonicorum" .
Tinha caracteres aparentemente contraditórios. Era sobretudo
econômica: seu objetivo essencial era a proteção dos mercadores
e do comércio no exterior. Seu papel político foi simples conseqüên-
cia da carência do poder imperial. Era muito ampla: agrupava no
máximo pouco mais de 150 cidades, numa zona cuja extensão era
de 1.500 quilômetro s, do Zuiderzee ao golfo da Finlândia , do Bál-
tico à Turíngia . Foi principalmente duradoura: perdurou por cerca
de quinhentos anos , de suas origens em 1158até seu desaparecimento
em 1669 (data em que se realizou a última Dieta ha.rse ãtica). Entre-
tanto , não era menos notável por suas fraquezas . Não era soberana
e continuou fazendo parte do Império. Muitos dos seus próprios
membros permaneceram sob a autoridade de senhores diferentes .
Era mal estruturada , possuía pouca s instituições próprias e não pos-
suía nem exército nem finanças. Não se pode sequer afirmar com
certeza quem dela fazia part e , pelo menos num certo número de
casos duvidosos . Sua grande força provinha da solidariedade comer-
ciai que ali se exprimia.
Em sua origem , no século XII, era uma associação de indivíduos,
de mercadores alemães que residiam no estrangeiro. Tinha-se forma-
do num contexto de expansão (nas margens do Báltico , e a Ordem
Teutônica na Prússia) e de criações urbanas (Lübeck, em 1158, depois
Rostock . Dantzig, Riga...). Haviam obtido no início amplos privilé-
gios comerciais . mas seu próprio sucesso obrigou-os a lutar para man-
tê-los . Necessitavam de um apoio político . Em 1356 realizou -se em
Lübeck uma assembléia geral das cidade s. como conseqüência das
226 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

dificuldades que eclodiram entre as representações comerciais de


Bruges , de uma parte, e a própria cidade e o conde de Flandres
de outra. Uma embaixada enviada a Flandres examinou e aprovou
um regulamento elaborado por essa representação ; desde então , es-
tará ligada às cidades , e deverá sempre reportar-se a elas, para modi-
ficá-lo. Do mesmo modo, as representações comerciais de Novgorod
(1361) e de Bergen (1365) lhe são submetidas. A de Londres subme-
teu-se voluntariamente em 1374. A Hansa tornou-se uma associação
de cidades .
Os acontecimentos não tardaram a confirmar a utilidade da Hansa
assim concebida. Em 1358 foi decidido que se fizesse um bloqueio
a Flandres. Era proibido o comércio com essa cidade , e a represen-
tação comercial foi transferida para Dordrecht. Flandres , atingida
em 1359 pela falta dos cereais oriundos do Oriente , cedeu em 1360:
os privilégios dos hanseatas foram confirmados, o direito de comer-
.cializar a varejo lhes foi concedido; e lhes foram consentidas indeniza-
ções. O sucesso da Hansa causou uma grande impressão: Bremen,
que a havia abandonado, apressou-se em retomar a ela. Esse sucesso
foi reforçado após um conflito com a Dinamarca, cujo rei apode-
rara-se de Gotland . A luta era muito difícil, até que a Dieta de Colô-
nia, realizada em 1367, formou um liga, com um exército e uma
frota , financiados por uma taxa sobre as exportações. Em 1370 a
Dinamarca teve de inclinar-se pela paz de Stralsund. Nessa ocasião
deu-se o apogeu da Hansa, e sua organização pode ser melhor estu-
dada .
Quem fazia parte dela? 150a 200 cidades (mas não todas ao mesmo
tempo) , além do grande mestre da Ordem Teutônica. Não havia
lista oficial. Em caso de necessidade, fazia-se uma pesquisa: toda
cidade que tivesse há muito tempo mercadores no exterior era consi-
derada como hanseática. A prioridade honorífica de Lübeck foi reco-
nhecida em 1418. Essas cidades tinham quatro grandes represen-
tações comerciais - as de Londres, Bruges, Bergen e Novgorod .
Eram dotadas de uma forte organização , com uma assembléia geral
anual, que elegia Anciãos e assessores , cujo papel era sobretudo
representativo e judicial. Cada uma tinha uma caixa. Também havia
grupos regionai s, que realizavam assembléias anuais , comunicando
entre si suas decisões. Eram cidades vendes (Hamburgo, Lübeck,
Rostock , Kiel), as cidades saxônicas, da Baixa Saxônia (Bruns-
wick.. .), as cidades vestefalianas (Dortmund , Colônia ... ), as cidades
livonianas (Riga, Reval. .. ). No ápice encontrava-se a Dieta da Hansa
(Han setag), ou Conselho das cidades , geralmente convocado por
Lübeck. Suas reuniões eram raras , sua periodicidade regular: houve
24 de 1363 a 1400, 12 de 1400 a 1440, 7 de 1440 a 1480. O número
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 227

de participantes era baixo devido às longas distâncias e aos custos :


normalmente havia de 10 a 20 delegados (no máximo, houve 30 em
1437). As Dietas discutiam sobre tudo o que interessava às cidades,
sua economia, suas finanças, sua força militar. Exerciam uma jurisdi-
ção em relação a todos os conflitos entre membros, pronunciando
multas e exclusõe s. As decisões (ou Re zesse) eram tomadas pela
maioria.
As fraquezas dessa organização surgir am imedi atamente. Não ha-
via caixa comum, mas apenas uma taxa extraordinária sobre as expor-
tações, cobrada em caso de guerra; além disso tampouco havia exér-
cito ou frota permanente. A Hansa devia , portanto , agir por pressões,
por exclusões. e sua existência era agitada . Lübeck quase foi excluída
em 1411 (em seguida à queda do governo patrício nessa cidade);
Bremen o foi em 1427, e, do mesmo modo , Colônia em 1471, pois
recusava-se a pagar uma taxa comum, além de ter obtido um privi-
légio especial do rei da Inglaterra. Apesar de tudo , sempre apareceu
como uma potência.
Quais eram os principais artigos do comércio hanseático? Do Oeste
vinham sobretudo tecidos ou fazendas de lã: com os tecidos flamen-
gos em declínio , os tecidos ingleses e holandeses ocupavam o primei-
ro lugar; havia também os tecidos de luxo italianos. O sal era muito
procurado , tanto para a cozinha , quanto para a conservação dos pei-
xes: fora as fontes de salmoura de Lüneburg, exportadas por Lübeck,
havia sal da baía de Bourgneuf, que uma frota ia buscar; no século
XV, apareceu o sal português . O Leste fornecia sobretudo os peixes:
bacalhau seco da Noruega , arenque salgado da Escânia , etc . Os ce-
reais: centeio, mas também frumento e cevada, eram produzidos
sobretudo na Prússia e na Polônia , e exportados por Dantzig. Sua
chegada era uma necessidade para o Ocidente, e isso forneceu uma
arma poderosa para a Hansa. A cerveja era o único produto forne-
cido exclusivamente pela zona hanseática ; era expedida principal-
mente por Bremen e Hamburgo. As peles eram muito procuradas
no Ocidente . Havia uma tal necessidade de cera para a iluminação
que , embora também fosse produzida no Ocidente , era preciso fazê-
la chegar da Rússia, Livônia e Prússia . A madeira, derrubada princi -
palrnent ê na bacia do Vístula e na Lituânia, era transportada por
balsas, depois exportada sobretudo por Dantzig. No conjunto, e ape-
sar de os século s XIV e XV serem geralmente considerados como
um período de recessão , esse comércio progrediu com regularidade ;
assim, apenas no Báltico, o tráfico marítimo de L übeck, que era
de 153.000 marcos em 1368, passou para 660.000 em 1492.
As técnicas comerciais dos hanseatas chamam a atenção por seu
car áter rudim entar. Ignoravam qualquer sistem a de seguro, o que
228 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

os obrigava a dispersar seus envios e barrava-lhes o espírito de inicia-


tiva . Não possuíam um verdadeiro banco, e muitas vezes eram obri-
gados a transportar quantias importantes de numerário . Sua contabi-
lidade continuava bastante primitiva . Entre eles havia apenas associa-
ções dos tipos mais simples.
Normalmente , o mercador pertencia a uma ou várias associações,
que também eram confrarias religiosas. Às vezes, havia uma única
associação numa cidade, guilda mercantil , ou sociedade dos comer-
ciantes de tecidos no atacado; freqüentemente era isso que ocorria no
Norte, como em Dantzig. Em Lübeck, uma associação exclusivamente
patrícia, o Círculo, reunia de vinte a trinta membros , sendo que foram
quase todos conselheiros. Ou então eram agrupamentos estritamente
profissionais que reuniam mercadores que trabalhavam no mesmo se-
tor, "Fahrer" da Escânia, de Bergen, de Novgorod , da Inglaterra.
Dentre os mercadores, podemos citar como exemplo os irmãos
Veckinghusen (81): a família era, sem dúvida, originária de Veste-
fãlia, porém muito cedo alguns de seus representantes já são encon-
trados no Leste . Uma abundante correspondência (mais de 500 car-
tas) permite que conheçamos os dois irmãos Hildebrand e Sievert:
o primeiro, nascido entre 1360 e 1370, foi Ancião da representação
comercial de Bruges no final do século XIV. Depois de ter-se casado
com a filha de um mercador de Reval e de ter viajado um pouco,
instalou-se em Bruges a partir de 1402. O segundo, Ancião da repre-
sentação de Bruges em 1399, viveu a maior parte do tempo em L ü-
beck, onde se casou. Associados nos negócios , compravam peles
e cera em Novgorod e as trocavam em Bruges por tecidos e especia-
rias. Seu comércio era próspero, a ponto de terem a idéia de estabe-
lecer uma ligação direta com Veneza, onde foi residir um de seus
associados . Formou-se uma sociedade com um capital de 5.000 mar-
cos, dirigida de Bruges por Hildebrand. Os primeiros sucessos permi-
tiram aumentar o capital. Depois imprudências foram cometidas,
e uma contabilidade insuficiente fez com que se estabelecesse a desor-
dem . A sociedade foi à falência em 1414. A partir de então , Hilde-
brand ficou deslumbrado pelos grandes negócios. Foi novamente An-
cião da representação comercial de Bruges em 1412, concedeu em-
préstimos ao imperador Sigismond. Preso em 1422, devido à queixa
de seus credores, ficou três anos na prisão do Steen, e somente dali
saiu para ir morrer em Lübeck, em 1426. Sievert, mais prudente,
comprou bens territoriais e limitou-se a negócios seguros. Possuía
uma salina em Lüneburg. Em 1430 foi o primeiro de sua família
a ser admitido no Círculo . Morreu em 1433.
Hinrich Castorp nasceu na Vestefália, em Dortmund, entre 1410
e 1420. Mas, a partir de 1450, instalou-se em L übeck , onde se casou
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 229

duas vezes. Tornou-se burgomestre vitalício. Seus negócios eram diri-


gidos para a linha Bruges-Novgorod e baseavam-se principalmente
na troca tecidos-peles . Manifestou preocupações intelectuais - coisa
rara - , tendo escrito até mesmo uma crônica. Conseguiu reunir
a fortuna de aproximadamente 25.000 marcos. Concedeu emprés-
timos ao rei da Dinamarca, que lhe hipotecou sua coroa. Morreu
em 1488.
Esses mercadores apresentavam algumas características comuns.
Em geral, eram oriundos de famílias de comerciantes . Muitos eram
originários da Vestefália, verdadeiro viveiro, o que facilitava que
se tornassem cidadãos dessa ou daquela cidade . A maioria passava
ao menos algum tempo em Bruges, que para eles era uma escola.
Exerciam somente o comércio, com exclusão do banco e da indústria.
Não eram, portanto , homens de negócios como os italianos. Seu
individualismo certamente era bem menor. Podemos colocar a ques-
tão: tinham tendências culturais? Ao que é muito fácil responder
negativamente. Na falta de obras originais, liam traduções de obras
estrangeiras, especialmente romances de cavalaria. Gostavam de crô-
nicas histórias e de teatro popular - em Lübeck, o Círculo passou
a organizar representações após 1420.
No século XV, o comércio do Norte da Alemanha e do Báltico
continuava a se desenvolver. Porém, uma parte crescente era detida
pelos holandeses e também pelos alemães do Sul. A Hansa reagiu
de modo inábil , limitando as operações de crédito e proibindo as
associações com os estrangeiros. Correspondia cada vez menos às
realidades econômicas. No final do século XV seu declínio anuncia-
va-se claramente.

Pode-se considerar o Sul da Alemanha como um conjunto possível


de ser caracterizado? Ali falava-se o alto-alemão (que dará origem
ao alemão moderno), constituindo um domínio lingüístico bem dife-
renciado. O Sul era mais industrial que o Norte da Alemanha. Havia
várias cidades industriais em que os ofícios (que compreendiam mui-
tos mercadores) tinham obtido, à custa de agitações, o direito de
participar dos Conselhos Urbanos. Era muito mais aberto às influên-
cias exteriores, especialmente as italianas (315).
No início, o comércio de Veneza voltava-se sobretudo para a parte
oriental do Império. Duas cidades tinham importância primordial,
Viena , que revendia lingotes de prata e de cobre, e Ratisbona (Re-
gensburg), que se situava no vértice da curva do Danúbio, em fácil
ligação com os Montes Metalíferos e com Praga , onde o século XIV
é brilhante, em particular graças à prata extraída das minas de Kutná
Hora . Isso é bem ilustrado pela família Runtinger, da qual nos resta
230 OUTONO DA IDADE MÉDIA

um registro de contas que cobre o período de 1383 a 1407. Originária


da Baixa Baviera, essa família fez fortuna no comércio do vinho .
e seus membros iam comprar tecidos nas feiras de Frankfurt. Mathieu
Runtinger, que durante algum tempo foi arrematante de impostos
da Moeda de Ratisbona, assim como do pedágio do ferro e do sal,
ampliou os negócios da família comprando tecidos em Brabant e
desenvolvendo as relações com Milão e Veneza. No entanto, o declí-
nio da cidade já se esboçava.
Mas também é preciso notar a importância das estradas ocidentais,
em direção ao lago de Constança e do vale do Reno . O caso da
Grande Companhia de Ravensburg é típico. Ravensburg era uma
cidade situada na Suábia central, entre o lago de Constança e Vim.
no centro de uma região de intensa tecelagem do linho e do cânhamo.
A Sociedade foi constituída por volta de 1380, sem dúvida pela união
das famílias Humpis, M ôtelli e os Muntprat de Constança. Todos
já eram bastante ricos. Tratava-se de um espécie de truste , estabe-
lecido para reduzir a concorrência e os custos . A sociedade era reno-
vada a cada cinco ou seis anos, perfazendo um total de aproxima-
damente 25 vezes entre 1380 e 1530. Em 1497compeendia 38 associa-
dos. A sua frente encontrava-se um pequeno Comitê diretor com-
posto por 3 membros: o diretor real, eleito, que era sempre um mem-
bro das famílias Humpis ou M õtelli; um segundo diretor, que acabava
por representar um papel efetivo quando o primeiro não passava
de um nome; e um chefe contador, que podia ser oriundo da própria
classe. A fiscalização era efetuada por um conselho de 9 membros .
do qual faziam parte os dois primeiros diretores . Prestavam-se contas
a intervalos irregulares, em geral a cada três ou quatro anos. Um
ponto obscuro continua sendo a questão da responsabilidade que
pesava sobre os associados: limitava-se aos capitais empregados ou
era ilimitada? Além de sua sede social instalada em Ravensburg ,
a companhia possuía uma dezena de sucursais, além dos correspon-
dentes. A importância de cada uma delas é conhecida através de
um balanço de 1497: na Alemanha , Nuremberg era de longe a mais
importante; na Itália, Gênova ocupava a segunda posição, e Milão
a terceira, não havia quase nada em Veneza; na Espanha havia Va-
lença (quarta posição) e Saragossa (sexta), quase nada em Barcelona;
nos Países Baixos, sobretudo Antuérpia (quinta); na Suíça, Genebra;
na França, Lyon e Avignon. Seu tráfico de mercadorias diversifi-
cou-se: além das telas e dos fustões, havia os tecidos, as especiarias
(em particular, o açafrão espanhol). o vinho, os objetos metálicos.. .
Um fato essencial foi a ascensão da dupla Augsburgo-Nurernberg.
Por muito tempo, essas cidades serviram apenas como intermediárias
entre os Países Baixos e a Itália: os ganhos obtidos com a venda
ESBOÇO DA NOVA EUROPA 231

dos tecidos dos Países Baixos eram investidos na compra de produtos


vindos da Itália. O progresso estava associado a uma evolução que
se voltava para o comércio de massa. Houve ali uma grande expor-
tação de prata e de produtos metalúrgicos. Nuremberg fabricava ar-
mas . Em Augsburg, a tecelagem estava muito desenvolvida; por volta
de 1500.70.000 peças de pano e 35.000 peças de fustões eram subme-
tidas ao controle da corporação . Esse progresso foi marcado pela
ascensão de grandes famílias, os Rem e os Welser de Augsburg e
os Reck de Nuremberg. Sentia-se claramente em Veneza que os ne-
gócios concentravam-se a seu proveito: em 1442, o Senado reco-
nhecia que o abastecimento da República em prata era feito por
"quatro ou cinco dos principais mercadores alemães". Por volta de
1500, a redação dos Welthandelsbr ãuche (regras do comércio mun-
dial) traduzia a posição de primeiro plano ocupada por Nuremberg.
Mas nenhuma outra ascensão merece nossa atenção tanto quanto
a dos Fugger (76). O primeiro conhecido é um certo Hans que , por
volta de 1350, vivia em Graben, vila próxima de Augsburg: era um
pequeno proprietário , que tecia fustões no inverno. Em 1367 seu
filho Hans instalou-se como tecelão em Augsburg. Representou um
papel ativo na corporação desse ofício, e logo passou a dedicar-se
unicamente ao comércio . Morreu em 1409, com uma fortuna de 1389
florins húngaros. Sua viúva (morta em 1436) e seus filhos continua-
ram seu trabalho . Em 1454, a fortuna familiar era de 11.000 florins
húngaros . A partir de 1454, duas ramificações separaram-se clara-
mente: a de André (morto em 1458), depois de seus filhos, sobretudo
Lucas , o primogênito . É chamada de " ao cabrito montês", pois em
1462 o imperador outorgou-lhe como insígnias um cabrito montês
de ouro sobre um campo azul. Mas Lucas realizou negócios infelizes,
e a ramificação desmoronou antes de 1500. A ascensão da ramificação
de Jacob , o ancião (morto em 1469), e depois de sua viúva e de seus
filhos, foi mais lenta, porém mais segura . Em 1473, obteve como insíg-
nias "a flor-de-lis" . Dedicou-se a comércios tradicionais: tecidos, fustões,
sedas , especiarias, drogas, frutas da região mediterrânica. Nascido em
1459, Jacob Fugger (mais tarde chamado o Rico) era o décimo filho
da família, o que o destinava ao clero. Recebeu as ordens menores
e um benefício de cônego . Entretanto, em 1480, quatro de seus irmãos
morreram, sobrevivendo apenas dois. Jacob renunciou então a seu be-
nefício e foi fazer seu aprendizado em Veneza. Operou em primeiro
lugar na Itália . Circulando na Alemanha pelo Brenner, atravessava
com freqüência o Tirol , e foi lá que concebeu a idéia que produziria
uma considerável transformação nos seus negócios.
Essa transformação foi resultante do seu interesse pelas minas de
cobre argentífero do vale do Inn , sobretudo em Schwaz , que tinham
232 OUTONO DA IDADE MÉDIA

sido descobertas no começo do século XV. Em meados desse século,


como vimos , aprendeu-se a separar o cobre da prata. O primeiro,
procurado para usos monetários, além da argentaria, também era
exportado para o Levante e para Ásia . O próprio cobre era cada
vez mais apreciado: agradável ao olhar, de fácil ligação, sólido , não
se oxidava e encontrava muitas aplicações como: nos objetos de lim-
peza e de cozinha, que a elevação do nível de vida tinha multiplicado
nos lares por volta do final do século; nos telhados e nos bronzes
da Renascença; nas ligas para a fabricação de moedas; nas armas
de fogo; e na marinha, em rápida expansão .
Na época, o conde do Tirol era Sigismond de Habsburgo, que tinha
direito de regalia ao dízimo (Fron) , ou seja , a décima parte do miné-
rio extraído - e ao câmbio (Wechsel); a prata devia ser entregue
à Moeda de Hall, e havia uma retirada de 40% do valor para o
príncipe. Portanto, Sigismond tinha grandes rendimentos, mas era
muito perdulário - com sua Corte e suas guerras - e teve de contrair
empréstimos, penhorados sobre seus futuros rendimentos em metais.
Aí estava a possibilidade para os mercadores de adquirir metais em
boas condições. Mas faltavam capitais. Em 1485, Jacob fez um peque-
no negócio, graças à ajuda do diretor geral das finanças . Foi especial-
mente auxiliado pelas dissensões entre os Habsburgo: Sigismond, que
não tinha herdeiro, opôs-se a seu primo, o imperador Frederico III,
que acabou por vencê-lo em 1487. Sigismond abdicou então a favor
do filho de Frederico , Maximiliano (1490), a quem Jacob concedeu
grandes empréstimos. Além disso , era ligado a Melchior de Meckau,
bispo de Brixen e conselheiro financeiro de Maximiliano. Em 1493,
Maximiliano tornou-se imperador. Muito ambicioso, tinha muita ne-
cessidade de dinheiro. Jacob financiou as operações feitas por ele
na França para manter o Artois e a Franche-Comté , dote de sua
mulher, filha de Carlos, o Temerário . 'Essas relações com o impe-
rador aumentaram ainda mais seu crédito .
Foi então que iniciou o empreendimento húngaro : nos Cárpatos,
na atual Eslováquia, havia muitas minas de cobre argentífero , cuja
exploração começara no século XII, como em Neusohl. Mas as agita-
ções políticas, as incursões dos hussitas e dos turcos fizeram com
que sua manutenção fosse negligenciada. As minas estavam inundadas
e , além disso, as camadas superficiais estavam esgotadas. Eram ne-
cessárias bombas hidráulicas para drená-las e continuar a exploração
em profundidade . Jacob tinha capitais e um bom associado técnico,
Jean Thurzo, que instalara usinas de separação do cobre e da prata
na Turíngia (Hohenkirchen) para o mercado alemão, e em Caríntia
(Fuggerau, perto de Villach) para Veneza. Mandou arrumar as estra-
das, estabeleceu um acordo com o senhor de Senj, porto do Adriá-
ESBOÇO DA NOVA E UROPA 233

tico, por onde seus metais eram enviados para Veneza . Houve um
desenvolvimento considerável da produção , que concorria com o co-
bre do Tirol, a ponto de se chegar a uma verdadeira superprodução.
A crise foi desfeita pela expansão portuguesa: Antuérpia tornou-se
o mercado principal onde as especiarias trazidas pelos mercadores
portugueses eram trocadas pelo cobre procurado na África .
O mais belo período da vida- de Jacob Fugger iria pertencer ao
século XVI. Em 1519, graças à sua prata, Carlos Quinto , neto de
Maximiliano , foi eleito imperador vencendo Francisco I , rei de Fran-
ça. Morreu em 1525, sem filhos. Seu exemplo ilustra bem a passagem
da Idade Média ao que chamamos os Tempos Modernos.

Uma obra muito bonita , que Robert Delort consagrou ao comércio


de peles (267), permite que se conheça melhor esse Far East cuja
importância cresceu muito nos séculos XIV e XV. Exatamente por
ocasião dos anos 40 do século XIV aconteceu uma "verdadeira revo-
lução", com a generalização das roupas curtas e justas que eram
mais ornadas de pele do que forradas . A utilização das peles, portan-
to, não diminuiu . Na época, ela era considerável : pois as peles, na
falta de aquecimento apropriado, constituíam o melhor meio de defe-
sa contra o frio. Delort acrescenta: "é ... verossímil que a termore-
gulação natural, e sobretudo entre aqueles cuja ração em calorias
era mais que suficiente, era muito melhor exercida que em nossos
dias, e que o uso de peles era uma solução mais saudável para o
organismo que o aquecimento dos locais de moradia." Não esque-
çamos que, salvo raríssima exceção , as janelas não tinham vidros,
dormia-se nu, e que, como vimos, certamente o clima tenha esfriado ,
ficando sobretudo mais úmido nos séculos XIV e XV.
Naturalmente, as peles mais utilizadas eram as de coelho, de cabri-
to, e mais ainda de cordeiro, existentes por toda parte. Mais raros
eram os veiros e as martas, que vinham dos países escandinavos,
eslavos e russos. Mas seu valor era considerável. Sua exportação
multiplicava as ligações com essas regiões longínquas, que se torna-
vam capazes de absorver uma maior quantidade de produtos oci-
dentais.

Uma Europa ao mesmo tempo mais diversificada e mais una, aí


está a dupla impressão que se impõe ao nosso espírito, pois, se uma
região como Navarra quase não tinha mudado desde os séculos ante-
riores, na verdade regredira, a efervescência intelectual e artística
característica de Florença projetara esse meio para o futuro. Essa
é apenas uma entre as várias oposições que poderíamos estabelecer.
Entretanto, relações cada vez mais ativas eram estabelecidas entre
234 OUTO NO DA IDADE MÉDIA

essas zonas tão desiguais. Quer se trate das ligações entre países
mediterrânicos e setentrionais, ou entre regiões ocidentais e orien -
tais, seu desenvolvimento dificilmente pode ser negado . Assim emer-
gia, com efeito , uma nova Europa.
13

Hoje e amanhã...

Esse qu ad ro qu e aca bamos de pintar no espaço, se ria po ssível ,


mesmo que a grandes pinceladas , pint á-lo no tempo? A priori, a tar efa
comporta obstáculos quase insuperáveis: se podemos datar com preci-
são um a batalha ou um tratad o, o que fazer com uma invenção ou
progresso , dos quais sabemos, no máximo, quando foram atestad os
pela primeira vez, e cuja difusão exata ignoramos? Então , mão s à
obra, mas se m es perança ex agerada .
A cronologia, relativ amente segura , dos flagelos - fome s, epidemias
e guerras - comporta períodos de acumulação e de crise interna , alter-
nados a épocas de de scanso . Em campos muito diversos, os últim os
ano s do século XIII anunciavam as desgraças que estava m por vir.
Em 1294, a confiscação da Guy enne por Filipe, o Belo, prov ocou furio-
sos e vitoriosos contra-ataque s ingleses e prefigurou a Guerra dos Cem
Anos, cujo início é geralment e estab elecido em 1337. As fom es de
1306 no Languedoc, de 1315-1317 nos Países Baixos, na Inglaterra e
na França sete ntriona l tr aduzi am a ten são democrática e prometiam
um futuro difícil. Ao fracasso dos Bon signori de Sien a, em 1298, segui-
ram-se os dos Peruzzi em outubro de 1343. dos Bardi em janeiro de
1346, entre muitos ou tro s; revelavam um a crise do capitalismo .
Os pontos negro s pareciam multipl icar -se em meados do século XIV.
Cr écy, em 25 de agosto de 1346, assina lou um a série de derrotas fran-
cesas que culminou pert o de Poitiers em 19 de sete mbro de 1356. Nesse
meio tempo. em 1347. eclodiu uma fom e geral e devastadora; de 134R
a 1351 foi a Peste Negra . Na Fran ça co meçaram então as agitações
monetárias, que iriam pross eguir até 1360. Pode -se fala r de descanso,
236 O UTONO DA IDADE MÉDIA

quando o fenômeno das Grandes Companhias iniciava-se , quando


a segunda grande epidemia de 1361-1362 ceifava tantos sobreviventes
da Peste Negra e atormentava os espíritos? Quando a guerra franco-
inglesa recomeçava desde 1368? De fato , entrecortadas por tentativas
de reparação , as desgraças prolongaram-se até aproximadamente
1380: o Grande Cisma do Ocidente dividiu a cristandade em abril-se-
tembro de 1378, enquanto de 1378 a 1382 uma vaga de levantes
populares agitou o Ocidente .
Depois disso , houv e , com efeito, um descanso de cerc a de trinta
ano s. De scan so rel ativo , naturalmente , pois podiam ser encontrados
penúrias e acessos de peste . Mas a França e a Inglaterra discutiam
para pôr fim ao conflito absurdo . Os camponeses aproveitaram esse
período par a "reconstruir" . Foram multiplicados os esforços para
triunfar contra o cisma . Teriam resultado com 1417, no Concílio
de Constança aberto a partir de 1414.
Entretanto uma nova crise já com eçava. Os Lancastre estavam
no poder na Inglaterra desde 1399; em 1413, com a chegada de Henri-
que V ao trono, recomeçou a guerra, e em 15 de outubro o exército
francês sofreu um novo desa stre em Azincourt. Depois veio o tratado
de Troyes (21 de maio de 1420) , e a divisão da França , que terminou
graças à epopéia de Joana d'Are. Carlos VII, vitorioso , reconciliou-se
com Filipe , o Bom , duque de Borgonha pelo tratado de Arras (21
de setembro de 1435). Certamente o restabelecimento da paz acom-
panhou-se das devastações do s escorchadores, sensíveis at é 1442.
y Na Boêmia, a condenação de Jan Hu s (1416) provocou um levante
I que se prolongou até 1436.

!
Por toda parte, a metade do século XV foi marcada por um vigo-
roso esforço de reerguimento. Foram criadas as bases do exército
permanente na França. O acordo de Castillon (julho de 1453) pratica-
mente pôs fim à Gu erra dos Cem Anos. A " reconstrução" desenvol-
ve u-se em todos os lugare s. O crescim ento demográfico começou

l a se generalizar.
Devemos nos espantar por quase não ser possível, diante desse
quadro , fazer o levantamento dos progressos , aperfeiçoamentos e
inovações realizados durante essa época? Não, pelas razões que já

D itei. A impressão que se tem, no entanto , é qu e havia um esforço -


contínuo , com aparições regulares:

por volta de 1300: primeiras culturas de plantas forr ageiras em alquei-


ve ate stadas na Flandres francesa ;
por volta de 1333: aparição da cultura siste mática de ervilhas, vícias
e fava s em Flandres ;
1340: aparição da contabilidade em partidas dobradas em G ênova;
HOJE E AMANHÃ.. . 237

por volta de 1350: aparição, também em Gênova, da noção de prêmio


de seguro. O selo de Elbing representa uma kogge;
1400: o selo de Dantzig (Gdansk) representa o hulk ;
1401: em Barcelona, criação da Taula de Cambi, que serve como
dinheiro fiscal para a cidade;
1407: criação da Casa di San Giorgio em Gênova ;
1408: primeiro exemplo conhecido de um moinho de vento, que bom-
ba água, na Holanda;
1434: aparição da caravela em Valença;
por volta de 1450: aparição da imprensa;
1453: é atestado, em Nuremberg, o método que separa a prata do
cobre;
1457: escavação do canal de Binasso para as águas do Naviglio de
Milão a Pavia;
1469: primeira doca artificial na Toscana;
1478-1480: construção do mais antigo túnel de estrada, no Monte
Viso;
1492: descoberta da América.

Com algumas exceções sugestivas postas de lado (Alemanha e Pe-


nínsula Ibérica), a totalidade desses dados provém, aliás, dos Países
Baixos e da Itália. Naturalmente que se pode dizer que esse resultado
seja em razão do estado das fontes e os métodos de trabalho do
presente autor, porém não se pode impedir que a questão se coloque .
A ampliação do mercado e sua evolução ressaltam ao se compa-
rarem cinco dos mais importantes manuais de comércio, destinados
a iniciar os futuros mercadores:
- a Pratica della Mercatura, redigida pouco antes de 1350 por
Francesco di Balduccio Pegolotti, agente dos Bardi, e que reflete
a realidade entre 1330 e 1340;
-o manual elaborado sob o mesmo t ítulo, em 1442, por Giovanni
di Antonio da Uzzano e publicado em 1766;
-o Libro di Mercatantie e Usanze de' paesi, anónimo, compilado
em Ragusa entre 1460 e 1481, logo impresso;
- o Della Mercatura e dei Mercante perfetto, escrito em Nápoles
no final do século XV pelo ragusano Benedetto Contrugli ;
- enfim a Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni e Pro-
portionalità, composta por Fra Luca Paciolo , de Veneza. e impressa
em 1494, o que lhe assegurou uma imediata difusão. Encontra-se
ali, em particular, a primeira exposição sistemática conhecida da con-
tabilidade em partidas dobradas'.
A origem desses autores. o lugar, a data e o motivo da redação
dessas obras. os meios de sua difusão. tudo mereceria uma pesquisa
238 OUTONO DAIDADE MÉDIA

que, aliás, seria preciso estender a todos os manuais semelhantes.


Certamente seria sugestiva .

Enquanto aguardamos que seja feita, podemos reter algumas con-


clusões que me parecem se destacar da presente obra.
E , antes de tudo , nunca seria demais dizê-lo: o lugar aqui ded icado
à agricultura e aos camponeses não lhes faz justiça. Ela era evidente-
mente, e de muito longe , a forma predominante da economia -
e a grande massa da população vivia principalmente dela . Porém,
a difusão das inovações , cujo aparecimento ao meno s assinalei. foi
ao mesmo tempo lenta e muito mal conhecida - e, em seguida,
sua transformação muito progressiva de economia de subsistência
- a mais divulgada até agora - em economia de mercado . Tudo
isso pertence a esse domínio da históri a que é qua se da alçada da
"história imóvel " - para empregar uma terminologia felizmente di-
fundida por Fernand Braudel e seu s discípulos.
Se nos voltamos para uma categoria mais espetacular , porém muito
menos numerosa, da população - os mercadores - , convém distin-
guir três níveis, definidos ao mesmo tempo pelos mecanismos econ ô-
micos e pelos estados de espírito :
1. Entre os pequenos mercadores, que não buscavam o enriqueci-
mento, mas apenas prover suas necessidades, predominava uma eco-
nomia de subsistência.
2. Mas entre os mercadores a economia de lucro era a mais geral
- ao contrário do mundo camponês - , mas cujos ganhos dispersa-
vam-se de maneira improdutiva: caridades, legados piedosos, etc .;
despesas de luxo , de prestígio e de combate ; investimentos territo-
riais, que traduziam uma tendência à nobreza. Assim, os capitais
acumulados eram mais ou menos rapidamente dissem inados. E as
famílias mercantis eram mais ou menos duráveis .
3. Do capitalismo propriamente dito - isto é , da vontade de au-
mentar indefinidamente o capital , da busca racional de melhoramen-
to dos processos técn icos , do.esfor ço de concentração - já encon-
tramos alguns traços muito evidentes: como , por exemplo, a descon-
fiança por muito tempo observada em Veneza em relação aos investi-
mentos territoriais, justamente porque desviavam os capitais, e de-
pois os esforços realizados para organizar as grandes rotas, para dife-
renciar as tarifas de fretes .. . Era sobretudo um capitalismo comerci al,
que se manifestava nas Grandes Companhias florentinas entre ou -
tras : mas, às vezes, também - por exemplo, com Jacob Fugger -
passou a ser industrial.
De qualquer maneira, esse capit alismo aind a er a limitado. Pela
desigualdade dos lucro s, que podiam ser muito elevados (20 % ou
HOJE E AMANHÃ... 239

mais. líquido) , mas permaneciam muito variáveis (7 a 8% em média,


ou até menos). Pela imobilização dos capitais . não só em razão das
condições de crédito , mas pelo ritmo dos negócios: em Veneza, por
exemplo, o sistema de mude assegurava no máximo um ritmo de
dois anos - ou seja. os capitais empregados nos negócios, com as
compras e vendas a crédito, a lentidão dos transportes. o escoamento
nem sempre fácil das mercadorias, eram. na melhor das hipóteses,
recuperados em dois anos. Havia igualmente o problema dos emprés-
timos aos Estados, que eram difíceis de recusar - essa era freqüen-
temente a própria condição da ação - , mas que podiam provocar
catástrofes involuntárias (os Bardi com Eduardo III da Inglaterra,
os Mediei com Carlos . o Temerário . de Borgonha), ou desejadas
(Jacques Coeur com Carlos VII de França) . Na verdade , a técnica
das finanças públicas era insuficiente . Havia as dificuldades de con-
juntura: não esqueçamos que o período era difíciLCeLtamente->_no -
.final do século XV . houve um restabelecimento geral ; mas o efeito
do avanço turco compensou-o para alguns , como Veneza . E , fillãI-
mente, havia o atrativo que conservavam os gêneros de vida tradicio- _
nais. - Quantas limitações ao desenvolvimento do capitalismo!
"Hoje e amanhã", anuncia o título deste capítulo . Significa que
o hoje carrega o amanhã, como a mãe o filho? Tantas indicações,
de sentidos diversos , incitam-nos a pensar. Uma nova geografia da
Europa . As origens das grandes descobertas . O desenvolvimento
das técnicas capitalistas. ~são da escrita degois da imgrensa
e d~jjvrQ--A preparação social dos absolutismos ...
~ I sso nos remete ao título desta obra : "Outono da Idade Média
ou Primavera dos Tempos Modernos?" E nos conduz à questão que
eu colocava no começo, e da qual o leitor pode irritar-se ao ver-me
esquivar a resposta: os séculos XIV e XV foram uma época de reces-
são ou de progresso? Não zombem demais se retardo o momento.
Pensem o quanto nossa documentação, sobretudo a referente a nú-
meros , é pobre! A qualquer preço , é preciso evitar generalizar a
toda a Europa o que pudemos discernir aqui e ali. Cada vez mais ,
as monografias sublinham a extraordinária variedade da paisagem .
Vamos concluir então , mas sem demasiadas ilusões: sim, sem dúvida
nenhuma, os séculos XIV e XV devem ter sido uma época muito
dura para viver. Mas. para o futuro, que tesouro foi então acumulado!
14

Problemas de fontes e de métodos

É muito difícil para o historiador expor, para um público não inicia-


do, as dificuldades de sua tarefa, os problemas que lhe são colocados
pelo estado das fontes e das publicações, os métodos - que estão
sempre progredindo, como os do campo da cirurgia - que ele pró-
prio deve utilizar e aperfeiçoar! Em suma, o que eu desej aria não
é abrir um armário de esqueletos, mas um fazer percorrer um canteiro
de obras em plena atividade .

o volume de documentos (24)


As fontes para começar. Sua brusca multiplicação por volta de
1300 já é um fato sobre o qual devemos refletir (238). Isso não se
explica apenas pela melhor conservação dos arquivos . É um pouco
a civilização da escrita - cuja extinção progressiva está sendo provo-
cada hoje pelas novas mídias - que se instaura por vários séculos .
Os costumes orais são consignados em todo s os lugares sobre perga-
minho ou papel a partir de 1270 aproximadamente . Nunca até então
se confiara tanto ao cálamo 0- e não mais à incerta memória humana
- o cuidado de registrar a lembrança do passado ou o estado do
presente . Podemos falar de uma verdadeira revolução intelectual.
Entre essas fontes , quais são as mais suscetíveis de interessar ao
economista (75)? Há em primeiro lugar as fontes que chamamos
"narrativas" porque se propõem precisamente a contar e descrever.
Eis os ricordanze, memórias pessoais que numerosos italianos manti-
242 OUTONO DA ID ADE M ÉDIA

nham então. especialmente mercadores: relatam fato s políticos.


acontecimentos familiares. menções genealógicas (mais ou menos
seguras), às vezes , contas domésticas. A título de exemplos. pod em-
se citar: os Ricord i de Giovanni di Paolo Morelli, mercador florentino
do século XIV ; ou o Diario de Bartolomeu di Mich ele dei Corazza ,
mercador de vinho - também florentino - . que abrange o período
1405-1438. Destinadas a uso interno. essas memórias em geral são
sinceras. Não se deve . no entanto . outorgar-lhes uma confiança abso-
luta: seu valor é sobretudo psicológ ico. traduzem uma visão defor-
mada, um orgulho de fam ília . Consideradas desse modo . são insubs-
tituíveis.
Pouco a pouco passamos às crônicas. São menos pessoais e foram
escritas tendo em vista um uso público . Na It ália . citar em os especia l-
mente Giovanni Villani (1276-1348) (98): por pertencer a uma grand e
família qu e teve funçõe s políticas import ant es em Flor enç a . é uma
testemunha de pr imeira ordem. Seu qu adro de Florença e m 1338
é célebre , de vido a todos os números que forn ece . Vimos . aliás .
como apreciar seu valor. mas sua simples presen ça é uma gra nde
novidade. De mentalidade muito aristocrá tica . decepciona-se com
a evolução política de sua cidade e fica cada vez mais de sgostoso
no final de sua vida . Sua Cron ica. que vai das origens até 1348.
será continuada por diversos membros de sua famíl ia e. em primeiro
lugar, por seu irmão Matteo Villani. Do mesmo modo. no século
XV. Veneza pode glorificar-se de Marino Sanudo (1466-1533) (32) :
filho de senador. órfão muito jovem e arruinado. torna-se em seguida
ele próprio senador, vindo a ter acesso aos arquivos secretos . Como
Villani, inte ressa-se muito pelas questões econômicas . E célebre de-
vido a um discurso completamente atulhado de números que coloca
na boca do doge Thomas Mocenigo pouco antes da morte deste .
A Viesde Doges é sua obra mais conhecida.
São caso s particularmente favor áveis. De fato . quase tod as as crô-
nicas são mais ou menos úteis. como , na França. as de Froissart.
Apesar de ter se ocupado pouco com que stões econ ómicas, ele foi
um grande viajante . Em suas crôni cas encontr am-se o eco das opi-
niõe s das pessoas de guerra ilustrando as relaçõ es ent re esta e o
comé rcio . O auto r do Journ al d'un bourgeois de Paris de 1409 a
1449 (90) , talvez fosse um amanuense. Passa sem transição da narra-
ção do s fatos políticos às enumeraçõe s dos pre ços dos vívere s. e nos
deixa sob a impressão pungente das desgr aças qu e desab ar am no
século XV sobre as popul ações francesas. Tant o a Histoire de Charles
VIJ e a Histoire de L ouis Xl , de Thomas Ba sin , como as Mém oires,
de Philippe de Commynes (que serviu altern ada mente Carlos. o Te-
merári o , duque de Borgonha e Luís XI. rei de Fr ança . seu inimigo.
PROBLEMAS DE FONTES E DE MÉTODOS 243

investiu seu dinheiro nos negócios dos Mediei, visitou e descreveu


Veneza) fornecem preciosos dados. De fato, não há praticamente
nenhum livro de literatura que não se interesse pela economia ou
não seja suscitado por ela: não é sob a influência da Peste Negra
que Boccaccio colocou na boca de jovens florentinos, reunidos num
domínio rural para escapar do flagelo, relatos destinados a mudar-
lhes as idéias? Sabemos que assim nasceu o Decameron, cujos episó-
dios são, às vezes, um pouco licenciosos . E o que acabo de dizer
sobre a Itália e a França poderia estender-se facilmente a outros
países.
Os arquivos dos participantes ativos da vida econômica -senhores
laicos e eclesiásticos, mercadores das cidades - são, ao mesmo tem-
po, os mais importantes e os mais mal conservados. O mais conside-
rável dos acervos de negociantes que chegou até nós é o de Francesco
Datini de Prato (61, 334): morto em 1410 nessa cidade toscana em
que havia nascido, deixou todos os seus bens para a obra da Caixa
dos Pobres, que os conservou cuidadosamente. Esse enorme conjun-
to - 574 livros de contabilidade e cerca de 125.000 cartas, entre
as auais 6.000 letras de câmbio - ainda não foi totalmente exami-
nado, e tornou Prato a sede de um Congresso anual de história econô-
mica que todos os anos reúne os melhores especialistas vindos do
mundo inteiro para tratar de uma questão escolhida previamente.
Francesco Datini era um notável homem de negócios, assim mesmo
secundário. Naturalmente, os mercadores mais modestos não tinham
arquivos, ou os mantinham mal, e são , portanto, pouco conhecidos;
ora, eles eram de longe os mais numerosos, e é preciso tentar não
esquecê-los. Os negociantes de primeiro plano são mal documen-
tados. É o caso dos Bardi , companhia florentina da qual possuímos
dois "Livros secretos", que concernem sobretudo aos seus associados
e corretores, seus capitais e seus ganhos, os salários que pagavam,
mas que pouco informam sobre sua atividade propriamente comer-
cial. E o caso dos Mediei (ou Médicis) (311), companhia florentina
mais tardia (século XV), de cujos documentos restam apenas frag-
mentos, vendidos na Inglaterra a um colecionador que os deu em
seguida em depósito à Universidade Harvard de Cambridge (Mass.);
os italianos resgataram alguns fragmentos . E o caso de Jacques
Coeur, conhecido sobretudo pelo inventário que foi feito de seus
bens depois do confisco (64) ; e por alguns elementos que a tenacidade
dos pesquisadores . às vezes ajudada pelo acaso, permitiu encontrar
em acervos estrangeiros (63) .
O que contêm esses arquivos? Antes de tudo , registros de contabi-
lidade. muitos dos quais, aliás, foram publicados: assim , em relação
à Florença no século XIV. os dos Peruzzi e os dos Alberti (por Ar-
244 OUTONO DA IDADE M ÉDIA

mando Sapori) ; em relação à Gênova, o de Giovanni Piccamiglio


(1456-1459 , por Jacques Heers) ; os dos Della Casa, cambistas da
Cúria romana no século XV, conservados no hospital dos Inocentes
em Florença, e dos quais me servi en tre outros para estudar as origens
do banco em Toulouse . Na França , há o terceiro dos " gra ndes livros"
dos irmãos Bonis, de Montauban (1345-1369 , publicados por
Édouard Forestié); o livro de Jacme Oliver, de Narbonne (século
XIV, editado por Adolphe Blanc); o registro de contas dos arrnari-
nheiros de Metz, Jean Le Clerc e Jacquemin de Moyeuvre
(1460-1461 , por Jean Schneider) . Na Alemanha, o Handbuch (ma-
nual) dos Holzschuher de Nuremberg (1304-1307, por A . Chroust
e H. Prosler), vários registros de Lübeck e Rostock entre 1330 e
1350; o livro dos Rutinger , de Ratisbona (1383-1407 , por F . Bas-
tian) . . . Alguém dirá: quantos nomes! Mas esses documentos não
são apenas interessantes como testemunhos da técnica contábil; lan-
çam uma luz preciosa sobre os negócios desses mercadores.
A correspondência compreende documentos puramente técnicos,
como as letras de câmbio - cartas mais gerais, expondo a situação
comercial e mesmo política , importantes nessa época em que não
existiam jornais (como os que foram encontrados entre os documen-
tos de Datini , ou entre os da filial de Bruges dos Mediei) - , e ,
finalmente , cartas mais pessoais e familiares, úteis para o estudo
da psicologia dos mercadores. Citamos passagens daquelas que foram
enviadas pelo notário Ser Lapo Mazzei a Datini (341), ou daquelas
dos Cely , na Inglaterra (1475-1488) (60) .
Ao passarmos para os arquivos rurais, quase exclusivamente senho-
riais, devemos reconhecer a melhor conservação do acervo eclesiás-
tico, o que é facilmente compreensível , já que um dos deveres dos
bispos, abades e priores , ou cânones , é transmitir todos os seus docu-
mentos para seus sucessores; mas isso não deve fazer com que ignore-
mos os senhores laicos e seus camponeses. Foi Gérard Sivery quem
escreveu (238) em relação ao Hainaut: "As contabilidades dos conda-
dos ou das senhorias e, sobretudo, das abadias, permitem descobrir
as etapas que, no final do século XIII e no começo do seguinte,
resultam numa técnica decisiva para vários séculos. " A Inglaterra
é como o paraíso das contas rurais , a ponto de conduzir os historia-
dores a injustiças, já constatadas em seu tempo .
Chegamos aos manuais. Os manuais de agricultura sucedem-se :
no século XIII, na Inglaterra, Walter de Henley redige la Dite de
Hosebondrie (hoje: husbandry , isto é, de lavragem e de economia
doméstica) . Nos primeiros anos do século XIV , um bolonhês, Pierre
de Crescenszi, redige um Ruralium commodorum opus, que Carlos V ,
rei de França , manda traduzir um pouco mais tarde com o título
PROBL EMA S D E FONTES E D E M ÉT ODOS 245

de Livre des prouffi champestres. Convém examiná-los criticamente .


Essas obras são um testemunho precioso para nós, mas descrevem
as explorações agrícolas mais avançadas. Não devemos pensar sobre-
tudo que , em sua época, tenha exercido uma ampla influência . Al-
guns proprietários esclarecidos, eclesiásticos principalmente, pude-
ram inspirar-se nelas. Mas são antes um resultado , a conseqü ência
de uma longa série de pesquisas . A difusão dos progressos agrícolas
continua sendo para nós muito misteriosa . É certo que a agricultura
medieval foi sobretudo empírica .
Os manuais de comércio representam um terreno mais seguro .
Por volta de 1340, um agente da grande firma florentina dos Bardi,
France sco Balduccio Pegolotti, resume sua experiência na Pratica
della Mercatura (Prática da mercadoria) (299). Em 1458, o veneziano
G . de Uzzano registra no Libro di mercatantie e usanze de ' paesi
(320) (Livro das práticas do comércio e costumes dos países) os gran-
des progressos realizados nesse entretempo. Foi justamente esse livro
que me permitiu descrevê-los. Contudo , ainda aqui devemos evitar
as certezas muito rápidas: o que conhecemos atr avés desses autores
são as técnicas de ponta.
Muitos contratos registrados em cartório, se não se encontram
mais nos arquivos dos senhores - e dos campon eses, evidentemente
- ou até mesmo dos mercadores, foram conservados nos arquivos
notariais. É preciso imaginar a importância do papel que represen-
tava então o notário na vida cotidian a. Mandavam-no registrar não
apenas contratos de casamento, doações ou vendas de imóveis, testa-
mentos, como em nossos dias. Ia-se a ele para comprar uma merca-
doria a crédito (mesmo se fossem só algumas medida s de trigo ou
alguns metros de tecido) , para contratar um aprendiz, um compa -
nheiro, um servidor, uma ama-de-leite ... e, naturalmente, concluir
um empréstimo. um contrato de sociedade ou de transporte .. . Todos
os aspecto s da vida econ ómica encontram-se esclarecidos ali, mesmo
em relação a personagens ou empre sas muito modestas. Esses atos
notariados existem desde o século XII sob a forma de expedições
em acervo s eclesiásticos. Com o século XIII, e sobretudo século XIV .
são encontrados reunidos nos registros de minuta s notariais: sejam
os rascunhos abreviados que os tabeliões escreviam apressadamente
sob o ditado das partes; sejam as redações extensas que seus amanuen-
ses desenvolviam para prep arar a expedição de uma pública-forma .
Entret anto. é preciso notar que somente possuímos fragmentos do
que foi registrado pelos notários. sendo que a maior parte desapa-
receu ; que esses atos exigem, às vezes. um esforço de interpretação ,
particularmente porque alguns procuravam dissimular a "usura"
(quest ão que examinamos); e, sobretudo , que esses acervos encon-
246 OUTONO DA IDADE MÉDIA

tram-se nos países que seguiam o velho direito romano (Itália, Espa-
nha, França meridional). Em outros lugares , os atos privados eram
registrados pelas municipalidades ou por alguns tribunais (eclesiás-
ticos, em particular). Restaram-nos poucos deles. O notariado só
estendeu-se pouco a pouco para o Norte , durante os séculos XV
e XVI (99).
Isso nos leva a falar sobre a documentação oficial. A atividade
dos camponeses, como a dos artesãos e dos mercadores, manifes-
tava-se no quadro de diversas autoridades; portanto, deixou vestígios
nos arquivos de suas administrações. Censualistas e cartulários, so-
bretudo eclesiásticos, para as estruturas agrárias e o trabalho campo-
nês. Os artesãos e mercadores eram habitantes de cidades: era delas
que emanava a legislação econômica que deviam obedecer. Contudo,
muito cedo na Inglaterra, a partir do século XIII na França, no século
XIV nos Estados borguinh ões, a autoridade do soberano passa à
frente da autoridade das cidades. Cada vez mais, é o Estado que
legisla e controla a vida econômica . Entretanto , na Itália e na Alema-
nha , são as cidades que, sob um imperador fantasmático , são pratica-
mente a única autoridade : pode-se falar de cidades-Estados. Assina-
lemos finalmente alguns senhores portageiros , dos tribunais eclesiás-
ticos.
Que tipos de documentos fornecem esses acervos? Em primeiro
lugar atos legislativos e regulamentos: costumes senhoriais , decretos
reais ou editos municipais , estatutos de ofícios, etc . Serão confron-
tados com a legislação eclesiástica sobre a usura , o justo preço . E
evidentemente uma fonte indispensável de informação. Porém , ela
descreve um ideal, e coloca-se sempre o problema de sua eficácia.
Quando as mesmas regras são repetidas muitas vezes, com sanções
agravadas , é sinal de que não são respeitadas. Podemos somar a
isso as deliberações dos corpos encarregados da elaboração e da apli-
cação dessas regras, por exemplo , os corpos municipais . É inútil ex-
plicar por que eles são mais confiáveis.
Disso também emanam contas, que podem ser muito variadas.
Direi apenas alguns exemplos . Já falei das contas senhoriais . As con-
tas de hospitais são preciosas tanto para o estudo da alimentação
quanto para o dos preços (221). Também há as tarifas e as contas
de pedágios cobrados nas cidades e nas estradas; elas se esclareciam
mutuamente. Há as contas de duanas: as mais notávei s são as Cus-
toms Accounts inglesas: 7.500 rolos nos quais se encontra consignada
a percepção dos direitos estabelecidos a partir do final do século
XIII, sobre a importação do vinho , e sobre a exportação de lã e
pano (69). Há também contas particulares dos diversos portos, e,
de outra parte, os resumos e totais estab elecidos no Echiquier (isto
PROBLEMAS DE FONTES E DE MÉTODOS 247

é. do Tesouro). Em 1955. seu valor foi contestado. mas a discussão


foi-lhe favorável. Em todo caso, nada pode ser-lhe comparado: a
Hansa germânica possui alguns Pfundzolle esparsos (41); em outros
lugares existem algumas contas portuárias, como as de Dieppe (65).. .
Também há contas de administrações : Cortes principescas, ateliês
monetários. senhorias ... São utilizadas em estudos recentes. Proje-
tam uma luz esclarecedora sobre a vida camponesa e sobre os tráficos
dos produtos rurais. panos, peles, pedrarias. Os arquivos judiciários
permitem que conheçamos sobretudo as fraudes, os atas delituosos
e criminosos. Se não nos precavêssemos, elas nos passariam uma
imagem espantosa da realidade, inversa àquela que proporcionava
a regulamentação . Bem interpretadas, são, contudo, preciosas. Há
tribunais senhoriais - e seus arquivos abundam especialmente na
Inglaterra - e cortes propriamente comerciais, como a Mercanzia
de Florença. Outros tribunais não especializados tiveram que resol-
ver casos que interessam à economia . O rei de França costumava
conceder decretos de perdão, pelos quais, no curso das diligências
e antes do julgamento, agraciava um ou vários acusados de crime .
Se analisados com prudência (contêm fatos excepcionais e traduzem
sempre os pontos de vista do solicitante, cujo interesse, entretanto,
é o de nada esconder sobre as faltas das quais poderia vir a ser ulte-
riormente acusado), constituem uma fonte de qualidade. Os arquivos
de alguns processos são particularmente conhecidos: o inventário
dos bens confiscados de Jacques Coeur é o nosso dado principal
a respeito desse mercador (64).
Existe ainda toda uma documentação iconográfica que procura-
remos não esquecer nem sobreestimar (252, 345). Eis os trabalhos
dos meses, esculpidos nas paredes das igrejas, ou pintados nas minia-
turas dos livros de orações: as Tr êsRiches Heures do duque de Berry
são particularmente célebres. Mas muitas margens de manuscri-
tos são ornamentadas com camponeses no trabalho, mulheres fiando
na roca ou na roda de fiar, artesãos dedicados a suas tarefas .. . Qua-
dros por vezes célebres mostram o cambista - desde Quentin Metsys
(1461-1530) até Rembrandt (1606-1674), mas as coisas não terão mu-
dado muito nesse meio tempo: - ou o intelectual no trabalho -
Vittore Carpaccio pintando São Gerônimo, entre outros. Que alegria
ver esses homens e essas mulheres sobre cujo difícil trabalho nos
chegam informações através de documentos escritos (23)! Contudo,
tenhamos cuidado : a arte é transposição da realidade, a um nível
difícil de ser medido. Além disso, os escultores e miniaturistas medie-
vais tinham grande tendência a copiarem uns aos outros, a divulgarem
modelos que nem sempre correspondiam à realidade. Quem quisesse
evocar com sua ajuda os progressos da alfanje em detrimento da
248 OUTONO DA IDADE MÉDIA

foice cairia em engano ; eu mesmo não vi ainda camponeses ceifando


com foice na região de Toledo?
Há, finalmente - talvez aqui o testemunho se torne mais emocio-
nante - , restos materiais da economia européia do fim da Idade
Média. Atentos conservadores de museus encontraram charruas ou
arados antigos. Eu mesmo descobri, remexendo nos arquivos tolosa-
nos, amostras de panos ingleses do século XV. Os bombardeios des-
truíram tantos imóveis - e entre outros a famosa Ponte Vecchio
de Florença . Mas subsistem outros palácios, como a casa de Fran-
cesco Datini em Prato ou a de Jacques Coeur em Bourges. Pesquisas
feitas por jovens permitem reconstituir as humildes moradas dos cam-
poneses dos séculos XIV e XV .
Dependemos muito das condições em que se conservaram essas
fontes e não tenho a pretensão de ter enumerado todos os tipos
de fontes . Quantas destruições, devidas às guerras, aos incêndios.
ou à simples negligência! Talvez a documentação tenha se mantido
mais intacta na Inglaterra. Prospecções aéreas permitiram recons-
tituir algumas vilas abandonadas. cuja existência nos coloca, como
veremos, muitos problemas (26). Na França. as guerras ditas religio-
sas e depois a Revolução de 1789 fizeram desaparecer muitos manus-
critos; mas. na França. ao menos foi feito um reagrupamento do
material encontrado nos arquivos nacionais ou departamentais. Tam-
bém na Espanha houve destruição, mas não o mesmo reagrupamen-
to. A tarefa do pesquisador, que vai de igreja a convento, muitas
vezes é penosa, mas promete muitas surpresas felizes! Na Alemanha
e na Itália - uma vez que os tempos do Império na realidade passa-
ram - não há os acervos centralizados, mas a documentação local
é extremamente rica.
Para finalizar, reafirmamos nosso ponto de vista. Nossa informa-
ção da perfeição - se a atinge, sem dúvida, somos nós que não
conseguimos mais utilizá-Ia. As lacunas existentes são deploráveis.
Os números ainda permitem elaborar apenas poucas estatísticas. Sua
multiplicação é, no entanto, um fato essencial. É característico o texto
de um engenheiro milanês. conhecido sobretudo como pintor, mas que.
antes de tudo, era um "inventor", ou seja. Leonardo da Vinci:
"Esta manhã, 2 de janeiro de 1496, vou pegar uma correia de
couro e fazer um experimento .. . Em uma hora. 400 agulhas estarão
prontas cem vezes, o que perfaz 40.000 agulhas por hora, e 480.000
em doze horas. Digamos quatro milhões a cinco soldos por mil, perfa-
zendo 20.000 soldos : 1.000 libras por dia de trabalho e, se se trabalha
vinte dias por mês, 60.000 ducados por ano."
Parece-me seguro que, por volta do ano de 1300. tenha-se configu-
rado uma nova era no esforço do espírito humano .
PROBLEMA S DE FONTES E DE M ÉTODOS 249

Esboço de bibliografia

Não há nada mais indispensável e ao mesmo tempo enfadonho


do que uma bibliografia . Os leitores que o desejarem também encon-
trarão neste volume uma lista de referências, não completa evidente-
mente , pois um livro inteiro não bastaria para isso, mas que contém
o essencial e está atualizada tanto quanto possível , além de estar
classificada ao máximo. Porém quando ensinava, constatei que uma
maneira de animar uma bibliografia consistia em pintar com rápidas
pinceladas um quadro de pelo menos uma parte dos homens e das
mulheres escondidos atrás de seus textos. E o que tentarei fazer,
desculpando-me antecipadamente pelas omissões - não é possível
citar todos - e pelas injustiças que possa cometer.
Comecemos pela história rural. Imediatamente, a fórmula vem
ao espírito: e Marc Bloch aparece. Não que isso signifique que antes
dele ninguém tenha se preocupado com o destino dos campos euro-
peus . Porém , em 1931, seus Caracteres originaux de l'histoire rurale
fran çaise (204) impuseram toda uma nova problemática, não isenta
de hipóteses e, portanto, de riscos, mas que renova de uma só vez
os horizontes mais familiares aparentemente . Contudo , Marc Bloch ,
corajoso e reservado, desejava suscitar opositores. Os séculos XIV
e XV encontram-se um pouco sacrificados nessa obra, porém , seguin-
do os caminhos traçados pelo mestre - torturado e fuzilado nesse
entretempo pela Gestapo devido a sua patriótica resistência - outros
historiadores compensaram essa lacuna: na França, Robert Boutru-
che abriu o caminho; a seu lado ou seguindo-o, surgem, na Inglaterra ,
o esperto e sutil Michael Postan ; na Bélgica , Léopold Genicot; na
Alemanha , Whilhelm Abel ; na Espanha, o sedutor Jaume Vicens
i Vives , desaparecido cedo demais.
Passemos à história do comércio e dos meios urbanos. Aqui, nossa
companhia é em grande parte internacional. Na França, a tradição
criada por Fernand Bourquelot e Gustave Fagniez (para não voltar
mais atrás) foi retomada pelo aristocrático (no bom sentido da pala-
vra) decano Yves Renouard - também desaparecido cedo demais
- , pelo encantador Michel Mollat e , ousaria dizer sem falsa modés-
tia , por mim mesmo , sem esquecer o fogoso Robert Bautier. Na
Inglaterra, houve Eileen Power, mulher muito agradável, morta em
1940 de uma crise cardíaca; e Eleanora Carus-Wilson , mais austera,
que reencontrei no seminário de Eileen Power. Também travei co-
nhecimento com Sylvia Thrupp, obcecada por comparatismo . Ape-
gado intransigentemente à Europa e aos Estados Unidos, há também
Robert Sabatino Lopez. Na Bélgica e nos Estados Unidos, Raymond
de Roover colaborou com sua experiência única, pois, antes de escre-
250 OUTONO DA IDADE MÉDIA

ver sua história, já tinha trabalhado com bancos e negócios . Como


tantos outros, também ele foi influenciado pelo velho mestre Henri
Pirenne. A Itália foi, nos séculos XIV e XV, terra de inovações .
A escola italiana de história é uma constelação que pode glorificar-se
pelo menos de três nomes: o incansável Armando Sapori; Federigo
Melis, de início homem de Datini, também desaparecido; e o pro-
fessor e presidente Amintore Fanfani, que soube ocupar-se simulta-
neamente de uma grande obra histórica e de uma atividade política.
Até mesmo a URSS enviou-nos E. A. Kosminsky, que realizou na
Inglaterra a ligação entre pesquisa marxista e "ciência burguesa",
e o generoso Victor Ivanovitch Rutenburg. Há uma boa escola polo-
nesa, dirigida por meu excelente amigo Aleksander Gieysztor. Há
poucos alemães: o saudoso Erich Maschke preenchia uma lacuna .
Felizmente ele formou alunos.
Depois dessa resenha forçosamente incompleta, qual seria a im-
pressão do leitor? De que há pequena sociedade que comunga na
lembrança dos grandes mestres, que se encontra com regularidade
em Congressos ou Encontros pelo mundo, quando seus membros
trocam comunicações, mas sobretudo conversam, além de nutrirem-
se com a leitura regular de algumas revistas de história econômica:
Annales ESC (nascida dos Annales d'Histoire économique e social '
fundadas em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre), Histoire , écono-
mie et société - I'Economic History Review e sua contrapartida a
Scandinavian Econorriic History Review; l'American Journal of Eco-
nomic History; a Revue belge de philologie et d 'histoire, e Le Moyen
Age - , os Hansische Geschichtsbliitter e o Viertteljahrschrift für Sozial-
und Wirtschaftsgeschichte (para citar somente as principais), nas quais
colaboram com muitos artigos . Eu poderia, nessa orquestra tão ampla-
mente internacional, assinalar algumas cadeiras ainda insuficientemente
ocupadas: é certo que, para os alemães, os bons tempos do Império,
que os atraem naturalmente, tenham passado - é característico o fato
de que o melhor livro sobre a Hansa (logo traduzido para o alemão)
seja a obra de meu velho e muito modesto amigo Philippe Dollinger
(41), filho, é verdade, dessa Alsácia destinada a se tomar uma encruzi-
lhada da Europa. Mas os vazios serão preenchidos depressa.
Tal realidade é tão viva e tão enriquecedora para os que se dedicam
a essa área, que uma simples enumeração de nomes e de títulos
não seria, com certeza, capaz de fazer antever.

As angústias de um historiador de acervo


Muitos amadores improvisam-se em historiadores, pois imaginam
a tarefa como algo óbvio. Para alguns sucessos - pagos caro
PROBLEMAS DE FONTES E DE M ÉTODOS 251

aliás - . quantos reveses! Escrever a história é um ofício que se apren-


de como todos os outros. Evidentemente não me proponho a insistir
sobre esse aprendizado em geral. mas sim tratar de modo mais especí-
fico das dificuldades encontradas pelo historiador da economia dos
séculos XIV e XV.
Passo rapidamente sobre os problemas que surgem para a decifra-
ção das escritas antigas. sendo que as que se referem a essa época
são particularmente difíceis. e o erudito mais escrupuloso não está
a salvo de enganos . Que perda de tempo é ler por inteiro uma pública-
forma notarial! Isolar . à primeira leitura . algumas linhas essenciais
em um texto que pode cobrir seis páginas de registro é do mesmo
modo indispensável. É preciso saber decifrar uma contabilidade .
Convém ainda notar que nos séculos XIV e XV o ano não começava
no mesmo dia em todos os lugares: aqui era em 25 de dezembro
(aniversário do nascimento de Cristo). em outro local em 25 de março
(o de sua concepção) , às vezes Páscoa (aniversário da Redenção,
porém , uma data móvel, o que não é nada cômodo); o 1 ~ de janeiro
só aparece raramente . Daí as correções, que devem ser feitas de
maneira segura e rápida. O computador tem um papel cada vez maior
no trabalho do medievalista. E necessário que o historiador saiba
reter os dados essenciais e passá-los para um cartão perfurado que
possa ir para a máquina. São apenas.amostras, talvez ultrapassadas
graças aos progressos da técnica. A História não é uma ciência; é
uma arte , que se pratica com métodos tão científicos quanto possível.
Ensiná-los é justamente o objetivo das " ciências auxiliares" da histó-
ria - a paleografia, a diplomática , a estatística , a informática, etc.
- e não é possível prescindir delas.
Tratemos agora das dificuldades próprias ao estudo da economia
(24) . Surge, antes de mais nada, o irritante problema das medidas
antigas. No início, o homem tomou a si próprio como instrumento
de medida: daí o uso de expressões como polegada , pé. passo , braça-
da (envergadura) ... que encontramos sob diversas formas nos textos
mais antigos. O Império romano havia tentado alguma sistematização
dentro de seu território. Seu deslocamento resulta numa variedade
quase infinita das medidas (de comprimento, de superfície. de capaci-
dade) e dos pesos. Jacques Heers escreveu: (8): " E de fato irritante
constatar que nos dias de hoje o historiador da economia , sempre
em busca de documentos novos, não dispõe desse instrumento de
trabalho indispensável à primeira vista: uma lista das principais medi-
das da Idade Média com suas equivalências modernas. Certamente
a tarefa é imensa e pode desencorajar por sua própria complexidade.
A idéia de um sistema de medidas coerente e simples é absolutamente
estranha para as pessoas dessa época .. ;"
252 OUTON O DA IDAD E M ÉDIA

Apenas por um esfo rço progressivo de abstração é que a França


con seguiu instaurar o siste ma métrico (1791): o metro e ra a décima
milionésima parte do arco do meridiano terrestre compreendido en-
tre o pólo norte e o equador. Nos anos que se seguiram foram redigi-
dos para cada departamento tabelas de conversão das antigas medi-
das ; cad a um de nós os con sult a freq üentemente , mas temendo que
as medidas tom ad as depois de 1791 não fossem mais exatamente
as mesmas que se usavam nos séculos XIV e XV . Aliás , na Inglaterra
subsistiam o inch o o ya rd , a libra (po und ), etc. , e no sso s amig os
britânicos ainda ho je mani fest am alguma repugnância pelo sistema
métrico ... Em suma , nosso pobre histori ador penetra num dédalo .
No entanto , o val or de seu tr ab alho dep enderá mu ito da maneira
como e le so ube se sair disso!
Um outro problem a co nsiste em dat ar os progressos das diversas
técnicas e em seg uir sua difusão. Sab em os mu ito bem qu e só pa ssa-
mos a con sider ar uma nov a téc nica dep ois que se u emprego é assina-
lado num texto - mas há qu anto tempo? É o que quase sempre
é impossível sabe rmos . D o mesmo mod o , a partir do momento em
qu e constatamos que esse progresso foi realizado em algum lugar,
nossa tendênc ia é acre ditar qu e o me smo se deu em todos os lugares.
Que erro ! Esse é so bre tudo o caso das técn icas rurais e da utilização
dos instru me ntos ag rícolas , po is sua difu são foi part icul armente ern-:
pírica . Em du as ex plorações vizinhas pod iam -se enco ntrar, em um a ,
a pr áti ca dos mét odos mais modernos, na o utra o arcaísmo mai s
tacanho . Houve a té me smo re trocessos: quando um homem voltado
para o futuro morria, podia acontecer de seus herdeiros mostrarem-se
bem mai s tradicionalistas . De sua pesquisa, o historiador obtém prin-
cipalmente liçõe s de prudência e a aversão por qualquer generali-
zação, que sempre co rr e o risco de se r precipitada.
São sobretudo dois os domínios qu e quero evo car, porque nele s
é possível constatar a que pon to os métodos de tr ab alho evolue m
rápido - domínios difíceis certame nte, mas de impo rtância capital :
a demografia e a histór ia dos preços e do s salários.
Foi aind a Ja cqu es Heers qu em escre veu justamente (8) : " Se m dú-
vida nenhuma abo rda mos aqui um domínio de pe squi sas relativa-
mente recente, por mu ito tempo negligenciado pelos historiadores.
Em 1950, até mesmo o Rapport de dém ograph ie m édi évale, apresen-
tad o no Con gresso Int ern acion al das Ciênci as H istóric as, e m Paris,
por C. M. Cipolla . J. Dhondt , M. Postan e Ph . Wolff (12 1), pod ia
faze r ape nas um balan ço sumá rio , cit ar números mui to apro ximados
e principalm ente indic ar as lacunas e os métodos a serem seguidos .
A demografia medieval é , portant o, um a ciênci a totalmente nova
que não pode progred ir tão rápido e de modo tão seguro quanto
PROBLEMAS DE FONTES E D E MÉTODOS 253

o desejariam os historiadores da economia, impacientes para utilizar


resultados 'definitivos'." Essas linhas foram publicadas em 1963. Já
são antiquadas, pois, em 1978, foram lançadas duas obras capitais
que renovaram a paisagem e permitiram responder a questões que,
em 1950, por ocasião do grande reencontro dos historiadores após
a guerra, só aventuraríamos com muito pouca esperança.
Em primeiro lugar, houve a publicação, por Christiane Klapisch
e David Herlihy, dos resultados comentados de uma análise do catas-
to florentino de 1427, utilizando o computador (143). Não foi sem
hesitações que os florentinos romperam com as tradições que os leva-
vam a suportar o peso das despesas da República , especialmente
para suas guerras, pelos impostos indiretos. Por definição, era injus-
to, pois a diferença entre as necessidades alimentares e outras -
dos ricos e dos pobres não era evidentemente proporcional à desigual-
dade das fortunas. Recorria-se também ao empréstimo, mas era pre-
ciso reembolsar e pagar pesados juros. Ainda era aos impostos indire-
tos que se apelava para fazê-lo. As tensões sociais tornavam-se insu-
portáveis. Os pobres tentavam safar-se pela fuga. O preâmbulo da
lei do catasto reconhecia-o:
"Não se conseguiria descrever pela pena ou pela língua o número
e a qualidade dos cidadãos que a desigualdade dos encargos públi-
cos despojou de seus bens, privou de sua pátria, e que o aniquila-
mento de sua fortuna quase levou ao desespero , retirando-lhes
até mesmo o desejo que alguns nutriam ainda de voltar a sua pátria,
atingindo-os com milhares de males, pavor e incerteza sobre seu
estado. "
As guerras contra Milão e depois contra Lucca venceram as últimas
resistências. Uma verdadeira revolução fiscal é anunciada com a insti-
tuição do catasto.
Ainda era preciso poder estabelecê-lo. Não era pouco. Florença
encontrava-se à frente de um contado, isto é, de um território corres-
pondendo aproximadamente a dois atuais departamentos franceses
- perto de 11.000 quilômetros quadrados - , em linhas gerais, a
bacia do Arno. Montanhas e vales opunham-se ali na agradável paisa-
gem ainda hoje admirada pelo turista. Cidadezinhas, que sempre
são propostas para nosso deleite, Pisa, San Giminiano , Arezzo, Vol-
terra, Pistoia, Prato, faziam parte dessa espécie de coroa desenhada
em volta da própria Florença. Mais de 60.000 famílias viviam ali,
ou seja, cerca de 260.000 pessoas. Em nossos dias, em que os métodos
de recenseamento fixaram-se bem, ainda são muitos os erros e as
hesitações! 'Como agir no século XV?
A própria confecção do catasto ilustra bem o que eu dizia acima:
a multiplicação dos documentos nos séculos XIV e XV corresponde
254 OUTONO DA IDADE MÉDIA

a uma verdadeira revolução intelectual. Situa-se num contexto que


os autores de 1978 com muita razão puseram em relevo:
"Como apreciar o objetivo de um tal projeto , cuja extensão por
si só revela a influência excepcional de um poderoso aparelho buro-
crático? De fato, nosso monumento foi concebido e erigido pelos
mesmos homens que lançaram, por volta de 1400, os fundamentos
daquilo que se chamou 'o humanismo cívico'. Exaltaram, não só
em suas obras literárias, mas na própria ordenação de sua cida-
de , em sua estatuária monumental e nos afrescos de seus palácios
ou de suas igrejas, a participação salvadora do indivíduo no seio
da comunidade . A concepção do catasto aparece então como uma
das múltiplas facetas de uma rica ideologia , apaixonada pela totali-
dade da atividade humana e preocupada em descobri-Ia e avaliá-la
para dar maior peso a sua vontade."
Foi preciso então constituir toda uma administração. Os dez pri-
meiro ufficiali foram eleitos e se cercaram de representantes das di-
versas categorias sociais. Entre eles, muitos mercadores, habituados
às servidões da escrita , tais como os descreve admiravelmente Léon
Battista Alberti (pois é, o grande arquiteto!) :
"Convém inteiramente ao mercador ter sempre as mãos mancha-
das de tinta ... O dever do mercador, e de toda (pessoa que exerce
uma) atividade que implica em relação com outras pessoas , é de
escrever tudo, contratos, entradas e saídas de depósitos , e, revendo
com freqü ência tudo isso, manter, por assim dizer , sempre a pena
à mão ... pois , se você adia para mais tarde , os negócios envelhecem
nas mãos e acabam sendo esquecidos..."
Um palácio colocado à sua disposição para instalar seus escritórios:
o palácio Davizi. Podiam inspirar-se não só em sua experiência pes-
soal, mas na longa tradição toscana de recenseamentos fiscais e no
exemplo fornecido pela administração veneziana. Tiveram sucesso-
res. Ao todo , a confecção do catasto levou cerca de quatro anos.
A cada chefe de família perguntava-se: quantas pessoas viviam com
ele no "lar" tomado como unidade de base , o sexo , a idade, e grau
de parentesco; um "inventário completo de todas as formas de rique-
za... : bens imóveis, animais 'dignos de valor' , espécies, mercadorias,
créditos e partes da dívida pública . O contribuinte devia fomecer
para cada pedaço de terra ou conjunto de cultivo a localização, as
fronteiras, a dimensão e o rendimento que dele obtinha; os proprie-
tários deviam igualmente fornecer uma 'avaliação justa' de seu valor.
Certas categorias de bens, entretanto , eram isentas: domicílios da
família, mobília .. . e as montarias destinadas a seu próprio uso. Os
proprietários viram-se também autorizados a tirar do valor das rendas
que obtinham de suas terras um florim por junta de bois empregado
PROBLEMAS DE FONTES E DE MÉTODOS 255

'a rnezzo' em suas propriedades arrendadas assim como 5% para


as despesas de adubação".
Esse catasto teve conservação bastante assegurada, pois chegou-
nos quase integralmente . Um conjunto de dados tão vasto não podia
ser tratado hoje de outro modo senão no computador. Estremecemos
ao pensamento de que um pesquisador poderia ser tentado a anali-
sá-lo segundo os métodos tradicionais. Mas foi preciso se chegar
aos métodos próprios para a confecção desse quadro: a elaboração
dos cartões perfurados destinados ao computador não foi a menor
das tarefas. Ao apresentar essa obra pioneira, eu não deixava de
assinalar os perigos que comportava, a meu ver , a divulgação de
uma documentação tão excepcional. " Desenvolvendo plenamente
as informações de inigualável precisão fornecidas pelo catasto, os
autores criam uma inevitável distorção em relação às conclusões que
se podem obter da documentação 'envolvente', tão menos rica e
menos segura. A tantas questões que já nos colocávamos com uma
inquieta insistência , a tantas outras que doravante poderemos conce-
ber, elas fornecerão respostas inigualáveis , que facilmente concen-
trarão todas as atenções ... A generalização, contra a qual os autores
justamente nos alertam não será, muitas vezes, uma irresistível tent à-
ção? .. Mesmo assim, a barriga está cheia! Será que deveremos cho-
rar?"
Estava errado inquietando-me assim. A algumas centenas de quilô-
metros de Florença, a 240 de Toulouse , uma erudita bordalesa , Arlet-
te Higounet-Nadal (144), trabalhava sobre a documentação bastante
tradicional de uma pequeníssima cidade: Périgueux. Algumas deze-
nas de registros de percepção da derrama eram inteligentemente es-
clarecidas por uma busca paciente em todas as outras fontes dispo-
níveis. Deixo a meu colega Robert Étienne o cuidado de apresentar
o resultado: "A amplidão da investigação confunde, e foi necessária
uma sólida fé para examinar tantas séries, para preparar um fichário
mecanográfico de 80.000 dados , para catalogar 4.493 nomes de famí-
lias. Só podemos admirar essa pesquisa paciente que criou , de alto
a baixo , a matéria de uma reflexão ao mesmo tempo que apurava
o método de exploração de dados jamais reunidos: saudemos esses
69 quadros e outros gráficos que oferecem doravante a todos os pes-
quisadores um inestimável banco de dados. Ninguém , durante muito
tempo, ousará tomar os mesmos caminhos , tanto esse trabalho minu-
cioso foi exaustivo e tanto é servido por uma excelente doutrina. "
A autora, de fato, elaborou uma tese e contribuiu com uma nova
visão da população de Périgueux, instalando a mobilidade no proscê-
nio da demografia medieval. Mobilidade no tempo, que apresenta
incríveis oscilações: máximo em 1330, diminuição à metade em 1348,
256 O UTO NO DA IDAD E MÉDIA

explicada pela recessão económica de 1330-1335 e a famosa peste


de 1348; outra queda, a do início do século XV, causada pela peste
de 1400, e o boom do fim do século. Mobilidade no espaço , pois,
numa população que se renova de maneira permanente, a imigração
tem um papel vital. Essa imigração é proveniente de uma zona con-
cêntrica de aproximadamente quarenta quilómetros em vola da cida-
de, mas também de regiões mais longínquas como o Béarn e a Breta-
nha. Mobilidade social, já que nas mesmas famílias coexistem ricos
e menos ricos. Os limites do abast ecimento urbano, devidos às dificul-
dades do transporte, e as estruturas rudimentares do equipamento
econ ómico explicam essa mobilidade que interessa a todas as ca,tego-
rias sócio-profissionais, sobretudo os lavradores e os artesãos. Unico
elemento estável é o núcleo das famílias que detêm o poder e que
emergem de uma multidão de migrantes estrangeiros. Os que fazem
a história manifestam sua longevidade. Périgueux permite, portanto,
apreender a demografia diferencial das classes, explicar as quedas
demográficas pela mobilidade da população , e as contradições de
uma sociedade numa região em que o progresso económico possi-
bilita que se passe da família patriarcal à família conjugal, num país
onde se avizinham direito romano e costume.
De um único golpe, achava-se erguida a verdadeira "cruz" que,
conforme meus próprios termos, pesava sobre a demografia medie-
val: o aparentemente insolúvel problema do "coefficient de [eu", São
feux (lares), não homens , que os documentos dos séculos XIV e
XV permitem-nos alcançar: pois, o que importava para os contempo-
râneos não era o indivíduo, mas o " lar" a que ele pertencia . Nossa
atitude é inteiramente diferente hoje: é o indivíduo que nos interessa
e, quando citamos números populacionais, dizemos que essa ou aque-
la cidade conta com tantos habitantes, que a densidade é de tantas
pessoas por quilómetro quadrado . Mais uma vez, a mudança de docu-
mentação corresponde a uma transformação de mentalidades . Mas
como passar do número de lares ao número de habitantes? " A defini-
ção do feu (lar), observa Jacques Heers (8), de início é muito comple-
xa. Certamente, há muito tempo , os historiadores estabeleceram a
distinção entre [eux compoix que compreende uma vasta comunidade
familiar (dez ; vinte, trinta pessoas talvez) e o [eu ordinaire que só
conta uma simples família . Deste último apenas a história estatística
pode ocupar-se, o primeiro é demasiado vago e incerto . Mas essa
distinção nem sempre é fácil de ser feita; ela não se depreende forço-
samente dos documentos e alguns erros foram cometidos." Certa-
mente. foram feitas análises úteis: em 1473, temendo a aproximação
de um cerco , a cidadezinha de Carpentras contou as bocas a alimen-
tar, tendo em vista a acumulação de estoques de alimentação suficien-
PROBLEMAS DE FONTES E DE M ÉTODOS 257

teso Mas também possuímos registros de lares. Restava comparar.


Robert Bautier dedicou-se a isso: ele mostrou o quanto essa unidade
era variável , segundo os meios sociais e religiosos; assim, a média
era de 5,2 para os cristãos e de apenas 4,3 para os judeus; os lares
dos meios populares limitavam-se a meno s de três pessoas , enquanto
que, para os lares ricos, a média estabelecia-se em 7,7 , pois certas
famílias tinham até 25 indivíduos. Os trabalhos citados acima acabam
por nos convencer: tantos são os casos, tantas são as soluções . É
só por falta de coisa melhor que nos contentaremos com um coefi-
ciente de 4,5 - o menos falso de todos os que foram propostos.
Voltemos aos ensinamentos do catasto florentino de 1427, do qual
Philippe Braunstein soube, numa vigorosa revisão do texto , sublinhar
o exepcional interesse - chegando mesmo à indiscrição. Apresenta
uma pirâmide das idades na Toscana de então: há uma elevada pro-
porção de pessoas idosas, e também de jovens (O a 19 anos), compa-
rável à da França napoleônica, mas estreita-se sobretudo a faixa de
idades entre 20 e 55 anos - "foi necessário cerca de um século para
restaurar uma estrutura por idades próxima da situação anterior aos
desastres" . Poucas crianças e muitos velhos entre os pobres ; apenas
3,5 % de velhos, contra uma multidão de jovens entre os ricos . "A
preeminência da idade , de uma classe social para a outra , explica
o fato de que pobreza e velhice estejam estreitamente associadas
nas mentalidades do outono da Idade Média, e que a sociedade dos
poderosos possa ser descrita como essas assembléias e cortejos com
uma cintilante e insolente juventude representada magnificamente
pela pintura florentina do Quattrocento,"
O contraste não é menos vivo entre cidades e campos: havia muitas
crianças em Florença , onde viviam as famílias mais ricas; ao contrá-
rio, os jovens fugiam do campo . "A Toscana ganha então a forma
de um corpo que envelhece 'de coração ainda alerta' ."
Levando-se em conta as inevitáveis lacuna s da documentação, a
divisão das fortunas faz ressaltar uma grande desigualdade : "qua-
torze por cento da população (laica) possuía os dois terços da riqueza
toscana; a metade desses capitais estava investida na terra, a fortuna
mobiliária representava 30% do total, as partes da dívida pública .
17%. Uma centena de famílias dispunha de 60% dos títulos da dívida
pública. " Os proprietários de capitais investiam amplamente nos
campos, graças ao sistema da mezzadria (arrendamento a meias) :
"Essa transferência de capitais para a terra é a chave da relativa
prosperidade toscana ." Em compensação, " a metade desses cam-
poneses mezzadri não possuem bens tributáveis . e seu endivida-
mento em relação ao patrão os situa nos limites da deserção das
terras" .
258 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Completado pela leitura dos Ricordi , o catasto informa sobre os


comportamentos demográficos. A duração média da vida, que era
de cerca de 40 ano s por volta de 1300, caiu pela metade por volta
de 1400; retomou o nível dos 40 anos após 1450. A idade de casa-
mento é conhecida: em Florença como no s campos , pr aticamente
todas as mulheres casavam-se , e jovens, com aproximadamente 16
anos; também 97% das mulheres com menos de 25 anos eram casadas
ou viúvas . Para os homens, esse acontecimento era mais tardio : " o
celibato prolongado, ou definitivo - um 'purgatório matrimo-
nial' indefinido - representava para os homens o mesmo papel
que a viuvez , muitas vezes precoce , das mulheres" . Daí as tendên-
cias à homossexualidade ou à pro stituição, citadas por Boccaccio;
daí também uma aptidão para as guerras privadas e para as lutas
de facção , das quais Shakespeare recolherá o eco em Romeu e
Julieta .
Passemos aos nascimentos: no campo ressalta uma forte correlação
entre dimensões da terra e da família ; os mez zadri têm muitos filhos ,
ao contrário dos famintos dos castanhais e das pastagens de altitude.
Na cidade , as mulheres ricas trazem ao mundo três crianças que
viverão, os pobres contentam-se com duas . Ficamos especialmente
impressionados com a diferença de idade entre os esposos: a mulher
estava muitas vezes a igual distância de seu marido e de seu primeiro
filho ; a idade no casamento , que limitava a duração da vida conjugal,
foi um regulador da população toscana. Isso não impedia os medío-
cres e os pobres de se consagrarem a práticas de limitações de nasci-
mentos, que provocavam o furor de um Bernardino de Siena em
seus sermões.
Se tentarmos generalizar para o mundo mediterrânico o exemplo
toscano - com os riscos que isso implica - poderemos, com Philippe
Braunstein , seguindo Christiane Klapisch e David Herlihy, concluir:
"Definitivamente há um personagem essencial nessa história ao mo-
do ma sculino , é a mulher: menina que sobreviveu à indiferença, na
verdade ao homicídio dissimulado , mocinha cujas formas nascentes
valem de rep ente seu preço no campo aberto das estratégias matrimo-
niais, casada e mãe , amiúde chefe de família , viúva cortejada, ela
tem pela suces são de seus papéis um lugar determinante no seio
da casa. A sociedade antiga , dividida entre a misoginia e a exaltação
das qualidades da don a de casa , era demasiado masculin a para reco-
nhecer que a igual distância de seu s maridos e de se us filho s, sobrevi-
vendo a um e legando ao s outros um capital e alianças 'que faziam
a diferença' , mulheres e mães asseguravam a continuidade das linha -
gens agnadas: indispensável estrangeira nas sociedades de hom ens ,
mãe da To scan a , 'mãe mediterrânica' ..."
PROBLEMAS DE FONTES E DE MÉTODOS 259

A demografia é árdua? Certamente os métodos são austeros. Mas


como são significativos os resultados! Fazem surgir todo um mundo
estranho. Isso é suficiente para pôr fim aos complexos que podería-
mos alimentar em relação aos historiadores britânicos. que podiam
basear-se num material tido até recentemente como inigualável. e
cujos resultados meu trêmulo amigo Josiah Cox Russel (ele não es-
conde que é quaker *) traduziu, com uma segurança que não deixa
transparecer nada de seus debates internos (164-168) .
A história dos preços e dos salários - tão austera por seus méto-
dos, mas tão dramaticamente vivida por nossos antepassados - tam-
bém teve seus pioneiros . que não se devem ser desprezados; mesmo
se, por volta de 1900. tenha conhecido grandes ilusões. Na Inglaterra.
Thorold Rogers publicava entre 1889 e 1902 os oito volumes de sua
história da agricultura e dos preços de meados do século XIII ao
final do século XVIII. Na França . de 1894a 1898. aparecem os quatro
tomos do estudo consagrado por Georges d'Avenel à história dos
salários e dos preços de 1200 a 1800. .
A essa euforia estatística sucedeu, à medida que apareciam as exi-
gências científicas de um estudo racional dos preços, uma era de
desconfiança. Para dizer a verdade, era fácil dar-se conta de quanto
a obra monumetal de Avenel expunha-se à crítica. A própria docu-
mentação exigia ressalvas; com demasiada freqüência ele utilizou
muitas indicações de preços referentes a regiões diversas. O problema
das conversões das medidas e das moedas mesmo assim era delicado.
No que concerne às moedas, Avenel convertia. segundo Natalis de
Wailly, todos os valores em francos-germinal. que tinham cotação
em seu tempo. Ato de fé na estabilidade, com certeza notavelmente
duradoura. desse franco-germinal que. aos nossos olhos. não significa
mais grande coisa. Reduzia todos os preços à quantidade de metal
precioso que se encontrava incluído nele; mas como esse metal servia.
muitas vezes. como uma mercadoria. isso resultava na medição de
todos os preços com o auxílio de um instrumento que, entrementes.
se alongava ou se encolhia .
Alertados pelas críticas suscitadas pelo trabalho de Avenel, os his-
toriadores dos preços tentaram. há cerca de cinqüenta anos. retomar
esse estudo de maneira mais científica e modesta . Limitar-me-ei a
evocar aqui as obras publicadas por Earl Hamilton . Moritz J. Elsas,
Lord Beveridge , Charles Verlinden. e artigos como os de A . P.
Usher, Robert Latouche , Jean Meuvret, Gino Luzzato, Monique

• Membro de seita protestante fundad a no séc . XVII . Literalmente . no inglês.


tremedor . (N .T.)
260 OUTONO DA IDADE MÉDIA

Mestayer - e outros. Parece-me que, tornando claras diretivas que


sinto um pouco de orgunho de ter elaborado (99) - aconselhado
por Marc Bloch - desde 1952, os métodos mais seguros. pelo menos
para o momento. foram colocados por Hermann Van der Wee (91)
e por Charles M. de La Ronciêre (73).
Sem dúvida, falta-nos o melhor tipo de documento para a história
dos preços : a mercurial. isto é. o conjunto das variações de preços
registrados pelas autoridades locais (amiúde municipais) , dia após
dia, para os produtos essenciais, e sobre um determinado mercado .
Tais fontes os séculos XIV e XV não conheciam. mesmo se Monique
Mestayer e o saudoso Jean Meuvret acreditaram ver ali suas origens .
Devemos. portanto, contentar-nos com outros materiais. utilizados
com o maior discernimento possível: menções notariais e, sobretudo.
registros de contas -contas de Cortes. de municipalidades. de hospi-
tais, de trabalhos diversos, muito raramente de famílias . a serem
interpretadas cada vez melhor.
Naturalmente, o objetivo do historiador dos preços modernos e
contemporâneos é estabelecer médias , traçar. com o auxílio destas,
curvas, extrair tendências, distinguir cicios, trintenários ou de dura-
ção mais longa . Seu colega dedicado aos séculos XIV e XV deve,
na medida do possível, renunciar a imitá-lo. Essa atitude não lhe
é ditada apenas pelas insuficiências de sua documentação . Deve-se
à própria natureza das estruturas econ ômicas e sociais.
Em primeiro lugar aparecem as diferenças de indivíduo a indiví-
duo. A maior ou menor ingenuidade do comprador, a maior ou me-
nor capacidade e habilidade do vendedor podem fazer enormes dife-
renças. Os textos da época não estão repletos de referências significa-
tivas ao que , ao assumir um certo caráter coletivo , deve-se chamar
especulação?
Depois temos a separação da economia no espaço: séries de preços
provenientes de lugares muito próximos podem, no entanto. não
ter nada de semelhante . H. Van Houtte constatou que até em merca-
dos tão próximos quanto Bruges e Fumes em Flandres, os preços
dos gêneros eram diferentes nos séculos XIV e XV . e suas variações
de um ano para o outro não eram sequer paralelas . Testemunhei
um fenômeno parecido quanto a Toulouse e Montauban - apesar
de estarem distantes um pouco mais de 50 quilômetros, na metade
do século XIV . Georges Duby assinalou-o fortemente em relação
à Provença do século XIV, tanto no que concerne aos preços dos
cereais quanto aos salários dos ceifeiros.
Não é menor a separação no tempo. Charles de la Ronci êre
a constata nas contas do hospital de Santa Maria Nuova de Flo-
rença:
PROBLEMAS DE FONTES E DE MÉTODOS 261

" O ra a comida confisca quase todo o orçamento (1326), ora não


representa sua terça parte (1372), e a proporção pode variar quase
a metade de um ano para o outro (de 1371 a 1372). Ora o frumento
açambarca a quarta parte do orçamento de alimentação (1340), ora
representa pouco mais da centésima parte (1326). As variações ate-
nuam-se para o vinho e para a carne, sem, contudo , desaparecerem."
Essa noção de variação é fundamental. Ela impõe-se, aliás, de
modo muito desigual de acordo com os produtos. Atinge seu máximo
para os cereais , base necessária da alimentação. É muito fraca para
produtos ainda apreciados, mas não mais vitais, como o vinho e os
legumes. É quase nula para os produtos fabricados, como os tecidos .
Penso ter estabelecido que suas variações não eram sequer simultâ-
neas , de um lugar para outro. Que diferença, por exemplo, entre
Toulouse, geralmente mal abastecida, e Gênova (49) que, graças
a uma hábil política de compras efetuadas em lugares e datas mais
favoráveis , podia manter o preço do trigo a um nível bem constante!
Quando uma tendência geral prevalecer sobre essas diferenças,
então as noções de mercado, de economia de trocas, não irão obter
todo o seu valor . Será o resultado de uma longa evolução que se
processa do século XVI ao século XIX.
Que pode fazer o historiador dos preços e dos salários na Europa
dos séculos XIV e XV? Trabalhar com monografias tão locais e preci-
sas quanto possível- cujo modelo foi dado, entre outros, por Char-
les de la Ronci êre em relação à Florença do século XIV. Resolver
da melhor maneira o problema da conversão das antigas medidas.
Traçar um duplo quadro dos preços: preços nominais e quantidades
de metais representadas por eles. E, finalmente , manter-se o mais
próximo possível dos homens e das mulheres que viveram esses tem-
pos difíceis - por excelência , a caça do historiador, como gostava
de lembrar Marc Bloch. As paginas pf écedentes foram bastante vivi-
das na companhia deles.
Bibliografia

Esta bibliografia não é completa. Ela contém apenas as obras e artigos


diretamente utilizados para a redação deste volume . As fontes publicadas
estão incluídas. As referências são ordenadas por temas e, no interior de
cada tema, por ordem alfabética de sobrenomes de autores . Cada uma dessas
referências é numerada, de modo a permitir remissões através de chamadas
de notas dispostas no texto .
Lista dos temas:
A . Generalidades
B. Estudos regionais e locais
C. Demografia, fomes, epidemias
D . As guerras, nascimento dos Estados
E . Aspectos agrícolas
F. As ind ústrias
G . Comércio, crédito, moeda
H. Os meios de transporte
I. Aspectos morais e intelectuais.

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rique, 553 , jan .-mar. de 1985 , pp . 19-95 .
(Bom estudo das con seqüências para as finanças urbanas d a necessidade
de con servar as muralh as, e m ligação co m a gue rr a .)

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