Professional Documents
Culture Documents
net/publication/311065938
CITATIONS READS
0 1,141
1 author:
Carin Zwilling
University of São Paulo
6 PUBLICATIONS 0 CITATIONS
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by Carin Zwilling on 28 November 2016.
1
Carin Zwilling é graduada em Música e em Teologia. Tornou‐se Mestre em História da
Arte pela UNICAMP (1996) e Doutora em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela
USP, FFLCH, Departamento de Letras Modernas (2003) com a tese As Canções de Cena de
William Shakespeare – resgate das canções originais, transcrição e indicações para
tradução (tese publicada pela Annablume Editora, sob patrocínio da FAPESP, 2010 e Corda
Music, Inglaterra, 2015).
Lecionou Filosofia da Arte na Faculdade de Artes Santa Marcelina por 8 anos, e alaúde e
música de câmara no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes – USP‐SP
por 4 anos.
Completou seu Pós‐Doutorado em Teologia na PUC‐SP, sob supervisão de Alex Villas Boas
Mariano em 2015, com o estudo e a publicação da Hierarquia Celeste de Dionísio Pseudo‐
Areopagita, pela Polar Editora, 2015. Atualmente segue sua pesquisa com um segundo Pós‐
Doutorado também em Teologia na PUC‐SP.
RESUMO
Il Cortegiano de Baldassare Castiglione, publicado em 1528, é um dos livros
mais conhecidos e mais característicos do Renascimento italiano. Relata
diálogos que o autor manteve na corte de Urbino, sobretudo aquilo que
convém à formação do perfeito cortesão. Pelo tom elegante, pela atmosfera
serena que estabelece o refinamento intelectual do diálogo, O Cortesão, ao
lado do Príncipe de Maquiavel e Orlando Furioso de Ariosto, é um dos livros
que melhor revelam o espírito e o gosto do Renascimento. É ao mesmo tempo
um manual de boas maneiras e um código: o código da elegância do
pensamento e do gosto que se tornam elegância e refinamento dos costumes.
Visamos neste artigo, assinalar e traduzir alguns dos livros do Cortesão que
contém passagens a respeito da música; e contemplá‐las com explicações,
comentários e notas.
ABSTRACT
Il Cortegiano of Baldassare Castiglione, published in 1528, is one of the best
known and most characteristic books of the Italian Renaissance. It reports the
conversations that the author kept in the court of Urbino, especially what
befits the formation of the perfect courtier. By the elegant tone, by the
serene atmosphere that establishes the intellectual refinement of the
dialogue, The Courtier, next to The Prince of Machiavelli and Orlando Furioso
of Ariosto, is one of the books that best reveal the spirit and the taste of the
Renaissance. It is at the same time a manual of manners and a code: the code
of elegance of thought and taste that becomes elegance and refinement of
manners.
In this article we aimed to point out and translate some of the books of The
Courtier that contain passages about music; and contemplate them with
explanations, commentaries and notes.
CONDE BALDASSARE CASTIGLIONE
( n a s c i d o e m C a s á t i c o , p e r t o d e M â n t u a e m 6 d e d e z e m b r o d e 1 4 7 8 ;
f a l e c i d o e m T o l e d o , e m 2 d e f e v e r e i r o d e 1 5 2 9 )
RAFAEL SANZIO, Retrato de Baldassare Castiglione (1514–1515).
Ó l e o s o b r e t e l a , 82 cm × 67 cm. M u s é e d u L o u v r e , P a r i s
Nascido em uma família aristocrática, o Conde Baldassare Castiglione foi
enviado à Milão para receber sua educação nos moldes da corte de Ludovico
Sforza. Embora os detalhes desse período sejam insuficientes, é claro que foi
em Milão, onde estudou na Universidade latim e grego além de esgrima,
combate e luta, que ele adquiriu seus conhecimentos militares e seu tino
para relações públicas que o levaram a ser contratado por vários nobres das
cortes de Mântua e Urbino. Cultivou durante toda sua vida, embora
amadoristicamente, um interesse pela literatura e pela Antigüidade Clássica.
Em 1504, após um infeliz período em Mântua, entrou para o serviço de
Guidobaldo de Montefeltro, Duque de Urbino. Os anos seguintes foram de
uma vida mais plena e satisfatória. Ele obteve a confiança do Duque, que
frequentemente encarregava‐o de importantes missões; e nos momentos de
lazer participava das atividades literárias e intelectuais da corte – uma das
mais brilhantes da Itália. Após a morte de Guidobaldo em 1508, Castiglione
passou a servir do novo Duque, Francesco Maria della Rovere tornando‐se,
em 1513, embaixador residente em Roma. Em 1515, com a expulsão de
Francesco Maria da cidade de Urbino, ficou sem trabalho, e nos anos
seguintes (de 1516 a 1519) viveu sossegadamente em suas terras nas
cercanias de Mântua. Em 1519, retornou a Roma como embaixador de
Mântua, e em 1524 entrou para o serviço do Papa Clemente VII que enviou‐o
à Espanha, como Núncio Apostólico. Castiglione veio a falecer em Toledo em
1529, sendo considerado por Carlos V como “um dos mais refinados
cavalheiros do mundo.”
No início de 1527 ele enviou o manuscrito com cuidadosas correções e
instruções para o editor Aldine em Veneza, e finalmente em 1528 o livro foi
publicado. Imediatamente atingiu enorme sucesso exercendo profunda
influência, e logo foi reeditado e traduzido para vários idiomas. 1
“ f a z e r u m r e t r a t o d a c o r t e d e U r b i n o , n o m o m e n t o e m q u e e l e s e n t i a
u m a p r o f u n d a n o s t a l g i a , e d e s c r e v e r a f o r m a ç ã o d o c o r t e s ã o t ã o
a m p l a m e n t e , d e m o d o q u e s e u s c o n s e l h o s p u d e s s e m s e r a c e i t o s p e l o
p r í n c i p e , a l é m d e c o n t r i b u i r p a r a a s e g u r a n ç a e b e m e s t a r d e u m a I t á l i a ,
e n t ã o m a l g o v e r n a d a . E s c r e v e n d o e m u m i t a l i a n o e c l é t i c o e a c e s s í v e l ,
Castiglione empregou mudanças de caracterização e descrição, para
t r a z e r à l u z p e s s o a s e l u g a r e s , e p a r a e x e m p l i f i c a r o s i m p e r a t i v o s m o r a i s
d e n u n c a s e r e n t e d i a n t e . ”
Il Cortegiano tornou‐se a base das maneiras do cortesão que influenciou
a nobreza e os escritores renascentistas de toda Europa. À parte da
importância como um livro de etiqueta, O Cortesão é uma fonte histórica
social e intelectual primordial do século XVI, sendo hoje considerado como o
livro mais representativo do Renascimento. Não somente um livro de
cortesania, mas também um livro político, justificando o lugar do cortesão,
sucessor do cavaleiro medieval na sociedade, tratando de estabelecer o papel
e o status do novo tipo de cortesão.
Neste aspecto os diálogos a respeito da música são fundamentais, não
somente para entendermos a função desta na sociedade moderna, mas
também para conhecermos os instrumentos então usados, as características
de sua execução e os momentos adequados para a realização musical.
A Sala delle Veglie no Palazzo Ducale di Urbino
P r o v a v e l m e n t e o l o c a l o n d e se d e r a m a s r e u n i õ e s q u e
i n s p i r a r a m I l C o r t e g i a n o d o C o n d e C a s t i g l i o n e .
Baldassare Castiglione, O Cortesão, livro I
Após todos terem se rido disso, o Conde assim continuou: – Cavalheiros,
eu devo dizer‐lhes que eu não estou satisfeito com nosso cortesão a não ser
que ele seja também um músico além de um conhecedor, e que possa ler e
tocar vários instrumentos. Pois, quando pensamos nisto durante nosso lazer,
não podemos achar nada mais recomendado para ajudar nossos corpos a
relaxar e nossos espíritos a se recuperar; especialmente na Corte, pois a
música ajuda a esquecer os problemas, e onde muitas coisas são feitas para
agradar as damas, cujas almas gentis e suaves são muito susceptíveis à
harmonia e à doçura. Assim, não é um prodígio que tanto nos tempos
passados quanto nos atuais, todos foram extremamente afeiçoados aos
músicos e saudaram a música como um verdadeiro revigoramento do espírito.
livro II
“O Amor”. Gravura de Raphael Sadeler, O Velho, baseada em Maarten de Voos, 1591.
Técnica: buril. 26,4 x 32,6 cm. Da série As Quatro Idades do Homem.
Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional do Brasil.
U m j o v e m t r a j a n d o r o u p a s c l á s s i c a s e c o r o a d e l o u r o s n a c a b e ç a t o c a a l a ú d e
e n c o s t a d o n u m a á r v o r e , c o m C u p i d o a c i m a a p o n t a n d o u m a f l e c h a p a r a e l e ,
s i m b o l i z a n d o o A m o r . M a i s a l é m , à d i r e i t a , s e n t a d o s n a r e l v a c o r t e s ã o s se e n t r e t é m
t o c a n d o i n s t r u m e n t o s m u s i c a i s , d e s t a c a n d o ‐ se a v i o l a d a g a m b a . À e s q u e r d a e s t á a
f o n t e d e D i a n a , u m t o r s o f e m i n i n o j o r r a n d o á g u a d e s e u s s e i o s s o b r e u m a t a r t a r u g a
[ t e s t u d o – e m l a t i m t a r t a r u g a o u c a r a p a ç a d a t a r t a r u g a ; m a s t a m b é m “ a l a ú d e ” , d e
a c o r d o c o m J . T i n c t o r i s , D i f f i n i t o r u m m u s i c e s , c . 1 4 7 5 ; d e v i d o a o c o r p o d o
i n s t r u m e n t o s e r a b o b a d a d o c o m o a c a r a p a ç a d a t a r t a r u g a ] . A o s p é s d o a d o l e s c e n t e
h á v á r i o s i n s t r u m e n t o s m u s i c a i s d e s t a c a n d o ‐ se a v i o l a e u m a c h a r a m e l h a s e m
p a l h e t a ; p a r t i t u r a s m u s i c a i s , a l é m d e u m a r a q u e t e , u m a e s p a d a , l u v a s e u m a b o l s a
d e m o e d a s [ t o d o s e l e m e n t o s q u e f a z e m p a r t e d a e d u c a ç ã o e e s m e r o d e u m r e a l
c o r t e s ã o r e n a s c e n t i s t a , d e a c o r d o c o m o s p r e c e i t o s d e C a s t i g l i o n e ] .
NOTAS
1
I l L i b r o d e l C o r t e g i a n o f o i u m d o s l i v r o s m a i s l i d o s d u r a n t e o s é c u l o X V I . R e c e b e u
t r a d u ç õ e s e e d i ç õ e s i m e d i a t a s p a r a s e i s i d i o m a s , d e s t a c a n d o : p a r a o i n g l ê s p o r S i r
Thomas Hoby, 1561; espanhol, pelo poeta Juan Boscán; português, pelo célebre
v i h u e l i s t a L u í s M i l a n , d u r a n t e s u a p e r m a n ê n c i a n a c o r t e d e D . J o ã o I V e m P o r t u g a l ;
p a r a o f r a n c ê s e m 1 6 3 7 ; e p a r a o p o l o n ê s p o r L u k a s z G ó r n i c k i e m 1 5 6 6 .
2
H A L E , J . R . , A C o n c i s e E n c y c l o p e d i a o f t h e I t a l i a n R e n a i s s a n c e . L o n d o n : T h a m e s
and Hudson, 1981 (pp.73–74).
3
P a s s a g e m i n t e r e s s a n t e t e c i d a p e l o S e n h o r G a s p a r e q u e , n a v e r d a d e e n t r e l a ç a d o i s
c o n c e i t o s c a r o s a P l a t ã o e a A r i s t ó t e l e s .
P l a t ã o n a A R e p ú b l i c a , livro I I I , c o m e n t a o s e g u i n t e n o d i á l o g o e n t r e G l á u c o n e
Sócrates:
‐ Quais são, pois, dentre as harmonias, as moles e as dos banquetes?
‐ H á u m a s v a r i e d a d e s d a j ô n i a e d a l í d i a , a q u e c h a m a m d e e f e m i n a d a s .
‐ E e s s a s , p o d e r á s u t i l i z á ‐ l a s n a f o r m a ç ã o d e g u e r r e i r o s , m e u a m i g o ?
‐ De modo algum, respondeu.
‐ M a s a r r i s c a s‐ t e a q u e f i q u e m a p e n a s a d ó r i c a e a f r í g i a .
[ O B S : N o L a q u e s 1 8 8 d , só é a c e i t o o m o d o d ó r i c o ] .
E A r i s t ó t e l e s n a P o l í t i c a r e c o m e n d a a i n s t r u ç ã o m u s i c a l a o s j o v e n s , i n c l u i n d o a u l a s
e a p r e n d i z a g e m d e i n s t r u m e n t o s m u s i c a i s , p a r a g u a r d á ‐ l o s c o n t r a o o t i u m . E l e
c o n s i d e r a v a a m ú s i c a n ã o a p e n a s u m p a s s a t e m p o h o n e s t o , m a s u m m e i o d e
e d u c a ç ã o é t i c a , e o s l e i t o r e s d e P l a t ã o s a b e m q u e e l e l e v a v a a m ú s i c a a s é r i o o
suficiente a ponto de banir todas, exceto as harmoniai dórica e frigia de sua
R e p ú b l i c a p o r q u e e r a m o s ú n i c o s m o d o s q u e i m i t a v a m c o n v e n i e n t e m e n t e “ a v o z e
a s i n f l e x õ e s d e u m h o m e m v a l e n t e n a g u e r r a e e m t o d a a ç ã o v i o l e n t a ” , b e m c o m o
n a q u e l e q u e se e n c o n t r a e m a t o s p a c í f i c o s m o s t r a “ s e u b o m s e n s o e m o d e r a ç ã o e m
t o d a s a s c i r c u n s t â n c i a s ” e m q u e se e n c o n t r a ( R e p ú b l i c a I I I : 3 9 9 a ‐ c ) .
A s s i m , a t r a v é s d a m ú s i c a , o s a l u n o s p o d e r i a m a p r e n d e r o s a t r i b u t o s d a q u i l o q u e
d e v e r i a s e r s e g u i d o , a p r e n d e n d o d e s s a m a n e i r a a d i s c e r n i r a v i r t u d e d o v í c i o .
4
C a s t i g l i o n e r e f e r e‐ se a o m i t o d a “ H a r m o n i a d a s E s f e r a s ” n a r r a d o p o r P l a t ã o , A
R e p ú b l i c a , l i vro X , 6 1 4 b .
5
E aqui Castiglione menciona a famosa história de Alexandre, o Grande, cuja
l e n d á r i a s e n s i b i l i d a d e à m ú s i c a f e z c o m q u e e l e e m p u n h a s s e a e s p a d a q u a n d o s e u
músico, Timóteo, tocou‐lhe uma melodia no modo frígio [o modo da catarse – que
induz os ouvintes ao entusiasmo cf. A Política, VIII, 5]. E Timóteo consegue acalmar
a f ú r i a d o g r a n d e r e i a p e n a s m u d a n d o s u a m e l o d i a p a r a o m o d o h y p o f r í g i o .
A a l m a d e A l e x a n d r e e s t a v a t ã o b e m s i n t o n i z a d a c o m a s h a r m o n i a s m u s i c a i s q u e
c a u s a r a m r e a ç õ e s v i o l e n t a s n a s p a i x õ e s q u e a n i m a v a m s e u c o r p o , d e s t a m a n e i r a a
m ú s i c a f o i c a p a z d e s u p e r a r a r a z ã o d o R e i , m a s t a m b é m t r a z ê ‐ lo d e v o l t a à s u a
razão e juízo. Aristóteles afirma que a música pode imitar não os signos da emoção,
m a s a e m o ç ã o e m si m e s m a , e e s t a b e l e c e r u m a c o m u n h ã o d i r e t a e n t r e a a l m a d o
ouvinte e a emoção imitada.
N a P o é t i c a I , 1 4 4 7 A r i s t ó t e l e s s i t u a a p o e s i a e n t r e a s a r t e s i m i t a t i v a s q u e
r e p r o d u z e m “ c a r a c t e r e s , p a i x õ e s e a ç õ e s . ” E s t a d i v i s ã o se a p l i c a t a m b é m à m ú s i c a
( o e n t h o u s i a s m o s é u m a “ p a i x ã o ” ) . A s m e l o d i a s “ m o r a i s ” i n c i t a m à v i r t u d e , a s
m e l o d i a s “ p r á t i c a s o u a t i v a s ” i n d u z e m a t i t u d e s e n é r g i c a s e d e a ç ã o . A c a d a u m a
d e s t a s m e l o d i a s c o r r e s p o n d e u m m o d o m u s i c a l : o d ó r i c o – m e l o d i a m o r a l ; o f r í g i o –
melodia passional; ao hypofrígio – melodia ativo–prática.
6
A respeito da cítara e outros instrumentos musicais da Grécia Antiga vide:
Z W I L L I N G , C . O s I n s t r u m e n t o s M u s i c a i s n a R e p ú b l i c a d e P l a t ã o . A r t i g o u p l o a d e d n a
academia.edu.
<https://www.academia.edu/10799170/OS_INSTRUMENTOS_MUSICAIS_NA_REP%C3%9ABLIC
A_DE_PLAT%C3%83O>
7
Menção a Platão, A República, livro III e a Aristóteles, A Política, livro VII.
8
L i c u r g o ( p r o v a v e l m e n t e s é c u l o I X a . C . ) , g r a n d e l e g i s l a d o r d e E s p a r t a , r e p u t a d o
c o m o r e s p o n s á v e l p o r t o d a s a s l e i s e p o r s u a c o n s t i t u i ç ã o .
9
Ep a m i n o n d a s ( s é c u l o I V a . C . ) , f a m o s o g e n e r a l t e b a n o q u e d e s t r u i u a s u p r e m a c i a
e s p a r t a n a a t r a v é s d a v i t ó r i a e m L e u c t r a , 3 7 1 a . C .
10
T e m í s t o c l e s ( c . 5 1 4 – 4 4 9 a . C . ) , u m d o s m a i o r e s g e n e r a i s e h o m e n s d o e s t a d o
a t e n i e n s e , r e s p o n s á v e l p e l a q u e d a d o s p e r s a s e m S a l a m i n a , e m 4 8 0 a . C .
11
A q u i l e s , f i l h o d a n e r e i d a T é t i s e d e P e l e u , r e i d o s m i r m i d õ e s ; h e r ó i d a I l í a d a d e
Homero, cuja educação foi dada por Quíron, o centauro.
P e l e u c o n f i o u A q u i l e s a Q u í r o n , o c e n t a u r o , n o m o n t e P é l i o n , p a r a lá s e r c r i a d o [ c f .
Hesíodo, Catálogo de Mulheres, fr. 204.87‐89 MW; e Homero, Ilíada 11.830‐32]. O
c e n t a u r o e n c a r r e g o u ‐ se d a e d u c a ç ã o d o j o v e m , a l i m e n t o u ‐ o c o m m e l d e a b e l h a s ,
m e d u l a d e u r s o s e d e j a v a l i s , e v í s c e r a s d e l e õ e s . A o me s mo t e m p o , i n i c i o u ‐ o n a
v i d a r u d e , e m c o n t a t o c o m a n a t u r e z a ; e x e r c i t o u ‐ o n a c a ç a , n o a d e s t r a m e n t o d o s
cavalos, na medicina, na música e, sobretudo, obrigou‐o a praticar a virtude.
A q u i l e s t o r n o u ‐ se u m a d o l e s c e n t e m u i t o b e l o , l o i r o , d e o l h o s vivos, i n t r é p i d o ,
simultaneamente capaz da maior ternura e da maior violência.
12
M e n ç ã o a O r f e u ( e m g r e g o O ρ φ ε ύ ς , t r a n s l . O r p h é u s ) , n a m i t o l o g i a g r e g a , f i l h o d a
m u s a C a l í o p e e d e A p o l o . E r a o p o e t a e m ú s i c o m a i s t a l e n t o s o q u e j á v i v e u . D i z ‐ se
q u e q u a n d o O r f e u c a n t a v a a c o m p a n h a n d o ‐ se d a l i r a q u e s e u p a i l h e d e u , t o d a a
n a t u r e z a p a r a v a p a r a o u v i ‐ lo e t o d a s a s c r i a t u r a s s e g u i a m‐ n o , t e n d o s u a a r t e o
p o d e r d e d o m i n a r e a c a l m a r a s m a i s f e r o z e s f e r a s . O s p á s s a r o s p a r a v a m d e v o a r
p a r a e s c u t a r e o s a n i m a i s s e l v a g e n s p e r d i a m o m e d o e a s á r v o r e s se c u r v a v a m p a r a
p e g a r o s s o n s n o v e n t o .
Canção
C o m s e u a l a ú d e , O r f e u f o r ç a v a a s á r v o r e s
E os congelados cimos das montanhas
A se i n c l i n a r e m q u a n d o e l e c a n t a v a .
Plantas e flores seu acorde ouvindo
B r o t a v a m s e m p a r a r , c o m se s o l e c h u v a s
A l i t i v e s s e m f e i t o e t e r n a p r i m a v e r a .
Todos aqueles que cantar o ouviam,
A s o n d a s m e s m a s d o i n q u i e t o m a r ,
A c a b e ç a p e n d i a m , s e m m o v e r‐ s e .
T a l é a a r t e d a m ú s i c a s u a v e :
A d o r d o c o r a ç ã o , o s c u i d a d o s m o r t a i s
A d o r m e c e m o u v i n d o ‐ a o u m o r r e m p o r o u v i ‐ l a .
W. SHAKESPEARE. Henrique VIII, ato III, cena 1.
SHAKESPEARE, W., Obra Completa. Tradução de F. Carlos de Almeida Cunha
M e d e i r o s e O s c a r M e n d e s . R i o d e J a n e i r o : E d i t o r a N o v a A g u i l a r , 1 9 8 8 , v o l . I I I ,
p.694.
13
Á r i o n t e r i a n a s c i d o e m M e t i m n a ( n a I l h a d e L e s b o s ) , m a s viveu p r i n c i p a l m e n t e
e m C o r i n t o , n a é p o c a d o t i r a n o P e r i a n d r o , s e n d o c i t a d o c o m o o p r i m e i r o e s c r i t o r
d e d i t i r a m b o s d o m u n d o g r e g o . N o S u d a a t r i b u i u ‐ se t a m b é m a e l a a i n v e n ç ã o d o s
c o r o s s a t í r i c o s e a a u t o r i a d e d o i s l i v r o s d e p r o ê m i o s . S e e x i s t i r a m , e s s a s o b r a s se
p e r d e r a m n o t e m p o .
Lenda de Árion
D e a c o r d o c o m H e r ó d o t o ( H i s t ó r i a s , livro I , C l i o , 2 3 ) , Á r i o n d e c i d i r a p a r t i c i p a r d e
u m a c o m p e t i ç ã o m u s i c a l ( o n d e h o j e é a I t á l i a ) , e c o n t r a t o u u m n a v i o c o r í n t i o p a r a
t r a n s p o r t á ‐ l o . T e n d o v e n c i d o a c o m p e t i ç ã o , r e c e b e u r i c o s p r ê m i o s . N a v i a g e m d e
v o l t a , o s m a r i n h e i r o s d o n a v i o d e c i d i r a m m a t á ‐ lo p a r a se a p o s s a r e m d e s e u s b e n s .
C i e n t e d i s s o , Á r i o n p e d i u ‐ l h e s q u e o d e i x a s s e m e n t o a r s e u d e r r a d e i r o c a n t o ,
v e s t i d o c o m s e u s t r a j e s d e c a n t o r e , a p ó s i s s o , e l e p r ó p r i o se m a t a r i a l a n ç a n d o ‐ se
à s d o m a r . M a r a v i l h a d o s , o s m a r i n h e i r o s c o n c o r d a r a m p o i s , a l é m d e c o n s e g u i r o
q u e q u e r i a m , a i n d a s e r i a m b r i n d a d o s c o m a v o z d e t ã o e x c e l e n t e c a n t o r .
E m p u n h a n d o s u a c í t a r a , Á r i o n e n t o o u u m a o d e a A p o l o , o d e u s d o s p o e t a s , e à
m e d i d a q u e c a n t a v a , u m a c r e s c e n t e q u a n t i d a d e d e g o l f i n h o s se a c e r c a r a m d o
n a v i o . F i n d a o d e , l a n ç a ‐ se Á r i o n a o m a r , c o m o p r o m e t e r a . O s m a r i n h e i r o s j u l g a n d o ‐
o m o r t o , p r o s s e g u i r a m s u a v i a g e m . E n t r e t a n t o o c i t a r i s t a c a í r a s o b r e u m g o l f i n h o
q u e o c o n d u z i u a t é a s c o s t a s d o c a b o T a i n a r o n , o n d e h a v i a u m s a n t u á r i o d e
P o s e i d o n , d e u s d o s m a r e s .
Seguindo por terra, Árion chegou a Corinto antes dos marinheiros, e contou sua
s a g a a o t i r a n o P e r i a n d r o , q u e n ã o a c r e d i t o u n e l a p o r j u l g á ‐ la f a n t á s t i c a . P o r é m
q u a n d o o s m a r i n h e i r o s a p o r t a r a m , e s e m s a b e r q u e Á r i o n e s t a v a vivo, n a r r a r a m a o
t i r a n o q u e e l e h a v i a d e c i d i d o p e r m a n e c e r n a I t á l i a . P e r i a n d r o c o m p r e e n d e u q u e o
p o e t a f a l a r a a v e r d a d e e m a n d o u e x e c u t a r o s m a r i n h e i r o s .
Albrecht Dürer, Arion, 1514.
Pena com tinta e aquarela sobre papel. 14 x 23 cm.
Kunsthistorisches Museum, Viena
14
O alaúde [ingl. lute; fr. luthe; it. liuto; al. laute; esp. laud] é um instrumento musical de cordas
dedilhadas duplas feito de madeira, com tampo plano, caixa em forma de meia pêra ou gota, feita em
gomos de madeira colados, braço dotado de trastes móveis, além de cravelhame em ângulo em relação
ao braço onde as cordas são inseridas em afinadores de madeira.
De origem árabe, aportou na Europa durante a Invasão Moura à Península Ibérica. Dos primórdios até a
Idade Média foi tocado com palheta; a partir do Renascimento torna‐se o principal instrumento de
cordas dedilhadas dentre as cortes europeias, recebendo inúmeras composições solo, bem como
canções escritas para serem acompanhadas pelo alaúde – as famosas “air‐lutes”.
PARTES DO ALAÚDE:
1. Ponte onde são atadas as cordas
2. Roseta esculpida no próprio tampo do instrumento
3. Tampo harmônico plano colado na caixa. Caixa de ressonância feita de tiras
ou gomos de madeira
4. Cordas ordenadas em pares também chamadas de ordens
5. Braço do instrumento
6. Trastes móveis feitos de tripa animal atados com um nó no braço do alaúde
/ Trastes fixos feitos de madeira colados sobre o tampo harmônico. [Os
trastes servem para separar as cordas em semitons]
7. Cravelhas ou afinadores das cordas
8. Cravelhame ou caixa de cravelhas
A F I N A Ç Ã O D O A L A Ú D E R E N A S C E N T I S T A P A D R Ã O : g' d'd' aa ff Cc Gg Ff Dd
15
V i o l a d a G a m b a [ d o i n g l . , v i o l d e g a m b a ] 15. I n s t r u m e n t o d e a r c o d o i n í c i o d o
s é c u l o X V I e m d i a n t e . A f a m í l i a d a v i o l a a b r a n g i a d e s d e a v i o l a s o p r a n i n o
(pardessus de viole) até o violone (ou contrabasso da gamba). Existiam
b a s i c a m e n t e t r ê s t a m a n h o s d e v i o l a b a i x o : c o n s o r t b a s s v i o l ( g r a n d e ) ; d i v i s i o n v i o l
( m e n o r ; i n g l e s a ) e v i o l a b a s t a r d a o u l y r a v i o l ( a m e n o r d e t o d a s ) .
U s a d a t a n t o p a r a s o l o c o m o p a r a b a i x o ‐ c o n t í n u o , o t i p o m a i s c o m u m d e v i o l a f o i a
b a i x o b a r r o c a , f r a n c e s a o u a l e m ã , d e s e t e c o r d a s .
A f i n a ç ã o d a v i o l a b a i x o : D G c e a d ’ ( 4 a s j u s t a s e u m a 3 a c e n t r a l e n t r e a t e r c e i r a e
quarta cordas).
A f a m í l i a d a v i o l a “ d a g a m b a ” d i f e r e n c i o u ‐ se d a f a m í l i a d a v i o l a “ d a b r a c i o ” , t e n d o
a s s e g u i n t e s c a r a c t e r í s t i c a s : c a i x a h a r m ô n i c a c o m f u n d o p l a n o ; f a i x a s a l t a s e
profundas (na região dos ombros inclinada à 82o graus); furos de ressonância na
f o r m a d e C o u d e f l a m a ; e s t a n d a r t e l o n g o ; b r a ç o l a r g o c o m e s p e l h o d o t a d o d e
t r a s t e s m ó v e i s a m a r r a d o s ; c a i x a d e c r a v e l h a s f r o n t a l , t e r m i n a n d o c o m u m a c a b e ç a
esculpida na forma humana, animal ou caracol; e, por fim, 5 a 7 cordas
(comprimento da corda vibrante 69 a 70cm). O tampo harmônico, como o do
violoncelo, é dotado de barra harmônica e alma; porém, ao contrário deste, a viola
d a g a m b a é s e g u r a d a e n t r e a s p e r n a s , p o r t a n t o s e m e s p i g ã o .
M.PRAETORIUS, Syntagma Musicum, De Organographia (vol.II).
Wolfenbüttel, 1619, prancha XX.
16
D i z ‐ se q u e M i n e r v a ( o n o m e r o m a n o d e A t h e n a ) j o g o u f o r a o a u l o s q u a n d o viu
n u m a f o n t e o t e r r í v e l e f e i t o q u e e l a f a z i a e m s u a f a c e , d e f o r m a n d o ‐ a e i n f l a n d o ‐ a
a o s o p r á ‐ l o . D e a c o r d o c o m A r i s t ó t e l e s , A P o l í t i c a V I I I , 6 :
“ H á a l g o d e i n t e r e s s a n t e n e s t a l e n d a , o f a t o d e q u e a d e u s a a s s i m a g i u d e v i d o
à s d e f o r m a ç õ e s q u e o a u l o s c a u s a v a e m s e u r o s t o . E n t r e t a n t o , é m a i s
p r o v á v e l q u e f i z e s s e isso p o r q u e o v a l o r e d u c a t i v o d a a r t e d o a u l o s n ã o t i n h a
e f e i t o a l g u m s o b r e a i n t e l i g ê n c i a e A t e n a s é a q u e m a t r i b u í m o s a o r i g e m d a
ciência e da arte”.
17
A l c i b í a d e s r e c u s o u ‐ se a a p r e n d e r a t o c a r o a u l o s , t e n d o c o m o v e r g o n h o s a s u a
e x e c u ç ã o e n ã o a d e q u a d a a u m c i d a d ã o l i v r e . A r g u m e n t o u d i z e n d o q u e . . . “ a s s i m
q u e o h o m e m c o m e ç a a s o p r a r o a u l o s , s e u s a m i g o s d i f i c i l m e n t e r e c o n h e c e m s u a s
feições.”