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para tais absurdos. Às vezes, parece 4.23). Percebi, tão claramente como
que P. T. Barnum (1810-1891)2 é o nunca havia percebido antes, as im-
principal modelo para muitos que plicações da afirmativa — “ado-
nesses dias participam do movimen- rarão… em espírito e em verdade”.
to de crescimento de igreja. Na ver- Essa frase sugere, primeiramente, que
dade, o convite abaixo para um culto a adoração verdadeira envolve tanto
dominical vespertino apareceu no o intelecto quanto as emoções. Sali-
boletim de uma das maiores e mais enta a verdade de que a adoração tem
conhecidas igrejas que integram o de ser focalizada em Deus, não no
“Cinturão da Bíblia” nos Estados adorador. O contexto também de-
Unidos: monstra que Jesus estava dizendo
“Circo — Vejam Barnum e que a adoração verdadeira é mais
Bailey, quando o mágico do grande e uma questão de essência do que de
famoso circo vier à Comunhão do Di- forma. Ele estava ensinando que a
vertimento! Palhaços! Acrobatas! adoração envolve o que fazemos em
Animais! Pipoca! Que grande noite!” nossa vida, não apenas o que fazemos
Essa mesma igreja, em certa épo- no lugar formal de adoração.
ca, teve seu conselho de pastores in- Interrompi naquele ponto as men-
troduzido num ringue de luta corpo- sagem sobre João 4 e continuei o as-
ral, durante o culto dominical, indo sunto com um estudo tópico sobre
mesmo ao ponto de ter um lutador adoração. A editora Moody Press
profissional treinando os pastores a pediu que colocasse essas mensagens
jogarem um ao outro no ringue, pu- em um livro, que foi publicado sob o
xarem os cabelos e derrubarem uns nome de The Ultimate Priority4 (A
aos outros3, sem realmente machu- Prioridade Crucial). Esse estudo so-
carem-se. Estes não são incidentes bre adoração afetou-me mais pro-
extraordinários. Muitas igrejas estão fundamente do que qualquer outra
seguindo métodos semelhantes, utili- série de sermões que já havia prepa-
zando todos os meios disponíveis pa- rado. Mudou para sempre minha
ra apimentar seus cultos. opinião sobre o que significa adorar
É evidente que o culto dominical a Deus.
está passando por uma revolução sem Aquela série de estudos também
paralelo em toda a história da Igreja. marcou o início de uma nova etapa
para nossa igreja. Nossa adoração
coletiva adquiriu nova profundidade
O VERDADEIRO CULTO
e significado. As pessoas começaram
Anos atrás, enquanto eu pregava a ficar conscientes de que cada as-
sobre o Evangelho de João, fui toca- pecto do culto da igreja — música,
do pelo profundo significado da ver- oração, pregação e, mesmo, as ofer-
dadeira adoração — “Vem a hora e já tas — é adoração oferecida a Deus.
chegou, em que os verdadeiros ado- Começaram a ver as superficialida-
radores adorarão o Pai em espírito e des como uma ofensa a um Deus
em verdade; porque são estes que o santo e a considerar o culto como
Pai procura para seus adoradores” (Jo uma atividade em que deveriam ser
artifício [em nosso culto] que pareça plicavam o princípio regulador con-
satisfazer a nós mesmos, e sim levar tra os ritos formais, as vestes sa-
em conta as exortações dAquele que cerdotais, a hierarquia eclesiástica e
tem o direito de prescrevê-las. Por- outros resquícios do culto da Igre-
tanto, se desejamos que Ele aprove ja Católica. O princípio regulador
nosso culto, esta era freqüente-
regra, que Ele mente citado pe-
mesmo enfatiza los reformadores
com muita rigi- ... a adoração ingleses que se
dez, tem de ser verdadeira é mais opunham aos
observada com elementos da
zelo… Deus re- uma questão de Igreja Alta no an-
prova todos os ti- essência do que de glicanismo, os
pos de cultos não forma. quais haviam si-
sancionados ex- do emprestados
pressamente por da tradição ca-
sua palavra”.5 tólica-romana.
Calvino sustentava este princípio Foi o comprometimento de muitos
utilizando diversas passagens bíbli- puritanos com o princípio regulador
cas, incluindo 1 Samuel 15.22 — que levou centenas de pastores puri-
“Obedecer é melhor do que o sa- tanos a serem excluídos, por decreto,
crificar; e o atender, melhor do que a dos púlpitos da Igreja da Inglaterra
gordura de carneiros” — e Mateus em 1662.8
15.9: “Em vão me adoram, ensinando Além disso, a simplicidade da
doutrinas que são preceitos de ho- forma de culto das igrejas presbi-
mens”. terianas, batistas, congregacionais e
John Hooper, um pastor inglês, de outras tradições evangélicas é o
contemporâneo de Calvino, afirmou resultado da aplicação do princípio
assim este mesmo princípio: “Na regulador.
igreja não deve ser utilizado nada Os evangélicos de nossos dias
que não tenha a expressa aprovação fariam bem se recuperassem a mes-
das Escrituras, para apoiá-lo, ou que ma confiança que seus antecessores
seja algo indiferente em si mesmo, ou espirituais tinham em relação às Es-
seja, que não traga qualquer proveito crituras. Um boa quantidade de ten-
quando utilizado e nenhum prejuízo dências prejudiciais que estão ga-
quando omitido”.6 nhando importância nesses dias re-
William Cunningham, um histo- velam a decrescente confiança dos
riador da Igreja, que viveu no século evangélicos na suficiência das Escri-
XIX, definiu nesses termos o princí- turas. Por um lado, existe, como já
pio regulador: “É insustentável e ilícito observamos, uma atmosfera de circo
introduzir no governo e no culto da em algumas igrejas que empregam
igreja qualquer coisa que não tem a métodos pragmáticos que trivializam
sanção positiva das Escrituras”.7 aquilo que é santo, para impulsionar
Os reformadores e puritanos a- a freqüência de pessoas na igreja. Por
ção e aplicação do princípio. Mas isto existem aqueles que utilizam o prin-
não oferece qualquer fundamento cípio regulador como um trampolim
para negar ou duvidar das verdades para tais debates, excluam-me de en-
ou da ortodoxia do próprio princípio tre eles. As questões que inflamam
regulador.9 minha preocupação relacionada ao
Cunningham reconheceu que o culto contemporâneo são mais pro-
princípio regulador com freqüência fundas do que tais assuntos. Refe-
é empregado para argumentar contra rem-se ao próprio âmago do que
coisas que podem ser reputadas como significa adorar a Deus em espírito e
relativamente sem importância, tais em verdade.
como ritos, cerimônias, vestimentas, Minha preocupação é esta: o fato
órgãos, ajoelhar-se, prostrar-se e ou- de a igreja moderna ter abandonado
tros recursos exteriores da religião o Sola Scriptura abriu as portas para
formal. Por causa disso, Cunningham diversos abusos grotescos e ima-
afirmou: “Algumas pessoas parecem gináveis, incluindo cultos com banda
imaginar que o princípio regulador se de cabaré, a atmosfera de espetácu-
preocupa com a insignificância in- los carnavalescos e exibições de luta
trínseca das coisas”.10 Portanto, mui- livre. Mesmo a mais liberal e ampla
tos concluem: os que advogam o prin- aplicação do princípio regulador do
cípio regulador fazem-no porque culto teria um efeito corretivo em tais
realmente gostam de contender por abusos.
coisas insignificantes. Pense, por um momento, no que
Com certeza, ninguém se delei- aconteceria à adoração coletiva, se a
taria em disputas por questões ir- igreja contemporânea levasse a sério
relevantes. É verdade que o princí- o Sola Scriptura. Quatro diretrizes
pio regulador ocasionalmente tem si- bíblicas para o culto imediatamente
do utilizado daquela maneira. Uma viriam à nossa mente. Essas diretri-
obsessão por aplicar qualquer prin- zes caíram em um trágico estado de
cípio aos menores detalhes pode fa- negligência. Recuperá-las com cer-
cilmente se tornar uma forma des- teza produziria uma nova reforma no
trutiva de legalismo.11 culto da igreja moderna.
Mas o princípio Sola Scriptura,
aplicado ao culto, é sempre digno de PREGAR A PALAVRA. Na adoração
ser defendido com ferocidade. O prin- coletiva, a pregação da Palavra deve
cípio em si mesmo não é trivial. Além ter a primazia. Todas as instruções
disso, a falha de apegar-se à pres- do Novo Testamento aos pastores
crição bíblica no que se refere ao centraliza-se nessas palavras de Pau-
culto é exatamente aquilo que mer- lo a Timóteo: “Prega a palavra, insta,
gulhou a igreja nas trevas e na idolatria quer seja oportuno, quer não, corri-
da Idade Média. ge, repreende, exorta com toda a
Não tenho interesse em suscitar longanimidade e doutrina” (2 Tm 4.2).
um debate sobre instrumentos musi- Em outra carta, o apóstolo resumiu
cais, vestimentas pastorais, decoração seu conselho ao jovem pastor: “Até à
do templo ou outros assuntos. Se minha chegada, aplica-te à leitura, à
era ser vestido com a justiça de Cristo em nada mais do que rituais da car-
(v. 9). Paulo aprendeu que a simples ne. O fato de que tais cerimônias
obediência a ritos religiosos, tais co- freqüentemente são belas e emocio-
mo a circuncisão e as cerimônias nantes não as transforma em ado-
prescritas na lei, não tinha qualquer ração verdadeira. As Escrituras são
valor espiritual. De fato, ele rotulou claras em afirmar que Deus condena
essas coisas como “refugo”, literal- todos os acréscimos humanos àquilo
mente, “esterco”. que Ele ordenou de maneira explícita
Até hoje, a maioria das pessoas — “Em vão me adoram, ensinando
que falam sobre adoração geralmen- doutrinas que são preceitos de ho-
te têm em mente as coisas externas mens” (Mt 15.9).
— a liturgia, as cerimônias, a música, Nós, que amamos a Palavra de
o ajoelhar-se e outros aspectos for- Deus e cremos no princípio Sola
mais. Recentemente li o testemunho Scriptura temos de nos acautelar di-
de um homem que abandonou o cris- ligentemente contra essa tendência.
tianismo evangélico e se uniu ao ca-
tolicismo romano. Uma das principais
A ADORAÇÃO
razões que ele apresentou para deixar
É PRIORIDADE CRUCIAL
o evangelicalismo foi que ele en-
controu no catolicismo romano uma Nosso Senhor disse a Marta, que
liturgia que “se parecia mais com estava aflita devido aos afazeres do-
adoração”. Quando ele explicou isso, mésticos por receber muitos con-
tornou-se evidente que ele realmente vidados: “Marta! Marta! Andas in-
estava dizendo que a Igreja Católica quieta e te preocupas com muitas
oferece mais instrumentos de rituais coisas. Entretanto, pouco é ne-
formalistas — acender velas, ima- cessário ou mesmo uma só coisa” (Lc
gens, ajoelhar-se, rezar, benzer e 10.41-42).
outras coisas assim. Ele equiparou A verdade principal é evidente.
essas coisas à adoração. Maria, que se assentara aos pés de
Mas estas coisas nada significam Jesus, em adoração, escolhera “a boa
em relação à adoração verdadeira, em parte”, e esta não lhe seria tirada. A
espírito e em verdade. Na realidade, adoração de Maria tinha um signifi-
como invenções humanas — não cado eterno, enquanto toda a intensa
prescrições bíblicas —, correspon- atividade de Marta não significou
dem exatamente ao tipo de artifíci- absolutamente nada, além daquela
os carnais que Paulo chamou de tarde especial.
“esterco”. Nosso Senhor estava ensinando
A história e a experiência nos que a adoração é a atividade essenci-
mostram que é incrivelmente grande al que deve preceder todas as outras
a tendência humana para acrescentar atividades da vida. Se isto é verdade
aparatos carnais à adoração prescrita em nossas vidas particulares, não de-
por Deus. Israel fez isso no Antigo veríamos nós tributar maior im-
Testamento, culminando na religião portância à adoração no contexto da
dos fariseus. As religiões consistiam congregação dos crentes?
A LIBERDADE DO OLEIRO
Charles H. Spurgeon