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Crítica
11 de Novembro de 2004 ⋅ Filosofia da mente
Esta caracterização diz respeito ao que os estados mentais são, às suas condições de
individuação e reconhecimento, que os distingue dos fenômenos físicos. Não se pode
falar da grande maioria dos fenômenos mentais ou das representações, sejam lá de que
tipo forem, intransitivamente, ou seja, sem relacioná-los ao que se dirigem: se x
representa, x representa alguma coisa; se dissermos que um indivíduo pensa, estamos
dizendo implicitamente que pensa em algo; quando dizemos que alguém acredita, que
acredita em algo, e assim quando vê ou ouve. Uma crença é uma crença porque concerne
à propriedade de um objeto ou a uma relação entre objetos. Da mesma forma, um desejo,
uma intenção, um temor, uma expectativa, etc.…
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A intencionalidade parece ser uma propriedade — talvez a propriedade essencial — do
conjunto de todas as representações (proferimentos lingüísticos, gestos, sinalizações e
figuras). Daí se segue que (a) o problema teórico das representações é idêntico ao
problema teórico da intencionalidade e (b) que há uma conexão necessária entre teorias
Boa fenômenos
sobre a linguagem e representações públicas e teorias sobre ideia! mentais Não, obrigado.
intencionais.
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Esta diferença entre aquilo que é representado e aquilo que representa não se dissipa
quando constatamos que uma representação pode ser sobre uma outra representação.
Existem relações intencionais entre representações, digamos, relações intencionais de
segunda ordem, nas quais uma representação (r) é sobre outra representação (r'). Nesse
caso, a representação representada passa a ser um objeto. Exemplos: Um desenho feito
sobre a fotografia do Papa e a nomeação (menção) de uma palavra. O primeiro caso se
compreende imediatamente; o segundo requer duas pequenas explicações, entre usar e
mencionar (uso e menção) e entre representações de estados intencionais: uso a palavra
cadeira para falar sobre uma cadeira, por exemplo e menciono a palavra cadeira para falar
sobre a palavra que uso ou posso usar para falar sobre uma cadeira. Por exemplo, estou
mencionando a palavra “cadeira” quando digo que cadeira é uma palavra da língua
portuguesa que designa um certo tipo de objeto normalmente usado como assento. Além
disso, uma crença pode ser sobre uma outra crença. Por exemplo, acredito que quando era
jovem, acreditava em mudar o mundo.Também aqui a crença na qual eu acreditava é o
objeto de minha representação atual.
Há que considerar, nesse ponto, uma outra abordagem do assunto que, podemos dizer,
agrega-se ao tema da intencionalidade. Frege dizia que quando falamos das coisas, o
fazemos por meio de signos que possuem sentido e referência. A referência é a própria
coisa designada e o sentido é um tipo de objeto abstrato, que ele chamava de modo de
apresentação da referência ou pensamento. De qualquer modo, para Frege, o sentido
determina a referência. Assim, símbolos, segundo fregianos, são coisas que se referem a
outras coisas porque possuem sentido em certos contextos de cognição e fala. Em
contextos especiais, como nos chamados contextos intencionais (enunciados nos quais
ocorrem verbos como acredita, deseja, etc.s) ou enunciados indiretos (disse, nega, refuta,
etc.…), símbolos não se referem às próprias coisas sob determinados aspectos, mas a
objetos abstratos e complexos chamados por Frege de “sentidos” ou “pensamentos”.
Pensamentos não são psicológicos, na acepção de Frege; são entidades objetivas que
existem do mesmo modo que a nota de um real que tenho em meu bolso. A diferença é
que pensamentos são entidades relacionadas à linguagem e apenas à linguagem. Essa não
é uma questão apenas ilustrativa aqui. Para o que importa entender, Frege dizia que não
podermos ter acesso diretamente às coisas, que nosso conhecimento delas é sempre
dependente de um pensamento, que as determinam, independentemente da existência ou
não dessas coisas. E por quê ele dizia isto? Posso dizer que os marcianos congelados em
meu quarto são gigantes e você pode dizer a mesma coisa. Logo, aquilo que dizemos
expressa um mesmo pensamento, não privativo de nenhum de nós, mas comum a ambos e
que pode ser verdadeiro ou falso.
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Se os estados mentais são intencionais, admito, que haja capacidades mentais não-
intencionais ou pré-intencionais, como as chama Searle (Searle, 1995: 196-221). Searle
chama capacidades de estados, a partir de exemplos de como fazer coisas, de um know
how (como saber abrir portas, como saber andar na direção de algo, que amanhã sucede o
dia de hoje que o dia de ontem o precedeu, etc.… ). Tais capacidades, na verdade, são
uma mistura de condicionamentos biológicos e sociais que interagem para tornar possível
a intencionalidade, ainda segundo Searle. Considero tal ponto controverso, porque tais
capacidades são adquiridas em vista de fazermos parte de um meio social e em parte são
inatas e derivam de nossa constituição biológica. Sei jogar uma pedra no meu inimigo
porque sei que tenho mãos e que a pedra pode ser lançada. Por isto, posso ter a intenção
de lançar uma pedra sobre meu inimigo.
O problema aqui é definir esse know how como não-intencional ou delimitá-lo ao nível
de (a) certas capacidades biológicas (não estados) e (b) sociais que possuímos. Sei
caminhar, sei piscar os olhos, enfim, sei muitas coisas deste tipo porque simplesmente sou
capaz de fazê-las sem que as tenha apreendido. Mas esse saber não é um saber que, é um
saber como, porque não sei nada disso em virtude de me encontrar em tal ou qual estado
mental. Faço tais coisas simplesmente porque as faço, em vista de determinantes
contextuais biológicos e sociais (saber que hoje é diferente de amanhã) é um saber
condicionado socialmente. Assim, a distinção apropriada seria entre estados intencionais
e capacidades mentais, que seriam não- intencionais e estariam articuladas com os
primeiros. Searle prefere falar em estados mentais pré-intencionais que constituem um
background da intencionalidade. Penso que ele está errado em considerar capacidades de
background como estados. No mais, concordo que a mente possui capacidades não
intencionais.
Finalmente, o Inglês herda sua semântica dos conteúdos das crenças, desejos,
intenções e de deste modo, ele é usado para expressá-los, como dizem Grice e seus
seguidores. Ou, se você preferir (como eu), o Inglês não possui semântica. Aprender
Inglês não é aprender uma teoria sobre o que as suas sentenças significam, é aprender
Boa ideia! Não, obrigado.
como associar suas sentenças com os pensamentos correspondentes. Saber Inglês é
saber, por exemplo, que a forma das palavras “existem gatos” é usada de modo
padrão para expressar o pensamento que existem gatos. (…) e assim
in(de)fini(d)tamente para muitos outros desses casos" (Fodor,1998a:9).
AddT
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Impõe-se imediatamente uma pergunta, nesse ponto. Derivadas de quê? De uma meio
representacional universal, cognitivo, inato em sua arquitetura sintático-semântica,
incrementado com a experiência (relações com o mundo) dos agentes que a possuem para
pensar. Um meio representacional no qual os conteúdos dos estados intencionais são
representações. Dessa forma, seus elementos constituintes são representações primárias
(conceitos) e são tais conceitos que as representações das línguas naturais expressam.
Mas esse modo de pensar não é adotado por muitos filósofos. Essa seção trata de
tentativas de expulsar a dimensão do mental do âmbito da ciência e, com ele, o âmbito
intencional. Tais posições são defendidas por anti-intencionalistas. Eles defendem a tese
de que a idéia de intencionalidade é tão somente um espectro metafísico produzido pela
linguagem. E essa defesa está ligada à idéia de que nossas capacidades ou habilidades
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epistêmicas são decisivas no enfrentamento de problemas semânticos.
Dito de outra forma, estamos diante de um dilema, que Fodor apresenta com precisão
(Fodor, 1998:2-5): nos preocupamos ou com (a) o que é um conteúdo mental ou com (b)
o que é possuir um conteúdo mental. Obviamente que os dois problemas são
Boa ideia! Não, obrigado.
entrelaçados, porque se sei o que um conceito é, possuo o conceito. Mas, as questões,
embora entrelaçadas, não são as mesmas do ponto de vista teórico, pois aqueles que
dizem que possuir um conceito define o que um conceito é, dizem, com isso, que um
conceito é justamente possuir certas habilidades que nos tornam aptos a usá-lo em
situações comunicativas. Logo (1), para estes (cito Quine, Dennet, Dummet, Ryle, AddT
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(…) O objetivo de uma teoria do significado é dar uma resposta a como uma
linguagem funciona, em outras palavras, explicar o que, em geral, é efetuado por um
proferimento de uma sentença na presença de um ouvinte que conhece a linguagem
ao qual o proferimento pertence — um ato que é, mesmo no caso mais simples, de
longe o mais complicado de todos o que fazemos. Portanto, a noção mesma de
significado não necessita desempenhar qualquer papel importante numa teoria do
significado; se ela o faz. Isto se deve apenas devido à conexão que se estabelece entre
uma sentença e o seu emprego, ou seja, quando a proferimos e como nós reagimos
verbalmente e de outra forma qualquer, ao seu proferimento (Dummet, 1995:21).
Essa escola filosófica tem a tendência de reduzir a semântica dos estados intencionais à
semântica das linguagens naturais e depois, reduzir a semântica das linguagens naturais a
um conjunto indefinido de disposições e habilidades para agir e solucionar problemas
comunicativos (no caso, por meio de ações e reações verbais e não verbais). Dito de outra
forma, eles simplesmente invertem o lema de Fodor.
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porque não é possível verificar a sua existência. A razão tem uma sólida base
witttgensteiniana, no argumento da linguagem privada (ALP) (Wittgenstein, 1987:.§§
243-315) mais especificamente à parte epistêmica do ALP: estados privados não são
passíveis de descrição, uma vez que descrições são entidades da linguagem que possuem
condições de verdade objetivas. A linguagem é pública e o mundo que ela descreve e
procura explicar é o mundo dos estados e processos que podem ser (a) causalmente
conectados e (b) física ou comportamentalmente descritos. Por isso, sustentam os
operacionalistas que o conceito de “intencionalidade” é ilusório do ponto de vista
científico e sua explicação, de algum modo, deve ser reduzida a explicações
comportamentais e/ou físicas.
Um operacionalista dirá que uma pedra, por exemplo, pode ser uma representação ou não.
Se ela for usada (a noção de uso aqui é operacional e não lógica) por um agente para
representar uma árvore, a pedra representa uma árvore, mas não se pode dizer que pedras
sejam intrinsecamente sobre árvores. A noção de uso, combinada com a noção de um
agente de uso, parece fazer todo o trabalho de exorcismo com respeito à tese de Brentano:
a distinção entre o que é uma representação (como no caso da pedra que é sobre a árvore)
ou um fenômeno mental dirigido e o que não é, não nos compele a entificar um domínio
de coisas que, em si mesmas, ou seja, independentemente do uso que fazemos delas,
sejam sobre outras coisas.
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nossas vidas práticas e (logo) façam parte do que ele chama de “nosso sistema conceitual
de grau B” (Quine, 1960).
De tal modo, se Ortcutt acredita que alguém é um espião, Ortcut encontra-se num estado
mental (uma crença) confuso. Acentuo: trata-se de um estado confuso e não de uma
confusão mental provocada por estados mentais distintos. Trata-se de um e do mesmo
estado mental que é ambíguo: ele aceita duas interpretações ao menos. No argumento de
Quine, este é o ponto que interessa.
Se uma crença admite duas interpretações ao mínimo, não pode ser verdadeira para quem
possui a crença, muito menos para quem a atribui a um terceiro; logo não pode ser uma
crença, porque crenças, por definição, ou são verdadeiras ou são falsas e não posso crer
em algo que admite (para mim ou para outra pessoa) diversas interpretações. A
ambigüidade que Quine atribui à linguagem sobre as crenças transfere-se para as crenças
enquanto tais e seria uma calamidade conceitual para um intencionalista admitir a
ambigüidade dos estados mentais.
Para Quine, isto não é uma calamidade, porque ele não é intencionalista, ele não tem
problemas com a ambigüidade lingüística, muito menos mental: para ele, todos os relatos
sobre estados intencionais que possuem um valor de verdade são de dicto, porque devido
ao escopo do quantificador que se segue ao verbo intencional, tais enunciados possuem
um valor-verdade definido. Não há atribuição mentalista isenta de ambigüidade. Se há um
espião apenas, o enunciado sobre a crença de Ortcutt é verdadeiro. Já as chamadas
interpretações de re de atribuições de crenças, não podem ser verdadeiras porque
possuem uma variável no escopo do quantificador (x) que se segue ao verbo intencional e
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dizem respeito a um indivíduo ou objeto não identificado.4
Entretanto, é preciso destacar que aceitar o que Quine diz sobre relatos intencionais não
implica aceitar que crenças enquanto tais sejam ambíguas, como ele afirma; nem aceitar
qualquer forma de operacionalismo ou eliminativismo mental, que ele defende. Não
Boa ideia!
haveria dificuldades maiores em se aceitar o operacionalismo, Não, obrigado.
se este não apresentasse
um problema sério: seus atrativos teóricos são logicamente dependentes de duas noções
interconectadas: a noção de aquisição de um conceito e a noção de uso, que fazem com
que incorporaremos conceitualmente aquilo que, em medida razoável, sabemos sobre
nossas habilidades para fazer certas coisas, inclusive expressar o que pretendemos, àquilo AddT
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que, de um modo geral, caracteriza nossa arquitetura mental. Para esse fim, descrições
operacionais mostram-se deficientes, porque, da sua adoção, resultam dificuldades
conceituais acentuadas.
Vejamos alguns casos: é óbvio que aprendemos a usar linguagens públicas, sejam
estritamente lingüísticas ou, de forma ampla, sistemas representacionais figurativos ou
sonoros. Mas não podemos estender as noções de uso e aquisição conceitual, aplicáveis à
linguagem, ao campo das intenções, desejos, medos e crenças. Darei dois motivos: (a)
usar pressupõe, como dizia Wittgenstein, seguir uma regra, uma instrução. E seguir uma
regra é uma atividade pública por definição. Wittgenstein tinha razão quando dizia que
nenhum indivíduo pode seguir uma regra que só é válida para ele próprio. Mas os estados
mentais que citei acima são instanciados, ocorrem e não são dependentes de qualquer tipo
de regras. Temo o escuro; desejo, hoje, comer aquela maçã que deixei de comer ontem.
Nesses casos, não estou usando tais estados, nem seguindo regras. E se não estou segundo
regras nem “usando” estados mentais, a intencionalidade desses estados não deriva da
noção de uso ou de seguir uma regra. Tem sentido dizer que uma crença representa tal
situação, mas não tem sentido dizer “uso essa crença para crer (?!) em tal situação”, ou
“creio em tal e tal coisa porque aprendi a usar essa crença deste modo e não de outro”.
Se prestarmos atenção nesse ponto, há realmente assimetrias notáveis entre usar uma
linguagem e estar envolvido com algum estado cognitivo. “Uma coisa é supor que somos
capazes de possuir pensamentos que somos incapazes de expressar numa linguagem; mas
conversamente, que seríamos capazes de expressar um conteúdo sem que fossemos
também capazes de possuir pensamentos com o mesmo conteúdo é um absurdo” (Richard
Heck Jr, 1997:18). Jerry Fodor acentua que somente pensamentos são suscetíveis do que
ele chama de “avaliação semântica”:
Há, por exemplo, dois pensamentos que a expressão “todos amam alguém” pode ser
usada para pensar, e, por assim dizer, o pensamento é solicitado a escolher entre eles;
não é permitido ser indiferente a dois possíveis arranjos de escopos de
quantificadores. Isto porque sans desambiguação, “todos amam alguém” não
consegue especificar algo que é suscetível à avaliação semântica. E suscetibilidade à
avaliação semântica é uma propriedade que pensamentos possuem essencialmente.
Você não pode, para ser preciso, dizer em sua cabeça “todos amam alguém” e
permanecer completamente descompromissado com respeito a qual dos
quantificadores possui qual escopo. Isto apenas mostra que dizer coisas em sua
cabeça é uma coisa e pensar em coisas é bem outra. (Fodor, 1998b:64-5).
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Richard Heck Jr. constata que falar sobre algo sem que possamos pensar sobre o que
falamos é conceitualmente insustentável. Fodor, numa linha distinta de raciocínio, vai
mais longe. Ele defende que nossas crenças, desejos e outros estados intencionais são
semanticamente unívocos, diferentemente das expressões lingüísticas. Mas, no exemplo
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que nos oferece, o problema é a distinção entre a ambigüidade lingüística (que é real) e
uma alegada ambigüidade mental (que não existe). Tal problema, ao nível lingüístico, só
pode ser esclarecido com a aplicação de uma teoria sobre a forma lógica da generalidade
múltipla com relações. Quando dizemos “todos amam alguém” podemos estar dizendo ou
que (a) há um indivíduo que todos amam — o quantificador existencial está no escopo do AddT
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quantificador universal — ou que (b) para todos indivíduos, há pelo menos um indivíduo
que é amado. O significado de (a) é diferente do significado de (b). E não temos como
eliminar desta fórmula linüística a ambigüidade.
Fodor afirma que a expressão “todos amam alguém”, por sua forma, é inerentemente
ambígua. E algo que é inerentemente ambíguo não pode ser pensado.
A boa razão é que, para Fodor, há expressões da linguagem natural para a qual contamos
com procedimentos lógicos para torná-las não ambíguas. Mas, em nível cognitivo, ao
nível de uma linguagem mental, não pode haver ambigüidade. Para ele simplesmente não
podemos pensar que “todos amam alguém”, embora possamos dizer isto em nossas
cabeças, em Inglês, por exemplo. Tal expressão não expressa pensamento algum. Posto
do modo não regimentado, ela pode ser interpretada de duas formas, dependendo, cada
uma delas, do escopo ao qual se aplica o quantificador. Pode ser que haja uma
interpretação regimentada correta para este caso, mas para chegar a ela precisamos de
uma sofisticada teoria sobre a forma lógica das proposições quantificidas com relações. E
quando pensamos, simplesmente pensamos de modo que os veículos do pensamento não
admitem ambigüidade. Conclusão: não podemos pensar numa língua natural porque essas
não prescindem de um teoria que as torne não-ambíguas. Não pensamos que “todos
amam alguém” em uma linguagem mental porque a expressão solicita uma interpretação,
que apenas uma teoria é capaz de fornecer. E, na linguagem mental, simplesmente
pensamos, sem teoria alguma sobre generalização múltipla.
A tese de Fodor, ilustrada por seu exemplo, é simples: enquanto podemos dizer muitas
coisas com uma e apenas uma expressão de uma linguagem natural e, neste plano,
permanecermos na dimensão da ambigüidade (enquanto tais linguagens são polissêmicas
ou inacessíveis á avaliação semântica) a linguagem da mente é inerentemente unissêmica.
Assim, dizer em Português, na minha cabeça, que todos amam alguém não é o mesmo
que pensar que todos amam alguém, porque “todos amam alguém” não é, como Fodor
afirma, suscetível de avaliação semântica. Fodor apenas está afirmando que, quanto ao
pensamento e sua relação com as linguagens naturais, como o Inglês e o Português, é
obviamente possível expressar conteúdos mentais nas linguagens naturais; mas, por outro
é obviamente impossível fazer dos veículos das linguagens naturais os veículos do
pensamento.
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Torna-se notório o problema de se operacionalizar a cognição, fazendo-a dependente da
comunicação, como de fato o fazem todos que defendem a hipótese segundo a qual o
pensamento é idêntico à fala subvocalizada (pensar é igual a falar em silêncio consigo
mesmo, como disse Sócrates, em outro contexto e alguns filósofos atuais continuam
Boa ideia! Não, obrigado.
dizendo, na falta de uma teoria sobre a cognição).
Assim, o problema se oferece de tal modo que alguma caracterização intencional rigorosa
de estados mentais torna-se necessária para fundamentar uma teoria que seja capaz de
preservar nossas intuições sobre a intencionalidade pré-lingüística, intríseca ou AddT
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Não é necessário, por outro lado, estar envolvido em nenhuma situação comunicativa
para que alguém possua desejos e crenças. Organismos com capacidade cognitiva e
perceptiva podem possuir desejos, crenças, intenções, etc.… sem que, para isto,
participem de nenhuma situação comunicacional. Tais estados são intrísecos. Antes de
serem usadas socialmente, representações estão ativas naquilo que, segundo Dretske são
“processos cognitivos socialmente isolados”:
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Atos comunicativos são intencionais porque são vinculados a estados não comunicativos,
como intenções (e crenças e desejos e outros eventos deste tipo). Intenções e crenças são
tipos de estados ligados causalmente a atos de comunicação e a cursos de ação que
elegemos como relevantes em vista de certos propósitos previamente definidos. Eles
mantêm relações de antecedência-conseqüência com ações. Mesmo que não sejam causas
no sentido físico de “causa”, há uma propriedade relacional que podemos chamar de
causal-com-restrições, que vincula estes eventos não comunicativos a ações
comunicativas, nas quais informações são dirigidas de um sujeito a outro.
Alguns partem dessa anomalia para defender a tese de que o âmbito do mental é ou
encapsulado numa ontologia especial, avessa à causalidade da natureza ou, no melhor dos
casos, suspeito de existir na condição em que pensamos que existe quando usamos a
nossa “linguagem de grau B”, ou seja, trata-se de uma mera projeção de nosso
comportamento ou disposições comportamentais.
Há, no entanto, saídas racionais deste impasse, que, se inevitável, ou teria o efeito lógico
de banir o âmbito do mental do horizonte científico ou de isolar, para este âmbito, uma
ciência correspondente, para a qual a noção de causa seria dispensável. Em qualquer das
alternativas, os resultados são inaceitáveis para fins teóricos.
Em “Mental Events”, Donald Davidson apresenta uma solução possível para o impasse.
Para ele, a idéia da inapreensibilidade dos fenômenos mentais por leis físicas é elusiva
com relação à própria noção de lei causal:
Davidson afirma que descrições mentalistas não implicam que um evento mental x não
possa ter curso no mundo governado pela causalidade física. Decorre daí que o princípio
davidsoniano da interação causal anômala é receptivo àBoa ideia!
conexão Não, obrigado.
causal de eventos
mentais e eventos físicos. Ações, não esqueçamos, são eventos físicos e esta pode ser
uma saída para quem deseja evitar o mero reducionismo materialista ou o dualismo
cartesiano, dos quais decorrem indesejáveis dificuldades epistemológicas. Mas há outros,
como a noção e causalidade formal, ceteris paribus, que veremos mais adiante. AddT
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Esses conteúdos não são objetos. São configurações mentais de conceitos ou de relações
entre conceitos na mente de um organismo cognitivamente apto. Um objeto, em sentido
amplo, é extralingüístico e é aquilo que faz uma configuração destas, uma crença,
digamos, ou um enunciado declarativo, serem verdadeiros ou falsos. Objetos apresentam-
se ou podem se apresentar à cognição sob certa condição ou relação a alguém que pensa.
Dizemos que uma proposição possui propriedades sintáticas que as habilitam a ser usadas
em raciocínios e a transmitir informação sobre o mundo. Dizemos, por exemplo, que os
Andes são maiores que os Pirineus e isto que dizemos (a proposição que esse enunciado
veicula) tem uma determinada estrutura interna, que é expressa pela estrutura externa da
sentença. Se não tivesse a estrutura lógica que possui, a sentença “os Andes são maiores
que os Pirineus” não seria a expressão de uma proposição, mas uma seqüência sem
sentido de sons e uma mera seqüência de sons não nos comunica nada e não serve para
pensar em nada.
Desde Platão e Aristóteles, mas especialmente depois de Frege, no final do século XIX,
que introduziu as noções lógicas contemporâneas, tornou-se imprescindível pensar em
todos os sistemas representacionais como sendo estruturados internamente a partir de
propriedades composicionais de seus itens constituintes. Aplicada abrangentemente, o
chamado Princípio da Composicionalidade condiciona qualquer idéia de representação
que possamos formular coerentemente.
A responsabilidade causal, em jogo aqui como hipótese explanatória é uma função das
propriedades que tais itens da cognição possuem para encadear-se segundo leis lógicas.
Tal causalidade não é física, mas sintática ou formal e somente representações as AddT
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Perguntas novas podem proliferar aqui. Mas é óbvio que propriedades estritamente
cognitivas são distintas de propriedades comunicativas e que é preciso estabelecer as
relações apropriadas entre as últimas e as primeiras. Esta é uma das tarefas, senão, a
tarefa, da semântica em sentido amplo.
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É isto que distingue as posições dos atomistas das posições dos holistas com respeito à
determinação e à variação do significado. Para os últimos, o conteúdo é indeterminado e
variante porque é dependente de relações intrateóricas dos conceitos/conteúdos e ou
palavras/elocuções. Ou seja, os holistas acreditam que o conteúdo é condicionado pelo
modo psicológico do qual participa. Se minha crença x se relaciona com um conjunto
indefindo de crenças, tal relação condiciona o conteúdo de minha crença. Um atomista
diz o contrário. Que o sistema de crenças não intervêm na constituição do conteúdo de
uma crença específica. Por essa razão, um atomista por ser um holista com relação à
existêcia necesária de mais de uma crença e permanecer no atomismo de conteúdo.
Deste modo, para tornar a aceitação do holismo inevitável, seria necessário sustentar que
o seguinte argumento, ou Argumento Holista (AH) é conceitualmente impositivo:
AddT
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Argumento Holista
5. O significado de S é indeterminado.
Segundo essa versão suave do HS, a identidade de significado é aplicável como idéia
aproximativa de conteúdo e de similaridade ou semelhança de significado. Quando
profiro o enunciado p, você entenderia aproximadamente que p e não exatamente que p.
O p que você entende é semelhante em significado ao meu proferimento de p. A
semelhança é garantida por fatores lógicos, pragmáticos e epistemológicos, ou se preferir,
pelo tipo de jogo de linguagem no qual p é proferido e compreendido. Enfim, é a
semelhança do significado que sustenta a possibilidade da compreensão do que dizemos
uns aos outros, além de garantir aquelas características de estados cognitivos e atos de
comunicação que, no caso de uma leitura estrita do holismo, estariam interditadas. Aqui
se defende uma concepção ou aproximativa ou probabilística ou contextualista ou
interpretativista do significado.
Bem, até aqui parece que o HS é o conhecimento assentado sobre a semântica. Mas só
parece: um holismo atenuado pela noção de proximidade ou semelhança de significado
não é, por si só, impositivo. Primeiro porque cabe ao holista o ônus de provar o que torna
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duas emissões lingüísticas semelhantes em significado e, para começar, eles devem
explicar o que é ser semelhante neste caso. Ser semelhante é uma propriedade que,
qualquer coisa pode possuir quando relacionada a qualquer outra coisa, por estipulação.
Meu gato e minha prima são semelhantes porque, por estipulação, meu gato e minha
prima me fazem lembrar de minha infância.
Boa ideia! Não, obrigado.
Mas digamos que um holista possa construir um conceito mais firme de semelhança, para
propósitos explanatórios, que vença o caráter meramente estipulativo e, por isso, indevido
teoricamente. Talvez o conceito de semelhança seja fixado com base no conceito de uso:
duas expressões possuem significado semelhante se são usadas de modo semelhante. AddT
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Obviamente o problema se transfere para o deslinde teórico da idéia de uso e essa parece
ser uma tarefa para qual filósofos da linguagem tem uma especial predileção
wittgensteiniana, embora nada do que eles sustentam pode ser aceito como indisputado,
como acima já vimos.
Deste modo, as inconsistências holistas mais salientes são as seguintes: (a) a verdade do
holismo implica a sua própria falsidade e ninguém lúcido pode pretender defender uma
teoria que se auto-refuta, como demonstra o Argumento Holista (AH); (b) o holismo é
incapaz de explicar como alguém pode mudar de opinião acerca de algo que acredita ser
verdadeiro, sem mudar de opinião acerca de tudo o que acredita ser verdadeiro; (c) o
holismo impede que duas pessoas possuam pensamentos idênticos (façam referência às
mesmas coisas, possuam desejos idênticos, etc.…), porque a identidade de um
pensamento (de referência, de desejos) requer a identidade de todos e não há duas pessoas
capazes de coincidir em tudo aquilo que pensam (a que fazem referência ou desejam).
Não é necessário tecer mais comentários sobre a nocividade de (a); por sua vez, (b) colide
frontalmente com aquilo que a maior parte de nós faz habitualmente, a saber, conserva
algumas opiniões sobre certas coisas, enquanto muda de opinião sobre certas outras
coisas e (c) acarreta um solipsismo inviabiliza a comunicação e torna indecifrável tudo o
que os outros pensam. Portanto, a questão é saber se (e porquê) o holismo semântico
apresenta de fato tais características nada recomendáveis.
Um holista pode defender-se da acusação de insanidade. Stich, por exemplo, diz “que
ninguém jamais endossou explicitamente essa versão radical de Holismo. (…) o anti-
holismo de Fodor é dirigido contra um 'espantalho'” (Stich, 1991:.69). Em certa medida,
Stich tem razão, se considerarmos que o holismo criticado por Fodor e Lepore (o
espantalho), é uma construção radicalizada que raramente é defendida. Mas o ponto que o
espantalho de Fodor e Lepore suscitam é que tal construção subjaz aos enfoques
relativistas e cientificamente céticos em semântica. É este espantalho que pretende
justificar a tese de que não há solução teórica localista (atomista e muito menos
funcionalista) para a semântica. Os holistas podem não admitir explicitamente que a
ausência de soluções localistas em teoria do significado implica a ausência de qualquer
solução para a semântica. Mas isto não torna o HS menos destrutivo para uma agenda
teórica voltada para a solução de problemas semânticos.
Mas daí não se segue que as propriedades semânticas sejam determinadas porque (a)
localizadas em símbolos individuais e (b) o conteúdo de cada símbolo individual é
independente do conteúdo de qualquer outro símbolo. A falsidade do holismo não
acarreta, em princípio, a falsidade de uma semântica inferencial estrita, conhecida como
semântica do papel funcional (SPI). O problema do funcionalismo semântico é outro: sua
aceitação depende de que possamos defender ou uma idéia de analiticidade (inferência
necessária) — que depois de Quine, caiu em desuso,- ou uma idéia de contexto ideal de
inferência que, como veremos, é falsa.
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Quine está certo quando afirma que de fato não há enunciados analíticos, como pensavam
os positivistas lógicos, ou seja, enunciados que são verdadeiros a priori ou logicamente
verdadeiros, porque basta saber qual é o significado dos seus termos para verificar sua
verdade. Um exemplo: todas as mulheres são do sexo feminino. Para Quine, este
Boa ideia!
enunciado é verdadeiro, mas não porque o significado de ser mulher é idêntico ao
Não, obrigado.
significado de ser do sexo feminino. Esse enunciado é verdadeiro em um contexto, mas
não em todos os contextos. A razão é fácil de compreender: não conhecemos nenhuma
mulher que não seja do sexo feminino, mas isto não faz que necessariamente mulheres
sejam do sexo feminino. Pode haver um mundo no qual algumas mulheres sejam em tudo AddT
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27/12/2018 Intencionalidade, comunicação e cognição
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Luís Milman
Notas
1. A obra de Brentano pode ser vista como divisor de águas para a filosofia da psicologia. Seus
textos foram publicados em 1874, sob o título de Psychologie von empirischen Stanpunkunt
(Psicologia de um ponto de vista empírico). A tradução inglesa adotada pelos comentadores
mais recentes é Psychology from an Empirical Standpoint, London, Routledge & Keagan
Paul, 1973. A obra foi concebida para conter 6 (seis) volumes, mas apenas os dois primeiros
foram publicados, sob os títulos (aqui referidos em inglês) de Psychology as a Science e
Mental Phenomena in General. Alguns de seus comentadores contemporâneos, para
referência de leitura são Roderick Chisolm, Realism and the Background to Phenomenology,
Glencoe, The Free Press, 1960, L.L. McAlister (ed), The Philosophy of Brentano, London,
Duckworth, 1976; David Carrr, em “Intentionalitiy”, in: E. Pivcecic (ed), Phenomenology
and Philosophical Understanding, London, Hutchinson, 1975 e David Bell, Husserl, The
Arguments of the Philosophers, Routledge, London and New York, 1990.
2. Estritamente, o operacionalismo decorre de uma idéia epistemológica, o (instrumenalismo) e
não semântica. No entanto, a semântica, pelo menos a semântica tal como muitos pensadores
a praticam, desde Dewey, Peirce, Wittgenstein, os neopositivistas e Quine, certamente e toda
a tradição behaviorista, é condicionada pela epistemologia e, sobretudo por uma modalidade
ou outra de instrumenalismo, que, em linhas gerais, é a tese segundo o qual teorias servem
para fazer predições e, a partir delas, para que possamos extrair enunciados singulares que
possuem eficácia prática.
3. Willard Quine, “Quantifiers and propositional attitudes”, in: Journal of Philosophy, 53, 1957.
4. Há outros autores — o mais conhecido é Tyler Burge — que se dedicaram à distinção entre
enunciados de re e de dicto, mas essa discussão ampliada não é relevante para meus
propósitos nesse ensaio. Tais discussões envolvem indexicais, nomes próprios e a
possibilidade de sermos cérebros numa cuba ou softwares programáveis, tema sobre o qual
há um estudo específico nessa coletânea. Para uma visão do problema e suas conexões com
as questões filosóficas que referi, recomendo o execelente estudo de Kenneth Taylor, “De re
and de dicto: against the conventional wisdom”, in: Philosophical Studies, 16, Language and
Mind, 2002.
5. A título de menção, cito as teorias (i) das implicaturas e relevância conversacionais de Grice,
Sperber Wilson e Gazdar, (ii) das pressuposições e dos mundos possíveis de Montague e
Stalnaker, (iii) dos contextos, de Hungerland e (iv) da indexicalidade, de Bar-Hillel, inter
alia.
6. Cf. Luís Milman, A Natureza dos Símbolos. Explorações Semântico-filosóficas, Porto
Alegre, Editora da Universidade, UFRGS, 1999. Receba a Crítica por emai
Referências
Boa ideia! Não, obrigado.
Brentano, Franz. Psychology from an Empirical Standpoint, London, Routledge & Keagan
Paul, 1973.
Davidson, Donald. Mental Events, in: Essays Actions & Events, Oxford, Clarendon Press,
1980.
Dretske, Fred. The nature of thought, in: Philosphical Studies, 70, 1993. AddT
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27/12/2018 Intencionalidade, comunicação e cognição
AddT
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