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ARGUMENTOS,ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS NO ENSINO DO

DESENHO UNIVERSAL EM CURSOS DE ARQUITETURA E


URBANISMO

BAPTISTA, Arthur Henrique Neves (1);


(1) Universidade Católica de Pernambuco, Doutor em Desenvolvimento Urbano
e-mail:arthurbap@gmail.com

RESUMO

Este artigo apresenta um conjunto de argumentos, estratégias e técnicas para o ensino da filosofia e
princípios do Desenho Universal na formação profissional de arquitetos e urbanistas. Neste sentido,
almeja atender as prerrogativas do Decreto brasileiro nº 5.296 de 2004 que promove a inclusão de
temas relativos ao Desenho Universal nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação em
Arquitetura e Urbanismo.

ABSTRACT

This paper presents a set of arguments, strategies and techniques for teaching the philosophy and
principles of Universal Design on professional training of architects and planners. In this regard, aims
to meet the prerogatives of Brazilian Decree No. 5296/2004 which promotes the inclusion of topics
related to universal design in curriculum guidelines for undergraduate courses in Architecture and
Urbanism.

1. INTRODUÇÃO

Desenho Universal é a tradução do inglês Universal Design, portanto não se trata da


representação de um desenho (drawing), mas sim de um desígnio ou concepção de projeto
(design) com perspectivas universais. Ou seja, uma filosofia de projeto que visa a
concepção de uma única solução que seja acessível uma ampla gama de pessoas,
incluindo situações de incapacidade severas para realizar uma tarefa, e/ou mobilidade
reduzida, seja ela temporária ou permanente.
A cobrança dos órgãos legais e a incorporação do Desenho Universal nas matrizes
curriculares conforme o Decreto nº 5.296/2004 exige repensar a forma tradicional de
concepção do projeto arquitetônico desde seu primeiro traço. Arquitetos urbanistas, alunos e
professores do século XXI, estão submetidos a um novo desafio de aprender a projetar
cidades acessíveis considerando a ser humano em sua diversidade e de reformar às
cidades atuais, concebidas durante milênios, quando muito, para um ser humano padrão.
O primeiro desafio é convencer certos grupos, ainda relutantes em rever sua prática
projetual, da necessidade e importância do Desenho Universal. O segundo é decidir sobre a
melhor estratégia de incorporação desta temática na formação e atualização dos
profissionais de arquitetura e urbanismo. O terceiro desafio é desenvolver técnicas de
ensino que facilitem a compreensão e aplicação dos conceitos. O objetivo deste artigo é
contribuir com argumentos justificativos, estratégias e técnicas de ensino para a
consolidação do Desenho Universal na prática da Arquitetura e Urbanismo.
2. JUSTIFICATIVAS PARA UM DESENHO UNIVERSAL

Segundo Mace et al. (1998), para que a filosofia do Universal Design surgisse foram
necessárias mudanças demográficas, legislativas, econômicas e sociais com relação a
adultos, idosos e a pessoas com deficiência. Abaixo estão listados um conjunto de
argumentos que podem ser utilizados para a defesa da necessidade do Desenho Universal
nos projetos de arquitetura e urbanismo.

2.1 Argumentos demográficos

Pessoas com deficiências sempre existiram na história da humanidade. Durante milênios


foram excluídas do convívio social das cidades longe das vistas dos outros tendo que
sobreviver sozinhas ou em comunidades isoladas, ou então eram simplesmente sacrificadas
por serem consideradas “inválidas” e um peso para toda a sociedade. Na Idade
Contemporânea, por questões humanitárias, foram criados asilos, sanatórios e hospícios,
lugares higiênicos, mas sem vida, afastados da cidade para acomodar a população com
deficiências ou doenças, aonde recebiam cuidados paliativos até a morte.
Ao longo do século XX, o avanço da medicina, provocou uma mudança paradoxal no curso
da história. Ao contrário de acabar com as deficiências houve um aumento expressivo de
pessoas com deficiência, com a melhoria da expectativa de vida, que em alguns países,
passou dos 40 para os 80 anos; e a sobrevida, com seqüelas, de vítimas de doenças, mal-
formações congênitas, acidentes e guerras. Este novo cenário tornou insustentáveis
políticas assistencialistas, era agora necessário proporcionar qualidade de vida, integrando
na sociedade, principalmente os idosos e os heróis de guerra, que voltaram com algum tipo
de deficiência, após arriscarem a vida pelo seu país.
A estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que cerca de 10% da população
mundial possua algum tipo de deficiência. Em 2010 o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) realizou um novo censo demográfico, já utilizando o sistema da
Classificação Internacional de Funcionalidade (OMS, 2001), em que cerca de 45,6 milhões
de pessoas, ou 23,9% da população total, apresentaram pelo menos uma das deficiências
investigadas, no Brasil. Se considerarmos apenas a população com idade igual ou superior
a 65 anos, o percentual da população com algum tipo de deficiência sobe para 67,7%,
(IBGE, 2012). De acordo com as projeções estatísticas da OMS, entre 1950 e 2025 a
população de idosos no país crescerá 16 vezes contra 5 vezes da população total, (CORDE,
1998). Por volta de 2050, 25% da população do país terá mais de 60 anos.
Tudo isso leva a crer no paradoxo de que o numero de pessoas com deficiência só tende a
aumentar com o avanço da medicina. Pessoas que hoje têm leves deficiências, não
apresentarão problemas no futuro. No entanto, pessoas que hoje, têm graves deficiências,
no futuro sobreviverão por muito tempo com pequenas deficiências, e pessoas que hoje não
sobreviveriam, sobreviverão com graves deficiências. Portanto, o futuro não será somente
de jovens saudáveis, e desconsiderar a diversidade humana no projeto de arquitetura
significará excluir um número cada vez maior de pessoas.

2.2 Argumentos legais

As mudanças do Século XX fizeram com que os cidadãos ficassem cada vez mais
conscientes e passem a exigir o seu direito de ir e vir, como no Architectural Barrier Act de
1968, nos Estados Unidos da America que requeria a acessibilidade em todos os prédios
projetados, construídos, reformados e alugados com recursos federais. Nesta época, estava
em voga o Barrier-Free-Design ou o Design Livre de Barreiras com o objetivo de eliminar os
obstáculos arquitetônicos, promovendo o acesso aos deficientes, porém de forma exclusiva,
o que reforçava a segregação, (MACE et al., 1998).
Diante do cenário demográfico países começaram a alterar leis, normas e políticas públicas
visando à integração da pessoa com deficiência na sociedade. A década de 80 do século
XX, marca o início de uma revolução legislativa, com o desenvolvimento de normas técnicas
de acessibilidade a partir de estudos ergonômicos, emendas constitucionais, convenções e
declarações internacionais visando o acesso à escola e ao trabalho, leis e decretos.
No Brasil, um marco decisivo foi a constituição de 1988 com diversos artigos voltados a
questão da pessoa com deficiência. Em 1989 foi elaborada da Lei nº 7.853, que referendou
a Convenção 159 da Organização Internacional do trabalho. Em 1991, foi criada a Lei nº
8.213, que estabeleceu cotas de contratação para empresas privadas com mais de cem
funcionários. Em 1999, é editado o Decreto nº 3.298, regulamentando a Lei nº 7.853,
fixando uma Política Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência no
mercado de trabalho e na sociedade. Em 2000, é Criada a Lei nº 10.048, que dá prioridade
ao atendimento as pessoas portadoras de deficiência, idosos e gestantes e é sancionada a
Lei nº 10.098, que estabelece normas e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
O Brasil possui uma Norma técnica de Acessibilidade das mais avançadas do mundo a NBR
9050 da ABNT (2004). Sua primeira foi em 1985, a segunda em 1994, ambas focavam
apenas pessoas com deficiência. Na versão de 2004, é incorporado o termo Desenho
Universal, ou seja, é voltada para todos, sem segregação. Ainda em 2004, surge o Decreto
Nº 5.296 que regulamenta a Lei nº 10.048 e a Lei nº 10.098, e também incorpora o termo
Desenho Universal.
Em seu Art. 10 coloca que: a concepção e a implantação dos projetos arquitetônicos e
urbanísticos devem atender aos princípios do Desenho Universal, tendo como referências
básicas as normas técnicas de acessibilidade da ABNT, a legislação específica e as regras
contidas neste Decreto. Cabendo ao Poder Público promover a inclusão de conteúdos
temáticos referentes ao Desenho Universal nas diretrizes curriculares da educação
profissional e tecnológica e do ensino superior dos cursos de Engenharia, Arquitetura e
correlatos. Além de incentivar programas e linhas de pesquisa com temas voltados para o
Desenho Universal, nos organismos públicos de auxílio à pesquisa e de agências de
fomento.
O Art. 11 estabelece que: a construção, reforma ou ampliação de edificações de uso público
ou coletivo, ou a mudança de destinação para estes tipos de edificação, deverão ser
executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis à pessoa portadora de deficiência
ou com mobilidade reduzida. Cabendo às entidades de fiscalização profissional das
atividades de Engenharia, Arquitetura e correlatas anotarem a responsabilidade técnica dos
projetos e exigir a responsabilidade profissional declarada e ao poder público a aprovação
ou licenciamento ou emissão de certificado de conclusão de projeto arquitetônico ou
urbanístico só com o atestado de atendimento às regras de acessibilidade previstas nas
normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica e no referido Decreto-
Lei, (BRASIL, 2004).

2.3 Argumentos sociais

Com as mudanças demográficas e legais tornou-se necessário proporcionar condições para


que pessoas com deficiências se tornem produtivas economicamente para a sociedade.
Cada vez mais, as grandes empresas “caçam” pessoas com deficiência, para empregá-las e
assim cumprirem sua cota de contratação. Apesar do numero crescente de contratações, o
cenário ainda é negativo por conta da formação profissional e o processo de seleção.
No entanto, o censo IBGE de 2010 mostrou que o percentual da população brasileira sem
instrução ou fundamental incompleto, com mais de 15 anos é de 38,2%, considerando a
população com alguma deficiência chega a 61,1%, (IBGE, 2012). Além das dificuldades
relativas ao aprendizado em sala de aula, fatores como a dificuldade de subir escadas,
terminam por excluir essa considerável parcela da população de condições adequadas de
educação. Dessa forma, surge mais uma barreira para inserção dessas pessoas no
mercado de trabalho.
Os surdos e cegos levam desvantagem guando a seleção envolve um prova, como em
concursos. A maioria dos surdos resta empregos pouco qualificados em ambientes ruidosos.
Os cegos, que têm o maior percentual de pessoas com deficiência, são os que mais
enfrentam dificuldades. Pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, costumam
ser selecionadas para atividades intelectuais, com pouco esforço físico, o maior problema é
o acesso ao emprego em condições dignas nos transportes e calçadas. Além das barreiras
de atitude grande são às barreiras nas edificações, transportes, espaço urbano e
comunicações. Sem renda, essa população passa a ser dependente economicamente de
parentes e da assistência social do governo, incorrendo em custos pagos pela sociedade.
Por fim, ficam excluídos da vida social e do exercício da cidadania em grande parte por
barreiras arquitetônicas e urbanísticas.

2.5 Argumentos econômicos

Diante deste quadro demográfico, social, legal e com perspectivas econômicas de abranger
um público maior, com um mesmo produto de uso irrestrito, com menos despesa, sem
rótulos, atrativo e mais negociável levou a fundação do movimento do Universal Design nos
anos 80 do século XX, nos Estados Unidos da América (MACE et al. 1998). No Brasil, este
conceito só seria formalizado, com o Decreto nº 5.296 de 2004. E mesmo assim, ainda é
comum no Brasil, o desenvolvimento de projetos e reformas de caráter especial, caros e
pautados somente nas normas técnicas e mesmo assim com recorrentes erros de
interpretação.
Estimativas da National Comission on Architectural Barriers to Rehabilitation of the
Handicapped relatam que se o projeto que for concebido adequado às condições de
acessibilidade sofrerá um acréscimo de 1% do valor da obra, e, por outro lado, se precisar
ser adequado depois de construído esse valor poderá alcançar 25%. Portanto, é muito mais
econômico conceber o projeto desde o princípio já com o Desenho Universal do que serem
feitas reformas posteriores por meio de exigências legais (MACE et al. 1998).

2.4 Argumentos sustentáveis

Sintetizando os argumentos anteriores, temos a questão da sustentabilidade. Torna-se


insustentável desconsiderar a universalidade de habilidades e limitações do ser humano. O
risco é de que num futuro próximo, termos uma sociedade em que 25% ou mais da
população adulta, fique excluída do convívio social e deixem de participar produtivamente
com a economia do país. Também, é insustentável conceber novos edifícios sem Desenho
Universal, para que posteriormente passem por reformas e adaptações, o que acarretaria
prejuízos econômicos (cerca de 25% do valor da obra), sociais e culturais (soluções
exclusivas que reforçam a segregação) e ambientais (desperdício de recursos naturais).

3. ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DO DESENHO UNIVERSAL

Mas, como implantar o ensino do Desenho Universal nos cursos de Arquitetura e


Urbanismo? Não há um consenso de qual a melhor estratégia de inserção do Desenho
Universal nas diretrizes curriculares. Uma discussão aprofundada com as opiniões de
diversos professores especialistas na área, e dentro da realidade das universidades
brasileiras pode ser encontrada em Cambiaghi (2007) e Guimarães (2010). Um ponto que
parece ser um consenso, entre os especialistas é de que todos os professores do corpo
docente, envolvidos em disciplinas de projeto, estejam aptos a contribuir com o ensino do
Desenho Universal e que isto seja proposto no início do curso, ainda no primeiro ou
segundo ano, antes de se criarem vícios de projeto. O intuito, aqui será o de descrever as
principais estratégias analisando, criticamente, seus pontos positivos e negativos.
3.1 Disciplina isolada eletiva ou curso de aperfeiçoamento

Positivos - Alunos que optam livremente por uma disciplina eletiva de Desenho Universal
ou um curso de aperfeiçoamento se mostram mais receptivos e sensíveis ao problema. Isto
pode facilitar o processo de assimilação natural dos conceitos e o de repensar a forma
tradicional de concepção do projeto de arquitetura e urbanismo. Alunos, que abraçam
livremente a filosofia do Desenho Universal, tornam-se profissionais engajados e ardentes
defensores.
Negativos – Sendo uma disciplina opcional, os professores de outras disciplinas não podem
cobrar de todos os alunos os conhecimentos específicos, nem uma solução de projeto
universal. Corre-se o risco de o aluno capacitado em Desenho Universal se desestimular
vendo que sua habilidade e esforço de conceber uma solução criativa e universal não é
devidamente valorizada, quando os professores permitem soluções com barreiras
arquitetônicas ou simples aplicações de normas.

3.2 Disciplina isolada obrigatória ou modulo incluso em outra disciplina

Positivos – A obrigatoriedade da disciplina ou módulo garante uma formação básica em


Desenho Universal a todos os alunos que se formarem pelo curso. Nesta estratégia é
possível estimular uma sensibilização dos alunos que não se preocupavam com a questão
ou que estavam carregados de preconceitos, eliminando assim barreiras de atitude. Permite,
também, que o conteúdo de Desenho Universal possa ser cobrado pelas demais disciplinas,
a partir de então, possibilitando o aperfeiçoamento de soluções no processo de
amadurecimento do arquiteto. Módulos de com o conteúdo de Desenho Universal podem
ser inseridos em disciplinas mais amplas relacionadas ao conforto e /ou ergonomia, ou uma
das disciplinas iniciais de projeto, também pode dar ênfase a questão.
Negativos – Nem sempre é possível sensibilizar todos os alunos para os benefícios sociais
e culturais da aplicação do Desenho Universal no projeto de arquitetura, ficando somente o
peso da exigência legal. A obrigatoriedade e o receio da reprovação do projeto nos órgãos
competentes, pode levar o aluno a interpretar o Desenho Universal como mais um conjunto
de “regras chatas” que atrapalham a concepção do seu projeto. Se nem este receio
prevalece, após a disciplina, pode dar a falsa impressão de que o conteúdo terminou, e que
agora ele está “livre” para projetar como quiser. Corre-se também o risco de, se os
professores das demais disciplinas também não estiverem suficientemente sensibilizados,
não haver a cobrança e o conteúdo cair no esquecimento.

3.3 Conteúdo integrado às disciplinas de Projeto

Positivos – Desenho Universal pode ser ensinado de modo sutil ao longo de um conjunto
de disciplinas relacionadas ao projeto (desenho urbano, paisagismo, edificações, interiores e
intervenções). Esta estratégia permite que o aluno vá se sensibilizando e se capacitando
aos poucos, ao mesmo tempo em que reconhece a importância do tema que é tratado por
todos os professores.
Negativos – Esta dispersão do conhecimento, também pode dificultar a sensibilização,
enfraquecer os esforços e dar a impressão de que o Desenho Universal algo secundário ao
projeto. Para seu bom funcionamento depende de uma forte sensibilização, capacitação e
cooperação do corpo docente do curso.

3.4 Pesquisas em Desenho Universal e atividades de extensão

Positivos – Pesquisas com temas voltados para o Desenho Universal contam com o
incentivo dos organismos públicos de auxílio à pesquisa e de agências de fomento de
acordo com o Decreto nº 5.296 de 2004. Ou seja, serão privilegiados por estarem de acordo
com uma política pública de interesse nacional. Pesquisa é uma ótima oportunidade de
aprofundar conhecimentos dos alunos, e gerar novos pesquisadores da área. As atividades
de extensão possibilitam que o aluno possa ver na prática os benefícios do Desenho
Universal e entrar em contato próximo com o usuário do projeto.
Negativos – Pesquisa e extensão são atividades que exigem o comprometimento de alunos
e não necessariamente são praticadas por todos. Esta estratégia depende muito da
implantação de outras estratégias, pois sem o apoio da sala de aula e a formação básica em
Desenho Universal as pesquisas e atividades de extensão podem se tornar superficiais, com
uma simples análise e aplicação de normas técnicas.
Todas as estratégias apresentadas podem funcionar corretamente e nada impede que os
cursos de arquitetura e urbanismo abracem mais de uma das estratégias descritas,
valorando os seus aspectos positivos. Para evitar os pontos negativos é necessário um forte
engajamento, cooperação e sensibilização dos professores envolvidos. O importante é que
o conhecimento seja passado e os futuros profissionais de Arquitetura e Urbanismo estejam
preparados para conceber projetos contemplando a universalidade de limitações e
habilidades dos seres humanos.

4. TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS PARA O ENSINO DO DESENHO UNIVERSAL

Saindo do nível estratégico e entrando no nível operacional, existe na literatura um conjunto


de técnicas didáticas que podem ser utilizadas para o ensino do Desenho Universal
independentemente de como o conteúdo foi implantando na grade curricular do curso.
Muitas destas técnicas podem ser encontradas em literaturas nacionais como em Cambiaghi
(2007), e nos artigos de Prado et al. (2010).
A seguir é feita uma descrição sintética, com os objetivos e limitações de um conjunto de
técnicas, algumas já consagradas e de uso corrente em diferentes cursos do país e outras
sugeridas pelo artigo. Este conjunto de técnicas não esgota as possibilidades, nem impede
que sejam feitas adaptações e melhorias pelos professores adequando-se aos objetivos de
suas disciplinas.

4.1 Recursos gerais de sensibilização (conhecimento teórico)

Trata-se de um conjunto de meios que contribuam para a eliminação de preconceitos e


tabus, contribuindo, assim para redução das barreiras de atitude existente em cada aluno. O
intuito é demonstrar que: ser diferente é normal; que é preciso respeitar a diversidade de
habilidades e limitações do ser humano; que as aspirações das pessoas com deficiência são
as mesmas de qualquer outra pessoa, estudar, trabalhar, namorar, se divertir, sendo
necessário, apenas, espaços que sejam compatíveis com suas habilidades; e que os
benefícios proporcionados pelo Desenho Universal podem ser experimentados por todos.
Como foi visto a sensibilização é fundamental para que as estratégias de implantação do
Desenho Universal tenham êxito. É possível fazer uso: dos argumentos de justificativa do
Desenho Universal; depoimentos de pessoas com deficiência; filmes ou seção de fotos que
demonstrem as dificuldades, o esforço de superação e as alegrias do processo de inclusão.

4.2 Experiência de Vivência (atividade prática)

É uma das técnicas mais consagradas e difundidas. Ainda, pode ser enquadrada como um
recurso para sensibilização. O objetivo é levar o aluno a vivenciar situações de deficiência
na mobilidade e problemas de orientação espacial, simulando por algum instante as
dificuldades enfrentadas diariamente por pessoas com deficiência. Além, de sensibilizar
para os problemas, contribui para a identificação de barreiras arquitetônicas que não eram
percebidas. Conforme Cambiaghi (2007) é importante que a experiência tenha um percurso,
roteiro de atividades e papeis de cada aluno pré-definidos, e que depois possa ser feito uma
exposição e discussão da experiência vivenciada.
4.3 Passeios acompanhados (atividade prática)

Trata-se de acompanhar o percurso realizado por um usuário com uma deficiência


específica. Conforme Bins Ely, Dischinger e Daufenbach (2002), o pesquisador/aluno
acompanha, porém não conduz nem ajuda o convidado durante o percurso. O convidado é
então solicitado a descrever suas dificuldades de mobilidade, orientação e tomada de
decisão que teve durante a realização do passeio. A cada tomada de decisão corresponde
um plano de ação para a realização da atividade. O objetivo é compreender este processo e
assim poder propor soluções universais.

4.4 Classificação Internacional de Funcionalidade (conhecimento teórico)

Esta é uma classificação oficial que foi aprovada, por uma comissão interdisciplinar, para
uso internacional, pela qüinquagésima-quarta Assembléia Mundial de Saúde da OMS em
2001 (OMS, 2001). A classificação avalia a funcionalidade, não só através das estruturas e
funções anatômicas do corpo humano, mas também com um conjunto de domínios de
atividades, e a influência de fatores contextuais ambientais e individuais, que podem
constituir-se em barreiras e facilitadores. O intuito aqui e esclarecer os conceitos de
Capacidade (o que o individuo faz sem a influência de Fatores Ambientais) e Desempenho
(o que o individuo faz sobre a influência de Fatores Ambientais). Se o Desempenho é
inferior a Capacidade é porque estão presentes barreiras no ambiente físico (incluindo
arquitetura e paisagem), familiar, social, cultural em que conduz sua vida. Se o Desempenho
é maior que a Capacidade é porque estão presentes Facilitadores. Desse modo, ressalta-
se que profissionais que projetam processos, produtos e ambientes, como os arquitetos, são
também responsáveis pela saúde e qualidade de vida da população, ao lado dos
profissionais de saúde.

4.5 Identificação de princípios do Desenho Universal (atividade prática)

É solicitado ao aluno que identifique e registre soluções que enfatizem cada um dos sete
princípios do Desenho Universal, no seu dia a dia na cidade e no ambiente familiar. Podem
ser usados registros fotográficos ou croquis e folhas de checagem permitindo avaliar até que
ponto a solução arquitetônica atende cada um dos sete princípios. O intuito capacitar o
aluno a reconhecer e avaliar soluções de Desenho Universal e perceber que muitas delas já
estão presentes na nosso dia a dia.

4.6 Diferenciação Desenho Acessível X Desenho Universal (conhecimento teórico)

Consiste em capacitar o aluno a diferenciar as soluções especiais do Desenho Acessível


das soluções inclusivas do Desenho Universal. As soluções especiais costumam ser
concebidas como simples aplicação das normas, surgem de uma exigência legal, e sua
evidência, termina por reforçar o sentimento de segregação. As soluções universais
concebidas de forma criativa a partir de parâmetros normativos visam à inclusão de modo
equitativo e por vezes passam despercebidas. Esta técnica pode ser usada como um
desdobramento ou simultaneamente a técnica anterior de identificação dos princípios do
Desenho Universal.

4.7 Cadeia de Acessibilidade Integral (conhecimento teórico)

Parte do conceito lançado por Ubierna (1999), aonde é enfatizado que a acessibilidade só e
realmente aproveitada se for aplicada em todos os âmbitos (espaço urbano, edificações,
transporte, e informações). Por exemplo, de nada adianta tornar edificações acessíveis se o
espaço urbano não é acessível e a edificação não será alcançada. Consiste em trazer
exemplos em que toda a acessibilidade foi comprometida por falha em apenas um elo desta
cadeia. Capacita a pensar na acessibilidade de forma sistêmica, abordando tanto a visão do
todo, como a atenção aos detalhes para que se garanta a acessibilidade em seus diversos
âmbitos.

4.8 Plano Mestre de Acessibilidade com aplicação crítica e contextualizada de


parâmetros normativos (atividade prática)

A partir da leitura critica da NBR 9050 da ABNT (2004), solicitam-se aos alunos que façam
um plano mestre de acessibilidade, adotando-se, e se for caso, reinventando, de forma
criativa e contextualizada, os parâmetros normativos, propondo assim uma solução
universal. O intuito é evitar a aplicação mecânica da norma, sem compreender o porquê dos
parâmetros e utilizar a criatividade na hora de adaptar o local.

4.9 Dimensionamento a partir de dados antropométricos (atividade prática)

Parte da desmistificação da falácia do homem médio que durante séculos serviu de


parâmetro para o dimensionamento de projetos. O entendimento é que projetar para a
média é projetar para metade das pessoas. É necessário, portanto, dimensionar os projetos
de modo conveniente para cada caso, considerando as medidas extremas, até certo ponto,
de uma determinada população. Isto pode ser feito com a utilização de dados
antropométricos que podem ser encontrados em Panero & Zelnik (2001) ou em Dreyfuss
(2005), enquanto não há a divulgação de um levantamento antropométrico local.

4.10 Análise ergonômica da tarefa envolvendo pessoas com deficiência. (atividade


prática)

A ergonomia pode ser aplicada para ajustar as condições de trabalho às características


psicológicas e fisiológicas dos trabalhadores, sem preocupações universais, assim como
uma solução de Desenho Universal pode não se basear numa análise ergonômica. Porém
quando Ergonomia e Desenho Universal caminham juntos o resultado são soluções mais
confiáveis e embasadas metodologicamente como pode ser visto em Soares e Martins
(2000), Martins (2003) e IBV (1997). O intuito é dar uma base das técnicas e métodos da
Ergonomia para que o aluno possa desenvolver um Desenho Universal que permita que a
tarefa seja realizada por todos em igualdade.

4.11 Ajuste sujeito X tarefa (atividade prática)

Consiste em fazer os ajustes necessários na tarefa, ou capacitar o sujeito de modo a


equilibrar a capacidade do sujeito com a demanda da tarefa permitindo a inserção da
pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Trata-se ainda de uma abordagem
ergonômica, cujas técnicas e procedimentos para o ajuste entre o sujeito e a tarefa são
descritos e detalhados em IBV (1997).

4.12 Método do Espectro de Acessibilidade (atividade prática)

Desenvolvido em Baptista (2003), o método parte do princípio de que há diferentes níveis de


acessibilidade entre o inacessível e a plenamente acessível e que cada pessoa pode
experimentar um nível de acessibilidade diferente. Cada nível é associado a uma cor
formando um espectro de níveis que permite visualizar o mapeamento das condições de
acessibilidade para cada grupo de pessoas. O aluno é solicitado a avaliar espaços
registrando os níveis de acessibilidade para usuários distintos. O intuito é perceber que o
espaço arquitetônico afeta diferentemente as pessoas, e que só projetando contemplando
os casos mais severos é possível equilibrar as oportunidades para todos.
4.13 Aplicação da Teoria da Acessibilidade Efetiva (atividade prática)

Trata-se de um amadurecimento e aperfeiçoamento do Método do Espectro de


Acessibilidade defendido em Baptista (2010). A definição é que a Acessibilidade Efetiva é a
experiência de acessibilidade vivenciada por um sistema Acessante (pessoa) ao acessar um
sistema Acessado (arquitetura), executando ações de uma tarefa, em um dado contexto sob
a influência de fatores de conveniência. A Teoria da Acessibilidade Efetiva é um sistema que
reuni constructos, relações, proposições, modelos e procedimentos metodológicos que
visam descrever, explicar, aferir e predizer a experiência efetiva de acessibilidade. A teoria
pode ser usada tanto como um procedimento de avaliação pós-ocupação, como para
simulação de projetos, e assim visar à concepção de soluções de compromisso com a
melhor relação custo x benefício ou um projeto integralmente universal. Capacita o aluno a
reconhecer a complexidade do fenômeno da experiência de acessibilidade evitando uma
ação simplista e promovendo soluções universais que considerem as interações entre
pessoas, ambiente, atividades e contextos.
As técnicas apresentadas podem ser aplicadas isoladamente ou pode ser selecionado um
conjunto a depender da estratégia adotada para implantação do Desenho Universal em
cada curso. A ordem também pode variar, apenas se recomenda que as estratégias de
sensibilização venham primeiro para incentivar o aluno.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O intuito deste artigo foi defender, e descrever estratégias e técnicas para o ensino do
Desenho Universal no Curso de Arquitetura e Urbanismo. Que este texto contribua com o
dialogo entre professores e que incentive a divulgação de mais técnicas de ensino do
Desenho Universal. Longe de esgotar o assunto e as possibilidades didáticas e mesmo sem
o detalhamento das técnicas, esperasse ter contribuído com divulgação e consolidação
desta filosofia de projeto.
O Desenho Universal ainda é uma novidade no Brasil. Como toda novidade, que está em
evidência já é bastante comum encontrar trabalhos finais de graduação com títulos como:
uma casa universal, uma escola inclusiva, calçadas acessíveis... É natural e salutar que os
alunos se interessem pelo tema e defendam esta idéia, que ainda está se consolidando.
Foi assim que aconteceu quando surgiram, no Brasil, às primeiras edificações salubres/
higienizadas com instalações hidráulicas, no final do século XIX. Hoje, ninguém diz “vou
fazer um projeto de uma casa salubre com instalações hidráulicas” é suposto como um
requisito primário, que todas as casas, tenham uma higienização básica. A esperança é que
num futuro breve ninguém precise enfatizar que seu projeto é universal, pois isto já seria
considerado um pressuposto básico de toda e qualquer projeto arquitetônico e urbanístico.
Neste dia, o Desenho Universal estará definitivamente incorporado à concepção
arquitetônica.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BAPTISTA, A. H. N. Procedimentos metodológicos para a avaliação da acessibilidade de
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BAPTISTA, A. H. N. Proposição da Teoria da Acessibilidade Efetiva com plano de verificação
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