You are on page 1of 10

A EXPERIÊNCIA DA ACESSIBILIDADE NAS ESCOLAS DA REDE

MUNICIPAL DE NATAL

CALADO, Giordana Chaves (1);


ELALI, Gleice Azambuja (2)
(1) M.Sc. em Arquitetura e Urbanismo
giordanacalado@hotmail.com
(2) Docente CAU/PPGAU-UFRN, Dra. em Arquitetura e Urbanismo
gleiceae@gmail.com

RESUMO
Este estudo analisa o espaço físico de duas unidades escolares da rede municipal de Natal como forma
de subsidiar alternativas para o planejamento de ambientes destinados a todas as pessoas. A pesquisa
utilizou a abordagem multi-métodos e envolveu: (i) vistoria técnica orientada pela NBR 9050, (ii) contacto
com usuários que possuem mobilidade reduzida (deficientes visuais e usuários de cadeira de rodas e
muletas) com a realização de passeio acompanhado e entrevista, e (iii) entrevista com os gestores
escolares. Verificou-se que, apesar dos significativos avanços assegurados por leis específicas que
garantem às pessoas com deficiência (PDs) o direito à cidadania, o ambiente físico de nossas escolas
contêm inúmeros obstáculos, impedindo sua mobilidade. Nas escolas analisadas, as ações no campo da
acessibilidade física têm sido marcadas pela adoção de soluções paliativas que dificultam a melhor
adequação do espaço, acumulam barreiras e reforçam uma segregação não desejada, porém, ainda,
muito presente em nossa sociedade. Para alcançar uma configuração espacial que tenha reflexos na
sociabilidade e a interação entre indivíduos com diferentes condições físicas é necessária a
compreensão plena das atividades desenvolvidas em cada espaço (o que envolve vários estágios de
atuação na instituição, desde a concepção dos equipamentos até as necessidades pedagógicas
individuais). Condicionar a acessibilidade ao processo de tomada de decisões direcionadas para o
projeto arquitetônico e urbanístico, diminuiria a contínua necessidade de se re-projetar e adaptar
espaços, ou seja, incorporá-la definitivamente, como importante componente da produção do espaço.

ABSTRACT
This study analyses the physical space of two municipal schools of Natal as a means of contributing
alternatives to the planning of spaces destined for all people. The research used a multi-method approach
and included: (i) technical oversight as oriented by NBR 9050, (ii) contact with users who have limited
mobility (people having vision impairment, and those confined to wheelchairs or who must use crutches),
accompanying these people along a route and interviewing them, and (iii) interviews with school
management. We verified that in spite of the significant advances assured by specified laws which
guarantee mobility challenged individuals the rights to citizenship, the physical surroundings of our
schools still contain numerous obstacles, impeding the mobility of those with physical handicaps. In the
analyzed schools, the actions in the area of physical accessibility have been marked by the adoption of
palliative solutions which make difficult the improvement of the spaces, creating more barriers and
reinforcing a segregation, which although not desired, remains quite present in our society. In order to
reach a spatial configuration which reflex in the socialization and the interaction between individuals with
differing physical conditions, we needs a full understanding of the activities to be carried out in each space
is required (it involves several stages of the actuation in the institution, both the conceptualization of the
equipments used as well as the pedagogical needs of the individuals). Therefore, including accessibility to
the decision making process directed towards the architectonic and urban projects would diminish the
continuous necessity of re-projecting and adapting spaces, that is, incorporate them definitively as an
important component of the production of space.
1. INTRODUÇÃO
Assim como outros países, nos últimos anos o Brasil tem assistido a uma mudança no tratamento do
tema acessibilidade, em função tanto da ampliação do número de pessoas com condições de mobilidade
reduzida, limitada ou anulada (devido a razões diversas que vão desde o aumento da estimativa de vida
até as sequelas por acidentes ou gravidez) quanto da maior exigência social e institucional com relação a
assegurar os direitos dessa população. O debate que originou tal mudança foi iniciado na década de
1980, visando conscientizar a sociedade sobre a importância de eliminar as inúmeras impostas às
pessoas com deficiência (PDs), no caso brasileiro, se refletindo na própria Constituição (Brasil, 1988). No
campo da construção civil, gradativamente surgiram leis voltadas para garantir a todos o devido acesso e
utilização dos espaços construídos, uma vez que o ambiente deve estar preparado para acolher a
população que necessita de instrumentos de orientações para se locomover com desenvoltura,
preservando a autonomia e o direito de utilizar o espaço. Sob essa perspectiva, a acessibilidade tornou-
se um desafio para os municípios brasileiros que aspiram inclusão social, equiparação de oportunidades
e efetivação da cidadania das pessoas com deficiência ou que possuem mobilidade reduzida. No
entanto, passados quase 30 anos do surgimento daquela lei maior (Brasil, 1988) constata-se que não só
muitas das barreiras subsistem, como a própria legislação criada nem sempre é cumprida ou, ainda,
enfrenta impedimentos para se impor.
No campo da arquitetura, o termo acessibilidade está relacionado ao contexto físico-espacial, ou seja, ao
campo das relações do ser humano com o espaço físico, e exige a eliminação de barreiras arquitetônicas
e urbanísticas nos edifícios, transportes e na comunicação, o que significa permitir acesso,
deslocamento, orientação e uso do espaço físico e seus equipamentos por qualquer individuo, sem
necessitar de conhecimento prévio das suas características. Tal intenção exige a facilitação da interação
entre o usuário e o ambiente (sócio-físico) construído, considerando não apenas a funcionalidade dos
elementos arquitetônicos, mas também o modo como os usuários (mesmo leigos) percebem e a
experienciam a qualidade arquitetural existente, uma vez que a acessibilidade envolve aspectos físicos,
comunicacionais, sociais e psicológicos, como indicam vários capítulos do livro de PRADO, LOPES e
ORNSTEIN (2010). Ou seja, para promover a maior participação das PDs é essencial incluí-las
socialmente nas atividades do cotidiano, enquanto sujeitos da educação, do lazer, da cultura e similares,
o que exige uma permanente atenção para as interações do homem com o meio ambiente, e pode ser
investigado por meio da análise dos diferentes componentes que atuam nessas relações, com ênfase
para o modo como os indivíduos percebem o meio ambiente, processam/concebem/avaliam suas
informações e agem nele e sobre ele.
Assim, por exemplo, um deficiente locomotor apresenta especificidades antropométricas diferentes de
uma pessoa com mobilidade plena e que precisam ser reconhecidas no projeto; do mesmo modo, um
individuo com deficiência visual compreende o mundo por meio de percepções como som, cheiro, tato e
movimentação do ar, e uma pessoa com deficiência auditiva tem limitações que podem ser reduzidas por
meio da comunicação visual, sendo preciso explorar diversos meios como desenho, escrita e simulações
através de filmes ou realidade virtual. Portanto, para atender ao ideal de um ambiente acessível a todos
os tipos de usuários é imprescindível considerar as diversas condições e necessidades humanas, bem
como as suas dificuldades.
O Desenho Universal (DU) atua justamente nessa lacuna, tendo sua razão-de-ser ligada ao fato da
capacidade funcional das pessoas aumentar quando as barreiras ambientais são menores. Assim, tem
como premissa o entendimento de que o ambiente construído precisa ser planejado para atender às
necessidades ambientais do conjunto completo dos usuários, permitindo que todas as pessoas
ingressem, circulem e utilizem todos os ambientes (e não apenas parte deles).
A essência do DU está no propósito de estabelecer acessibilidade integrada a
todos, sejam ou não pessoas com deficiência. Assim o termo acessibilidade
representa uma meta de ampla inclusão, não um eufemismo (CAMBIAGHI,
2007, p.73).
Desta forma, a acessibilidade e o DU relacionam-se mutuamente, o que não quer dizer, entretanto, que
um implique necessariamente no outro, pois enquanto a acessibilidade possibilita o acesso através de
mecanismos diferentes para diferentes tipos de deficiências, o DU é um modo de conceber produtos,
meios de comunicação e ambientes para serem utilizados por todas as pessoas o maior tempo possível,
sem a necessidade de recorrer a adaptações ou projetos especializados para beneficiar alguém,
independentemente, de sua idade, capacidade ou habilidade. Como exemplo, pode-se citar a edificação
que dispõe de rampas para cadeirantes, de escadas adaptadas para o deficiente visual, assim como, de
outros tipos de mecanismos adequados para outros tipos de deficiência. Embora o prédio possa ser
considerado acessível, não se pode dizer que o princípio do Desenho Universal foi utilizado. O telefone
público instalado nas variadas alturas e modelos, sendo um destinado às pessoas baixas e/ou
cadeirantes, outro para pessoas altas, e ainda outro para deficientes auditivos, é outro exemplo de objeto
acessível, porém não universal.
De fato, o espaço construído possui papel fundamental na superação das desigualdades sociais entre as
pessoas, uma vez que
(...) quando uma pessoa com deficiência está em um ambiente acessível, suas
atividades são preservadas, e a deficiência não afeta suas funções. Em uma
situação contrária, alguém sem qualquer deficiência colocado em um ambiente
hostil e inacessível pode ser considerado deficiente para esse espaço
(CAMBIAGHI, 2007 p. 23).
O poder de inclusão/segregação que o ambiente físico exerce deve ser especialmente considerado no
planejamento de ambientes destinados à educação, como mostra a quantidade crescente de trabalhos
desenvolvidos nos cursos de pós-graduação brasileiros e disponíveis na Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações (www.bdtd.ibict.br) e de artigos publicados em anais de eventos recentes que incorporam a
acessibilidade como campo de estudos – entre os quais destacam-se os Encontros Nacionais de
Ergonomia do Ambiente Construído (ENEAC), os Encontros Nacionais de Tecnologia do Ambiente
Construído (ENTAC), os Seminários Internacionais do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura
e Urbanismo (NUTAU), os Simpósios Brasileiros de Qualidade do Projeto (SBQP) e os Congressos
PROJETAR.
Consistindo em mais uma contribuição para esse esforço coletivo, a questão a ser trabalhada nesse
artigo diz respeito às condições de usabilidade do espaço escolar na cidade de Natal- RN por estudantes
do Ensino Fundamental, se resumindo em uma pergunta: de que modo estes locais, cuja meta é educar
de modo equânime, tem contribuído para incluir o deficiente em seus espaços?
O estudo empírico que o subsidia (CALADO, 2006) foi realizado com base na análise da acessibilidade
ambiental de duas escolas, buscando, além de detectar e suprimir as barreiras arquitetônicas, dar
subsídios para futuros projetos na área. Para tanto contribuiu a experiência das pesquisadoras, uma
professora universitária na área das relações pessoa-ambiente, e outra analista técnica no ambiente
físico escolar, prestando serviço ao Ministério Publico.

2. CONTEXTO DE ESTUDO
Na cidade de Natal, a primeira referência oficial à acessibilidade ocorreu com a Lei Municipal nº 4.090
(PMN, 1992), considerada a primeira iniciativa do gênero na América Latina (SOUZA JUNIOR, 2005). Tal
lei refere-se à equiparação de oportunidades aos cidadãos natalenses por meio da facilitação do espaço,
instituindo a eliminação das barreiras arquitetônicas para pessoas com deficiência, em todo o município.
Aplicado à escola, esse paradigma implica que as respostas às necessidades pedagógicas dos alunos se
façam através de uma nova concepção dos ambientes destinados à educação, reafirmando a
necessidade da construção de espaços que permitam a realização de suas atividades.
Com base nesse entendimento, os projetos das escolas públicas têm sido elaborados e orientados pelo
programa de necessidades das Secretarias de Educação, embora também existam unidades
funcionando em prédios adaptados ou sub-locados (estes últimos notadamente desprovidos de
condições e adequação dos espaços físicos para acessibilidade de PDs). Apesar dessa exigência legal,
em visita a 320 escolas situadas na Região Metropolitana da Natal, constatou-se que, de modo geral,
nem os projetos originais, nem os mais recentemente reformados, contemplam a acessibilidade de modo
satisfatório.
Partindo do universo das escolas visitadas, duas tornaram-se cenário ideal para o trabalho analítico que
gerou uma dissertação nesse campo (CALADO, 2006): a Escola Municipal Terezinha Paulino e a Escola
Municipal Ulisses de Góes.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa de campo teve como base conhecimentos da Psicologia Ambiental e procedimentos de
Avaliação Pós Ocupação (APO – estudada, entre outros, por ORNSTEIN, ROMERO, 1992; PREISER,
VISCHER, WHITE, 1991; RHEIGANTZ et al, 2009), visando a realimentação projetual e com ênfase para
a valorização da experiência do aluno PD na identificação, tanto das barreiras arquitetônicas, quanto das
suas necessidades em relação ao espaço escolar, considerando-se, a influência do ambiente escolar no
processo educativo em função das condições de bem estar, conforto, segurança e acessibilidade.
A repetição de falhas em projetos futuros de edifícios semelhantes é devida à
ignorância dos fatos ocorridos em ambientes já em uso, este círculo vicioso
pode ser rompido, na medida em que se procure conhecer essas edificações,
tanto do ponto de vista técnico, quanto do ponto de vista dos usuários
(ORNSTEIN, ROMERO, 1992, p. 19).
Partindo desse entendimento, para suprir eventuais limitações diante da adoção de um só método para a
coleta de dados, a pesquisa optou por uma abordagem multimétodos (SOMMER, SOMMER, 2002;
GUNTHER, ELALI, PINHEIRO, 2008; GUNTHER, ELALI, PINHEIRO, 2011), abrangendo:
(i) visitas exploratórias abordando as unidades escolares existentes;
(ii) escolha de duas escolas como estudos de caso;
(iii) avaliação técnica;
(iv) contato com os discentes PDs, por meio de passeio acompanhado e entrevistas,
(v) contato com os gestores escolares, por meio de entrevistas.

Etapas 1 e 2

Inicialmente foi realizado o levantamento técnico das escolas existentes à luz da norma NBR 9050/2004
(ABNT, 2004, em vigor), que aconteceu por meio de visitas exploratórias às 320 escolas de Natal-RN, em
um processo determinado pelo Ministério Público do Estado Rio Grande do Norte, que visava eliminar as
barreiras arquitetônicas no meio escolar. A situação das edificações em função das exigências
constantes na norma técnica foram instrumentalizadas por meio de um roteiro técnico em formato de
“checklist” (perguntas simples e diretas respondidas com precisão a partir da simples visualização do
espaço construído).

Ressalte-se que, dentre o universo visitado apenas treze escolas haviam concluído as etapas previstas -
ou seja, (a) Constatação das barreiras arquitetônicas através da vistoria técnica; (b) Assinatura da TAC
(Termo de Ajustamento Técnico); (c) Adequação às regras de acessibilidade. Em função dessa
constatação, a quantidade de prováveis participantes do estudo pretendido foi reduzida para este
número.

Outro ponto fundamental para a escolha das escolas participantes foi haver alunos e/ou funcionários com
deficiência nos seus quadros, informação obtida através Censo Escolar (RN/SECD, 2004), um balanço
da situação na Região Metropolitana de Natal disponível na época da pesquisa inicial. Segundo aquele
documento, apenas em três escolas do município haviam alunos PDs regularmente matriculados, o que
se mostrou um dado extremamente preocupante, pois, de acordo com o Censo Demográfico do mesmo
período (IBGE, 2002) na área existe um grande contingente populacional com condições de mobilidade
reduzida (cerca de 14% da população total, ou seja, aproximadamente 90 mil pessoas), de modo que a
baixa inclusão escolar indicaria, por si, uma séria dificuldade no acesso dessas pessoas ao sistema
educacional.
Entre as instituições municipais vistoriadas dois estabelecimentos se mostraram especialmente
adequados à continuidade do trabalho, pois contavam com um aluno deficiente motor e um deficiente
visual, e a direção mostrou-se aberta à realização da pesquisa: a Escola Municipal Terezinha Paulino
(EMTP) e a Escola Municipal Ulisses de Góis (EMUG). Além deles se mostrarem dispostos a participar
da pesquisa, as direções das instituições também se mostraram interessadas. Ressalte-se, ainda, que as
duas instituições estão localizadas na área periférica e em setores socioeconomicamente carentes da
cidade, respectivamente no bairro Parque dos Coqueiros, Zona Norte, e no município limítrofe de São
Gonçalo do Amarante.

Etapa 3: Avaliação Técnica

Destinou-se a arrecadar os dados relativos à qualidade ambiental, extrapolando aqueles levantados na


primeira fase, constituindo-se um conjunto de critérios de desempenho do ambiente. Nas duas
instituições selecionadas, foi feito um diagnóstico detalhado, procurando observar aspectos funcionais,
condições de conforto, disposição do mobiliário, dimensões mínimas para uso do espaço e
equipamentos, uso real e a sua flexibilidade, eficiência do ambiente e orientação espacial, e, finalmente,
a comunicação visual. Tal avaliação baseou-se em referencial teórico-metodológico específico na área de
acessibilidade escolar (BINS ELY, 2004; BINS ELY, GHIZI, 2006; DISCHINGER et al, 2004), cujas
informações foram atualizadas e contextualizadas frente à realidade local. A partir de medições e
levantamento fotográfico, as atividades desenvolvidas relacionaram-se à configuração espacial existente,
a fim de identificar os pontos favoráveis ou desfavoráveis à acessibilidade (DISCHINGER, BINS-ELY,
BORGES, 2009) e orientadas pelos critérios da mobilidade, orientabilidade, legibilidade e segurança.

Etapas 4 e 5: Avaliação pelos usuários

O contato e aproximação com os usuários das escolas aconteceu por meio de passeio acompanhado e
entrevistas, utilizados como fontes de informação a respeito do uso do ambiente escolar por PDs, as
suas implicações sobre o projeto e a perspectiva do planejador compreender os elementos que poderão
facilitar a adequação do ambiente às PDs.
Para suprir a ausência de PDs com dificuldade de locomoção e de visão, não de detectados como
alunos, nessa etapa, além de trabalhar com os alunos PDs a pesquisa recorreu a participação de dois
convidados moradores do bairro. De certo modo, essa condição foi interessante para ampliar os
resultados do trabalho, pois tais pessoas não possuíam familiaridade com o ambiente e, embora, tal
motivo lhes tenha dificultado o exercício, também proporcionou uma oportunidade para a indicação de
aspectos ambientais não detectáveis por pessoas já adaptadas àquele contexto.
O Passeio Acompanhado (DISCHINGER et al, 2004; ELALI, 2004 e outros) tem por finalidade conhecer o
modo como o ambiente afeta as PDs e investigar seu comportamento diante das barreiras de
acessibilidade. Ele envolve a observação do comportamento do usuário durante a utilização do ambiente,
buscando identificar problemas referentes à acessibilidade. Na pesquisa, foram realizados passeio
acompanhado com duas pessoas com dificuldade de mobilidade (usuário de cadeira de rodas e de
muletas), com outras duas com deficiência visual (um com perda total da visão e outro deficiência visual
severa). Nesse artigo, para garantir o anonimato dos informantes, eles serão citados através de siglas.
As demais entrevistas foram realizadas com gestores e professores, em busca de informações a respeito
da qualidade do atendimento às atividades diárias das PDs, ao mesmo tempo em que se discutia as reais
condições do espaço físico, assinalando as sugestões auferidas com a finalidade de facilitar o
atendimento às necessidades daquelas pessoas.

3. RESULTADOS
Como resultado do trabalho voltado para a usabilidade do espaço pelas PDs no ambiente educacional,
constatou-se, inicialmente, um reduzido número de alunos com deficiência matriculados, assim como, a
inexistência de profissionais com deficiência exercendo função laboral naquele ambiente, o que de certo
modo contribuiu para a reduzir o campo de atuação da pesquisa.
Com relação ao resultado do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o Ministério
Publico e as escolas de Natal com o objetivo de promover a acessibilidade no meio escolar, tendo a
pesquisadora como uma de suas analistas técnicas, é bom esclarecer que, mediante o uso da avaliação
técnica, apesar das exigências do órgão com relação ao cumprimento da Lei, de um modo geral,
verificou-se pequenas mudanças na edificação. De positivo, as barreiras mais visíveis, como por
exemplo, os desníveis, foram sanados, não sendo, contudo, suficiente para considerar a edificação
acessível, uma vez que ainda persistem os problemas referentes à mobilidade, à orientabilidade e à
usabilidade. Inúmeros obstáculos no entorno da escola foram registrados, como a ausência de calçadas
e de pavimentação do logradouro, degraus presentes nas calçadas vizinhas, passeios estreitos, rampas
de veículos invadindo a faixa de circulação de pedestre, dentre outros. As inadequações nas vias
urbanas, calçadas e transportes coletivos impedem o acesso das PDs à educação.
Outras irregularidades constatadas que dizem respeito à mobilidade: o acesso à edificação que,
igualmente ao logradouro não possui pavimentação dificultando a locomoção do usuário de cadeira de
rodas, e a largura do hall de acesso ao banheiro, que não permite o cadeirante realizar o giro. Uma
questão a ser discutida relaciona-se à localização dos banheiros acessíveis na EMTP, a instituição está
edificada em terreno extenso implicando em grandes deslocamentos, o que exige demasiado esforço
físico por parte das PDs. Como não exprime a distância necessária entre estes ambientes, a norma
apresenta lacuna dificultando a aplicação correta.

Quanto à orientabilidade, as duas escolas apresentaram-se inadequadas devido à má demarcação dos


acessos, à ausência de sinalização clara e à pouca visibilidade do letreiro identificador, conforme
mostram as figuras 01 e 02. Em ambas, a ausência de sinalização soma-se à configuração espacial1 de
difícil leitura e à ausência de pavimentação nas vias de acesso direto, o que dificulta a orientação e,
consequentemente, o deslocamento no local, além de induzir deslocamentos desnecessários que, no
caso de PDs, pode significar esforços físicos adicionais e insegurança.

Figuras 01 e 02: Problemas quanto à identificação das escolas e à ausência de


pavimentação no entorno das instituições
Fonte: CALADO, 2006

1
A configuração espacial é resultante do principio de organização espacial de um ambiente, identificado a partir da forma do arranjo
físico – planta baixa em cruz, por exemplo – ou identificado pelo sistema de circulação – circulação vertical marcando eixo central
ou a localização dos pilares demarcando os eixos de circulação (Bins Ely, 2005, p. 26).
O mobiliário e os equipamentos das duas escolas, como carteira e cadeiras, bebedouro, balcão de
atendimento da cozinha e o telefone público não permitem uso universal (Figuras 03 e 04). Além disso, o
acesso entre o setor administrativo e a entrada principal é dificultado pela distancia, levando os visitantes
a realizarem longos percursos em busca de informações.

A avaliação comportamental das PDs ocorrida durante o passeio acompanhado e nas entrevistas,
comprovou que os informantes com restrições visuais mantiveram comportamento diversificado durante
a exploração do espaço: (i) na EMTP apesar do PD não haver freqüentado aquela escola, seu
conhecimento acerca dos padrões estabelecidos na NBR 9050 (ABNT, 2004) deu o respaldo necessário
para que demostrasse habilidade durante o experimento, tanto para a identificação dos ambientes como
para a detectarão do piso Tati; (ii) o outro PD, pela falta dos mesmos subsídios, mostrou-se inseguro
durante a locomoção, de modo que, mesmo sendo freqüentador daquele espaço, não conseguiu
identificar alguns locais, nem apresentou habilidade para explorar o ambiente, chegando, até mesmo a
cair quando se postou diante de um desnível, embora o local contivesse sinalização com o piso tátil de
alerta (Figuras 05 e 06).
Vale salientar que as pessoas citadas recorreram à utilização de outros sentidos como forma de se
guiarem durante a exploração ambiental, de orientar-se e locomover-se de forma segura e eficaz.

Figuras 03 e 04: Dificuldade do aluno para utilizar o bebedouro e para o alcance


manual do balcão
Fonte: CALADO, 2006

Quanto a usabilidade nas salas de aula das escolas, a disposição da mobília inviabiliza a circulação do
aluno de cadeira de rodas, o que impossibilitará, também, a um eventual professor cadeirante a ação de
prestar assistência individual ao seu alunado. A disposição do mobiliário obedece aos parâmetros do
Ministério da Educação e Cultura (MEC), em cuja especificação 50 cm de circulação, não condiz com um
ambiente inclusivo. Também as janelas pivotantes constituem um obstáculo suspenso, como ficou
constatado na EMTP quando um dos participantes, esbarrou neste equipamento, pois sua altura
inadequada imposibilita o rastreamento.
Figura 05: Explorando o piso tátil Figura 06: Obstáculo não
identificado
Fonte: CALADO, 2006
Fonte: CALADO, 2006

As mesas de informática da EMUG não possibilitam o uso por parte do UCR, pois sua largura impede a
aproximação frontal da cadeira de rodas, fato agravado, em razão daquele mobiliário destinar-se ao uso
comum de duas pessoas. Importante destacar que a utilização pelo usuário de cadeira de rodas, já é
uma tarefa difícil, logo, ter que dividir a mesma mesa com outros colegas, torna a atividade muito mais
complicada. Com relação à cadeira, fica claro que o sistema de rodízio não é adequado para pessoas
que utilizam equipamento de auxílio à locomoção como a muleta, por exemplo, (conforme mostra a
experiência de DTN), uma vez que aquela não possui padrão antropométrico impedindo de se sentar
com autonomia.
Quando confrontadas com estas evidencias as professoras mostraram-se sensíveis aos problemas das
PDs, enfatizando que estas pessoas e suas famílias enfrentavam muitos problemas, e mesmo apontando
alguns elementos do ambiente físico que poderiam ser modificados para facilitar seu acolhimento,
embora entendam que promover essas soluções estão fora de seu universo de atuação. Além disso,
algumas delas também deixaram clara a própria dificuldade em lidar com tais alunos, ressaltando a
necessidade de cursos/treinamentos específicos para que pudessem trabalhar questões básicas
relacionadas ao seu acompanhamento.
Finalmente, a entrevista com os gestores escolares pouco contribuiu para a identificação de barreiras
arquitetônicas, apesar de sua participação ter sido importante em dois sentidos: (1) permitiu detectar
barreiras atitudinais e institucionais; (2) fomentou o debate com o corpo docente no sentido de analisar o
papel da acessibilidade física no processo de inclusão escolar, uma vez que a infra-estrutura da escola
deve estar coerente com seus princípios psico-pedagógicos, espelhando o respeito às PDs, através da
manutenção de instalações aptas para recebê-las, e um ambiente atento às diferenças. De modo geral,
nota-se que parece não existir pressa por parte dos responsáveis e envolvidos com a transformação das
escolas, no sentido de promover a adequação necessária à acessibilidade espacial, o que explica porque
pouca coisa tem sido efetivamente realizada. A explicação para a falta de cumprimento das ações talvez,
encontre sentido no preconceito arraigado, ou até mesmo na grande desinformação entre as pessoas
com referência ao direito das PDs, no entanto, o maior agravante diz respeito aos recursos financeiros,
citado pela grande maioria das pessoas como dificultador do processo. Nesse sentido, embora possa
parecer ser mais uma explicação do que uma justificativa plausível, os gestores tentem a enfatizar que,
na escola pública há grande demanda de recursos em vários setores (desde a merenda escolar até
materiais didáticos e a manutenção básica das instalações), de modo que apenas uma mínima (e
insuficiente) parcela dos mesmos é direcionada para a acessibilidade do espaço.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, a Avaliação Pós Ocupação com utilização de multimétodos permitiu o acompanhamento
e a compreensão de situações concretas vivenciadas por PDs no ambiente escolar, evidenciando suas
restrições e permitindo a identificação de aspectos de uso a serem considerados na reflexão sobre a
concepção do espaço.
Nessa perspectiva, os obstáculos detectados na análise técnica foram confirmados, e mesmo ampliados,
por meio da realização do passeio acompanhado, seguido dos relatos dos informantes, o que possibilitou
uma compreensão precisa dos problemas e potencialidades das relações entre as PDs e o ambiente. A
eficácia do passeio acompanhado mostrou-se ainda maior quando se atuou com deficientes visuais, dada
a dificuldade das pessoas videntes entenderem o processo de orientação na ausência da visão.
Levando-se em conta o passado histórico recente carregado de preconceitos, cujas pessoas com
deficiência eram isoladas do convívio social, e a rapidez com a qual se processaram transformações na
sociedade, constata-se que, apesar de pequenas mudanças e alterações entre algumas práticas, o
avanço, com referencia à acessibilidade ambiental pode ser considerado um processo lento.
Para comprovar tal afirmativa, o trabalho aqui proposto, achou por bem, aproximar-se da realidade
espacial, constatando as inúmeras dificuldades enfrentadas para obter-se condições mínimas de
acessibilidade espacial. De concreto nesse contexto pode-se ressaltar:
(i) diante das dificuldades cotidianas da administração escolar, as principais questões de
acessibilidade precisam ser pensadas e resolvidas no projeto e execução da escola, não
podendo ser repassados para momentos futuros, nos quais quaisquer mudanças são muito
mais difíceis e economicamente inviáveis;
(ii) o evidente envolvimento do Ministério Publico, decidido a promover a inclusão de uma
população que se avoluma a cada dia.
Voltamos, portanto à questão que inicialmente nos propusemos a trabalhar com relação às escolas
analisadas: de que modo estes locais, cuja meta é educar de modo equânime, tem contribuído para
incluir o deficiente em seus espaços? É triste admitir, mas, concluída nossa análise a resposta parece
ser: elas estão contribuindo muito pouco; os espaços continuam inóspitos, grande parte dos professores
não sabe como atuar com relação a estes alunos, os gestores não conseguem tempo e recursos para
fazer as adaptações necessárias. Certamente essa é uma opinião negativa, embora não queiramos
parecer pessimistas. Por outro lado, já mostramos esses resultados a pessoas ligadas ao campo da
educação, e alguns disseram que talvez ele estivesse relacionado ao fato de se tratarem de escolas
simples, de periferia, de modo que em outro contexto socioeconômico a situação pode ser diferente.
Concordamos que talvez esse argumento tenha procedência, mas ao invés de resolver a questão, ele
agrava o problema, pois a acessibilidade não pode ser tratada como uma qualidade restritiva
intrinsecamente ligada ao status dos envolvidos.
Nesse sentido, nunca é demais repetir que a acessibilidade ambiental não é apenas uma urgencia para
alguns, mas sim uma questão que envolve todas as pessoas. Sendo essencial repensarmos o modo
como a enfrentamos. Não há mais por que esperar pelas decisões que venham “de cima”, nem
acomodar-se com medo de um possível aumento de trabalho. Antes de tudo, é preciso que se ouçam as
muitas vozes envolvidas nesses problemas. As vozes dos PDs e seus familiares, dos professores, dos
gestores, da comunidade, precisam se juntar e avolumar no sentido de conquistar uma escola acessível
e um ensino de qualidade, pois a ultrapassagem das inúmeras barreiras pedagógicas, arquitetônicas e
administrativas é essencial à real inclusão social desse grupo.

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇAO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a Edificações,
mobiliario, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2004.
BINS ELY, V. H. M. Acessibilidade espacial-condição necessária para o projeto de ambientes inclusivos.
In: MORAES. A. (Org.). Ergodesign do ambiente construído e habitado. Rio de Janeiro: iUsEr, 2004.
BINS ELY, V. H. M.; GHIZI, D. M. Acessibilidade e Orientabilidade no Campus da Universidade Federal
de Santa Catarina. In: 6° ERGODESIGN. Anais... São Paulo: Bauru, 2006. Disponível em: <
http://www.arq.ufsc.br/petarq/wp-content/uploads/2008/02/ergodesign-12.pdf >. Acesso em: 17 abr. 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil: Senado Federal,
2005.
CALADO, G. C. Acessibilidade no ambiente escolar: reflexões com base no estudo de duas escolas
municipais de Natal-RN. Dissertaçao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de pós-
graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.
CAMBIAGHI, S. Desenho Universal – métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. São Paulo:
SENAC, 2007.
DISCHINGER, M.; BINS-ELY, V.; MACHADO, R.; SILVA, R.; PADARATZ, R.; ANTONINI, C.; SOUZA, T.;
DAUFENBACH, K. Desenho universal nas escolas: acessibilidade na rede municipal de ensino de
Florianópolis. Florianópolis: PRELO, 2004.
DISCHINGER, M.; BINS-ELY, V.; BORGES, M. Manual de acessibilidade espacial para escolas: o
direito à escola acessível. Brasília: Ministério da Educação / Secretaria de Educação Especial, 2009.
ELALI, G. A. Um sistema para avaliação da acessibilidade em edificações do Campus Central da UFRN..
In: SEMINÁRIO ACESSIBILIDADE NO COTIDIANO. Anais .... Rio de Janeiro: PROARQ, 2004.
GUNTHER, H.; ELALI, G. A.; PINHEIRO, J. Q. A abordagem multimétodos nas relações pessoa-
ambiente: características, definições, aplicações. In: PINHEIRO, J. Q.; GUNTHER, H. (Orgs.). Metodos
e técnicas nos estudos pessoa-ambiente. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. Pp. 369-396.
GUNTHER, H.; ELALI, G. A.; PINHEIRO, J. Q. Multimétodos. In: CAVALCANTE, S.; ELALI, G. A. (Orgs.).
Temas básicos em Psicologia Ambiental. Petropolis: Vozes, 2011. Pp. 239-249.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Tabulação avançada do Censo
demográfico 2000: Resultado preliminar da amostra. Rio de Janeiro, 2002.
ORNSTEIN, S. W.; ROMERO, M. Avaliação pós-ocupação do ambiente construído. São Paulo:
Studio Nobel: Editora da Universidade de São Paulo, 1992.
PRADO, A. A. R.; LOPES, M. E.; ORNSTEIN, S. W. (Org.). Desenho Universal: caminhos da
acessibilidade no Brasil. São Paulo: AnnaBlume, 2010.
PREISER, W.; VISCHER, J.; WHITE, E. (Org.). Design Intervention - Toward a more human
architecture. New York: Van Nostrand Reinhold, 1991.
PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL. Lei 4090, de 03/06/1992. Natal, RN: Diário Oficial, 1992.
RIO GRANDE DO NORTE / SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DA CULTURA E DOS DESPORTOS. Censo
Escolar 2004. Natal, 2004.
RHEINGANTZ, P. A.; AZEVEDO, G. A.; BRASILEIRO, A.; ALCANTARA, D. de; QUEIROZ, M..
Observando a qualidade do lugar: procedimentos para a avaliação pós-ocupação. Rio de Janeiro:
PROARQ, 2009.
SOMMER, B.; SOMMER, R. A practical guide to behavioral research: tools and techniques. New York:
Oxford, 2002.
SOUZA JUNIOR, R. A. de. Avaliaçao da politica publica de acessibilidade no período de 1992 a
2002 na cidade do Natal. Dissertaçao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de pós-
graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.

You might also like