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Collenia itapevensis, o primeiro fóssil pré-


cambriano brasileiro e sua importância no
estudo de estromatólitos no Brasil

Chapter · January 2004

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Cap XI

COLLENIA ITAPEVENSIS, O PRIMEIRO FÓSSIL PRÉ-CAMBRIANO BRASILEIRO E SUA


IMPORTÂNCIA NO ESTUDO DE ESTROMATÓLITOS NO BRASIL

Thomas Rich Fairchild


Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do IG-USP
trfairch@hotmail.com

William Sallun Filho


Programa de Geoquímica e Geotectônica do IG-USP
wsallun@usp.br

Resumo:
O estudo de estromatólitos no Brasil iniciou-se em 1944
com a descrição feita por F.F.M. de Almeida de Collenia itapeven-
sis, ao sul de Itapeva, SP, o et al fóssil de idade comprovada-
mente pré-cambriana encontrado na América Latina.
Estromatólitos são depósitos microbianos bênticos laminados,
litificados ou não. Embora a utilização de estromatólitos na
correlação intercontinental de terrenos pré-cambrianos tenha
perdido credibilidade, seu emprego na análise de bacias tem
sido amplamente aproveitado para correlações dentro de uma
mesma bacia e na caracterização de fácies, ambientes de
deposição, paleocorrentes, paleogeografia e mudanças no
nível do mar.
Em 1944, Almeida intimou que novas ocorrências de
estromatólitos seriam descobertas no Brasil, o que de fato aconte-
ceu em ampla escala geográfica e cronológica, embora pau-
latinamente. Nas décadas de 1950 e 60, Almeida registrou
novas ocorrências de estromatólitos no Proterozóico de SP,
PR, MS e MT, bem como os primeiros estromatólitos em
rochas fanerozóicas brasileiras em MT. Outros pesquisadores,
principalmente a partir de 1970, ampliaram o conhecimento
de estromatólitos no Pré-Cambriano e Fanerozóico do Brasil.
Desde 1944, diversos conceitos estratigráficos, biológi-
cos e paleontológicos referentes a estromatólitos evoluíram,
de modo que, atualmente é possível desmembrar a Collenia
itapevensis, como descrita em 1944, em pelo menos duas for-
mas distintas de estromatólitos colunares, uma das quais pare-
cida com Conophyton garganicum, de distribuição geológica
do Mesoproterozóica a Neoproterozóico inferior. Apesar
disso, o trabalho de 60 anos atrás de Almeida permanece
informativo e útil devido à riqueza e clareza das observações
e argumentos, sempre precisos, detalhados e inseridos dentro
de um contexto geológico amplo. Os trabalhos de F.F.M. de
Almeida enfocando estromatólitos são emblemáticos da quali-
dade de toda a produção científica dele, independentemente
do assunto tratado.

Palavras-chave:
Estromatólitos, Conophyton, Grupo Itaiacoca, Proterozóico,
Fósseis Pré-Cambrianos, Brasil.

Abstract:
The study of stromatolites in Brazil began in 1944 with
F.F.M. de Almeida´s description of Collenia itapevensis, south
of Itapeva, SP, the first fossil of proven Precambrian age dis -
covered in Latin América. Stromatolites are laminated benthic
microbial deposits, which may be lithified or not. Although
their use in intercontinental correlation of Precambrian ter-
rains has lost credibility, their utility in basin analysis has
been widely demonstrated for correlation within a basin and
for characterizing facies, depositional environments, pale-
ocurrents, paleogeography, and sea level changes.
In 1944, Almeida suggested that new occurrences of
stromatolites would be discovered in Brazil, which in fact did Introdução
occur on a broad geographic and temporal scale, although
rather slowly. In the 1950´s and 60´s, Almeida described new Fernando Flávio Marques de Almeida, como em tantos
Proterozoic stromatolite sites in the states of SP, PR, MS, and outros aspectos da geologia brasileira, foi pioneiro também
MT, as well as the first Phanerozoic stromatolites in Brazil in no reconhecimento e estudo de fósseis pré-cambrianos
MT. Since 1970, other researchers have considerably aug- brasileiros. Ao identificar estromatólitos em metacalcários ao
mented our knowledge of Precambrian and Phanerozoic stroma- sul de Itapeva, SP, designando-os de Collenia itapevensis, Almeida
tolites in Brazil. (1944) registrou, pela primeira vez na América Latina, essa
Since 1944, many stratigraphical, biological and pale- categoria de fóssil, interpretando corretamente sua origem
ontological concepts have evolved, such that it is now possi- microbiana e seu significado paleoambiental e reconhecendo,
ble to recognize in Collenia itapevensis, as described in 1944, ainda, sua idade pré-cambriana. Collenia Itapevensis foi, por-
at least two distinct forms of columnar stromatolites, one of tanto, o primeiro fóssil pré-cambriano descoberto no Brasil.
which is quite similar to Conophyton garganicum, with a Nessa época, estromatólitos não eram muito conheci-
known range from Mesoproterozoic to early Neoproterozoic. dos mundialmente. Para se ter uma idéia, foram publicados
Even so, Almeida´s publication from sixty years ago contin- em toda a década de 1940 apenas 11 trabalhos contendo a
ues to be an informative and useful document owing to the palavra “estromatólito” no título (Riding, 1999). Que a ver-
richness and clarity of its observations and arguments, which dade seja dita: o trabalho de Almeida não consta dessa lista,
are always detailed, precise, and inserted within an ample pois a palavra “estromatólito” não aparece nem no título nem
geological context. The papers from F.F.M. de Almeida on no texto. No entanto, isso ilustra o estado incipiente do estu-
stromatolites are emblematic of the quality of all his scientif- do de estromatólitos em 1944 e demonstra, mais uma vez, o
ic publications, regardless of their content. caráter presciente da produção científica do Professor Almeida.
Esse trabalho de 60 anos atrás permanece informativo
Keywords: e útil para o geólogo moderno devido à clareza do texto e às
Stromatolites, Conophyton, Itaiacoca Group, Proterozoic, observações cuidadosas e detalhadas ali registradas, outra
Precambrian fossils, Brazil. característica dos trabalhos do Professor Almeida. Diversos
conceitos estratigráficos, biológicos e paleontológicos
Resumen: evoluíram, mas os dados básicos e argumentos apresentados
El estudio de los estromatolitos en el Brasil se inició en permanecem claros e corretos, mesmo após tanto tempo. Por
1944 con la descripción hecha por F.M.M. de Almeida de exemplo, Almeida refere aos estromatólitos como “estruturas
Collenia itapevensis, al sur de Itapeva, SP, el primer fósil de organógenas” (= biogênicas) (p.89), compostas de “colônias
edad comprobadamente precámbrica encontrado en América cilíndricas” (= colunas) (p. 99) com “estrutura interna consti-
Latina. Estromatolitos son depósitos microbianos bénticos tuída por lâminas descontínuas[sic] com espessura milimétri-
laminados, litificados o no. Aunque la utilización de estroma- ca ou sub-milimétrica, concêntricas, com concavidade volta-
tolitos en la correlación intercontinental de terrenos precám- da para baixo” (p.100). Menciona e ilustra a alternação de
bricos haya perdido credibilidad, su empleo en análisis de lâminas internas claras e escuras. Descreve, em detalhe, a dis-
cuenca ha sido ampliamente aprovechado para correlaciones tribuição regional das estruturas, a morfologia das “colônias”
dentro de una misma cuenca y en la caracterización de fácies, e a petrografia dos dolomitos fossilíferos e interpreta seu
ambiente deposicional, paleocorrientes, paleogeografías y modo de ocorrência como “recifes de grandes dimensões
cambios en el nivel del mar. horizontais e verticais” (p. 100), formados em águas límpidas
En 1944, Almeida intimó que nuevas ocurrencias de e quentes. Cita os principais trabalhos sobre estromatólitos
estromatolitos serian descubiertas en el Brasil, lo que de disponíveis na época para fundamentar a identificação das
hecho ocurrió en grande escala geográfica y cronológica, estruturas como fósseis, inferir uma idade proterozóica para
aunque paulatinamente. En las décadas 1950 y 60, Almeida os dolomitos fossilíferos e classificá-las taxonomicamente.
registró nuevas ocurrencias de estromatolitos del Proterozoico en Atribui, corretamente, a formação das “colônias” à ação de
SP, PR, MS y MT, así como los primeros estromatolitos en “certas algas Cyanophyceae” (p. 98), que teriam causado a
rocas fanerozoicas brasileñas en MT. Otros investigadores, precipitação uniforme de carbonato em torno do local que
principalmente a partir de 1970, ampliaron el conocimiento ocupavam. Conclui que “estes fósseis não têm outro interesse
de estromatolitos del Precámbrico y Fanerozoico en el Brasil. estratigráfico senão para correlações locais, constituindo,
Desde 1944, diversos conceptos estratigráficos, porém, um importante indício da vida [proterozóica] e fornecen-
biológicos y paleontológicos referentes a estromatolitos do-nos uma idéia sobre o ambiente em que ela se desen-
evolucionaron, de modo que, actualmente es posible desmem- volveu” (p. 101). Finaliza seu trabalho afirmando que outros
brar a Collenia itapevensis, como descripta en 1944, por lo depósitos semelhantes devem ser muito mais abundantes e de
menos en dos formas distintas de estromatolitos columnares, muito maior distribuição geográfica que a até então verifica-
una de las cuales parecidas con Conophyton garganicum, de da, previsão esta que veio a ser confirmada somente na déca-
distribución geológica del Proterozoico medio a Neoproterozoico da de 1970.
inferior. A pesar de esto, el trabajo de Almeida de 60 años Alguns conceitos mudaram desde a publicação deste
atrás permanece informativo y útil, debido a la riqueza y trabalho e precisam ser esclarecidos para o máximo proveito
claridad de las observaciones y argumentaciones, siempre do texto de Almeida (1944). A sucessão estudada, atribuída
precisas, detalladas e inseridas dentro de un contexto naquela ocasião à “Série Assungui”, hoje em dia faz parte do
geológico amplio. Los trabajos de F.M.M. Almeida sobre Grupo Itaiacoca, nome este proposto, como formação, em
estromatolitos son emblemáticos de calidad científica con 1957 pelo próprio Almeida para designar a estreita faixa de
todas las publicaciones hechas por él, independientemente metassedimentos com carbonatos estromatolíticos que
del asunto tratado. estende desde a região de Itapeva, SP, até Castro, a SW, no
Paraná. Na biologia, o conceito de “cianofíceas” como algas
Palabras llave: mudou radicalmente quando estudos da microscopia eletrôni-
Conophyton, Grupo Itaiacoca, Proterozoico, Fósiles ca demonstraram sua ultraestrutura claramente bacteriana (pro-
Precámbricos, Brasil. cariótica) e não algácea (eucariótica). Se, por isso, são mais
conhecidas atualmente como cianobactérias, deve-se salientar

178
Cap XI 179

que ainda não se extirpou, do meio geológico, a idéia errônea Hofmann, 1973).
de que os estromatólitos representariam “algas calcárias” (ver Sabemos agora que estromatólitos são estruturas
discussão abaixo). A maior mudança conceitual diz respeito à biossedimentares produzidas por uma mescla de processos
sofisticação da terminologia morfológica aplicada aos sedimentológicos e biológicos, resultantes da interação de
estromatólitos, que permitiu a caracterização de centenas de comunidades microbianas bentônicas (principalmente de
morfotipos de estromatólitos, enquanto o número de formas cianobactérias e bactérias) com o meio em que vivem
descritas em 1944 talvez não passasse de duas dezenas. Por (Hofmann, 1969; Walter, 1976; Burne & Moore, 1987). Sua
esse motivo, Fairchild (1977) pôde diferenciar pelo menos laminação se deve ao acúmulo de sucessivas lâminas del-
duas formas distintas onde Almeida, com base na reduzida gadas de sedimento ou/e matéria orgânica através da precipi-
literatura disponível para a época, tinha distinguido uma, a tação, aprisionamento ou/e aglutinação de sedimento em con-
Collenia Itapevensis. seqüência das atividades metabólicas (fotossíntese, decom-
Neste capítulo, esclareceremos a natureza e utilidade posição) e padrões de crescimento dos microorganismos pre-
dos estromatólitos e resumiremos a história do estudo dos sentes no diversificado ecossistema que caracteriza os
estromatólitos ao sul de Itapeva, terminando com um breve estromatólitos.
histórico do estudo de estromatólitos no Brasil e comentários Estromatólitos interessam, portanto, tanto paleontólo-
sobre a contribuição de F.F.M. de Almeida a mais esse campo gos como sedimentólogos (Hofmann, 1973). As formas anti-
da geologia. gas são fósseis porque se tratam de evidências de atividades
biológicas pretéritas. Mas não são fósseis no sentido mais
Estromatólitos: Conceitos gerais comum desse termo pois, ao contrário dos invertebrados fós-
seis, por exemplo, não representam os restos de indivíduos de
Embora a primeira descrição de estromatólitos date do uma espécie biológica qualquer. Representam, sim, os vestígios
início do século XIX (Steel, 1825) e especulações quanto ao das atividades de uma diversificada comunidade microbiana
seu caráter biológico surgissem nas últimas décadas desse poliespecífica, que raramente é preservada nos estroma-
século e primeiras décadas do século XX, sua origem micro- tólitos. São, portanto, evidências indiretas da vida pretérita,
biana só foi corroborada por Black em 1933 ao estudar como os icnofósseis. Seriam mais análogos, por exemplo, a
estromatólitos modernos nas Bahamas (Hofmann,1973; uma parede romana antiga do que aos restos mortais de Júlio
Riding, 1999). César.
O termo estromatólito foi empregado pela primeira vez Dessa forma, é errado referir-se a estromatólitos como
em 1908 por Kalkowsky, mas até hoje ainda se debate o que “algas fósseis” (ou “algas calcárias”), mesmo que Black em
Kalkowsky queria dizer por esse termo e qual a natureza ver- 1933 tenha utilizado esse termo no estudo que demonstrou a
dadeira de um estromatólito. Na análise mais recente desse origem microbiana de estromatólitos modernos nas Bahamas.
problema, Riding (1999) afirma que, na concepção de Podemos perdoar essa prática nos trabalhos mais antigos, pois
Kalkowsy, estromatólitos seriam estruturas laminadas e de até o início da década de 1970 ainda se consideravam os prin-
origem microbiana. Após Kalkowsky, o termo foi aplicado cipais microrganismos responsáveis pela formação de
também a depósitos microbianos não-laminados (trombólitos, estromatólitos como cianofíceas, ou “algas azuis”. Mas de lá
por exemplo) e, por outro lado, a rochas finamente laminadas para cá, não se justifica mais, pois, o caráter procariótico
mas não microbianas (como espeleotemas e outras incrus- (bacteriano) desses microrganismos foi amplamente demons-
tações minerálicas; vide Thrailkill, 1976; Semikhatov et al., trado, justificando seu nome atual de cianobactérias.
1979; Krumbein, 1983). Para contornar essa situação, Riding Estromatólitos são encontrados em quase todas as
(1991; 1999 p.328) opta por uma definição genética e não unidades carbonáticas proterozóicas, mas também foram
meramente descritiva, apoiado pelo fato do termo ter sido registrados em fosforitos, formações bandadas de ferro e,
usado na literatura quase que exclusivamente nesse sentido raramente, em arenitos (Walter et al., 1992). Para entender
nos últimos cinqüenta anos: um estromatólito é um depósito sua gênese, seus correspondentes atuais têm sido estudado
microbiano bêntico laminado. Essa definição permite que embora se reconheça que, em alguns sítios modernos, é con-
tanto os depósitos modernos com essas características, mas siderável a influência de microrganismos eucarióticos, orga-
ainda não consolidados, como os antigos já litificados, sejam nismos pouco evidentes em estromatólitos pré-cambrianos
chamados de estromatólitos. Juntamente com outros objetos (Walter, 1994). Os estromatólitos se formam por três proces-
externamente semelhantes, mas não-laminados, por exemplo sos, nem sempre exclusivos, relacionados principalmente às
os trombólitos (Riding, 1991; Shapiro, 2000), os estroma- atividades metabólicas e de crescimento de microrganismos
tólitos fazem parte de uma categoria maior, os microbialitos fotossintetizantes, sobretudo cianobactérias filamentosas ou/e
(Burne & Moore, 1987). cocoidais, reunidos em lâminas coesas submilimétricas a
Apenas a partir da década de 1950 é que o estudo dos milimétricas compostas de matéria orgânica e grãos finos
estromatólitos começou a se desenvolver mais intensamente, (“esteiras microbianas”), coladas ao substrato pela mucilagem
inicialmente na antiga União Soviética por geólogos interes- copiosamente produzida pelas cianobactérias (Golubic,
sados na utilização estratigráfica desses objetos para correla- 1976a; 1976b). Em alguns casos, a fotossíntese induz a pre-
cionar e datar os imensos terrenos pré-cambrianos daquele cipitação de carbonato, iniciando um processo precoce de liti-
país. Fora do antigo bloco soviético, novos estímulos para o ficação da estrutura. Alternativamente, e talvez mais freqüen-
estudo de estromatólitos surgiram no início da década de temente, a precipitação ocorre mais afastada da superfície
1960, a) com a descoberta da extensa ocorrência de estroma- fotossintetizante do estromatólito inorgânicamente ou na
tólitos modernos em Shark Bay, Austrália (Logan, 1961; zona de decomposição, sob a influência de bactérias herte-
Logan et al., 1964); b) com o interesse despertado pelos rotróficas (Burne & Moore, 1987). As lâminas podem se agregar
estromatólitos como, potencialmente, os fósseis mais antigos também em função da pegajosidade da mucilagem secretada
do planeta (Winter, 1963); e c) com a intensificação da corri- pelas cianobactérias, o que resulta na aglutinação de
da espacial, e a possibilidade de vida fora da Terra asseme- pequenos grãos na superfície das esteiras e crescimento da
lhar-se aos fósseis da vida terrestre primitiva, os estroma- estrutura. Por fim, as cianobactérias filamentosas em
tólitos (Cloud, 1983). Porém, para os geólogos, com os pés estromatólitos exibem certa motilidade e crescimento
mais no chão, interessava mais a utilidade sedimentológica e heliotrópico que permitem seu movimento em direção à luz
paleogeográfica dessas estruturas (Logan et al., 1964; quando cobertas por uma capa finíssima de grãos translúcidos
Fig.1: Influência relativa de
fatores biológicos e ambientais
na formação e morfologia de
estromatólitos (Trompette,
1982)

- Relative influence of biological


and environmental factors in
the formation and morphology
of stromatolites (Trompette,
1982)

do tamanho de silte ou
areia fina, o que pode
resultar no aprisionamento
desses grãos pelo emara-
nhado dos filamentos.
Estromatólitos se for-
mam somente onde as
condições físicas, químicas e
biológicas permitem. Precisa
haver uma população de
microrganismos bentônicos (por
exemplo, cianobactérias) capazes de
colonizar um substrato subaquático com
nutrientes e fonte de energia (por exemplo, luz solar) adequa- camente definidos por características macroestruturais (mor-
dos. Os organismos que constroem estromatólitos atualmente fologia colunar, ramificação, etc.), e formas (equivalente à
formam comunidades complexas que incluem grande varie- espécie), estas de acordo com as feições meso e microestru-
dade de cianobactérias, outras bactérias fotossintetizantes, turais (detalhes da laminação) (Fig.1) (Krylov, 1976;
bactérias heterotróficas e até microalgas e algas eucarióticas Semikhatov, 1976; Trompette, 1982). Táxons acima do nível
(Golubic, 1976b). Para entrar para o registro geológico, pre- de grupo (Srivastava, 2000) podem ser convenientes para
cisam existir, também, condições que favoreça a preservação agrupar morfótipos semelhantes mas carecem de qualquer
da estrutura laminada, como a precipitação de carbonato ou justificativa filogenética.
outro mineral, ou/e o suprimento de grãos finos que possam Sem nenhum controle genético sobre a morfologia dos
ser aglutinados ou aprisionados (Hofmann, 1973). Por outro estromatólitos, há muita variedade morfológica dentro de um
lado, sedimentos clásticos em demasia podem soterrar os mesmo táxon; e sem nenhuma hierarquia filogenética para
estromatólitos ou, durante o transporte, erodi-los pelo atrito. ordenar as feições utilizadas na caracterização de estroma-
Por essas razões, estromatólitos são raros em arenitos e tólitos, a própria interpretação da diagnose de muitos táxons
comuns em carbonatos. torna-se, comumente, muito subjetiva, mesmo para especial-
Assim, o desenvolvimento e a morfologia dos estroma- istas. Tentativas de quantificar a descrição de estromatólitos
tólitos estão condicionados a um balanço de fatores ambientais têm sido propostas, principalmente por Hans Hofmann et al.,
e biológicos. Costuma-se dizer que os fatores ambientais Hofmann, 1994), mas pouco aproveitados pela comunidade
influem, fortemente, a morfologia do estromatólito em escala geológica. Dessa forma, a classificação taxonômica de estroma-
centimétrica ou maior (macroestrutura), ou seja, o formato tólitos é pouco vista na literatura recente. Mais valem
básico e simetria da estrutura. Esses fatores incluem agitação descrições informais bem feitas (Fairchild & Rodrigues,
da água, correntes, profundidade, tipo e topografia do substra- 2001) do que a obsessão de identificar os estromatólitos de
to, luminosidade, salinidade, temperatura, exposição sub- acordo com a precária nomenclatura formal atual.
aérea, entre outros. Os fatores biológicos exercem mais Como dito acima, os estromatólitos interessam também
influência em escala milimétrica a submilimétrica (meso e aos sedimentólogos e geólogos de campo por causa da óbvia
microestrutura), principalmente na laminação. Esses fatores influência dos fatores ambientais na macroestrutura estroma-
incluem composição taxonômica da microbiota, hábito e taxa tolítica, como observada em estromatólitos modernos e inferi-
de crescimento dos microorganismos, quantidade e tipo de da a partir do contexto sedimentológico de exemplares anti-
mucilagem produzida, decomposição e bioerosão por outros gos. Três casos ilustrarão esse ponto. Um dos estudos mais
organismos, etc. (Walter, 1977). esclarecedores foi realizado por Hoffman (1976) que analisou
Já no século XIX, os paleontólogos começaram a designar os estromatólitos recentes numa baía rasa e hipersalina em
os estromatólitos por nomes binomiais, seguindo a prática Shark Bay (Austrália), demonstrando que lá:
rotineiramente aplicada a outros fósseis para sistematizar seu - Estromatólitos estratiformes ocorrem onde a abrasão,
estudo e facilitar comunicação. O auge dessa prática ocorreu provocada pela movimentação de sedimento do fundo pela
entre 1960 e 1990, visando, especialmente, o uso de estroma- água (ondas, maré), é fraca.
tólitos em tentativas de correlação e datação de sucessões pré- - Formas colunares discretas ocorrem onde a abrasão,
cambrianas. Mas, ao contrário de trilobites e ossos fósseis, provocada pela agitação da água (ondas, maré), é forte.
um estromatólito representa o resultado das atividades de - O relevo das colunas é proporcional à intensidade da
uma comunidade microbiana, não parte do corpo de um ação das ondas.
organismo. Portanto, a nomenclatura taxonômica dos - O desenvolvimento assimétrico (alongado) de estroma-
estromatólitos é uma parataxonomia binomial de conveniên- tólitos ocorre paralelo à direção, geralmente perpendicular à
cia que distingue grupos (táxon equivalente ao gênero), tipi-

180
Cap XI 181

Fig.2: Interpretação paleoambiental a


partir de tipos distintos de estroma-
tólitos e estruturas sedimentares asso-
ciadas no Grupo Dismal Lakes
(Mesoproterozóico), Canadá
(Donaldson, 1976)

- Paleoenvironmental interpretation
based on distinct types of stromatolites
and associated sedimentary structures
in the Dismal Lakes Group
(Mesoproterozoic), Canada
(Donaldson, 1976)

madoras de estromatólitos. Isso talvez


explique também o relativo sucesso inicial das
correlações soviéticas.
Se por um lado a “bioestratigrafia” inter-
continental baseada em estromatólitos tenha per-
dido credibilidade, por outro lado, a utilidade de
linha de costa, de correntes relativamente constantes que estromatólitos na análise de bacias tem sido comprovada, par-
fornecem sedimento aos estromatólitos. ticularmente, na correlação estratigráfica dentro de uma
Donaldson (1976) estudou o contexto sedimentológico mesma bacia (aplicação já anotada por Almeida em 1944)
de estromatólitos morfologicamente diversos do Grupo (Bertrand-Sarfati & Trompette, 1976) e na caracterização de
Dismal Lakes (Mesoproterozóico), do Canadá, com especial ambientes de deposição (Preiss, 1973; Hoffman, 1974;
atenção às outras estruturas sedimentares primárias asso- Altermann & Herbig, 1991), associações de fácies (Fairchild
ciadas, como resumido na Fig.2. Nesta figura, é confrontada & Herrington, 1989), paleocorrentes (Hoffman, 1967), paleo-
a morfologia macroscópica dos estromatólitos com diferentes geografia (Trompette & Boudzoumou, 1981) e até mudanças
graus de turbulência, profundidade e movimento da água; eustáticas no nível do mar (Bertrand-Sarfati & Moussine-
exposição sub-aérea e outros fatores físico-químicos, que, no Pouchkine, 1985; Bertrand-Sarfati et al., 1991).
conjunto, permitiram inferir o ambiente de formação das diferentes Temporalmente, os estromatólitos ocorrem desde o
morfologias. Arqueano (Walter, 1994), onde seu registro é parco e restrito
Por fim, Grotzinger (1989) registrou, em escala mais em grande parte ao final do eon, entre 3,0 e 2,5 bilhões de
ampla, a variação morfológica de estromatólitos em ambiente anos atrás (Ga). Lowe (1994) até questionou a biogenicidade
de rampa, um contexto característico de muitas sucessões car- dos estromatólitos mais antigos que 3,2 Ga, mas a descoberta
bonáticas do Proterozóico (Fig. 3). Com base nos trabalhos de mais recente de estromatólitos coniformes e pseudo-co-
Hoffman (1976), Donaldson (1976), Donaldson & Taylor lunares no Grupo Warrawoona (Austrália) com 3,45 Ga
(1972) e outros, os estromatólitos cônicos estão localizados em (Hofmann et al.,1999) reafirma a importância de estroma-
águas profundas e os estratiformes (esteiras microbianas) e tólitos como uma das evidências mais antigas de vida no pla-
ramificados em águas mais rasas. É bom notar aqui que os neta.
três exemplos citados servem para orientar as interpretações No Proterozóico os estromatólitos apresentaram sua
do geólogo de campo, mas nunca sem fazer observações maior abundância e diversidade. Seu declínio no Neoproterozóico
cuidadosas próprias ou aplicar o bom senso. (Walter et al., 1992) foi interpretado por Awramik (1971)
Outra aplicação interessante dos estromatólitos foi como reflexo do aparecimento dos metazoários. Mas é mais
desenvolvida inicialmente na antiga União Soviética onde se provável que o fenômeno tenha resultado de uma conjunção
verificou em diversas províncias geotectônicas meso e neo- de diversos fatores, em adição a esse, como, por exemplo, a
proterozóicas que diferentes associações de estromatólitos competição por espaço com as algas eucarióticas
morfologicamente distintos sucederam-se na mesma ordem. macroscópicas, em expansão nessa época, e fatores
O reconhecimento dessas associações em outras regiões per- ambientais, como mudanças climáticas (Walter et al., 1992).
mitia uma certa correlação e datação relativa. Através da Os estromatólitos estiveram presentes em todos os
geocronologia radiométrica, estabeleceu-se que os intervalos períodos do Fanerozóico, e foram importantes nos mares do
de tempo assim determinados eram muito amplos, da ordem Cambriano e Ordoviciano antes da grande expansão evoluti-
de 150 a 350 milhões de anos (Ma) (Semikhatov, 1976). va de organismos conchíferos. Depois disso, só puderam pro-
Tentativas de correlação intercontinental foram realizadas na liferar em ambientes de alto estresse ambiental (salinidade,
África (Bertrand-Sarfati, 1972) e na Austrália (Preiss, 1973; temperatura, exposição aérea, pH alto), hostis aos organismos
1976; Walter, 1972) com certo êxito na década de 1970. Mas conchíferos e algas.
depois disso, sua aplicação em outras áreas ficou complicada
pelo aumento inflacionário de novos táxons e os problemas Os estromatólitos do Grupo Itaiacoca: estudos após 1944
inerentes à caracterização desses táxons, como discutido
acima; e principalmente com a percepção da forte influência A primeira descrição de fósseis pré-cambrianos no
ambiental sobre a macroestrutura dos estromatólitos, o pilar Brasil e na América do Sul foi feita por Almeida (1944) que
fundamental na caracterização taxonômica da maioria dos identificou estromatólitos em dolomitos da “Série Assunguí”,
“grupos” estromatóliticos. que denominava de Collenia itapevensis. O holótipo e os paráti-
Contudo, segundo Walter (1994), certos padrões são pos dos estromatólitos descritos por Almeida (1944) encon-
reconhecíveis no registro dos estromatólitos desde o tram-se nas coleções do DNPM (Fig.6C), do Instituto
Arqueano até hoje e talvez reflitam mudanças ecológicas Geológico de São Paulo (Fig.6A) e do Instituto de Geociências da
complexas entre os microrganismos nas comunidades for- Universidade de São Paulo (Fig. 6B).
Fig.3:
Variação morfológica
de estromatólitos em
ambiente de rampa,
segundo Grotzinger
(1989)

- Morphological varia-
tion of stromatolites in a
slope setting, after
Grotzinger (1989)

Em seu trabalho de 1944, Almeida destacou três ocor- origem das formas do outro lado do batólito de Três Córregos,
rências dentre mais de trinta pedreiras fossíliferas na região 50-60 km a SE da faixa Itaiacoca, descritas por eles e outros
ao sul de Itapeva (SP). Na re-investigação desses estroma- na Formação Capiru do Grupo Açungui (Bigarella &
tólitos feitas por Fairchild (1977) e mais recentemente por Salamuni, 1956; 1959, Salamuni & Bigarella, 1967) (Fig.4,
Sallun Filho (1999), somente parte dessas localidades pude- pontos 18-19).
ram ser relocalizadas. Apenas uma das pedreiras daquela Fairchild (1977) reestudou os estromatólitos na região
época continua em atividade, a de Lavrinhas na rodovia ao sul de Itapeva, nas localidades descritas por Almeida em
Itapeva-Ribeirão Branco. As outras foram esgotadas ou 1944 (Fig.4, pontos 2, 3 e 4) e reconheceu em Collenia
desativadas e tomadas pela vegetação, encontrando-se em itapevensis pelo menos duas formas distintas de estroma-
péssimo estado de conservação. tólitos colunares. O próprio Almeida, em sua descrição origi-
A localidade mais importante de Almeida (local. n° 1), nal, já citara e ilustrara ampla variedade morfológica de
situada “a 3 quilômetros no rumo 35ºSW da vila Campina dos Collenia itapevensis, desde formas dômicas a cônicas. Por
Veados”, atual Nova Campina, onde Almeida (1944) obser- exemplo, nas “secções longitudinais [de parte do material]
vou as estruturas melhor preservadas em dolomito na região, observam-se desenhos alongados.... em forma de cone com
(Fig. 4, ponto 5, UTM 711021/7327835), foi relocalizada, mas ápice arredondado” (Almeida, 1944 p. 96), o que é clara-
pouco resta do afloramento (Fig. 5E). Mesmo assim, o obser- mente evidente em alguns dos blocos na Estampa III, Fig.1 de
vador atento ainda consegue identificar os contornos de seu trabalho. Nessas formas cônicas, Fairchild identificou
estromatólitos colunares parecidos com os das Fig.. 6A, B, D, características típicas do grupo Conophyton, com maior
E, e, com sorte, pelo menos uma outra forma. semelhança à forma Conophyton garganicum, conhecida do
Atualmente, a melhor exposição de estromatólitos em Neoproterozóico inferior e Mesoproterozóico mundialmente
calcários dolomíticos na região é da segunda ocorrência de (Fig.6F, G, H, I, J).
Almeida (1944) - os “sítios Boa Vista e Lavrinhas”, em uma A outra forma, ramificada, de contorno transversal
pedreira abandonada junto à imensa cava ativa de Lavrinhas alongado, laminação até muito convexa e paredes lisas é igual
(Fig.4, ponto 2, UTM 722568/7333029). Nesse local Fairchild ao único exemplar de Collenia Itapevensis que Almeida
(1977) encontrou Conophyton (Fig.6F, H, I) juntamente com fotografou em detalhe (1944), aqui reproduzida na Fig.6D.
formas não cônicas (Fig.5E = Forma 2 de Sallun Filho, 1999). Chama atenção nessa forma a proximidade das colunas, a
A terceira ocorrência descrita por Almeida (1944), ausência de conexões laterais (pontes) e as margens lisas,
“junto à confluência do córrego da Onça com o córrego comumente destacadas por uma fina zona escura (Fig.6A, B,
Fundo ... a cerca de 3 quilômetros a NNE do sítio Boa Vista”, D, E).
não foi localizada nem por Fairchild (1977) nem por Sallun Fairchild (1977) também comparou os estromatólitos
Filho (1999). das formações Itaiacoca e Capiru, sugerindo, face às dife-
É a pedreira de Indumine, que explora calcários calcíti- renças constatadas na morfologia e no modo de ocorrência, a
cos (Fig.4, ponto 4, UTM 717495/7329470), que atualmente possibilidade das principais unidades estromatolíticas da
apresenta as melhores exposições de estromatólitos em toda a Faixa Ribeira terem histórias geológicas distintas.
região (Fig.5A, B, C, D e 6G). Evidentemente, foi aberta Mais tarde Fairchild & Theodorovicz (1989) esten-
muito depois de 1944 e não chegou ao conhecimento de deram a ocorrência de estromatólitos coniformes na região ao
Almeida. sul de Itapeva, até a Fazenda Santo Antônio (Fig.4, ponto 1;
Como previsto por Almeida em 1944, surgiram novas Fig.5F, G, H; UTM 728933/7337041), no limite NE do Grupo
descobertas e usos de estromatólitos no Brasil após a identifi- Itaiacoca, seis a sete quilômetros a nordeste da localidade
cação inicial (Bigarella & Salamuni, 1956; 1959; Almeida, clássica de Lavrinhas de Almeida (1944).
1957, 1958). Em 1957, o próprio Almeida relatou novas ocor- No trabalho mais recente ao sul de Itapeva, Sallun
rências de estromatólitos ao sul de Itapeva, bem como locali- Filho (1999) confirmou a presença de Conophyton como
dades na continuação da mesma faixa de carbonatos para a principal componente dos bioermas da região e distinguiu
SW na região de Varzeão (Fig.4, ponto 11), Socavão (Fig.4, mais quatro formas associadas, chamando de Forma 2 o mor-
ponto 12) e Abapã (Fig.4, pontos 13 e 14), no Estado do fotipo não coniforme identificado por Fairchild (1977). As
Paraná. Reconhecendo a distribuição desses fósseis ao longo outras três formas são simples e muito raras e não serão
da faixa como significativa estratigraficamente, justificou a comentadas aqui.
individualização dessa faixa como a Formação Itaiacoca A principal contribuição de Sallun Filho (1999), entre-
(hoje elevado ao nível de grupo). Ainda nesse mesmo tra- tanto, diz respeito às diferenças nas condições de deposição
balho, descreveu supostos estromatólitos, muito deformados, dos estromatólitos coniformes nos calcários dolomíticos
a SE de Abapã, na região de Erval, hoje atribuídos à claros de Lavrinhas e nos calcários calcíticos escuros de
Formação Água Clara (Fig.4, ponto 15). Em 1969, Petri & Indumine. Baseando-se nos argumentos de Donaldson (1976,
Suguio acrescentaram mais ocorrências de estromatólitos na Fig.2 ), Fairchild (1977) já tinha sugerido que a deposição em
região de Itapeva e Bom Sucesso (SP). ambos os casos deve ter ocorrido em águas calmas, sub-
Marini & Bósio (1971) concluíram que estromatólitos litorâneas e relativamente profundas. O crescimento assimétrico e
por eles encontrados no Grupo Itaiacoca próximo de Abapã compacto dos estromatólitos coniformes nos dolomitos, evi-
(PR) (Fig.4, ponto 14) eram diferentes em morfologia e dente nas Fig.6H e J, já fora notado por Almeida (1944). Ele

182
Cap XI 183

Fig.4:
Principais ocorrências de estromatólitos descritas nas unidades carbonáticas da Faixa Ribeira, estados de São Paulo e Paraná.
Dados geológicos segundo Bistrichi et al. (1981), em SP, e Mineropar (1989), no PR. Litoestratigrafia baseada em Campanha et al.(1987)

-Principal occurrences of stromatolites described in the carbonate units of the Ribeira Belt, states of São Paulo and Paraná. Geologic data
after Bistrichi et al. (1981) for SP, and Mineropar (1989) for Paraná. Lithostratigraphy after Campanha et al.(1987)

sugeriu que quando a “colônia” (coluna) entrava em contato de Itapeva para o Estado do Paraná. No ano seguinte, ele rela-
com as vizinhas passava a crescer no sentido vertical, o que é tou a presença de estromatólitos na Formação Bocaina, pró-
compatível com as idéias mais recentes. Para Sallun Filho ximo a Corumbá (MS) (Almeida, 1958), na Faixa Paraguai,
(1999), Sallun Filho & Fairchild (2000) e Fairchild & Sallun palco de novas descobertas mais tarde, na Formação Araras
Filho (2003), a relativa pureza, cor clara e o notável cresci- (Rosário Oeste, MT) (Almeida, 1964) e, novamente, na
mento lateral assimétrico dos estromatólitos nos calcários Formação Bocaina, dessa vez na serra da Bodoquena (Bonito,
dolomíticos seriam favorecidos por condições de águas MS) (Almeida, 1965).
limpas, alta luminosidade e taxas de subsidência/acumulação Influenciados pela obra de 1944 de Almeida, Bigarella
muito lentas, enquanto as impurezas argilosas e orgânicas, cor e Salamuni iniciaram o estudo de estromatólitos no Estado do
escura, diâmetros menores e crescimento vertical predomi- Paraná em calcários do Grupo Açungui na década de 1950
nante dos estromatólitos nos calcários calcíticos apontariam (Bigarella & Salamuni, 1956; 1958, Salamuni & Bigarella,
para uma situação de baixa luminosidade provavelmente 1964), como discutido acima, e Cassedanne na Faixa Brasília
devida à maior turbidez, maior profundidade e maiores taxas (Cassedanne, 1964).
de subsidência e/ou acumulação de sedimentos não car- A partir de 1970, os estudos de estromatólitos aumen-
bonáticos (Sallun Filho, 1999; Fairchild & Sallun Filho, taram, mundialmente, e se tornaram mais detalhados, visan-
2003). do, cada vez mais, a classificação taxonômica, as tentativas
de correlação e bioestratigrafia, bem como interpretações
Breve histórico dos estudos de estromatólitos do Brasil paleoambientais e paleogeográficas.
A história do estudo de estromatólitos do Grupo Itaiacoca
O estudo de estromatólitos no Brasil (e na América e da Formação Capiru na faixa Ribeira nos estados de São
Latina) tem como marco inicial o trabalho de Almeida (1944). Paulo e Paraná depois dessa data já foi abordada acima. Só
Nas décadas de 1950 e 60, Almeida voltou a registrar outras falta comentar os trabalhos de Fairchild (1982), Bergmann &
ocorrências importantes desses fósseis, inclusive os primeiros Fairchild (1985) e o mais recente de Guimarães et al. (2002).
encontrados em rochas fanerozóicas no Brasil na Formação No primeiro, a descoberta de uma nova forma de estroma-
Estrada Nova em Alto Araguaia (MT) (Almeida, 1954). Dando tólito colunar muito pequeno e característico em duas locali-
continuidade ao trabalho de 1944, Almeida (1957) estendeu o dades de dolomitos da Formação Capiru, a 25 km entre si
conhecimento de estromatólitos no Grupo Itaiacoca da região (Fig.4, pontos 16 e 18), levou Fairchild (1982) a propor seu
Fig.5:
A - Vista da
Pedreira Indumine,
em 1976, composta
de um único grande
bioerma de estroma-
tólitos do tipo
Conophyton.
B - Superfície intemperisada com diversas colunas de Conophyton deformadas, em corte longitudinal.
C - Vista da Pedreira Indumine para sudoeste, atualmente.
D - Superfície intemperizada com diversas colunas de Conophyton deformadas, muito próximas umas das outras.
E - Pedreira abandonada em Nova Campina (antiga Campina dos Veados) que deve corresponder à localidade n° 1 de Almeida (1944).
F, G, H - Vista geral do corte da pedreira na Fazenda Santo Antônio (F), com bandamento metamórfico, onde nas bandas vermelhas
(boudins) ocorrem estromatólitos (G, H)

-A - View of the Indumine quarry, in 1976, comprising a single, large stromatolitic bioherm made up of Conophyton.
B - Weathered surface of several deformed columns of Conophyton, in longitudinal section. C - Present view to the southwest in the
Indumine quarry.
D - Weathered surface of several closely spaced, deformed columns of Conophyton.
E -Abandoned quarry near Nova Campina (formerly Campina dos Veados) which probably represents n° 1 site of Almeida (1944).
F, G, H - General view of the quarry on the Santo Antônio Fazenda (F), showing metamorphic banding with stromatolites within the red-
dish bands (boudins) (G, H)

184
Cap XI 185

Fig.6:
A-
Parátipo,
“Collenia
itapevensis” [=
Forma 2], F.F.M.
de Almeida, cole-
tor, localidade de
Nova Campina
(IG-213, IG-
SMA). B - Parátipo, “Collenia Itapevensis” [= Forma 2], F.F.M. de Almeida, coletor (GP/3T-80, LPS-IG/USP). C - Espécime sem número da
Coleção do DNPM, Rio de Janeiro, supostamente “Collenia Itapevensis” (mas não o holótipo), coletado por Almeida. D - “Collenia Itapevensis”,
reprodução da Figura I, Estampa IV, Almeida (1944) [= Forma 2]. E - Silhuetas mostrando morfologia colunar complexa da Forma 2,
Lavrinhas, em vista oblíqua (Sallun Filho, 1999) (GP/6T-16, LPS-IG/USP). F - Lâmina delgada de corte longitudinal exibindo a laminação
pontiaguda (cônica) e zona axial típicas de Conophyton (GP/3T-539-A, LPS-IG/USP). G Estromatólitos colunares comprimidos e estirados no
plano perpendicular ao da foto, Indumine. Escala = 15 cm. H, I - Foto (I) e croqui interpretativo (H) de um grupo de colunas de Conophyton,
em seção obliqua, exibindo crescimento assimétrico (lateral), Lavrinhas. J - Desenho feito no campo por Almeida (1944, Fig.4, Est. II) de seção
obliqua de “Collenia Itapevensis”, arredores de Campina Nova. Notar semelhança com Fig. 6H. Abreviações: Forma 2 = Forma 2 Sallun
Filho, 1999. IG-SMA = Coleção do Instituto Geológico, SMA, São Paulo. LPS-IG/USP = Coleção do Laboratório de Paleontologia Sistemática,
IG/USP

- A - Paratype, “Collenia Itapevensis” [= Form 2], F.F.M. de Almeida, collector, near Nova Campina (IG-213, IG-SMA). B - Paratype,
“Collenia Itapevensis” [= Form 2], F.F.M. de Almeida, collector (GP/3T-80, LPS-IG/USP). C - Unnumbered specimen from the DNPM
Collection, Rio de Janeiro, supposedly “Collenia Itapevensis” (but not the holotype) collected by Almeida. D - “Collenia Itapevensis”, reproduc-
tion of Figure I, Plate IV, Almeida (1944) [= Form 2]. E - Silhouettes showing complex columnar morphology of Form 2 of Sallun Filho (1999),
Lavrinhas, in oblique view (GP/6T-16, LPS-IG/USP). F - Longitudinal thin section showing the pointed (conical) lamination and axial zone
typical of Conophyton. (GP/3T-539-A, LPS-IG/USP). G - Columnar stromatolites deformed by compression and shearing in a plane perpendi-
cular to that of the photograph, Indumine. Scale = 15 cm. H, I - Photo (I) and interpretative sketch (H) of a group of columns of Conophyton,
in oblique section, showing asyimmetric (lateral) growth, Lavrinhas. J - Field sketch by Almeida (1944, Fig.4, Pl. II) of oblique section of
“Collenia Itapevensis”, near Campina Nova. Note similarity to Fig. 6H. Abbreviations: Form 2 = Forma 2 of Sallun Filho (1999). IG-SMA =
Collection of the Instituto Geológico, SMA, São Paulo. LPS-IG/USP = Collection of the Laboratório de Paleontologia Sistemática, IG/USP
uso para correlação física e até temporal (horizonte guia) den- Grupo Paranoá, mas também no Grupo Bambuí, ocorrências
tro da Formação Capiru. No segundo, mais para o NE na faixa essas resumidas por Fairchild et al. (1996).
Ribeira, Bergmann & Fairchild (1985) descreveram estroma- No que diz respeito aos estromatólitos fanerozóicos,
tólitos que aparentemente formaram biohermas em torno de foram descritas diversas ocorrências no Permiano da bacia do
antigos centros vulcânicos do Grupo São Roque. E por último Paraná após o trabalho de Almeida (1954), por exemplo, nas
Guimarães et al., (2002) registraram ocorrências de esteiras formações Irati (Fairchild et al., 1985), Corumbataí (Suguio
microbianas e de formas colunares simples e ramificadas & Melo e Souza, 1985) e Estrada Nova (Rohn & Fairchild,
(Fig.4, pontos 21 e 22), que interpretaram como formadas em 1985). Do Cretáceo são conhecidas ocorrências nas bacias de
ambientes plataformais distintos da Formação Capiru. Campos e Potiguar (Carvalho, 1988; Monteiro & Faria, 1988).
Na década de 1970, os estromatólitos nas sucessões Estromatólitos recentes a sub-recentes também são conheci-
carbonáticas, principalmente neoproterozóicas, do Centro- dos na Lagoa Salgada, RJ (Lemos & Silva, 1994).
Oeste no Cráton do São Francisco e Faixa Brasília, adjacente, Em 1944, Almeida intimou que novas ocorrências de
(Grupos Paranoá, Bambuí, Vazante), tornaram-se conhecidos estromatólitos seriam descobertas no Brasil, o que de fato
em grande parte pelos esforços de pesquisadores ligados à aconteceu em ampla escala geográfica e cronológica, embora
Universidade de Brasília (Moeri, 1972; Cloud & Dardenne, paulatinamente. Também sugeriu o potencial dos estroma-
1973; Cloud & Moeri, 1973; Marchese, 1974; Dardenne & tólitos para correlação e ordenação cronológica de sucessões,
Campos Neto, 1976; Cassedanne & Cassedanne, 1978; Melo- localmente (na mesma bacia) e talvez regionalmente (entre
Filho, 1996 entre outros). Como resultado desses trabalhos bacias no Brasil), o que ainda não foi adequadamente realiza-
ficou estabelecido que estromatólitos coniformes estão restri- do nos estudos do Pré-Cambriano. Também foram pouco
tos nessa região ao Grupo Paranoá e ausentes no Grupo explorados os estromatólitos fanerozóicos no que diz respeito
Bambuí, uma situação parecida com a do Grupo Itaiacoca e ao seu possível significado paleoambiental e/ou como indi-
Formação Capiru, respectivamente. cadores de fenômenos cíclicos (paleoclima) ou de recupera-
Mais para o leste no Cráton do São Francisco, no ção biótica após crises nas bacias do Paraná e Parnaíba.
Estado da Bahia, Srivastava e pesquisadores da CPRM e do Para concluir, o que seria, então, a “herança” de F. F. M.
DNPM revelaram, a partir da década de 1980, grande varie- de Almeida no estudo de estromatólitos no Brasil? Ao reler
dade e ampla distribuição de estromatólitos nas coberturas seu trabalho seminal de 1944, o leitor fica impressionado com
proterozóicas representadas pelos grupos Una e Chapada a riqueza e clareza das descrições e dos argumentos, sempre
Diamantina e utilizaram esses fósseis em suas interpretações precisos, detalhados e bem organizados dentro de um contex-
paleoambientais de projetos de mapeamento (Srivastava,1982; to geológico amplo, apoiado em referências à literatura inter-
Pedreira, 1989). nacional e nacional a mais pertinente e atualizada para a
Também se percebeu, nessa fase, que havia estroma- época. Em todos seus trabalhos sobre estromatólitos, Almeida
tólitos colunares no Supergrupo Minas (MG) de idade paleo- procurou utilizar esses fósseis para esclarecer ou solucionar
proterozóica (Dardenne & Campos Neto, 1975; Souza & problemas geológicos, por exemplo, como marcadores
Müller, 1984), o que os torna os mais antigos fósseis do estratigráficos e indicadores de idade e/ou de condições de
Brasil, com idade entre 2,1 e 2,4 Ga. deposição. Alguns dos conceitos emprestados da literatura
Novos estudos também foram realizados na Faixa internacional em 1944, como a taxonomia binomial e a
Paraguai, no Grupo Corumbá e Formação Araras (Zaine, afinidade algácea dos estromatólitos, podem ter perdido vali-
1991; Zaine & Fairchild, 1992; Boggiani et al., 1996; dade, mas a essência desse trabalho de Almeida, e de quase
Boggiani, 1997; Sallun Filho et al., 1997; Fairchild et todos seus outros trabalhos, independentemente do assunto,
al.,1999; Fairchild et al., 2000; Nogueira et al., 2003), o mais permanece; isto é, continuam úteis e pertinentes as suas
recente desses estudos tocando nos depósitos microbianos observações de campo cuidadosas e completas e os seus argu-
que sucederam, quase imediatamente, a última glaciação mentos bem elaborados e lógicos, amparados na literatura
(“snowball Earth”) neoproterozóica. diligentemente pesquisada. Os trabalhos de Fernando Flávio
Em diversas das unidades citadas ocorrem microfósseis Marques de Almeida com estromatólitos são emblemáticos da
associados a estromatólitos silicificados, principalmente no sua contribuição maior à geologia brasileira: ele ensina a
todos nos como “fazer ciência”.

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