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GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS ESCOLAS RURAIS: desafios para uma


participação efetiva nos processos democráticos e o exercício da autonomia escolar.

Diana Alves Chagas1


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba), campus Salvador

RESUMO: Este artigo busca identificar os desafios que as escolas rurais do estado da Bahia enfrentam
no que diz respeito a atuação de uma gestão democrática e como, atualmente, esses entraves, ainda não
sanados, impactam no exercício da autonomia escolar, enquanto processo democrático não se apresente
como mais uma proposta teórica utópica, como acontece como a maioria das escolas regulares da
educação convencional, que pratica um plano pedagógico, longe de ser político. Para tanto, analisamos os
dados estatísticos das escolas do campo no estado da Bahia comparativamente aos mesmos dados das
escolas rurais, a fim de traçarmos os sucessos e/ou insucessos, frente às dificuldades concretas que
impossibilitam/limitam o caráter simbiótico entre escola e comunidade.
Palavras-Chave: Escolas rurais. MST. Gestão escolar democrática. Processo democrático. Autonomia.

ABSTRACT: This article seeks to identify the challenges that the rural schools of the state of Bahia face
regarding the performance of a democratic management and how, currently, these obstacles, not yet
healed, impact on the exercise of school autonomy, while a democratic process does not is presented as a
more utopian theoretical proposal, as is the case with most regular schools of conventional education,
which practices a pedagogical plan, far from being political. In order to do so, we analyze the statistical
data of rural schools in the state of Bahia compared to the same data of the rural schools, in order to trace
the successes and / or failures, in face of the concrete difficulties that preclude / limit the symbiotic
character between school and community.
Keywords: Rural schools. MST. Democratic school management. Democratic process. Autonomy.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei n o


9.393/1996, promulgou em seu Artigo 3º, VIII, que a gestão democrática do ensino
público será disposta “na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino”, e o
Artigo 14, dita que “os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica” (Brasil, 1996). A partir daí regulamenta-se o
princípio da “gestão democrática de ensino, como estabelece o Artigo 206, VI, da
Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988). Apesar de tal regulamentação na forma da
lei, muitos elementos convergem para que a lei não se cumpra, e, a partir de dados
concretos, objetivamos especificamente levantar esses dados, e entender seus resultados.
É pautado nessas leis que estabelecemos por que ponto de vista, analisaremos os dados

1 Graduada em Licenciatura em Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e


Língua Inglesa e Suas Respectivas Literaturas pelo Centro Universitário Jorge Amado
(Unijorge) desde 2013; Pós-graduanda da Especialização em Educação Profissional,
Científica e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da
Bahia (Ifba), desde 2018. Email: dchagas1980@yahoo.com
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mais recentes, publicados no Diagnóstico das Escolas do Campo (2017) pela Secretaria
da Educação do Estado da Bahia (SEC), tendo em vista possuirmos a maior população
rural do país.
Buscamos com esse estudo, compreender como se articulam os processos
democráticos nas escolas do campo, quando possível de interpretação, identificaremos
as suas dificuldades e limitações, quando não, levantaremos hipóteses sobre as causas
dessas dificuldades, estabelecendo uma relação entre o papel da escola enquanto
instituição de gestão democrática autônoma, e a União, pois entendemos que alguns
grupos sociais de grande representatividade política, como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) assumem a responsabilidade do Estado de
garantir o ensino público a todo e qualquer cidadão brasileiro.
Por questões didáticas, o estudo desenvolve-se em quatro seções que seguem
necessariamente nessa ordem: 2 Os princípios de uma gestão escolar democrática e a
educação nas escolas do campo, dando atenção especial para autonomia e o papel
político da escola, fazendo uma reflexão teórica sobre a Pedagogia do Movimento, a
partir da proposta educacional da Escola Nacional Florestán Fernandez (ENFF); 3
Princípios educacionais do MST, traçamos um diálogo entre o que se espera de uma
escola do campo, quais estâncias são necessárias para a viabilidade da sua prática e
como o Estado atua nesse cenário; 4 As escolas rurais do estado da Bahia, refletindo
sobre os comportamentos das escolas do campo, enquanto gestoras democráticas,
quando fazemos uma análise da gestão da escola campesina, aportada em dados
extraídos da quinta seção do Diagnóstico das Escolas do Campo (SEC, 2017),
englobando o cenário baiano rural para: 4.1 Colegiado escolar, 4.2 Fontes de recursos,
4.3 Plano Político Pedagógico, Regimento escolar e Currículo escolar; 5 Considerações
finais, que faz um apanhado das propostas do governo de Jair Bolsonaro, assim como
retoma-se os resultados da nossa análise.

2 OS PRINCÍPIOS DE UMA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA E A


EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS DO CAMPO

A gestão democrática escolar, legitimada em 1988 pela Constituição Federal do


Brasil, é citada no inciso VI do artigo 206, do capítulo III, seção I, configura-se sob um
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princípio que deve reger todo e qualquer ensino público brasileiro, direito fundamentado
de qualquer cidadão. Quando falamos em ensino público, estamos mencionando o
acesso ao conhecimento de direito, que pode ser gratuito, em instituições de ensino
público, ou onerada, sob o exercício das instituições privadas. Logo, nenhuma
instituição de ensino está livre do exercício de uma administração democrática. No
entanto, é dever do Estado, juntamente com a família garantir a base do aluno, em idade
escolar, como podemos verificar no artigo 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988)
Ainda tratando da gestão democrática escolar como princípio, ao qual todo
ensino brasileiro deve estar subjugado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
datada desde 1996, inscrita pela numeração 9.393, em seu artigo 3º, inciso VIII, reforça
a Constituição Federal de 1988, conferindo poder maior sobre os princípios
educacionais do Estado, como afirma Fialho & Taboza (2013, p. 4):
A LDB (Lei 9.394/1996), atualmente em vigor, foi aprovada em 20 de
dezembro de 1996. Esta lei revogou suas antecessoras: Lei 4.024 de 1961;
Lei 5.540 de 1968; Lei 5.692 de 1971; e a Lei 7.044 de 1982. Por atualizar as
diretrizes e as bases da educação brasileira, a LDB de 1996 é considerada a
mais importante do ordenamento jurídico educacional brasileiro da década de
1990.
A LDB clarifica como os processos formativos na vida do educando são os
alicerces que basificam sua vida em sociedade, independente das estâncias sociais,
levando em consideração a importância da família, das instituições de ensino e pesquisa,
dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil, dentre outras, e ainda
que restrinja seu campo de regimento às unidades de educação escolar, dá certa
liberdade no que se refere às concepções pedagógicas em que essas escolas de
sedimentarão. No entanto, a partir de seu texto inicial, percebe-se “o pleno
desenvolvimento do educando; o preparo para o exercício da cidadania; e a qualificação
para o trabalho” (FIALHO & TABOZA, 2013, p. 5) como principais objetivos ao
nortearem o exercício e funcionamento das instituições regulares de ensino. Vale
ressaltar que toda a escola deve ser um espaço democrático, logo, toda a comunidade
escolar, bem como pais e alunos devem estar envolvidos em seus processos para pleno
exercício de cidadania.
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Nesse quesito, o MST, desde 1990, com a criação da Escola Nacional Florestán
Fernandez (ENFF) cumpre esse papel de formador cidadão, quando prevendo suprir a
necessidade de formar militantes junto a trabalhadores rurais, em prol da manutenção e
resistência do próprio movimento, mas que certamente exercita a formação de pessoas
capazes de exercer sua cidadania em todos qualquer âmbito da sociedade, assumindo o
primeiro caráter da gestão democrática: responsabilidade partilhada, que faz da sua
gestão, coletiva. E, é no objetivo de qualificar para o trabalho, que a pedagogia das
escolas do campo pode encaixar-se, ainda que o vínculo com o desenvolvimento social
do educando e a conscientização do papel de cidadão seja indissociável, que a
Pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a qual utiliza o
trabalho como instrumento pedagógico, faz do MST um representante potencial da
Pedagogia da Alternância, apoiado em quatro pilares: formação integral, alternância,
associações e desenvolvimento do meio, garantindo assim o segundo princípio da
gestão democrática: autonomia.
Nos Princípios de Educação do Movimento (MST, 1996), a educação integral
garante a educação para o campo, facilitando uma formação de identidade que constrói
um sentimento de solidariedade entre os militantes, a partir das ações políticas,
identificação pelo contexto histórico, econômico e social, que garantem a busca pelo
bem estar coletivo e promove no cotidiano mudanças significativas na comunidade,
portanto podemos entender que a escolas do campo, apoiadas num viés socialista do
bem estar coletivo, a partir do trabalho necessário, seja para o assentamento ou
acampamento, seja para o exercício da militância do MST, a priori cumpre com o dever
até então do Estado – de garantir um ensino público de qualidade, alicerçados nos
objetivos que rezam a LDB e a Constituição Federal.

3 PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DO MST

Desde a criação do Setor da Educação do MST, as escolas de assentamentos são


pensadas a partir das vivências dos educandos e das necessidades do Movimento, e em
1995 foram divulgados os Princípios da Educação no MST, a fim de nortear as ações da
sua concepção de ensino. Para isso, esses princípios foram divididos em filosóficos e
pedagógicos; os primeiros basificam os segundos, quando trazem os pilares ideológicos
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que permeiam as ações do próprio Movimento, e a escola tende a dar conta da formação
dos seus militantes, que desde 1984 luta prioritariamente por direito a terra, realização
da Reforma Agrária e transformações sociais. E, se para o MST lutar pela Reforma
Agrária implica transformar o cidadão militante pela construção indenitária de uma
nova consciência, os pilares que sustentam a sociedade – político, econômico e cultural
– também são os sustentáculos do Movimento (SANTOS & DAL RI, 2016), porém
idealizados com um viés socialista, que se percebe em todas as ações do MST, logo sua
práxis pedagógica não poderia concretizar-se de diferente forma.
A formação humana na pedagogia do MST dialoga claramente com as ideias
sobre as mudanças sociais intrínsecas à função da educação, como verifica-se nos
princípios filosóficos e pedagógicos do Movimento. A educação campesina tem
identidade própria e se torna mecanismo fundamental de ação para atingir seus
objetivos, e mais que uma educação para o movimento, se perfaz como uma educação
do Movimento e o aspecto da formação humana vêm intrínseco com a formação
coletiva, na cooperação, no aprender fazendo — com o trabalho e com o ser humano
cônscio de si, do seu papel e compromisso na sociedade. Se para Freire (1979), o
verdadeiro compromisso é a solidariedade e a educação tem caráter permanente, que são
elementos-chave da didática para formação dos militantes do Movimento, uma
realidade discutida, envolve questões políticas de uso e acesso à terra no desejo e
necessidade da realização da Reforma Agrária.
Os Princípios da Educação do MST (1996) são implementados e adequados de
acordo com cada realidade na escola, no assentamento, no momento histórico, com as
forças políticas, com pessoas e parcerias estabelecidas na sociedade. A vivência
educacional tem a sensibilidade para perceber o dinamismo e o estático de uma
realidade social, detectando o caráter preponderante de mudança ou de estabilidade
dessa realidade. Este conflito é saudável, tendo em vista que o próprio homem, no seu
processo de educação, é ser inacabado, incompleto; e, se a estrutura social é obra dos
homens, portanto, é tarefa fundamental dos educandos/militantes serem sujeitos da
transformação social e não objetos dela.
Logo, a educação deve ser desinibida, sincera, estimulando o ímpeto criador do
homem, na visão dos educadores e educandos, sensibilizando-os no processo de
aprendizagem mútua o desenvolvimento de uma consciência crítica que possibilite uma
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mudança social concreta, como afirma Freire (1979, p.17) “Na medida em que os
homens, dentro de uma sociedade, vão respondendo aos desafios do mundo, vão
temporizando os espaços geográficos e vão fazendo história pela sua própria atividade
criadora.”
Para transformar a sociedade alienada na imitação servil de outras culturas, ou
em outras palavras, na passividade de sociedade-objeto, é necessário sermos nós
mesmos, com análise e autocrítica. Conscientizar da realidade capitalista e como se
estabelecem suas relações sociais, bem como as necessidades humanas, e mais
especificamente sobre o homem do campo para refletir sobre a sua realidade, no
processo de adaptação e transformação de si mesmo, enquanto condição humana.
Assim, a mudança social só ocorre com o comprometimento do trabalhador social, que
não enxerga os homens como espécie fragmentada, não o reduz a objeto ou coisa,
enquanto necessita ver a estrutura social por sua totalidade, reitera Freire (1979, p. 10):
A Reforma Agrária, por ser um processo, é algo dinâmico. Dá-se no domínio
humano. As relações homem-realidade, que se verificavam na estrutura
anterior, necessariamente deixaram sua marca profunda na forma de estar
sendo do camponês. Mudada a velha estrutura, através da Reforma, se
inevitável é que, cedo ou tarde, a estrutura instaurada condicione novas
formas de pensar e de atuar, resultantes das novas relações homem-realidade,
isto não significa que essa mudança se dê instantaneamente.
Para que ocorra a mudança cabe ao trabalhador social possibilitar a
conscientização dos homens coisificados das suas relações com o mundo, partir da
problematização da realidade mitificada culturalmente por suas próprias percepções.
Diante dessa premissa, a educação do Movimento tem o papel fundamental de resgatar a
vocação ontológica do homem, a de ser sujeito, ao mesmo tempo de não descuidar das
condições peculiares de uma sociedade em transição e, como defende Paulo Freire
(1979, p. 39) propõe uma pedagogia da comunicação, pautada em três alicerces: a) Num
método ativo, dialógico, crítico e criticista; b) Na modificação do conteúdo
programático da educação; e c) No uso de técnicas, como a de redução e a de
codificação.
Se levarmos em consideração a autonomia do sujeito como princípio da
educação, como entende Paulo Freire, notamos que é impossível conceber o
conhecimento sem as vivências e a leitura da realidade que nos abraça e nos forma
enquanto cidadão crítico-reflexivo, e esse que parece ainda um desafio para algumas
muitas escolas, salvo exceções, nas escolas do MST perfazem-se como “página virada”
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em quesito de objetivos e metas, pois a escola contextualiza todas as ações pedagógicas


de acordo com suas vivências e realidade social. Para Freire, é por elas que os homens
se constroem e por sua atuação no meio e suas relações interpessoais que vão se
transformando; na Pedagogia do Movimento, essa práxis impregna todas as estâncias de
aprendizagem, e, é na intersecção desses espaços que se pensa, promove e atua a
Educação para o trabalho e pelo trabalho, quinto princípio pedagógico do ensino do
MST, que é indissociável do oitavo princípio, Vínculo orgânico entre educação e
cultura, para a formação de uma nova consciência.
O vínculo entre trabalho e educação se dá para o MST (1996) em duas
dimensões: 1. Educação ligada ao mundo do trabalho; 2. O trabalho como método
pedagógico. Essas duas dimensões nos permitem pensar a pedagogia de Paulo Freire em
sua prática mais densa e crua, pois todo o trabalho desenvolvido para a educação do
campo acontece nele e volta para ele pelo trabalho dos militantes.

4 AS ESCOLAS RURAIS DO ESTADO DA BAHIA

Ainda que não seja o objeto de estudo desse artigo, é necessário que tracemos
um quadro geral sobre a situação administrativa das escolas catalogadas (TABELA 1) a
fim de podermos entender melhor a necessidade de cada grupo analisado, já que
algumas situações podem interferir na interpretação dos dados mais significativos,
relacionados à gestão democrática das instituições rurais de ensino do estado.
De acordo com o Diagnóstico das Escolas do Campo, os aspectos considerados
para a pesquisa são: presença étnica, a situação administrativa e a forma de ocupação do
prédio escolar ou construção onde a escola funciona, os turnos de funcionamento, a
permanência e o tempo de permanência desses estudantes na escola e as formas de
organização do ensino.

TABELA 1 – SITUAÇÃO ADMINISTRATIVA DAS ESCOLAS RURAIS


Escolas sede 65,09%

Escolas na condição de extensões 5,23%


Escolas na condição de anexos 26,04%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).
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As escolas sede gozam de administração própria, que favorece sua autonomia


administrativa, o que facilita o acesso às políticas públicas de educação. De acordo com
o Diagnóstico das Escolas do Campo, as escolas em condições de extensões ou anexos,
subordinadas às escolas sede, são alternativas de atender comunidades rurais mais
distantes ou com menos contingente de alunos, e “baratear os custos administrativos da
administração pública”. Tais alternativas acabam impossibilitando o crescimento dessas
escolas, que reflete na discriminação desses estabelecimentos, já que a eles é negado o
acesso a benefícios públicos, sucateando suas estruturas, que “sobrevivem” das sobras,
inclusive de equipamentos das escolas sede. É condenar quem mais precisa a se
contentar com o que pode ter.

TABELA 2 – VÍNCULO DAS ESCOLAS RURAIS DO ESTADO DA BAHIA


Vinculadas à rede estadual 48,52%

Vinculadas às redes municipais 34,02%


convênios diversos 1,70%
parceriais com a rede estadual 0,39%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

As escolas rurais do Estado da Bahia vinculadas às redes municipais de ensino


compreende escolas declaradamente municipais, escolas estabelecidas por de convênios
diversos e escolas estabelecidas por parcerias com a rede estadual de ensino (TABELA
2), fato que, de acordo com o documento, remete à impossibilidade de atendimento das
necessidades educacionais do campo “sem a criação de redes de relacionamentos que
mobilizem diferentes agentes atuantes em nível local em prol da educação
básica.”(SEC, 2017, p. 23)
O documento também cita alguns aspectos territoriais importantes que foram
relevantes para a pesquisa: a proximidade de rios ou mar, a presença de condições
geográficas que tenham favorecido atividades extrativas, ou processos de mobilização
sociopolítica, que porventura tenham fortalecido a militância de determinados grupos de
resistência social e política, onde se enquadra as escolas de assentamento, que de toda
forma favorecem a formação das identidades dos grupos militantes, assim como
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justificam peculiaridades do exercício da escola, assim como o papel social do ensino e


na formação cidadã do educando.
Levamos em consideração as primeiras escolas de campo do MST, porém para
este trabalho, analisaremos as escolas rurais municipais da Bahia, e quando necessário
for compararemos os dados das escolas do movimento e das escolas regulares do ensino
convencional público e gratuito. De acordo com o Diagnóstico das Escolas do Campo, o
ensino das escolas rurais do Estado se organiza de diferentes formas, como mostra
acima a Tabela 3 (abaixo).
As escolas do campo são organizadas por tempos distintos, levando em
consideração as alternativas possíveis para seu funcionamento, tendo em vista fazer
parte das estratégias “[...] desenvolvidas para melhor acomodar os processos educativos
formais às peculiaridades dos tempos que compõem o cotidiano da vida campesina”
(SEC, 2017, p. 24). As escolas fundamentadas na Pedagogia da Alternância, por
exemplo, em que se enquadram grande parte das escolas campesinas do MST, se dá em
duas estâncias, o tempo-escola e o tempo-comunidade, que funcionam de forma
alternada, em que os conhecimentos adquiridos no primeiro tempo possam ser
praticados em seus assentamentos.

TABELA 3 – ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DAS ESCOLAS RURAIS


Sistema de seriação 73,27%

Multisseriação 19,43%

Em ciclo 3,16%
Alternância 1,58%
Períodos semestrais 1,97%
Períodos bimestrais 0,39%
Multidade 0,39%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

Podemos observar nesses dados, o princípio da autonomia, previsto na LDB, que


deixa a cargo dos estabelecimentos de ensino a forma como se dá o a pedagogia das
escolas. Para tanto, devem ser levadas em consideração as diversas necessidades
daquela comunidade, como o local em que a instituição está inserida, o público-alvo, as
condições mantenedoras de cada estabelecimento, o deslocamento dos estudantes, entre
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outros. Porém, não podemos descartar a hipótese de que essas instituições de ensino
podem ter menos acesso aos fundos destinados à educação pública, seja por diversos
motivos, entre eles: falta de conhecimento aos seus direitos, falta de informação sobre
programas de auxílio administrativo-financeiro.
Sabe-se que o clima organizacional de uma instituição corrobora para a
participação democrática que possibilite uma coerência entre as demandas e as
possibilidades de atuação de cada área que a compõem, e neste quesito não podemos
excluir a participação da comunidade, dos pais alunos, professores e demais integrantes
da escola para que o estabelecimento de ensino se estabeleça como modificador social,
formador de cidadão em pleno exercício de suas ações. No entanto, para que a gestão
democrática aconteça harmonicamente, vários elementos interseccionados possibilitam
sua ação/prática.

4.1 Colegiados escolares

A gestão democrática contrapõe a gestão autocrática quando se faz com


autonomia e coletividade. No caso dos estabelecimentos de ensino, é responsabilidade
do diretor da escola promover o “clima” que gerará essa harmonia entre os grupos
escolar e extraescolar (comunidade), a fim de que todos, independente de suas crenças,
ideologias, busquem alcançar o objetivo primaz da escola: a maior aprendizagem dos
educandos. Nesse modelo de gestão, todos os processos relacionados às escolas devem
ter participação dos envolvidos, incluindo a escolha dos diretores. No entanto, o
Diagnóstico das Escolas do Campo nos mostra que apesar de 53,51% das escolas
municipais terem Conselho Escolar, apenas 11,08% delas elegem seus diretores; em
72,60% das escolas os diretores são indicados pelos órgãos centrais, que comprovam
que ter participação de conselhos ou colegiados na gestão da escola, na prática, não
garante autonomia escolar.

TABELA 4 – COLEGIADO ESCOLAR DAS ESCOLAS RURAIS


Tem colegiado escolar 61,74%
eleitos 59,47%
indicado pela comunidade 1,18%
indicado pelo diretor 0,3%
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Não tem colegiado escolar 38,26%


Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

A autonomia do colegiado nas escolas do campo é um dos desafios enfrentados


para a prática de gestão democrática escolar (ver Tabela 4, acima), já que é ela quem vai
possibilitar a participação da comunidade nas decisões administrativas e financeiras dos
estabelecimentos, segundo o Diagnóstico das Escolas do Campo,
“Os recursos recebidos pelas Unidades Escolares ficam sob a
responsabilidade da Equipe Gestora, em parceria com os Conselhos e ou
Colegiados Escolares, a sua gestão. É uma orientação de todos os programas
que se estabeleça uma gestão em que a comunidade escolar possa opinar e
decidir sobre os rumos da educação nas suas comunidades, cuja efetividade
pode ficar comprometida, uma vez que a maioria dos gestores que respondem
por estas escolas não são eleitos pelas comunidades. (SEC, 2017, p. 25)

4.2 Fontes de recursos

Alguns recursos financeiros destinados às escolas do campo são acessados por


pouquíssimas delas. Segundo o Diagnóstico das Escolas do Campo, os recursos mais
utilizados são o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE Campo), o Fundo de
Assistência Educacional (FAED), o PDE Escola e o Mais Educação. Com exceção do
FAED, acessado por pouco mais de 50% das escolas, nos chama atenção os baixos
índices de acesso das escolas rurais (ver Tabela 5, abaixo) a recursos destinados senão
para elas, mas também para elas.

TABELA 5 – FONTES DE RECURSOS ACESSADAS PELAS ESCOLAS


RURAIS DO ESTADO DA BAHIA
PDDE Campo 7,4%

FAED 52%

PDE Escola 27%


Mais Educação 16,46%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

O PDDE Campo é um recurso destinado exclusivamente para as escolas rurais,


independente de seu vínculo, desde 2012, que prevê um montante para propiciar
benfeitoria na infraestrutura física dessas escolas, as quais sejam necessárias à
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realização de atividades educativas e pedagógicas no intuito de melhorar qualidade do


ensino. Para aderir ao PDDE Campo, o diretor deve validar um Termo de Declaração e
Compromisso no site do Ministério da Educação (MEC), anexando algumas fotos do
estabelecimento escolar que comprovem a necessidade da(s) melhoria(s), bem como
elaborar um Termo de Aplicação para fins da política de transparência da instituição. Se
levarmos em consideração que a infraestrutura da rede pública escolar deixa a desejar
em diversas escolas da capital do estado, podemos mensurar como as escolas rurais se
apresentam neste quesito, mas caberia aqui uma pesquisa de campo para sermos mais
assertivos.
A percepção do Diagnóstico das Escolas do Campo é que o FAED, recurso de
natureza contábil, datado em 1982, que tem por objetivo contribuir para a organização,
manutenção e pleno funcionamento das unidades escolares do Estado, favorecendo a
autonomia escolar, repassando recursos financeiros, estimulando a participação da
comunidade nas tomadas de decisão e acompanhamento social das despesas, por meio
dos colegiados escolares, é de que sua acessibilidade pelas escolas rurais é “boa”. Se
considerarmos os dados da tabela 4, 38,26% das escolas rurais baianas não podem
sequer pleitear esse recurso, já que não possuem colegiado. A pesquisa não deixa claro
se esses 52% de escolas rurais que acessam o FAED levam em consideração todas as
escolas entrevistadas ou se esse percentual considera somente os 61,74% das escolas
entrevistadas, elementos que possuem colegiado, portanto, nosso olhar não é otimista
assim no número de acesso a esse fundo. Outra impossibilidade de acesso de algumas
escolas rurais tem origem em sua situação administrativa; são exigidos pelo FAED que
o estabelecimento escolar a) conste no Censo Escolar do ano anterior ao repasse; b)
constitua Comissão Executiva do FAED; c) constitua Comissão de Licitação; d)
constitua Comissão de Inventário; e) não exista pendência quanto à prestação de contas.
Essas informações nos levam aos seguintes questionamentos: 1. As escolas em
condições de extensões e anexos podem acessar esse recurso? Acreditamos que não,
tendo em vista que sua administração está subordinada as escolas sede. 2. Se essas
escolas não possuem administração própria, não seriam as que mais se beneficiariam
com esse fundo de ajuda financeira? Enfim, essas inferências nos levam a crer que os
mais ajudados podem não ser os que mais necessitam.
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O PDE Escola é um programa de apoio à gestão escolar, que se destina ao


auxílio das escolas públicas na melhoraria da gestão democrática, promovendo a
participação da comunidade escolar, repassando recursos financeiros, a fim de apoiar a
execução de todo ou de parte do seu planejamento da unidade de ensino. O último
documento disponibilizado pelo MEC sobre as escolas beneficiadas data de 2014, e nele
consta uma lista com 10.728 escolas estaduais e municipais, mas um dado nos chocou:
nenhuma escola de assentamento ou acampamento foi beneficiada. A pesquisa foi feita
por busca das palavras-chave: assentamento, acampamento, MST, terra. Não podemos
afirmar ao certo, mas não deixamos de interpretar esse resultado como indícios de
segregação social ao MST, enquanto grupo de resistência e revolução, a fim de minar
sua representatividade na educação.
O Programa Mais Educação tem como objetivo melhorar a aprendizagem em
língua portuguesa e matemática no ensino fundamental, ampliando (entre 5 e 15
horas/semanais) a jornada escolar de alunos matriculados na educação básica, que
apresentam rendimento abaixo de esperado nas disciplinas de língua portuguesa e
matemática, prioritariamente, visando um melhor desempenho nas disciplinas básicas,
contribuindo com a alfabetização e letramento desses educandos, bem como favorecer a
suas permanências na escola. Os requisitos para acessar a este recurso auxiliar são por
ordem de prioridade: a) escolas que receberam recursos na conta PDDE Educação
Integral entre 2014 e 2016; b) escolas que apresentam Índice de Nível Socioeconômico
baixo ou muito baixo segundo a classificação do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); c) escolas que obtiveram baixo
desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Em nenhum momento foi citado os requisitos de acesso a esses programas de
ajuda financeira para as escolas rurais, incluindo as de assentamento, no entanto, a
interpretação dos dados feita pelo Diagnóstico das Escolas do Campo parece suprimir
algumas questões relevantes, resultante no seguinte entendimento:
“[...]O não acesso a estes recursos leva-nos a supor que há problemas
relativos ao desconhecimento da existência destes programas, inexistência de
equipes gestoras para atender aos requisitos solicitados por cada um destes
programas e/ ou a carência de autonomia das equipes gestoras para operarem
com estes programas.” (SEC, 2017, p. 27)
Na gestão democrática deve haver compreensão e conscientização da
administração escolar como atividade meio, e pela participação de todos, reunir esforços
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coletivos para implementação dos fins da educação, bem como fomentar a aceitação do
princípio de que a educação é um processo de emancipação humana. No entanto, para
que haja gestão escolar democrática é necessária uma série de pressupostos sócio
educacionais e de princípios orientadores que merecem nossa observação: liberdade de
aprender e ensinar, respeitando a pluralidade de modelos e métodos; democraticidade,
oriunda da participação de todos os interessados no processo educativo e na vida
escolar; responsabilização dos órgãos individuais ou coletivos por seus atos e decisões;
inserção da comunidade no desenvolvimento conjunto de projetos educativos e
culturais.

4.3 Plano Político Pedagógico, Regimento Escolar e Currículo Escolar

A dimensão pedagógica da gestão democrática estabelece desafios para o ensino


e aprendizagem dos alunos. É nela que se definem as linhas de atuação em função dos
objetivos e traça o perfil do aluno e em que comunidade ele se insere. A partir desses
elementos, é possível nortear o melhor caminho para que os educandos sejam
formadores de opinião e possam a partir de suas práticas transformarem as comunidades
em que vivem. Por conseguinte numa gestão democrática, o Projeto Político Pedagógico
deve ser elaborado no exercício dessa coletividade, e que além da formação, deve
promover o fortalecimento do conselho escolar. Seu caráter político está justamente no
exercício dessas parcerias que entrelaçam interesses sociais a objetivos escolares, como
forma de possibilitar ao educando vivências de cidadania dentro da escola.

TABELA 6 – PLANO POLÍTICO DAS ESCOLAS RURAIS


Possuem Plano Pedagógico 73,47%
construído pelo gestor e docentes 35%
construído pela comunidade escolar 33,14%
Não tem regimento escolar 17,65%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

Logo, se nem todo Plano Pedagógico é político, podemos, a partir dos dados da
Tabela 6 (acima), perceber como se comportam as escolas rurais da Bahia: apenas 35%
das escolas regulamentadas, portanto regidas pela LDB, apresentam o PPP elaborado
15

num processo democrático, garantindo que os interesses da comunidade escolar estejam


de comum acordo.
Não sabemos, no entanto como é feita o monitoramento desse documento tão
importante para a prática pedagógica nas escolas rurais, principalmente as mais
afastadas, mas percebemos que há uma negligência do poder legislativo quanto à
educação do campo, tanto que 17,65% das escolas funcionam sem Projeto Pedagógico,
provavelmente as mesmas escolas que não possuem regimento escolar (ver Tabela 7).
Apesar de um número significativo das escolas rurais possuírem esse documento, outro
número expressivo nos chama atenção: 70% das 82,35% escolas possuem um regimento
unificado, que implica, como afirma o Diagnóstico das Escolas do Campo (SEC, 2017,
p. 28), as “[…] regras foram definidas no coletivo de todas as escolas do município,
desconsiderando, desse modo, as especificidades de cada comunidade escolar[...]”, ou
seja, constituindo-se como outro fator negativo na gestão democrática do ensino.

TABELA 7 – REGIMENTO DAS ESCOLAS DAS ESCOLAS RURAIS


Possuem regimento escolar 82,35%
unificado 70%

Não tem regimento escolar 17,65%


Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

A autonomia do sujeito como princípio da educação, como entende Paulo Freire,


nos leva a crer na impossibilidade de concretizar aprendizado sem considerar as
vivências e a leitura da realidade que abraça os alunos, as quais os formam cidadãos
críticos, capazes de transformar as nossas realidades. Porém esse ainda parece ser um
desafio para as escolas rurais. Ao colhermos dados sobre os planos PPP’s das escolas do
campo, encaramos uma revelação de que nós, professores, queremos há muito nos
distanciar: um ensino incoerente, sem sentido para os educando, e, portanto, impalpável.
57% dos estabelecimentos dizem levar em consideração as demandas e especificidades
das comunidades em que estão inseridos, porém 19,23% não souberam responder ou
não responderam a essa inferência, o que nos remete a um Plano Pedagógico
inconsistente. Ainda sobre a utilização desse documento que, teoricamente, rege toda e
qualquer escola em sua filosofia e pedagogia, o Diagnóstico das Escolas do Campo, diz
que “[...] não é uma ferramenta de trabalho de toda a equipe escolar, demonstrando certa
16

falta de consciência a respeito da importância deste documento bem como dos processos
que envolvem a sua construção e utilização prática.” (SEC, 2017, p.28-29).
Podemos dizer que o currículo escolar é o documento que mapeia o que será
ensinado nas escolas, e como esse ensinamento será dado. É por ele que se trilha o
caminho da práxis pedagógica, e, necessário assim que seja um trabalho em conjunto da
comunidade escolar e extraescolar. Os docentes tem um papel fundamental na
elaboração desse documento, tendo em vista ser por ele que suas práticas se darão ao
longo da trajetória escolar. A participação dos pais e responsáveis também é de grande
importância porque nesse documento devem constar reflexos da realidade em que os
alunos vivem, e não podem ser desconsideradas as demandas da comunidade em que se
inserem. Se o PPP traz a identidade da escola, o currículo estabelece os conteúdos
estudados, as atividades realizadas, competências e habilidades desenvolvidas, tudo de
relevante que possa refletir no desenvolvimento escolar do estudante.
Na análise dos dados da Tabela 8 (abaixo), comparados aos dados das Tabelas 6
e 7, ainda que passe longe de ser o resultado que gostaríamos de ver, podemos ser
otimistas quanto a autonomia escolar na elaboração dos seus currículos.

TABELA 8 – CURRÍCULO DAS ESCOLAS RURAIS


Possuem currículo escolar 77,61%
determinados pela SEC 55,82%
construídos pelos professores 14%
participação da comunidade 8,78%
Possuem matriz curricular específica 52,56%
Não possuem especificidade na matriz curricular 35,90%
Não sabem ou não responderam 11,54%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

Apesar da participação da comunidade ser baixíssima, podemos vislumbrar uma


satisfação na colaboração dos professores neste documento – acredito que por ser o
currículo norteador do seu trabalho prático e necessitar dos conhecimentos formais para
sua elaboração, o envolvimento dos docentes é mais ativo, e podemos afirmar que aqui
a autonomia pedagógica, enquanto processo democrático pode ser vislumbrada,
principalmente se trouxermos à margem que 52,56%”das escolas entrevistadas têm
17

matriz curricular específica, o que significa dizer que foram, respeitados os limites de
prática pedagógica, a necessidade dos educandos, e as demandas da escola.
Quanto aos 35,90% que não possuem especificidade na matriz curricular,
somados aos 11,54%, não sabem ou não responderam, dá-se um sinal de alerta para a
necessidade de esses estabelecimentos fazerem um levantamento do contexto
sociocultural que vivem seus estudantes. Esse número revela a “[...]condição de
“desinformação ou omissão” serve para ratificar a ideia de que as escolas rurais do
Estado da Bahia ainda trabalham sem uma definição clara acerca dos conteúdos a serem
priorizados[...]” (SEC, 2017, p. 30).

4.4 Diretrizes Nacionais para as Escolas do Campo, Indígena e Quilombola

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) são normas obrigatórias para a


Educação Básica que norteiam o currículo dos estabelecimentos de ensino e se
constituem como documento complementar, mas não menos relevantes, pois
complementam a Base Nacional Comum Curricular. As Bases Curriculares Nacionais
para as Escolas do Campo, Indígena e Quilombola apresentam diretrizes curriculares
próprias, pois se entende que esses grupos demandam uma representatividade política
minoritária, e, por isso, as diretrizes objetivam promover a equidade de aprendizagem,
considerando os contextos socioculturais em que estão inseridos, possibilitando assim
que a escola cumpra mais tranquilamente sua função social, e não apenas permaneça
com uma concepção conteudista de conhecimentos básicos.
As DCN’s são regulamentadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), de 1996, que prevê ser dever da União "estabelecer, em colaboração com os
estados, Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a Educação
Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e os seus
conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum", ainda que
preservem a autonomia do professor, da escola e da proposta pedagógica, dando total
possibilidade de reconfiguração do currículo escolar, respeitando o contexto em que as
escolas funcionam. O processo de definição das DCN’s perpassa pela gestão
democrática da educação, envolvendo vários agentes como o Conselho Nacional dos
Secretários Estaduais de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes
18

Municipais de Educação (Undime), a Associação Nacional de Pós-Graduação e


Pesquisa em Educação (ANPEd), além de docentes, dirigentes municipais e estaduais de
ensino, pesquisadores e representantes de escolas privadas, dentre outros.
Ao analisarmos os dados das Tabelas 9 e 10, percebemos certa negligência
quanto ao conhecimento das Diretrizes Nacionais específicas de grupos minoritários. E
se compararmos os dados das duas tabelas, encontramos uma discrepância maior ainda
entre os docentes que conhecem as diretrizes de tais estabelecimentos: 26% dos
professores das escolas do campo conhecem suas diretrizes específicas, enquanto
somente 7% dos professores das escolas indígenas ou quilombolas são seus
conhecedores. Um índice baixíssimo que denota omissão quase total dos conhecimentos
básicos para manter não uma educação de qualidades, mas o mínimo possível que se
espera do ensino básico brasileiro.

TABELA 9 – CONHECIMENTO DAS ESCOLAS SOBRE AS DIRETRIZES


NACIONAIS DAS ESCOLAS DAS ESCOLAS RURAIS
Os docentes conhecem as Diretrizes das Escolas do
Campo 26%
Os docentes desconhecem as Diretrizes das Escolas
do Campo 55%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

TABELA 10 – CONHECIMENTO DAS ESCOLAS SOBRE AS DIRETRIZES


NACIONAIS DAS ESCOLAS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS
Os docentes conhecem as Diretrizes das Escolas
Indígenas e Quilombolas 7%
Os docentes desconhecem as Diretrizes das Escolas
Indígenas e Quilombolas 59,47%
Não há informação sobre os docentes neste quesito 33%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

Partindo do princípio de que a formação pedagógico-ideológica das escolas do


MST tem um olhar socialista para promover a sua educação, o não conhecimento das
diretrizes apresentado pelos docentes na pesquisa pode não significar omissão ou
precarização da formação desses professores, mas configurar-se como resistência
políica e militância do Movimento, preservando uma preservação da práxis pedagógica
19

desses estabelecimentos, reforçando o papel social da educação, quanto à construção da


identidade desse grupo.
No entanto, as mesmas ressalvas não podem ser feitas quando falamos das
escolas indígenas e quilombolas, pois a função social dessas escolas é promover
equidade de direitos numa sociedade capitalista, diferentemente do MTS. E para estes
grupos, concordamos com a perspectiva dos pesquisadores, quando afirmam sobre
“uma demanda urgente no processo de formação docente e da equipe escolar
considerando as discussões realizadas acerca da educação do campo, indígena e
quilombola” (SEC, 2017, p. 30)

4.5 Planejamento e acompanhamento pedagógico nas escolas rurais

O planejamento das aulas feito pelo professor dá uma ideia sobre as


necessidades de cada turma e com isso possibilita um maior sucesso no processo de
ensino. Ao refletir sobre o cotidiano das suas práticas, o resultado das suas aulas e
registrar as peculiaridades de cada uma permite uma melhor eficiência do ensino; apesar
do professor ter total autonomia sobre suas práticas de sala de aula, o acompanhamento
pedagógico desses planejamentos garantem que eles sejam condizentes com a proposta
pedagógica da escola e corroborem para que os objetivos do Currículo Escolar sejam o
fim que direcionam as aulas. São duas ações, do professor e do coordenador
pedagógico, que convergem para promover o maior aprendizado dos educandos.
De todos os processos que concorrem para que a gestão democrática ocorra nos
estabelecimentos de ensino, essas duas ações são as que melhores resultados obtiveram
em números; 91% das escolas do campo que afirmam que os planejamentos são
periodicamente realizados pelos professores e 71,60% desses estabelecimentos fazem
acompanhamento pedagógico periódicos. Apesar de não apresentarem a mesma
proporção temporal, acontece na maioria das escolas, e os pesquisadores não
interpretam esse desencontro de ações complementares com “bons olhos”, quando
afirma que:
[...]este desencontro entre as duas atividades constitui-se em um provável
gerador de descontinuidade do trabalho planejado e ineficiência no processo
de formação docente, uma vez que o tempo de planejamento é também um
momento de formação continuada. (SEC, 2017, p. 30)
20

TABELA 11 – PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS RURAIS


Professores que planejam atividades 91%
semanalmente 36,19%
quinzenalmente 34,62%
mensalmente 9,66%
bimestralmente 8,68%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

TABELA 12 – ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS RURAIS


Escolas que recebem acompanhamento pedagógico 71,60%
semanalmente 20%
quinzenalmente 23%
mensalmente 17%
bimestralmente 4%
trimestralmente 2%
semestralmente 2%
Fonte: A autora. (Dados retirados do Diagnóstico das Escolas do Campo, 2017).

Os pesquisadores relacionaram esses resultados com os dados obtidos na


pesquisa sobre o conhecimento dos docentes sobre as Diretrizes Nacionais que regem as
escolas do campo e evidenciam uma incoerência nessas informações: Como é possível
53% dos entrevistados que tenha informado que na escolha dos conteúdos a serem
trabalhados seguem critérios que consideram as diretrizes, existe somente 26% dos
docentes que conhecem essas diretrizes? Essa divergência de dados demonstra certa
fragilidade entre teoria e prática dos docentes das escolas do campo, e os responsáveis
pela pesquisa mantiveram as informações “para que se perceba mais uma vez o grau de
incerteza que paira sobre o redirecionamento das escolas rurais rumo às escolas do
campo e, consequentemente, da árdua tarefa que se tem pela frente.” (SEC, 2017, p. 30)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da atual situação política do Brasil, que vive dia após dia desde a vitória
do candidato Jair Bolsonaro ao cargo maior de representação política, a educação
nacional sofre um retrocesso, seja na prática pedagógica, que encara hoje a ameaça da
sua liberdade de expressão, garantida legitimamente desde a Constituição Federal de
1988, seja nos caminhos pecorridos no processo de gestão democrática que funcione de
forma eficiente e eficaz.
21

Uma questão polêmica levantada ainda em proposta eleitoral, soa como uma
sombra de retorno a tempo difíceis para os agentes da educação: “Precisamos revisar e
modernizar o conteúdo, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), impedindo a aprovação automática e a própria
questão de disciplina." Essa delcaração, apesar de voltada à educação, parece-nos mais
direcionada à função social da escola do que ao conteúdo propriamente dito. Ainda que
suas declarações sobre a educação sejam infundadas e superficiais, já que em momento
algum apresentou argumentos plausíveis e fundamentados quanto às mudanças no
curriculares das escolas, suas palavras metaforizavam as labaredas que insineraram
livros na Idade Média. “Expurgar Paulo Freire” dos currículos escolares nacionais é
suprimir a função social da escola, negando aos educandos a possibilidade de
apresentar-lhes as diversas identidades, enquanto grupos segregados, principalmente
quando tratamos do conhecimento público gratuito.
A implementação do Escola sem Partido, que proibe o professor de doutrinar
política e ideologicamente os educandos, ainda que necessite ser aprovado pelo
Congresso Nacional para somente depois ser sancionado pelo presidente, limitam às
práticas pedagógicas que promovem reflexões acerca do sistema capitalista, bem como
promover as características e ações esperadas de um país laico, pois vão de encontro à
“herança judaico-cristã”, mencionada como hegemonia no discurso de posse do
presidente Jair Bolsonaro, ideia reforçada em “pretendo colocar a elaboração de normas
no contexto da preservação de valores caros à sociedade brasileira, que [...] é
conservadora e avessa a experiências que pretendem passar por cima de valores
tradicionais ligados à preservação da família e da moral humanista", fragmento da carta
aberta escrito por Ricardo Vélez, após anúncio da sua atual ocupação – Ministro de
Educação.
As propostas do governo do atual presidente, mascaradas de boas intenções,
passam longe de ser minimamente satisfatórias para o público interessado – comunidade
escolar e comunidade. Ainda que o governo invista mais em educação básica do que em
educação superior, por onde reza a cartilha do Ministério da Educação (MEC), O
Tribunal Superior Eleitoral pontou ainda em periodos eleitorais que do dinheiro
destinada ao pilar educacional o governo gastava em média 30% com a educação
superior, que concorreria com aproximadamente 19% dos recursos destinados à
22

educação básica, em 2018, levando em consideração apenas o dinheiro do MEC; e,


como sugere a LDB/1996, 80% do Ensino Fundamental e Médio são de
responsabilidade dos municípios e estados – informação essa confirmada pelo Instituto
Nacional Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que
“aponta que a Educação Básica representa 80% de todos os gastos de União, Estados e
municípios, juntos. Só 20% dos recursos vão para o Ensino Superior.”
Além das fragilidades que a educação vem sofrendo nas propostas retrógradas
do governo, se levarmos em consideração os dados levantados pela Secretaria de
Educação do Estado da Bahia (SEC), no Diagnóstico das Escolas do Campo (2017), a
gestão democrática escolar tem um longo caminho a trilhar, retomando as percepções
releventes da autonomia dos estabelecimento de ensino, juntamente com a participação
dos agentes envolvidos nos processos democráticos. Podemos citar, portanto, alguns
pontos fracos dos comportamnetos educacionais a partir desse prima: o colegiados
escolares é uma das pernas curtas dessa estrutura manca, em que se encontra as escolas
rurais da Bahia. Endemos que, se somente aproximadamente 12% das escolas que
possuem colegiados ou conselhos elegem seus diretores, podemos afirmar que nesse
âmbito a gestão democrática é muito desfasada; as fontes de recursos acessadas pelas
escolas rurais do estado necessitam de ampliação de acesso, salvo caso pontual do
recurso o Fundo de Assistência Educacional (FAED), que abraça pouco mais de 50%
das instituições de ensino; quanto aos documentos normativos que direcionam a escola
(PPP, regimento escolar e currículo escolar) para essa ou aquela concepção de ensino e
norteiam as práticas docentes quanto a objetivos e metas, consideramos que é cabível
uma pesquisa sobre os contextos em que as escolas rurais estão inseridas para que o
processo de ensino possa ser refletido positivamente, num aprendizado mais
significativo, tornando as ações conscientes e com possibilidade de intervenção no meio
em que vivem.
Quando mencionamos sobre as escolas rurais que se enquadram em
especificidades socioculturais minoritárias, nos deparamos com um descaso total e
absoluto, tanto das instituições de ensino como do governo, propriamente dito. O
desconhecimento ou desconsideração das Diretrizes Nacionais das Escolas Indígenas e
Quilombolas são aquém de qualquer margem quanto à sua função social, enquanto
escola; e, se para tal exercício educacional, a equidade de direitos e representatividades
23

num país onde o racismo segrega social e economicamente os sujeitos, interpretamos


que o objetivo desses estabelecimentos está longe de ser alcançado. Já quando falamos
sobre Diretrizes Nacionais das Escolas do Campo, entendemos que há uma lacuna que
nos deixa duvidosos quanto ao desconhecimento dessas diretrizes: fazê-lo
conscientemente como forma de resistência política, a partir do viés ideológico
socialista, que prevê uma formação militante desde cedo para os educandos, na tentativa
de sustentar o Movimento a partir da construção da identidade dos educandos.
Tratando-se do planejamento pedagógico e o acompanhamento pedagógico,
somos otimistas por entender que, apesar ddessas atividades não se convergirem em
alguns momentos temporalmente, ele acontece de forma satisfatória, talvez por ser a
primeira, uma atividade que só depende da organização dos docente e o
profissionalismo que que executam o seu trabalho. Mas, ainda ressaltamos a
necessidades de se rever alguns conceitos e estabelecer um diáĺogo entre os documentos
dirigentes das instituições e os planos de aula, para que possam alcançar o objetivo de
toda e qualquer escola: o aprendizado do aluno que reflita concreta e positivamente na
sociedade em que vive.

REFERÊNCIAS

SEC, SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA. Diagnóstico das


Escolas do Campo (2017). Bahia SEC, 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB-Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro


de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

FIALHO, Rodrigo Sousa & TABOZA, Dielly Leite. GESTÃO DEMOCRÁTICA DA


EDUCAÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. Revista Caderno de Graduação [on-
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http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/cadernos_graduacao/servico/Cad
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ASILEIRA.pdf

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Terra. 1979.
24

FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA. 56ª ed. Rio de Janeiro: Editora Paz
e Terra. 2018.

MST, MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST).


PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO NO MST. Porto Alegre: MST, 1996.

SANTOS, Ellen Felício dos. & DAL RI, Neusa Maria. EDUCAÇÃO E TRABALHO
NA PEDAGOGIA DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA (MST). Anais do X Seminário do Trabalho, crise e políticas sociais na América
latina [org. Giovanni Alves… et al.]. Marília:Unesp, 2016.

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