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ESTUDO HISTÓRICO DA ESCRITURA PÚBLICA

DE COMPRA E VENDA EM BARBACENA,


(DESDE A ÉPOCA DE D. JOÃO
ATÉ O FIM DO PRIMEIRO REINADO)

por Maria Aline Araújo de Oliveira

“Lex est quodcumque Notamus!”


O texto Notarial tem força de Lei.

Dedicatória
Dedico este trabalho a todos os Tabeliães de Ofícios de Notas de
Barbacena, já falecidos, pois como instrumentadores do direito nos legaram um
precioso arquivo histórico de nossa sociedade; e, a todos que souberam
resguardar com dedicação essa parcela da História viva do Direito.
Em especial, ao atual Tabelião do Cartório do Primeiro Ofício de Notas,
Tarcísio Nascimento de Oliveira, meu pai.

Agradecimentos
“Nullum officium referenda gratia necessarium est”
Nenhum dever é mais importante que a gratidão

Aos mestres da História do Direito, especialmente ao Dr. Ricardo


Rabinovich-Berkman, meus agradecimentos por terem exercido, com maestria, a
difícil arte de ensinar. “Transmitir o saber é dividir um pouco de si mesmo com
outrem, é esvaziar-se do egoísmo e compartilhar o que há de mais precioso que
se adquire na vida: O CONHECIMENTO”.
Apresentação
A presente monografia narra o estudo feito nas escrituras públicas de
compra e venda. Como limite territorial desta busca histórica, pesquisamos as
escrituras lavradas pelos Tabeliães de Cartórios de Notas de Barbacena, essa
querida cidade interiorana de Minas Gerais. Como limite temporal,
determinamos o período compreendido desde a chegada de D. João VI, no ano de
1808, até o fim do Primeiro Reinado, quando D. Pedro I abdica ao trono, no ano
de 1831. É um estudo eminentemente histórico, retratando todos os pontos em
comum ou díspares apresentados nas escrituras, em consonância, ou não, com a
legislação vigente à época.
As fontes principais deste estudo são os Livros de Notas dos dois Cartórios
existentes na então Vila de Barbacena, onde constam as escrituras do negócio
jurídico que nos propusemos a pesquisar. No Cartório do Primeiro Ofício de
Notas encontramos os quatro livros usados no período, quais sejam, os Livros
números 3, 4, 5 e 6, tendo sido pesquisadas todas as oitenta e uma escrituras de
compra e venda lavradas, em meio a tantas outras escrituras de diversas
naturezas. No Cartório do Segundo Ofício de Notas as escrituras do período
compreendido nesta pesquisa foram lavradas nos Livros 4, 5 e 6. Acontece que os
dois primeiros livros não se encontram nos arquivos deste Cartório, portanto a
pesquisa foi feita somente no Livro 6, tendo somente dez escrituras de compra e
venda.
Como segunda fonte primária para a pesquisa buscamos as legislações
vigentes no Brasil na época Imperial, muitas das quais são meras reproduções das
legislações portuguesas impostas para os súditos dessa então colônia
obedeceram, entre as quais, tem-se como principal as Ordenações Filipinas.
Através dos capítulos deste estudo veremos porque se tornou importante
essa pesquisa, o que ela pode nos mostrar de inusitado. No primeiro capítulo
fundamentamos os motivos de nossa escolha pelo período pesquisado, mostrando
o contexto histórico no Brasil, na Vila de Barbacena, e a importância da função
do Tabelião de Notas. Os demais capítulos traçam o caminhar pela pesquisa, uma
primeira e ampla visão da forma da escritura, para depois ser abordado, numa
visão peculiar, cada parte importante deste instituto da compra e venda, como as
partes vendedora e compradora, os bens objetos das transações, o preço que se
vendiam esses bens com sua forma de pagamento, os impostos que recaiam sobre
as vendas.
É o retratar de uma pequena parcela da história jurídica de Barbacena,
guardada através das escrituras públicas, mesmo numa época sem legislação
pátria.

Capítulo I - INTRODUÇÃO
I.1. O Contexto Histórico no Brasil
O ano de 1808 inicia-se com a chegada ao Brasil da Família Real
Portuguesa fugindo da invasão de Napoleão Bonaparte na Metrópole. Aqui D.
João VI, então governante português, se instala de modo provisório e incerto,
com a idéia de voltar à Portugal.
No período do governo de D. João VI, de 8 de março de1808 a 25 de abril
de 1821, nenhuma legislação de interesse e importância para o Brasil assinala a
estada desta Dinastia Bragantina, nenhum Código foi feito e nem projetado. As
duas únicas exceções de relevância são: o Decreto de 28 de janeiro de 1808,
datado na Bahia, que abre as portas do Brasil ao comércio estrangeiro,
equiparando-se assim, desde logo, à Metrópole e em posição independente; e, o
Decreto de 16 de dezembro de 1815 que elevou o Brasil a Reino Unido ao de
Portugal e Algarves, assinado para Portugal poder ter representantes no
Congresso de Viena, já que não poderia ser considerado Grande Potência se
contasse tão somente o território Europeu organizado em Reino.
Afora esses dois atos mais salientes, a Corte Portuguesa entre nós
permaneceu de modo solitário, abaixo de sua missão, por quase quatorze anos,
quando se retirou para a Metrópole forçada pela Revolução do Porto de 24 de
agosto de 1820, deixando aqui, como regente D. Pedro de Alcântara, ou D. Pedro
I do Brasil.
Em 1822, D. Pedro I, é ordenado a voltar à Portugal, mas ele se rebela,
seguindo-se diversos acontecimentos que vão afrouxando o laço que prendia à
Metrópole, até o resultado da Independência aos 07 de setembro de 1822.
Nosso primeiro reinado se inicia, é convocada uma Assembléia
Constituinte para nos dotar de nossa Carta Magna. Um dos primeiros atos dessa
Assembléia foi a Lei de 20 de outubro de 1823 (Vide em Anexo). mandando
vigorar no novo Império as Ordenações do Reino (Filipinas), Leis, Regimentos,
Alvarás, Decretos e Resoluções promulgadas pelos reis de Portugal, e pelas quais
se governava o Brasil até então, enquanto não fossem alteradas e organizado um
novo Código.
D. Pedro I reinou até sua abdicação em 07 de abril de 1831. Outorgou-nos
uma Carta Magna em 25 de março de 1824, mas não nos deu um Código Civil,
conforme preceitua o artigo 179, inciso XVIII, da dita Constituição
(“Constituição Política do Império do Brazil, Art. 179, inciso XVIII- Organizar-
se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da
Justiça, e Equidade”) e por isso, nesse campo, as Ordenações Filipinas vigoraram
até a entrada em vigor do nosso Código Civil, em 1917.
I.2. A Vila de Barbacena
Barbacena antes de ser elevada à condição de Vila, judiciariamente
pertencia ao Termo de São João Del Rey e, depois, ao Termo de São José del
Rey, hoje Tiradentes, da Comarca do Rio das Mortes, cujas divisas iam até
Guaratinguetá, quando Minas e São Paulo formavam uma mesma

Província. Era então


conhecida simplesmente por “Parada da Borda”.
Como o Arraial da Borda do Campo ficava muito longe das sedes da
Comarca os moradores dessa freguesia, juntamente com os das freguesias de
Nossa Senhora da Conceição, do Engenho do Mato (hoje distrito de Paula Lima)
e de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira (hoje distrito de São Pedro de
Alcântara, ambos do município de Juiz de Fora), dirigiram uma petição ao
Visconde de Barbacena solicitando a criação da vila, que ocorreu em 14 de
agosto de 1791. A então vila de Barbacena tinha suas primeiras divisas
confinando com a Província do Rio de Janeiro.
Até o ano de 1833, o Termo da Vila de Barbacena pertenceu à Comarca do
Rio das Mortes. Criada a vila era necessário, como instruía a Ordenação, Livro
1°, Título 78, a criação de casa deputada onde iriam servir os Tabeliães e com
isso foram criados dois Tabeliães pelo Assento da Junta de Administração, em 11
de Janeiro de 1792, que criou, entre outras, a Villa de Barbacena.
No Cartório do Primeiro Ofício de Notas, no período de 1808 até 1831,
foram Tabeliães: Luiz Gonçalves Lima, Antônio de Castro Lima, Felisberto de
Araújo Lima, Manoel de Araújo Lima, e nas ausências deste, serviram Ponciano
José de Lopes, José Venceslau Monteiro de Alvarenga, Joan Ferreira de Castro,
que era o oficial do segundo ofício de Notas, Cesário José da Silva, Francisco
Antônio de Ávila, José Ignácio da Silveira e por último, já no ano de 1827,
Raphael Pinto de Souza é nomeado Tabelião.
No Cartório do Segundo Ofício de Notas, no período de 1825 a 1831, o
Tabelião era Joan Ferreira de Castro e nas suas ausências serviram, Camillo
Moreira da Silva, José Ignácio da Silveira e Raphael Pinto de Souza, Tabelião do
Primeiro Ofício.

I.3. Tabelião de Notas e Suas Funções


A função de Tabelião foi criada com a introdução do Direito Romano nos
países em que o admitiu, pois a Europa feudal não conhecia esse ofício, já que os
contratos eram celebrados na presença do Castelão ou, muitas vezes, do Bispo, e
assinados por três ou mais testemunhas conforme a importância dos mesmos.
Os Romanos conheciam o Tabularius, o Notário propriamente dito, que
derivava seu nome de tabula, ou seja, a tábua coberta de cera que em Roma se
escreviam os contratos, testamentos, etc. E também, o Tabellio, que derivava seu
nome de tabella, isto é, pequena tábua em que os juízes lavravam suas sentenças
e outros atos públicos, e que substituiu aquele no tempo do Império pois reunia
outras funções que não só do Notariado, era também Escrivão.
O Tabelião de Notas corresponde ao Tabularius Romano e o do Judicial ao
Tabellio, por isso, entre nós, em muitas cidades, inclusive Barbacena, até a
Constituição de 1988, o Tabelião era também escrivão do judicial.
O Notário Romano tinha a função de lavrar os contratos privados, visto
que os Romanos da primitiva República não sabiam ler, mas os atos que
praticavam não tinham caráter público, não mereciam fé, como posteriormente
aconteceu com a criação do Tabellio. Mais tarde, foram criados os Tabeliães que
diferiam dos primeiros, porque só serviam homens livres e eram considerados
verdadeiros servidores públicos, com missão de aceitarem e aprovarem os
testamentos e lavrarem quaisquer atos.
Os tabeliães subsistiram à queda do Império Romano e na Alta Idade
Média distinguiram as funções de redação do texto e formulação do negócio
contratual, e aos conhecimentos gramaticais e retóricos se juntaram o saber
jurídico e a fé pública.
Em primeiro lugar, o notariado desenvolveu-se na Itália, a partir do século
XII, onde os notários eram nomeados uns pelo imperador, outros pelo papa e
redigiam uma infinidade de documentos, sendo seus atos instrumenta publica, ou
seja, fazendo prova plena.
O ato notarial é significativo devido à fé pública que o Estado lhe concede,
pois, nas palavras de Carlos Emérito Gonzalez, “tudo quanto se passa em
presença do notário é certo, é verdade, deve ser crível” (Apud DIP, Ricardo Henry
Marques, ¿Querem Matar as Notas?, in Registros Públicos e Segurança Jurídica,
pág. 98).
O Notário é hoje um agente particular que cumpre função pública, ou seja,
ele exerce função pública em nome do Estado. Ele se interage com a sociedade a
qual está arraigado, dela recebendo e a ela servindo, dando resposta para a
satisfação de interesses sociais e escopo à segurança pública.
Ele, no exercício de suas funções, age como depositário da confiança das partes,
isto é, depositário dos interesses valiosos delas e, muitas vezes, como verdadeiro
regulador da vontade das mesmas.
Sua função de assegurar o bem comum, que é uma das faces da segurança
pública, é tão importante que o eminente jurista e magistrado José Castán
Tobeñas afirma uma igualdade substancial entre as atividades do juiz e do
notário:
“La individualización y concreción del Derecho se realiza, tanto o
más que por la decisión jurisdiccional, por el negocio jurídico, que,
en su forma instrumental, autoriza y legitima el funcionario
notarial.
“Ahora bien: la igualdad substancial entre la actividad judicial y la
notarial, en la función de realizar el Derecho e infundir vida a las
normas, no excluye que cada una de estas actividades tenga
matices peculiares que merecen ser destacados y estudiados”.

E completa:
“En sus funciones asesora y modeladora, el Notario há de ser
ministro y guardián de la equidad, más bien que del Derecho
estricto - sacerdote, há dicho Azpitarte, más de la equidad que de la
ley farisaica -, proponiendo a las partes aquellas soluciones que
representem la más pura justicia en el caso concreto y elaborando,
en definitiva, com equitativa justeza, el Derecho aplicable a la
relación jurídica que sea objeto de la autenticación notarial” (Apud
DIP, Ricardo Henry Marques, op. cit., págs. 94 e 96).
O notário tem a missão de colocar em prática o direito, outorgando
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, “de tal
maneira que a finalidade da paz social se alcance integralmente” (MELENDO,
Santiago Sentís, El Notariado y la Soledad, apud PARIZATTO, João Roberto,
Serviços Notariais e de Registro, pág. 16).
A escritura pública é o ato autêntico, isto é, o ato que consubstancia a
vontade e o fato querido pelas partes e lavrado precisamente conforme a verdade,
já que aos oficiais públicos são conferidos poderes para instrumentar os atos que
lhe são ordenados pela lei ou pedidos pelas partes e lavrá-los conforme a
manifestação da vontade das partes, sob severas sanções. Ao encerrar um
documento colocando a expressão dou fé o Tabelião está atestando a veracidade
daquele documento, atestando, pois, que tal ato corresponde à verdade.
Já dizia o ilustre membro da Academia Brasileira de Letras, Menotti del
Picchia:
“...fazer uma visita a um tabelionato de notas é receber uma lição
de psicologia. É ali que rebenta a grande onda espumejante dos
negócios. Ali consolidam-se as fortunas e registram-se as
‘débacles’. No ato público há a confirmação da sorte que coroou o
dominador dos mercados ou a rendição do azarado ou do pródigo
forçado a vender seus últimos cacarecos. O ato notarial é uma
chancela do destino. ...”
“O colono que se vai fazer lavrador, com a compra de uns alqueires
de terra, entra no cartório como um crente entra num templo:
tímido, sinão apavorado. Ele não sabe por qual magia aquela pena
que raspa o grande livro de capa negra opera a transladação do
domínio e da posse, quebrando os latifúndios, arrancando nacos do
chão ao orgulhoso terra-tenente. O oficial público que realiza tal
prodígio passa para ele a ter a força de um mago. A leitura de uma
escritura, na voz tabelioa, - geralmente o Oficial acavala um
‘pince-nez’ no promontório do nariz - assume a invocação litúrgica
das potências do Estado o qual sanciona as vendas, dá prazos
fatais ao gravame das hipotecas, opera emancipação, libera de
ônus a propriedade.”(DEL PICCHIA, Menotti, A Mágica Tabelioa, in
A Gazeta, recorte sem número e data, 1947).

Capítulo II - DA FORMA DA ESCRITURA


II.1. O Formalismo Romano
Na Grécia os contratos e convenções se formavam apenas pela vontade das
partes, sem um certo formalismo que é característica do Direito Romano. A
República Romana deu fórmulas para os contratos, testamentos, ações, sem as
quais se poderia anular os mais importantes atos. Não se podia mudar ou alterar
nem sequer uma sílaba, pois as formas eram solenes, perpétuas e inalteráveis,
carregando uma escrupulosa superstição.
Foi Appio Cláudio encarregado de compor as fórmulas, escrevendo um
corpo prático delas, para fixar o estilo e modos de proceder, dando segurança e
uniformidade aos atos, indicando o lugar de certas cláusulas, tudo regularmente
com muita solenidade. Aparece-se, assim, a máxima “forma dat esse rei”.
O mestre Rudolf Von Ihering afirma: “inimiga jurada do arbítrio, a forma é
irmã gêmea da liberdade” (Apud AMADEI Vicente de Abreu, Serviço de Protesto
de Títulos Deve Ser Extinto?, in Serviços Notariais e de Registro, cit., pág. 106,
nota 4), num pensamento profundamente kantiano, pois que a função da forma é
evitar o conflito entre os arbítrios e garantir a liberdade.
Forma jurídica, neste sentido, é o elemento acidental, ou seja, o elemento
extrínseco do direito, a aparência jurídica que exterioriza a declaração de
vontade.
Assim, dentro de todo um contexto romanizado, a escritura pública
também adquiriu uma forma, uma aparência externa, que influenciou o Direito
Português e chegou até nós através das Ordenações.

II.2. A Forma da Escritura de Compra e Venda


Verificamos em todas as escrituras de compra e venda que foram
pesquisadas, dentro do período de 1808 a 1831, que a forma é uma só, sem
pontos importantes de distinção, mesmo tendo sido feitas por diversos Tabeliães.
Tomemos como modelo uma, dentre as oitenta e uma escrituras de compra
e venda lavradas no Cartório do Primeiro Ofício de Notas, neste interregno de
vinte e três anos:
“Escritura de compra e venda dívida e parte de paga e quitação
que fazem Antônio Gonçalves Campos e sua mulher Escolástica
Maria de Carvalho ao comprador José Francisco da Costa–
Saibão quantos este público instrumento de escritura de venda
parte de paga e quitação de dívida e obrigação ou como in direito
melhor nome lugar haja chamar-se virem que sendo no Anno de
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e nove
aos vinte e nove dias do mês de Mayo de ditto anno nesta Villa de
Barbacena, Minas e Comarca do Rio das Mortes em casa de
Morada de Manoel Carvalho Duarte aonde eu Tabelião ao diante
nomiado fui vindo e sendo ahy comparecerão partes ajustadas,
havidas e contratadas de huma como vendedores Antônio
Gonçalves Campos e sua mulher Escolástica Maria de Carvalho e
da outra como comprador José Francisco da Costa, este morador
do termo da Villa de São João e aquelles moradores no termo desta
Villa, pessoas reconhecidas de mim Tabellião pellos próprios de
que tracto e dou fé e por elles dittos vendedores perante as
ttestemunhas abaicho nomiadas e assignadas me foi dito que elles
heram senhores e possuidores com livre e geral administração de
humas tterras de cultura e campos de criar e casas de vivenda
cobertas de ttelhas e muinho e munjollo e mais plantas de Arvores
de Espinhos e outras bem feitorias na paragem denominada o Cítio
das Pedras no termo desta Villa, cujas tterras cinco partes das
mesmas ouveram elles vendedores por compra que dellas fizeram a
seus Irmãos o Alferes Francisco Gonçalves Campos e sua mulher
Anna Esméria e outra a Gabriel Gonçalves Campos e sua mulher
Geronima de Souza Neves e Domingos Gonçalves Campos e sua
mulher Francisca Angélica de Carvalho, e a Elias Gonçalves
Campos e sua mulher Maria Claudina e a Joam Gonçalves Campos
e sua mulher Lheonor Maria da Assunção assim como mais huma
parte de tterras no mesmo cítio tudo anecho que ouverão tão bem
elles vendedores por herança do Falecido Pay delles Vendedores
Gabriel Gonçalves Campos e sua mulher Anna Mauricia de Payva
tão bem mãy delles vendedores cujas tterras e Citio partem por hum
lado con tterras do Cap. Jacinto Gonçalves Campos e por outro
com o Capitão José Pereira de Alvim e por outro pello Rio das
Mortes com Olaria e com quem mays divida de partes cujos bens já
declarados neste instrumento disserão elles ditos vendedores que se
achavão justos e contractados a vender a José Francisco da Costa
como de facto vendido tem hoje para todo sempre muito de sua livre
vontades sem constrangimentos de pessoa alguma pelo preço e
quantia de hum conto cento e vinte e cinco mil réis, preço em que se
ajustaram a para esta conta já havião recebidos de mão do mesmo
comprador a quantia de trezentos e oitenta e cinco mil réis e desta
quantia lhe davão plena e geral quitação para nunca mais lhe ser
repetido em tempo algum e em Juízo ou fora delle per si e seus
erdeiros e sucessores e o Resto que he a quantia de setecentos e
cincoenta mil réis a pagamentos iguais e por tempo de quatro
annos que principião da data desta indiante que ficam fiados na
mão de ditto comprador pelo tempo estipulado e nesta forma
tenhão vendido e que dos referidos bens vendidos demitião deste da
posse, jus, domínio e ação que nelles tinhão transferião na pessoa
do mesmo comprador na forma que os possuiam para elle os poder
possuir, dominar e administrar, gozar, cultivar, desfructar, vender e
aliar perci e seus Erdeiros e fucturos sucessores como seus que são
e lhe ficam pertencendo porventura do presente instrumento e
contrato e dos referidos bens quer elle comprador thome posse
judicial quer não elles vendedores ohão por empossado pella
cláusula constitute e sendo presente o sobredito comprador José
Francisco da Costa por elle perante as mesmas ttestemunhas foi
ditto que aceitava esta escritura de venda e quitação que pellos
dittos vendedores lhe avia feito com todas as cláusulas, condições e
obrigações della e concequentemente todos os bens nelles
expressados e delles se dava por entregue e empoçado e que por
este mesmo instrumento se obrigava por sua pessoa e seus bens e
expecialmente com os mesmos bens comprados a pagar aos dittos
vendedores ou a quem este instrumento lho apresentar a referida
quantia de setecentos e cincoenta mil réis que lhe está restando
dentro do referido tempo de quatro annos com os pagamentos
iguais anualmente que correm da datta desta indiante e assim o
declaram, obrigarão, estipularão e aceitarão, a mim Tabellião
pediram que o presente instrumento nestas Nottas lhos lançace o
qual por me ser distribuido pello Distribuidor do Juizo o Tenente
Lauriano José de Castro pelo Bilhete seguinte – ALima= Antônio
Gonçalves Campos e sua mulher fazem escritura de venda de divida
e obrigação com parte paga e quitação de cinco partes de tterras
de cultura e campos no Cítio denominado das Pedras, assim mais
huma parte de tterras no ditto Cítio que foi dos falecidos seus pays
Gabriel Gonçalves Campos e Anna Mauricia pella quantia de hum
conto, cento e vinte e cinco mil réis por tempo de quatro annos com
trezentos e oitenta e cinco mil réis a vista com Comprador José
Francisco da Costa. Barbacena, 29 de Mayo de mil oitocentos e
nove. Castro. Eu, como pessoa pública estipulante, aceitante o estes
o estipulei e aceito em nome destas partes de quem mais tocar pode
e terem direito della nesta Notta a lancei aí assignarão com as
ttestemunhas presentes o Capitão Jacinto Gonçalves Campos e o
Ajudante Manoel Francisco Lima, estes moradores nesta Villa e
Termo todos depois de lhes ser lida e declarada por mim Antônio de
Castro Lima, Tabelião que a Escrevi. (aa) Antônio G.Campos.
Escolástica Maria de Carvalho. José Francisco da Silva. Jacinto G.
Campos. Manoel Francisco Lima. (sic)” (Livro de Notas n° 3, fls.
68 verso, pelo Tabelião Antônio de Castro Lima, Primeiro Ofício de
Notas, mantendo a grafia da época, conforme o documento).

A arcaica forma inicial do “Saibam quantos” lembra o grito do arauto na


praça pública lendo o edito real depois que o povo é reunido pelos clarins
oficiais. A referência à data e o lugar onde a escritura foi lavrada é conteúdo que
não pode faltar, conforme determina a Ord., Liv. 1°, Tít. 80, §7°, inclusive a
citação “ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo”.
A partir de 16 de abril de 1823 foi incorporado nas escrituras a frase: “ditto
anno nesta Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena, Minas, Comarca do Rio das
Mortes”. Pelo Decreto de 24 de fevereiro de 1823, confirmado pelo Alvará de 17
de março do mesmo ano, Sua Majestade, o Imperador Dom Pedro I, concedeu à
Vila de Barbacena o título de Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena, por ter
dado testemunho de amor e fidelidade ao Imperador e de firme adesão à causa da
Liberdade e Independência do Império, inclusive sendo a primeira vila a enviar
representação ao Príncipe Regente, datada de 27 de dezembro de 1821, no
sentido de apoiar a sua permanência no Brasil, que culminou com o ato histórico
do Dia do Fico.
De uma forma geral vemos que a escritura supra contém a nominação
contratual; a identificação das partes; a policitação, em que uma das partes
declara a intenção de praticar negócio jurídico da compra e venda; as condições
do pacto, abrangendo o valor, o preço e a forma de pagamento, com quitação
total ou parcial; a aceitação do comprador pela compra e quitação e a declaração
que o mesmo se obriga pelo pagamento da dívida; o encontro de vontades das
partes; os nomes das testemunhas e a menção de ter sido lida às partes, e, por
fim, as assinaturas do Tabelião, das partes, a que não souber assinar terá uma
outra testemunha assinando por ela, a seu rogo, e das duas testemunhas (É nesse
sentido que preceitua a Ord., Liv. 1°, Tít. 78, § 4°).
Quanto à nominação, encontramos três tipos: “Escriptura de compra e
venda paga e quitação”, quando o preço é todo pago no ato da escritura, dando os
vendedores a quitação total; “Escriptura de compra e venda parte de paga e
quitação”, quando o preço é dividido em um princípio de pagamento e o restante
em prestações futuras, dando os vendedores a quitação da parte paga e o
comprador se obrigando a pagar o restante; e, “Escriptura de compra e venda
dívida e obrigação” quando o preço é todo para prestações futuras.
Uma cláusula interessante que as escrituras apresentam, inclusive a supra
transcrita, é a estipulação e aceitação do Tabelião em nome das partes e outras
pessoas interessadas. A Ord., Liv. 4°, Tít. 63, princ., determina que o Tabelião
aceite escritura pela pessoa ausente, mas no caso de doação quando o donatário
não aceitou, e a prática ampliou esse dispositivo, fazendo ele constar em
contratos onerosos, como a compra e venda. Embora conste essa cláusula não
houve nenhuma escritura onde uma parte estava ausente, pois não há como o
Tabelião, por exemplo, aceitar a compra e o preço pelo comprador. Em contratos
onerosos não há presunção de aceitação, tem que haver o concurso de vontade
das partes.

Capítulo III - DAS PARTES NA ESCRITURA


O contrato de compra e venda necessita, como negócio jurídico que é, de
elementos essenciais, tais como, manifestação de vontade e capacidade das
partes, objeto lícito e a forma prescrita ou não defesa em lei. As partes na compra
e venda, como contrato bilateral, são, de um lado o vendedor e de outro lado o
comprador, podendo haver pluralidade de sujeitos tanto do lado vendedor, quanto
do comprador.

III.1. Conhecimento Pelo Tabelião


Para a validade da escritura era solenidade necessária o Tabelião conhecer
as partes e declarar esse fato, pois antigamente não se tinham documentos de
identificação. Se ele não conhecesse, era proibido lavrar a escritura, salvo se as
partes apresentassem duas testemunhas dignas de fé que fossem conhecidas
também do Tabelião (É nesse sentido que preceitua a Ord., Liv. 1°, Tít. 78, §6°).
Vimos em todas as escrituras que sempre o Tabelião declarava que
conhecia as partes. Não teve nenhuma escritura onde fosse declarado que as
partes não eram conhecidas do Tabelião e somente das testemunhas. Por outro
lado, também, não se menciona que as testemunhas fossem conhecidas das
partes, presume-se que fossem sempre conhecidas do Tabelião.
A identificação era feita somente pelo nome completo, sem qualquer outra
qualificação, como estado civil, profissão, filiação, etc. Em alguns casos,
contudo, se colocava a posição militar e social do cidadão, como Tenente,
Alferes, Sargento, Guarda-Mor, Capitão, etc., ou se religioso, dizia-se Referendo.
Essas qualificações vinham sempre antes do nome da pessoa, como se fosse
complemento de seu nome e não como indicativo da profissão, deste modo, por
exemplo: “o Tenente José Teixeira da Silva”, e não: José Teixeira da Silva,
tenente. No caso de ser viúva a mulher, se colocava o nome completo dela e em
seguida a expressão “viúva de...”, dizendo o nome do falecido marido, assim
como de ser filhos de pai falecido, se dizia “filhos órfãos de ...”, declarando o
nome do pai, mesmo estando viva a mãe.
Nas escrituras só compareceram como vendedores e compradores pessoas
físicas, não tem nenhuma parte que fosse pessoa jurídica, como corporações,
firmas sociais, massas falidas, etc.
Mostrou-se muito comum as partes serem representadas por procuradores
com poderes especiais para assinar a escritura, não importando se a procuração
era pública ou particular, isso devido talvez à distância em que o Tabelião se
encontrava das partes, pois a Vila de Barbacena tinha limites extensos,
abrangendo muitas freguesias distantes.

III.2. Vendedores
A qualificação da parte era deficitária, não se declarava o estado civil
delas, a não ser quando fosse mulher viúva, por isso a pessoa comparecia como
outorgante vendedor sem precisar provar ou declarar o estado civil.
Existiram casos em que as escrituras apresentam, como vendedores,
marido e mulher, justamente por atender ao preceito contido na Ordenação de
que o marido não pode alienar bens de raiz sem o expresso consentimento da
mulher, qualquer que fosse o regime de bens adotado no casamento (Conforme
Ord., Liv. 4°, Tít. 48, princ.)
Em uma escritura lavrada no ano de 1929, no Primeiro Ofício, consta uma
menção interessante ao dizer que o bem vendido, no caso, um sítio Caxoeirinha,
foi havido pelo vendedor no estado civil de viúvo com dinheiro emprestado e não
diz, nesta escritura, o seu atual estado civil. Isso nos leva a acreditar que
possivelmente o senhor em questão fosse novamente casado, mas que o bem era
individual seu não necessitando pois da assinatura de sua nova esposa. Não há
outra razão plausível para se expressar a forma como foi adquirido pelo vendedor
e o seu estado civil quando da aquisição.
Uma escritura, do ano de 1808, também do Primeiro Ofício, tem como
outorgantes vendedores uma senhora viúva e os herdeiros de seu falecido marido,
e como os herdeiros eram menores, compareceu o tutor dos mesmos assinando a
venda sem qualquer menção a uma autorização judicial ou mesmo do termo de
nomeação do tutor.
Outra, lavrada em 1828, do mesmo Ofício, compareceu como vendedora
uma viúva, declarando vender o bem, no caso, a Fazenda denominada Invernada,
e constando, em seguida à individuação do bem, que os órfãos, filhos da
vendedora, tinham a metade da Fazenda. Nesta não consta a presença de tutor ou
autorização judicial para a venda, e a viúva é a única vendedora de todo o bem,
embora diga que não é a única proprietária.
Quando era só a mulher vendendo, não se tinha nenhuma outra pessoa para
assisti-la, provando que as mulheres, independente de seu estado civil, já que não
constava, tinham capacidade e legitimidade plenas para o ato de alienar bens.

III.3. Compradores
Nas escrituras em que tem mulheres na qualidade de compradora também
não se apresentava outra pessoa para assisti-la, nem marido ou outro parente,
caracterizando que ela gozava de plena capacidade civil.
A maior parte dos contratos tem só uma pessoa como compradora. Mas
naqueles em que têm mais de um comprador, a venda era em conjunto, não
determinando a parte que cada um adquiria. Apenas uma escritura do Primeiro
Ofício, do ano de 1819, mostrou dois compradores de um mesmo imóvel, ou
seja, de uma fazenda, em que foi feito, logo depois da caracterização do bem, a
divisão das terras, descrevendo as confrontações e parte que cada comprador
estava adquirindo.
Uma escritura do ano de 1830, lavrada no Segundo Ofício, os compradores
são dois irmãos menores, então representados por seu Tutor, adquirindo a fração
de um terço de uma casa, tendo os compradores a outra fração da casa, sem
qualquer cláusula específica ou autorização judicial.
O comprador sempre declarava que aceitava a escritura com todas as suas
cláusulas e condições, aceitando a quitação do preço feita pelos vendedores, se
era todo o valor pago, ou, quando pagava alguma parte do preço e ficava devendo
o restante, aceitava a quitação dada pela parte paga e se obrigava pessoalmente e
por seus bens a pagar o que ficava a dever no tempo constante do acordo, aos
vendedores ou a quem o instrumento da escritura lhe fosse apresentado.

III.4. Intervenientes
Interveniente é aquela pessoa que, não fazendo parte do documento de
venda, pois não tem direitos como vendedor e nem como comprador, pode
comparecer para anuir na transação ou declarar alguma situação que interessa ao
negócio realizado.
Em uma única escritura, lavrada no Livro n° 3 do Primeiro Ofício, ainda
no ano de 1808, compareceu um interveniente declarando que a Chácara objeto
daquele instrumento tinha sido vendido à vendedora e estava sem embaraço
algum por ter recebido o justo preço.
Capítulo IV - DOS OBJETOS DA ESCRITURA
Além dos elementos essenciais a qualquer negócio jurídico, a compra e
venda requer seus elementos específicos, que lhe são essenciais, tais como,
consentimento, coisa e preço. Isso é herança do direito romano, do qual não se
desalinha o direito português, a nós transmitido pelas Ordenações (Conforme
Ord., Liv. 4°, Tít. 1, princ.)
Um contrato de compra e venda sem coisa é nulo, pois o consentimento
que se requer das partes é em relação ao objeto e o preço. O objeto deve ser
perfeitamente caracterizado pelos elementos que o individualizam e, no ato da
escritura pública, já deve estar determinado.

IV.1. Características
Quase oitenta por cento das escrituras têm como objetos bens imóveis
constituídos de fazendas, chácaras, sesmarias e terras de cultura e matos, nos
subúrbios da Vila de Barbacena e nas localidades pertencentes a este Termo.
Muitos imóveis são localizados no “caminho” para o Rio de Janeiro, já que
em Barbacena passava o “Caminho Novo”, estrada que ligava o centro-
oeste ao Rio de Janeiro, na rota do ouro. Esse “Caminho Novo”, cuja construção
se iniciou em 1698 e finalizou em 1724, partia da Borda do Campo, berço da
cidade de Barbacena, seguindo o curso dos rios Paraibuna e Paraíba, para
transpor a Serra do Mar e atingir a baía do Rio de Janeiro.
Constam muitos lugares distintos e alguns muito distantes da Vila, tais
como, “paragem Pedro Alves, no lugar Monte Claro, caminho do Rio de
Janeiro”; “cabeceira do Rio Paraibuna”; “paragem Antônio Dias”; “barra do São
Luis, no sertão do Monte Verde”; por “cima da Serra da Mantiqueira”; na “Serra
Bonita” do “Sertão da Paraíba”; na “Applicação da Senhora da Conceição do Rio
Novo”, todas localidades do Termo da Vila de Barbacena. Apenas uma escritura
do Segundo Ofício de Notas traz um bem localizado no Termo da Vila de São
José, vizinho ao Termo da Vila de Barbacena.
São poucos os imóveis localizados na zona urbana, considerando como tal,
a indicação de que o bem está situado numa rua. Essencialmente, só constou
morada de casas no “Largo da Matriz” e “Largo do Rosário”, na “Rua do
Rosário”; na “rua que vai para o Rosário”; na “rua de baixo do Rosário,
denominada de Olaria”; por “trás da Capela de Nossa Senhora do Rosário”, na
“Rua Direita” e uma rua com o interessante nome “rua jogo da Bolla”.
Os bens imóveis são vendidos como corpo certo e determinado, ou seja,
seguindo a cláusula ad corpus, não importando para o negócio a verificação da
área ou metragem do imóvel. Era citado o bem e determinado por sua localização
e seus confrontantes. Quando o bem não era determinado se mencionava como
“sorte” ou “porção” de terras. Somente em quatro escrituras há a citação da
quantidade de terras vendidas, mas a medida da época era denominada de
“corda”, então tem-se: seis cordas de terras na Fazenda tal; hum quarto e vinte e
seis e meia cordas de terras no sítio tal, etc. Embora conste a quantidade da área
negociada não há menção alguma se o negócio é feito com preponderância das
medidas, ou seja, se é uma venda ad mensuram. Houve somente uma escritura
em que constou que a quantidade de cordas vendidas foi judicialmente
demarcada dentro de uma sesmaria. Numa escritura em especial constou que a
Fazenda vendida tinha uma área de 160 alqueires de plantas, mais ou menos.
Em quatro escrituras, os bens imóveis vendidos são acompanhados de
alguns bens móveis sem descrever a quantidade e qualidade dos mesmos, sendo
que em uma delas também consta como objeto as criações, não dizendo de que
tipo. Noutras escrituras constam as descrições das árvores acessórias ao bem de
raiz, inclusive uma plantação de pés de café, bem como das benfeitorias
existentes com suas características de construção e uso e até mesmo, estado de
conservação.
Somente em três escrituras, dos anos de 1812, 1815 e 1825, no Primeiro
Ofício, junto ao bem imóvel, foram vendidos alguns escravos. Essa situação de
ter somente essas escrituras de venda de escravos em relação às negociações que
deveriam ser feitas no período compreendido pela pesquisa, já que abrange o
período escravista no Brasil, se deve ao fato de que as escrituras de compra e
venda de escravos podiam ser cumulativamente lavradas por Tabeliães, Escrivães
do Cível e dos Juízes de Paz. Apareceram somente a negociação dos escravos
junto com um bem imóvel, já que a venda de imóvel só podia ser realizada pelo
Tabelião das Notas.
Na primeira dessas transações foram alienados os seguintes escravos:
Antônio Simão, Pedro Angola, Roque e Lourenço, cada um por duzentos mil
réis; Francisca, mulher daquele, por cento e setenta mil réis; Francisco Mendes,
por duzentos mil réis; Felicianna, mulher deste, por cento e setenta mil réis; Joan
Antônio, Manoel Pereira, Gerônimo pardo, Manoel Francisco, Paullo, Severino
Crioulo, Joberto Pardo, José Antônio, Silvério Pardo e Antônio Francisco, cada
um por duzentos mil réis; José Crioulo, Manoel Joaquim e André Crioulo, cada
um por cento e setenta mil réis; Joaquim Congo, por cento e trinta mil réis; Diogo
e Leocádia, cada um por quarenta mil réis. Na segunda, constam os escravos:
Antônio Mulato e Braz Crioulo, cada um por cento e sessenta mil réis; Claudino
Crioullo, de 4 anos de idade, por cinqüenta mil réis; Dionísio Crioullo, de 3 anos,
por quarenta mil réis; Jacinta Crioulla, por cento e quarenta mil réis; Feliciana
Crioulla, por cento e cinqüenta mil réis; Danjanna Crioulla, de 6 anos, por
sessenta mil réis. E, na última destas escrituras, temos os escravos: Manoel
Cabra, João Congo, Manoel Cabundá, Francisco Congo, José Congo, Lourenço
Congo, sem declarar idade deles e pelo preço total de um conto, duzentos e
noventa e dois mil e trezentos réis e, que também são vendidos junto à um bem
imóvel e alguns móveis e criações.
Nessas transações dos escravos não há nenhuma cláusula ou condição, já
que na época eram permitidas as cláusulas de serem os escravos libertados ou não
libertados, de serem vendidos para fora de um lugar. Eram cláusulas imorais,
talvez por isso não constem, já que não eram toleradas pelas instituições
religiosas e políticas, além do que o senhor do escravo era somente dono dos
serviços deste e não do seu corpo, como entre os romanos, não podendo
determinar que fossem vendidos para lugar fora do Império.

IV.2. Título de Propriedade


As escrituras trazem declarações de que os vendedores são senhores e
possuidores dos bens vendidos, como é imprescindível, só não determinando ou
provando que isso seja verdadeiro. Em algumas poucas escrituras há a citação da
forma como os vendedores houveram os bens, que quase sempre era por herança
de alguém. Valia a palavra das partes, não era necessário prova. O título de
propriedade não era citado na escritura, presumindo com isso que não era
apresentado ao Tabelião para conferência.
Em duas escrituras consta que os títulos e documentos da propriedade
seriam entregues ao comprador. No primeiro caso, o bem alienado tinha sido
adquirido por cessão de Carta de Mercê de Sesmaria, e no outro, por arrematação
no Juízo da Provedoria de Ausentes na herança de um Padre intestado.
Há que se atentar para o fato de que o Registro da propriedade imobiliária,
como função do Estado, só foi instituído pelo Lei n° 1237 de 24 de setembro de
1864. Antes disso, era praticado pelos vigários quando em documento particular,
que era feito em duas vias, uma entregue ao vigário da paróquia dando o recibo
na via que ficava para o possuidor, conforme o Decreto1318 de 30 de janeiro de
1854.
IV.1. Transferência da Posse
Em todas as escrituras consta a cláusula constituti, isto é, a declaração que
o vendedor transferia ao comprador toda a posse, domínio, direito e ação que
tinha sobre o imóvel vendido, empossando-o através da escritura, mesmo que
continuasse com o imóvel em seu nome.
Pelo Direito Português, que filiou-se ao sistema alemão e romano, o
contrato de compra e venda, por si só, se limita a criar a obrigação de dar a coisa;
não transfere o domínio somente pelo consenso das partes. Para eficácia do
contrato é necessária a conjugação do titulus adquirendi com o modus
acquisitionis, isto é, há que se ter o contrato válido e a tradição da coisa, que para
imóveis se faz com a transcrição no registro competente. As vendas imobiliárias
realizadas no Brasil também seguiram essa determinação, embora não se criou
Registro de Imóveis.
Não tendo o Registro Público Imobiliário, nosso contrato de compra e
venda deveria transferir a propriedade, assim como o Direito Francês que
aglutina a obrigação de dar com a obrigação de transferir a propriedade e o mero
consentimento das partes transfere a propriedade, mas, adotava-se a regra do
Direito Português, sem ao menos preocupar com a existência legal necessária
para se realizar a tradição do bem imóvel. Vemos portanto, uma incongruência
muito grande por faltar legislação específica para os atos praticados em território
brasileiro. Ora, sem Registro de Imóveis, a escritura pública só transferia a posse
do bem, enquanto na realidade, era transferida a propriedade, já que o novo
comprador ficava proprietário do bem e podia fazer dele o que quisesse, não só
como possuidor.

Capítulo V - DO PREÇO DA TRANSAÇÃO


Outro elemento essencial ao contrato de compra e venda é o preço, ou seja,
o valor que as partes determinam para o bem alienado. O preço deve ser certo,
determinado pelas partes ou mesmo por um árbitro (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít.
1, princ.), e ser sério, pois se for irrisório não representará contraprestação da
entrega do bem, e constituirá o negócio feito em uma liberalidade.
Reclama também as Ordenações a equivalência do preço, pois se não fosse
justo poderia o negócio ser desfeito pela lesão da parte vendedora, quando
representasse menos da metade do justo preço (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 13,
princ.).

V.1. Valor Legal


O valor da transação de bens de raiz importa para a verificação da forma
legal exigida. Assim, é da essência do ato, a escritura pública, se o valor for
acima de determinada quantia. Para a venda de escravos, não determinava a lei
limite especial, devendo todas as transações, independente dos valores, serem
feitas por escritura pública. O negócio jurídico que não acolhe a forma legal, é
tido como nulo.
As Ordenações Filipinas, em seu Livro 3°, Título 59, determina que todos
os contratos tendo como objeto bem imóvel e a quantia da obrigação passar de
quatro mil réis (4$000), ou se for móvel e a quantia obrigada passar de sessenta
mil réis (60$000), devem ser firmados e feitos por escrituras de Tabelião público.
A legislação esparsa, como por exemplo, a Lei n° 840, de 15 de setembro
de 1855, em seu artigo 11, aumentou o limite dos imóveis, estipulando que “a
compra e venda de bens de raiz, cujo valor exceder de duzentos mil réis
(200$000), será feita por escritura pública, sob pena de nulidade” (Apud, Código
Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, recopiladas por Cândido
Mendes de Almeida. Livro Terceiro, fls. 651, nota 3, e Decreto n° 49 de 22 de
Janeiro de 1956), bem assim o Decreto n° 2.833, de 12 de outubro de 1861.
Vê-se que o valor de quatro mil réis era um limite muito inferior para uma
avença tendo como objeto um bem imóvel, pois constata-se nos contratos
pesquisados que o menor valor é de cinqüenta mil réis (50$000), numa escritura
lavrada no ano de 1812, para venda de uma chácara com uma casa arruinada. Já
para bens móveis, era um valor muito alto, pois não encontramos nenhuma
compra e venda especialmente de bem móvel, além do que, com cinqüenta mil
réis se conseguia comprar uma chácara.
Com isso, todas as negociações de bens de raiz se faziam perante o
Tabelião, e as negociações de bens móveis se faziam de modo particular. Era a
segurança do ato que se visava, com relação à importância do direito transmitido.

V.2. Moeda
A moeda em curso no Brasil, neste período, era a antiga moeda
portuguesa, real, em seu plural, réis. Já que o Brasil não tinha sua própria moeda,
e como as Ordenações determinam que o vendedor fica obrigado a receber
qualquer moeda corrente lavrada pelo cunho dos Reis portugueses, determinando
ainda a espécie da moeda (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 21, princ.). Era até
penalizado com prisão e açoitamento público, ou mesmo degradação para a
África, a pessoa que rejeitasse receber em moeda cunhada pelos Reis (Conforme
Ord., Liv. 4°, Tít. 22, princ.).
O pagamento poderia ser feito em moeda de ouro, de prata ou de cobre.
Algumas poucas escrituras apresentam, em seu corpo, a descrição da moeda
usada no pagamento, sendo muito usado as expressões “em moeda corrente de
Barra e Prata”, “em moeda metálica de prata e cobre”, “em notas com câmbio de
5%” e “em notas do Banco do Brasil”.
Para moedas de cobre, era permitido até um certo valor de acordo com a
quantia total da obrigação, representando essa espécie somente uma parcela do
pagamento, proibindo o pagamento total em moeda de cobre 4. Nas escrituras que
mencionam ter o vendedor recebido em moeda de cobre, não se relaciona a
quantidade entregue nessa espécie. Contudo, uma escritura, do ano de 1829, em
que o valor da venda foi de 1:200$000 (hum conto e duzentos mil réis) teve a
quantia de 600$000 pagos em moeda de cobre, respeitando o limite que as
Ordenações impunha para o pagamento nessa moeda; já que para esse valor, ou
seja, “sendo o pagamento de maior quantia, que cem mil réis, se poderá pagar a
razão de mil réis em cada cem mil réis, dos primeiros cem mil réis por diante”
(Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 21, princ.).
Duas escrituras, uma de março de 1813 e outra de dezembro de 1813,
trazem o preço estipulado em cruzados, embora transformado em réis, assim
descrito: “o preço é de 4.000 cruzados que é 1:600$000 réis” e preço de 3.000
cruzados com 300$000 réis a vista, e 900$000 fiados”; estabelecendo que um
cruzado eqüivalia a quatrocentos réis.

V.3. Forma de Pagamento


A forma de pagamento é um ponto interessante que podemos verificar nas
escrituras, já que existiam três formas: pagamento à vista; um princípio de
pagamento e o restante dividido; e, todo o valor financiado; elencando as
escrituras nos três tipos de nominação citadas no capítulo II, acima.
De todas as noventa e uma escrituras pesquisas, encontramos apenas trinta
e seis vírgula três por cento (36,3%) delas com pagamento tendo sido feito à
vista. É uma porcentagem muita pequena. As demais escrituras foram feitas com
pagamento parcelado, sendo que nestas, também trinta e seis vírgula três por
cento (36,3%) o pagamento foi feito com uma parcela de início, à vista e o
restante, como diziam “fiados na mão do comprador”, e, vinte e sete e meio por
cento (27,5%) tendo o valor da transação completamente financiado.
As dívidas assumidas pelos compradores, com relação ao preço da coisa
comprada, eram comumente anuais, desde um ano após a data da escritura e até
quinze anos, com uma escritura, em especial, tendo o prazo de dezenove anos
para completar o valor dos bens.
Os pagamentos feitos em meses também aconteciam, só que
representavam poucos negócios e sempre de valores pequenos, que poderiam ser
cumpridos facilmente em pequeno lapso de tempo. Mas não era pagamento
mensal, e sim com prazo de vencimento no decurso final do tempo de meses
determinado, correndo desde dois meses depois da data do instrumento público e
até oito meses.

V.4. Título de Garantia


Nessas escrituras com parcelamento, o comprador sempre assumia a
obrigação de pagar ao final do prazo estipulado, se comprometendo
pessoalmente. Não se mostrou comum dar algum título especial da dívida e
muito menos dar garantia especial do pagamento, na maior parte, a garantia é de
modo genérico, vinculando a pessoa do devedor e seus bens.
O título da dívida é a própria confissão do comprador e devedor, no corpo
da escritura, que não deixa de aparecer em nenhuma dessas escrituras, pois, a
escritura traz o negócio jurídico da compra e venda e o negócio jurídico da
confissão de dívida, conforme já se denota de sua nominação: “Escriptura de
compra e venda dívida e obrigação”.
Numa ou noutra escritura há garantias especialmente dadas, sempre
recaindo na própria coisa vendida, como por exemplo, a escritura que tem longo
prazo de dezenove anos, o vendedor determinou que os bens ali vendidos
ficassem inalienáveis pelo tempo em que não completasse o pagamento, ainda,
determinando a impenhorabilidade dos mesmos por dívidas pretéritas ou futuras
do comprador, nem mesmo em favor da Real Fazenda.
Até o ano de 1810 vigorava a regra das Ordenações em que o vendedor poderia
recobrar a coisa vendida, do comprador ou de quem a tivesse em seu poder, pela
falta do pagamento (Conforme Ord., Liv. 4°, Tít. 5, §2.). Mas essa norma foi
revogada pelo Alvará de 4 de setembro de 1810, onde o Príncipe Regente
determinou que ao vendedor só caberia ação pessoal contra o comprador que não
houvesse pago o preço, e não mais ação real para reaver a coisa vendida.

Capítulo VI - DOS IMPOSTOS E DOCUMENTOS


Toda escritura de compra e venda traz alguns encargos para as partes, tais
como o pagamento de impostos que recaiam sobre a transação e de taxas de
selos, apresentação de documentos necessários para a prova da quitação das
obrigações fiscais, procurações quando as partes são representadas, ficando tudo
isso consignado ao fim da escritura, antes das assinaturas.

VI.1. Imposto de Transmissão


O Príncipe Regente D. João VI, depois denominado Rei, tão logo chegou
ao Brasil, tratou de legislar em favor de sua Real Fazenda, estabelecendo
onerosos atos para seus “fiéis vassalos” e entre esses, o mais gravoso foi a
estipulação do imposto da Sisa.
A palavra Sisa ou Siza vem do latim excidere que significa cortar, separar,
é a denominação do imposto que recaia percentualmente sobre os valores da
compra e venda. Este imposto foi introduzido em Castella pelo Rei Dom Sancho
em 1285, passando para Portugal, onde foi introduzido por D. Affonso II e D.
Affonso V que o regulou por um Regimento de 27 de setembro de 1476. Era um
imposto temporário destinado às despesas de guerra e que se transformou em um
tributo definitivo. No Brasil só foi admitido depois do Alvará de 3 de junho de
1809, que tinha força de lei, começando imediatamente a ser arrecadado.
Embora esse Alvará deixa expresso a preocupação da Vossa Alteza em
“gravar o menos possível, o livre giro das transações” (Alvará de 3 de junho de
1809, em Anexos, Leis do Império do Brasil. In: IRIB - Instituto de Registro
Imobiliário do Brasil, on line. Disponível em: http://www.irib.org.br/) de
domínio feitas em todo território brasileiro e domínios ultramarinos, o imposto da
siza foi fixado em dez por cento (10%) sobre os valores das compras, vendas e
arrematações de bens de raiz e em cinco por cento (5%), ou seja, meia-siza, dos
preços das compras e vendas dos escravos ladinos; não isentando pessoa ou
corporação alguma.
Assim, com esse ônus pesadíssimo sobre as transações de compras e
vendas, as escrituras passaram a constar a prova de quitação do imposto, já que a
venda sem pagamento da respectiva siza era considera nula, por força do mesmo
Alvará. Contudo, somente a partir do ano de 1811 é que aparece a primeira
escritura contendo a transcrição do talão do conhecimento de recebimento da siza
pelo Tesoureiro da Real Fazenda, antes desse ano não há qualquer menção sobre
a siza.
As partes podiam convencionar a quem recaia a obrigação de pagar a siza,
se ao comprador ou ao vendedor. Ela era cobrada integralmente sobre o valor da
venda, mesmo que o pagamento fosse fiado e parcelado para o futuro. Isso
obstava as transações, pois se o comprador não tinha todo o recurso para fazer o
pagamento do preço do bem, e muitas das vezes, nem tinha um valor para
princípio de pagamento, perderia o negócio, ou teria que esperar para realizá-lo,
já que não se podia também parcelar o pagamento da siza. Como as negociações
parceladas eram as mais procuradas, importando um grande número de escrituras
assim lavradas, os governantes perceberam que também estavam deixando de
receber seu imposto se o negócio não se verificasse, e pela Carta Régia, de 02 de
outubro de 1811, ficou determinado que a siza fosse cobrada na proporção das
parcelas. O valor que se pagasse à vista, pagava a décima sobre ele e, sobre as
demais parcelas à prazo, ficavam as partes obrigadas a pagar a décima quando de
seus vencimentos, na forma que ajustassem. As escrituras sempre indicam quem
responderá pelo pagamento da siza futura, se o vendedor, o comprador, ou os
dois e em que proporção.
VI.2. Taxas Próprias
Além da siza nas vendas de imóveis e da meia-siza nas vendas de
escravos, existia uma taxa de selo, surgida a partir de 1818 e, que constava no
talão de conhecimento do pagamento da siza, em traslados de procurações
públicas ou particulares apresentadas nas escrituras, nos bilhetes que distribuíam
as escrituras entre os Tabeliães.
Esse selo era aposto em cada documento que se emitia, sendo que no talão
da siza e nas procurações, o seu valor era de quarenta réis. Nos bilhetes de
distribuição, o seu valor era de dez réis.
Em cada escritura de compra e venda lavrada no Livro de Notas dos
Cartórios não existe nenhum selo aposto nem menção de se ter pago alguma taxa
relativa a selo para esse ato.

VI.3. Documentos Necessários


Existiam documentos imprescindíveis para a lavratura da escritura que as
partes deveriam apresentar ao Tabelião, alguns até inquinavam o documento de
nulidade se não apresentado.
Num lugar onde houvesse mais de um Tabelião, nenhum deles poderia
lavrar escritura alguma sem que fosse a mesma distribuída à ele, pelo
Distribuidor oficial, sofrendo as penalidades impostas pelas Ordenações
(Conforme Ord., Liv. 1°, Tít. 78, §1). Em Barbacena, como existiam dois
Tabeliães, não se podia deixar de verificar essa primeira formalidade, atendendo
assim, uma exigência que tinha por finalidade igualar o serviço entre todos os
Tabeliães.
A parte, ou alguém por ela, devia comparecer perante o distribuidor e
comunicar-lhe o ato a ser celebrado, dando os nomes dos outorgantes e
outorgados e, no caso de venda, o bem vendido e seu preço e forma de
pagamento (Conforme Ord., Liv. 1°, Tít. 85, §1). O bilhete feito pelo distribuidor
era então apresentado ao Tabelião indicado e, mesmo não havendo disposição
legal que mandasse o Tabelião transcrevê-lo, em sua íntegra, na escritura,
verificamos que as escrituras trazem essa transcrição. Não vimos nenhuma
escritura que faltasse a menção ao bilhete de distribuição, mas mesmo que isso
acontecesse, não gerava a anulação do instrumento.
Outro documento imprescindível era a certidão de pagamento da siza, ou o
talão de conhecimento que declarava o nome dos contraentes e dos bens
vendidos, seu preço, com o valor da parte paga ao recebedor ou escrivão das
sizas, com assinatura deste, dia e lugar em que foi passado. Esse conhecimento
era obrigatório incorporá-lo verbo ad verbum no corpo da escritura, sob pena de
nulidade da escritura que assim não se verificasse (Conforme Ord., Liv. 1°, Tít.
78, §14).
Nas escrituras lavradas no Cartório do Primeiro Ofício, no período de
junho de 1815 a julho de 1816, o Tabelião só mencionou que o conhecimento lhe
foi apresentado e a siza foi paga, dando fé por isso, não fazendo constar do
documento a transcrição literal do talão de conhecimento respectivo. No ano de
1817, o Juiz determinou, em correição realizada, que o Tabelião copiasse todos
os bilhetes de pagamento da Siza das escrituras daquele Livro, assim como os
bilhetes de distribuição. Segue-se à essa determinação judicial a cópia integral
dos documentos exigidos referentes às escrituras anteriormente feitas, fazendo
remissão à página do livro que estava situada cada escritura.
Se a venda fosse à vista, sua respectiva siza também era paga à vista, e o
talão do conhecimento era fornecido dizendo o valor que foi pago por ela. Se a
venda fosse feita com parte paga e parte fiada, eram emitidos dois talões de
conhecimentos, um sobre o valor pago à vista e outro sobre o valor ou valores
que se ficavam a dever, com suas datas de vencimentos e a declaração de quem
ficava responsável pelo seu pagamento, se vendedor ou comprador. Esse talão era
denominado de talão ou carga de lembrança da siza fiada. Sendo todo financiado
o valor da venda, emitia-se somente o talão de lembrança da siza fiada, indicando
os valores das parcelas a serem pagas e as datas das mesmas.
Quando as partes eram representadas por procuradores era necessário
apresentar o mandato que era incorporado à escritura. Essa procuração não
importava se fosse feita por instrumento público ou particular, e independente da
forma, era integralmente copiada na escritura.
Uma escritura do ano de 1830 traz a cópia de um documento interessante.
O casal vendedor nomeou representante através de procuração pública feita na
comarca do Rio de Janeiro. Existe nessa escritura uma carta encaminhada ao
Coronel Juiz de Paz pelo vendedor onde pede autorização para que o escrivão
tome a procuração dele vendedor e de sua mulher gravemente enferma. Ora, a
procuração foi feita no Rio de Janeiro, não importava mais esse pedido.

Capítulo VII - CONCLUSÃO


A compra e venda sempre foi contrato presente nas relações humanas em
seu relevante papel de natureza econômica, fomentado a circulação das riquezas,
principalmente depois que se descobriu uma mercadoria que era considerada
como o denominador comum das trocas. Assim, mesmo numa época em que
estávamos sob o julgo de Portugal, ainda no período colonial, não deixaram os
brasileiros e residentes no Brasil de se relacionarem fazendo vínculos de dever e
prestação. Faziam muitos negócios jurídicos e entre eles, muita compra e venda,
principalmente as que tinham por objeto bens imóveis, que ficaram registradas
para a eternidade nos Livros de Notas dos Tabeliães barbacenenses.
Não se pode negar, contudo, que com a vinda da Família Real para o
Brasil e a administração advinda de Lisboa, a Colônia recebeu ares de Estado.
Mas sua Real Alteza estava preocupada com a Metrópole e aqui reinou
provisoriamente, pensando em voltar à Europa. Não nos legou legislação própria
e nem se preocupou com as diferenças que os costumes daqui influíam nos
negócios jurídicos. Ao contrário, preocupou-se em legislar em prol da Real
Fazenda, impondo leis antigas, que a Europa criou em tempos de guerra, mas que
era interessante manter indefinidamente.
Impôs-nos uma legislação para arrecadar porcentagem em cada compra e
venda feita nos domínios pertencente à Coroa Portuguesa, com uma elevadíssima
fração de dez por cento do valor da negociação, quando bens imóveis e de cinco
por cento do valor, quando o ato era a alienação de escravos.
Pudemos ver que isso se tornou um ônus alto para as negociações, uma vez
que a maior parte das vendas eram feitas parceladamente, embora o imposto era
arrecadado à vista pelo Tesoureiro de sua Alteza. O negócio era feito entre
comprador e vendedor, o objeto pertencia ao vendedor que buscava o preço justo
para alienar seu bem, mas primeiro as partes precisavam se preocupar com o
imposto da realeza e, só depois dele quitado é que poderiam ir buscar a
transcrição do negócio junto ao Tabelião indicado; só depois dele quitado é que
se poderia negociar a forma de pagamento e as datas de recebimento.
Era uma incongruência tão grande que sua Alteza Real acordou para a
injustiça desse ato e, num ato nobre, prescreveu que se poderia também fracionar
o valor do imposto, assim como se fracionava o valor da negociação. Assim ficou
mais justo, o negócio não ficava prejudicado ao impor o pagamento total do
imposto mesmo antes do vendedor receber alguma parte do preço. Nas vendas
parceladas, parcelava-se na mesma proporção a décima ou a quinta da Fazenda
Real. Contudo, só deixaram fracionar o imposto, mas não pensaram em diminuir
a porcentagem, os fiéis vassalos que se acostumassem com os ônus por estarem
hospedando a Família Real.
Mas o Brasil era grande, a lei que era criada nos palácios reais do Rio de
Janeiro, demorava alguns anos para entrar em vigor noutras partes da Colônia. E
assim se deu em Barbacena, que, embora estando no Caminho para o Rio de
Janeiro, a poucos dias de viagem da Capital do Reino, só começou a cobrar o
imposto da siza dois anos depois que a lei já existia.
Prescrevia essa lei que venda nenhuma podia ser feita sem antes arrecadar
ao Tesoureiro Real o valor da siza, se assim não o fizessem, era nula a
negociação. Mas nada aconteceu com as vendas feitas no período desses dois
anos entre o Alvará de criação da siza e quando realmente começou a figurar nas
escrituras a transcrição do talão de recebimento. As escrituras continuaram a
valer mesmo a lei considerando-as como nulas, pois nenhuma dessas escrituras
irregulares foi feita novamente, ou mesmo, não houve ato algum revalidando as
transações feitas ou declarando-as nulas.
A falta de atenção com a legislação aqui vigorante em contraposição com a
realidade local, fez surgir direitos incompletos ou desfigurados. Um exemplo é o
fato de se ter adotado a compra e venda como em Portugal, nos moldes do direito
alemão, em que o contrato só gera obrigação e não transfere a propriedade. A
propriedade só se transfere com a tradição da coisa, que para imóveis se faz com
a tradição solene, registrando a escritura no Registro Imobiliário. Mas
esqueceram de criar os registros de imóveis. As escrituras eram feitas imitindo o
comprador na posse do imóvel, mas não se podia transferir a propriedade por não
ter como fazer a tradição solene. O adquirente comprava, recebia a posse do
imóvel, pagava o preço e se apresentava como dono, mas pela lei não o era.
Apesar dessas discrepâncias legislativas surgidas pelo descaso de Portugal
como suas colônias e seus vassalos, os Tabeliães de Notas aqui estavam, agindo
numa função de natureza social, garantindo a moralidade e legalidade da vontade
das partes. Sendo o depositário da confiança das partes, exercendo atuação
essencial, preventiva e inibidora de futuros conflitos, legaram-nos um repositório
público de informações, com uma base territorial bem delimitada.
O notariado no Brasil surgiu das sementes trasladadas de Portugal através
das Ordenações que prescreviam e delimitavam as funções de um Tabelião.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal declarou que as regras das
Ordenações que não foram revogadas continuam em vigor, principalmente as que
tratam das escrituras e funções tabelioas.
Por isso, todas as escrituras pesquisadas mostram-se semelhantes, num
formalismo de linguagem e estrutura que ainda é usado até os dias de hoje.
Assim, mesmo não se tendo uma legislação voltada para os interesses do
Brasil, os Tabeliães davam segurança aos atos dos súditos da Coroa Portuguesa e,
principalmente com relação ao contrato de compra e venda, que sempre foi de
relevante importância nas relações pessoais, esses homens dotados de fé pública,
revestiam-no da forma necessária para aplicação das leis civis.

Anexos
Normas, legislações e demais resoluções utilizadas na pesquisa e neste
trabalho citadas, transcritas na forma arcaica do português assim como consta dos
documentos:

Ordenações Filipinas
Primeiro Livro

Título LXXVIII
Dos Tabelliães das Notas.

“Em qualquer cidade, villa, ou lugar, onde houver casa deputada para os
Tabelliães das Notas, starão nella pela manhã, e à tarde, para que as partes, que
os houverem mister para fazer alguma scriptura, os possam mais prestes achar.
1- Mandamos, que onde houver dous Tabelliães das Notas, ou mais, nenhum
delles faça scriptura alguma, sem lhe ser distribuida pelo Distribuidor. E
fazendo o contrario, pela primeira vez será suspenso do seu Officio per seis
mezes, e pague dous mil réis para que o accusar: E pela segunda privado delle.”
...
“4- E screverão em hum livro, que cada hum para isso terá, todas as Notas dos
contractos que fizerem. E como forem scriptas, logo as leam perante as partes, e
testemunhas, as quaes ao menos serão duas. E tanto que as partes outorgarem,
assinarão ellas, e as testemunhas. E se cada huma das partes não souber
assinar, assinará por ella huma pessoa, ou outra testemunha, que seja além das
duas, fazendo menção, como assina pela parte, ou partes, porquanto ellas não
sabem assinar. E se em lendo a dita Nota for emendada, accrescentada per
entrelinha, mingoada, ou riscada alguma cousa, o Tabellião fará de tudo
menção no fim da dita Nota, antes das partes e testemunhas assinarem, de
maneira que depois não possa sobre isso haver duvida alguma.”
...
“6- E se os ditos Tabelliães não conhecerem algumas das partes, que os
contractos querem firmar, não façam taes scripturas: salvo se as partes
trouxerem duas testemunhas dignas de fé, que os ditos Tabelliães conheçam, que
digam que as conhecem. E no fim da Nota, os Tabelliães façam menção, como as
ditas testemunhas conhecem a parte, ou partes, as quaes assi mesmo assinarão
na Nota.”
...
“14- E não farão Carta alguma de venda, nem outro contracto de bens de raiz,
nem de cousa alguma, de que se deva Sisa, sem primeiro as partes lhes
presentarem certidão do Juiz do lugar, em que os taes bens de raiz stiverem, em
que se declare, como pagarão a Sisa, e fica entregue ao Recebedor. Na qual
certidão serão declarados os nomes dos contrahentes, e dos bens que se vendem,
e do preço, e em que parte stão, e o nome do Recebedor, e será feita pelo Scrivão
das Sisas do tal lugar, e assinada por elle, e pelo Juiz e Recebedor, e será
incorporada de verbo ad verbum nos ditos contractos. E o Tabellião, que o assi
não cumprir, perderá o Officio; e as scripturas que se fizerem contra fórma desta
Ordenação, serão nullas e de nenhum effeito. E as proprias partes ou seus
herdeiros poderão annullar os ditos contractos em qualquer tempo que quizerem,
e cobrar as novidades das ditas propriedades, desde o tempo que assi
contractaram. E não escusará aos Tabelliães da dita pena presentar as proprias
certidões, de como fica paga a Sisa, se não forem trasladadas nas scripturas. E
isto mesmo se guardará nos bens, que se venderem em pregão: nos quaes os
Scrivães, que fizerem as remataçòes, serão obrigados do dia da rematação a tres
dias, o fazerem screver no Livro das Sisas, e cobrar certidão do Scrivão dellas,
de como ficão assentadas. E o mesmo se guardará nas vendas e trocas, que se
fizerem de Náos, Navios, Barcas, e Bateis. E na Cidade de Lisboa se apresentará
certidão do Scrivão das Sisas do ramo, a que pertencer, assinada por elle, e pelo
Almoxarife da Casa.”
Título LXXX
Das causas, que são communs aos Tabelliães das Notas e aos do Judicial.
“7- E nas scripturas, que fizerem ponham sempre juntamente o dia, mez, e anno
do Nascimento de Nosso Senhor JESU CHRISTO, e não separado, como atéqui se
fazia, e a cidade, villa, ou lugar e casa, em que as fizerem, e assi os seus nomes
delles Tabelliães, que as fazem.

Título LXXXV
Dos Distribuidores das cidades, villas e lugares do Reino.

“1- E onde houver dous Tabelliães das Notas, ou mais, distribuirá entre elles
o Distribuidor dos Tabelliães do Judicial. Porém nos lugares onde houver muitos
Tabelliães das Notas, haverá hum Distribuidos apartado do dos Tabelliães do
Judicial; o qual será obrigado estar no Paço dos Tabelliães das Notas tres horas
pela manhã, e tres horas à tarde continuamente. E o Distribuidor, que distribuir
as scripturas entre os Tabelliães das Notas, assentará no livro da distribuição os
nomes das partes, que fizerem os contractos, e as cousas sobre que se fazem,
dizendo: Item a N. e N. Tabellião huma scriptura de venda de humas casas que
N. vendeo a N.”

Terceiro Livro

Título LIX
Das provas, que se devem fazer per scripturas publicas.

“Todos os contractos, avenças, convenças, pactos, composições, compras,


vendas, escaimbos, permutações, dotes, arras, doações, stipulações, promissões,
aforamentos, arrendamentos, emprestimos, encomendas, guardas, depositos e
quaesquer outros contractos de qualquer natureza e condição que sejam, assi
perpetuos, como a certo tempo, e per qualquer nome per Direito, ou costume de
nossos Reinos nomeados, ou sejão de maior, ou menor condição, ou de maior ou
menor força e virtude, que estes aqui declarados, que quaesquer pessoas, assi
publicas, como privadas, Concelhos, Communidades, Collegios, Confrarias, e
assi homens, como mulheres, de qualquer stado, e condiçào que sejam, fizerem, e
affirmar quizerem em nossos Reinos e Senhorios, se forem sobre bens de raiz, e a
quantia da obrigação passar de quatro mil réis, ou se forem sobre bens e cousas
moveis, e a quantidade da divida passar de sessenta mil réis: e bem assi todas as
pagas, quitaçòes, soluções, renunciações, transações, remissões, divisões, e
partições de heranças, e de quaesquer outros bens, revogaçòes, spaços de
dividas e de quaesquer obrigações, pacto, ou convença de não demandar, e
outras quaesquer innovaçòes dos ditos contractos, ou firmidões, ou de outros, de
qualquer natureza e condição sejam, assi reaes, como pessoaes, que por razão
de feitos crimes, quer civeis, que passarem das ditas quantias de sessenta mil
réis nas cousas moveis, e de quatro mil réis nos bens de raiz, sejam firmados e
feitos per scripturas per Tabelliães publicos, ou Scrivão authentico, que para
isso tenha autoridade, perante testemunhas, ou per nossas Cartas. E em taes
casas, em que segundo disposição desta lei se requere scriptura publica, não
será recebida prova alguma de testemunhas: e se forem recebidas testemunhas,
tal prova será nenhuma, e de nenhum effeito, posto que a parte o não opponha.”

Quarto Livro

Título I
Das compras e vendas, que se devem fazer por preço certo.
“As compras e vendas que se podem fazer, não sómente quando o vendedor e
comprador stão presentes e juntos em hum lugar mas aindaque o vendedor stê
em hum lugar e o comprador em outro, consentindo ambos na venda, e
acordando-se per cartas, ou mensageiros, contentando-se o comprador da cousa
e o vendedor do preço.
E póde-se isso mesmo fazer a venda, postoque a cousa comprada não stê
presente diante o comprador e o vendedor, consentindo ambos na venda.”

Título V
Do comprador, que não pagou o preço ao tempo, que devia, por a causa não ser
do vendedor.
“2- E se o vendedor ao tempo do contracto deu spaço ao comprador para lhe
pagar o preço, se lh’o elle não pagar ao tempo, que lhe foi outorgado, poderá o
vendedor logo cobrar a cousa do comprador, se a tiver em seu poder, ou de
qualquer outra pessoa, em cujo poder a achar.
E não se poderá escusar de lha tornar, posto que lhe offereça o preço, pois lho
não pagou, nem offereceu ao tempo, que se obrigou.
Porém, se o vendedor quizer antes haver o preço, que a cousa vendida, podel-
o-ha demandar e haver, quando lhe aprouver.”

Título XIII
Do que quer desfazer a venda, por ser enganado em mais da metade do justo
preço.

“Posto que o contracto da compra e venda de qualquer cousa movel, ou de


raiz seja de todo perfeito, e a cousa entregue ao comprador, e o preço pago ao
vendedor foi enganado além da metade do justo preço, póde desfazer a venda
per bem do dito engano, ainda que o engano procedesse do comprador, mas
sómente se causasse da simpleza do vendedor. E poderá isso mesmo o
comprador desfazer a compra, se foi pela dita maneira enganado além da
metade do justo preço. E entende-se o vendedor ser enganado além da metade
do justo preço, se a cousa vendida valia por verdadeira e commum estimação ao
tempo do contracto dez cruzados, e foi vendida por menos de cinco. E da parte
do comprador se entende ser enganado, se a cousa comprada ao tempo do
contracto valia por verdadeira e geral estimação dez cruzados, e deu por ella
mais de quinze.”

Título XXI
Em que moedas farão os pagamentos do que se compra, ou deve.

“Postoque alguns compradores e vendedores, e outros contrahentes se


concertem, que se haja de pagar certa moeda de ouro, ou de prata, será o
vendedor obrigado receber qualquer moeda corrente lavrada de nosso cunho, ou
dos Reys, que ante Nós foram na valia, que lhe per Nós fôr posta.
E por quanto alguns maliciosamente buscam moedas de cobre, para pagar
suas dividas, havemos por bem que em todo o pagamento, que se fizer, se receba
a moeda de cobre por esta maneira.
Sendo o pagamento da quantia de cincoenta réis se poderá fazer todo em
cobre, e de cincoenta réis até duzentos, se pagará cincoenta réis em cobre, e de
duzentos até mil se poderá pagar a quarta parte em cobre, e de mil até dous mil
e quinhentos, se poderá pagar em cobre duzentos e cincoenta réis: e dois mil e
quinhentos até dez mil réis, a decima parte.
E de dez mil até vinte mil, não serão as partes obrigadas tomar em cobre mais
que mil réis. E de vinte mil réis até cem mil réis, a vintena parte sómente. E
sendo o pagamento de maior quantia, que cem mil réis, se poderá pagar a razão
de mil réis em cada cem mil réis, dos primeiros cem mil réis por diante. E as
partes serão obrigadas ao receber pela dita maneira, sob as penas conteúdas no
titulo seguinte.”

Título XXII
Que não se engeite moeda d’El-Rey.

“Qualquer pessoa, que engeitar nossa moeda verdadeira lavrada de nosso


cunho, se fôr peão, seja preso e açoutado publicamente, e sendo homem, que não
caibam açoutes, seja preso e degradado para a Africa per dous annos; e esta
mesma pena, haverá o que engeitar moeda de ouro, que a estes nossos Reinos
vier de fóra delles. Porém, se as ditas moedas de ouro, assi de nossos Reinos,
como de fóra delles, e bem assi a nossa moeda dos tostões forem de menos peso
do que devem ser, segundo sua Lei e peso, poder-se-hão engeitar sem pena
alguma, salvo se a parte, que a der, quizer refazer a justa valia do que menos
pesa, porque em tal caso a não poderão engeitar, e engeitando-a, incorrerão nas
penas sobreditas.”

Título XLVIII
Que o marido não possa vender, nem alhear bens sem outorga da mulher.

“Mandamos, que o marido não possa vender, nem alhear bens alguns de raiz
sem procuração, ou expresso consentimento de sua mulher, nem bens, em que
cada hum delles tenha o uso e fructo sómente, que sejam casados por carta de
metade, segundo costume do Reino, quer por dote e arras.
O qual consentimento se não poderá provar, senão per scriptura publica; e
fazendo-se o contrario, a venda, ou alheação seja nenhuma, e sem effeito algum.
E postoque se allegue que a mulher consentio, e outorgou na venda, ou
alheamento caladamente, tal outorga tacita não valha, nem seja alguém
admitido a allegar, salvo allegando outorga expressa e provando-a; porque
muitas vezes as mulheres por medo, ou reverencia dos maridos deixam
caladamente passar algumas cousas, não ousando de as contradizer por receio
de alguns scandalos e perigos, que lhes poderiam vir.
Porém não tolhemos ao marido, que possa vender, ou renunciar qualquer
Officio que tiver, posto que a mulher não consinta.”

Legislação Extravagante

Lei de 20 de Outubro de 1823 (Apud, Código Philippino ou Ordenações e Leis


do Reino de Portugal, ob. cit., pág. LXXV)
“Manda vigorar no Imperio as Ordenações, Leis e Decretos
promulgados pelos Reys de Portugal até 25 de Abril de 1821; e,
depois dessa epocha, as do Regente D. Pedro e as das Côrtes
Portuguezas, enumeradas em huma tabella.”

“D. Pedro I, por graça de Deos e unanime acclamação dos Povos,


Imperador Constitucional e Perpetuo Defensor do Brazil, a todos os nossos fieis
subditos, saúde. A Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do
Brazil tem decretado o seguinte:
A Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brazil
decretada:
Art. 1°- As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções
promulgadas pelos Reys de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o
dia 25 de Abril de 1821, em que S.M. Fidelissima, actual Rey de Portugal e
Algarves se ausentou desta Corte, e todas as que forão promulgadas daquella
data em diante pelo Sr. D. Pedro de Alcantara como Regente do Brazil emquanto
Reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigio em Imperio,
ficão em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas, para por
ellas se regularem os negócios do interior deste Imperio, em quanto se não
organisar hum novo Código, ou não fôrem especialmente alteradas.
Art. 2°- Todos os Decretos publicados pelas Côrtes de Portugal, que vão
especificados na tabella junta, ficão igualmente valiosos emquanto não fôrem
expressamente revogados.
Paço da Assembléa, em 27 de setembro de 1823.
Mandamos, portanto, à todas as autoridades civis, militares e
ecclesiasticas que cumprão e fação cumprir o referido Decreto em todas as suas
partes, e ao Chanceller-mór do Imperio que o faça publicar na Chancellaria,
passar por ella e registrar nos livros da mesma Chancellaria a que tocar,
remettendo os exemplares delle a todos os lugares á que se costumão remetter, e
ficando o original ahi até que se estabeleça o Archivo Publico, para onde devem
ser remettidos taes diplomas.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos 20 dias do mez de outubro de
1823, 2° da Independencia e do Imperio.
IMPERADOR com guarda.
José Joaquim Carneiro de Campos.”

Assento da Junta Sobre a Creação das Villas de São Bento de Tamanduá, Queluz
e Barbacena (Apud, SAVASSI, Altair José, Barbacena, 200 anos, volume 1, pág.
115)

“Aos onze dias do mês de janeiro do corrente anno de mil, setecentos e noventa e
dous nesta Villa Rica de Nossa Senhora do Pillar de Ouro Preto na Meza da Junta
da Administração, e arrecadação da Real Fazenda desta Capitania, a que Prezidia
o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Visconde de Barbacena do Conselho de
Sua Magestade Governador, e Capitão General da mesma Capitania, estando
presentes os Ministros, Deputados da dita Junta abaixo assignados, perante elles
foi dito pelo referido Illustrissimo e Excellentissimo Senhor, que tendo sido
repetidos os Requerimentos de alguns dos povos da mesma Capitania muito
principalmente dos moradores das Freguezias de São Bento de Tamanduá,
Carijós, e Igreja Nova, em que lhe pedião fosse servido crear, e erigi em Villas
cada huma das ditas Freguezias, demarcando-lhes Termos competentes, o que
cedia, não só em benefício dos mesmos Suplicantes, por terem huns, e outros, nas
suas dependências Forenses, mais perto o Recurso da Justiça, como também no
melhor serviço de Sua Magestade; sendo este o meio mais seguro, e proprio de se
evitarem muitos delictos, que facilmente se perpetravão, porque de ordinario
ficavão impunidos pelas longitudes que havião dos referidos lugares aos
Julgados, e Villas onde tinhão actualmente as Justiças e sua Residencia; havia
elle dito lllustrissimo e Excellentissimo Senhor na consideração de que os
mencionados Requerimentos erão muito Rasoaveis, e justo pelas exactas
informações a que mandara proceder, e á vista das Reais Ordens feito crear, e
erigir em Villa a Freguezia de São Bento de Tamanduá com o seu Termo
competente, e com a mesma denominação, e assim tambem a Freguezia de
Carijós em Real Villa de Queluz, e a da Igreja Nova, com a denominação de Villa
de Barbacena preservando-Ihes da mesma sorte os seus competentes Termos, e
creando em cada uma dellas dous Juizes Ordinarios, trez Vereadores, hum
procurador do Conselho e hum Escrivão da Camara; assim tão bem dois
Tabelliães, hum Escrivão do Alcaide, hum Meirinho e hum Escrivão de Campo, e
hum Escrivão de Órfaons para o expediente das diligencias da Justiça; cujos
Officios se servião actualmente por conta da Fazenda Real emquanto se não
calcula o Donativo, e Terças partes que devem fazer pagar para então se
Rematarem por esta Junta na forma das Reaes Ordens de que para assim constar
mandou tomar este Assento em que assigna o dito Senhor com os Ministros
Deputados da mesma. E eu Jozé Caetano Cesar Manitte, que sirvo do
impedimento do actual Escrivão Deputado a fis escrever. – Visconde de
Barbacena – Affonço Dias Perª – Ant° Ramos da Silva Nogueira – Jozé Caetano
César Manitti.”

Decreto de 24 de Fevereiro de 1823 (Apud, SAVASSI, Altair José, op. cit., volume
1, pág. 119)
“Eleva á categoria de Cidade todas as Villas que forem Capitaes de
Provincias, e concede titulos honorificos às Povoações de Villa Rica,
S. Paulo, Itú, Sabará e Barbacena.”

“Tendo eu elevado este Paiz á Alta Dignidade de Imperio, como exigia a


sua vasta extensão, e riqueza, e tendo-me dado as provincias de que elle se
compõe grandes e repetidas provas de amor e fidelidade á Minha Augusta
Pessoa, e de firme adhesão á Causa Sagrada da Liberdade, e Independencia este
Imperio, cada uma segundo os meios que lhe ministram sua população e
riqueza: Hei por bem em memoria, e agradecimento de tantos e tão relevantes
serviços, que mutuamente se têm prestado, concorrendo todas para o fim geral
do augmento e prosperidade desta grandiosa Nação, Elevar á Categoria de
Cidade todas as Villas que forem Capitaes de Provincias. E porque mui
especialmente se têm distinguido as Provincias de Minas Geraes e S.Paulo,
como primeiras na resolução de sustentar, ainda á custa dos maiores sacrificios,
os direitos inauferiveis suas povoações se avantajaram em testemunho de
denodado patriotismo; Sou Servido Conceder á Villa Rica o Titulo de – Imperial
Cidade de Ouro Preto -, ás Comarcas de Itú e Sabará o Titulo de – Fidelissimas
-; e á Villa de Barbacena o de – Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena.
A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido, e o execute,
fazendo expedir os despachos necessarios. Paço, em 24 de fevereiro de 1823, 2°
da Independencia e do Imperio. Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador.”
Alvará de 17 de Março de 1823 (Apud, SAVASSI, Altair José, idem, pág. 121)
“Concede à Villa de Barbacena, da Provincia de Minas Geraes, o
titulo de – Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena.”

“Eu, o Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Imperio do


Brasil, Faço saber aos que o presente Alvará virem: Que sendo a Villa de
Barbacena, da Provincia de Minas Geraes, uma das que se avantajaram em
testemunhos de denodado patriotismo contra os declarados inimigos do Brasil:
Hei por bem conceder-Ihe o titulo de – Nobre e Muito Leal Villa de Barbacena –
de que ficará gozando perpetuamente.
Este Alvará se cumprirá como nelle se contém.
Dado no Rio de Janeiro aos 17 de Março de 1823, 2° da Independencia e
do Imperio.
IMPERADOR com Guarda.”

Decreto n° 49 - Em 22 de Janeiro de 1856 (Leis do Império do Brasil, cit.,


disponível em (http://www.irib.org.br/))
“Manda publicar o Art. 11 da Lei de 15 de Setembro de 1855, sobre a
compra de bens de raiz por escriptura publica.”

“Circular n. º 2. – O Marquez de Paraná, Presidente do Tribunal do


Thesouro Nacional, recomenda aos Srs. Inspectores das Thesourarias da
Fazenda, que deem a maior publicidade possível á disposição do Art. 11 da Lei
n.º 840 de 15 de Setembro do anno passado, que manda que a compra e venda
de bens de raiz, cujo valor exceder de 200$ seja celebrado por escriptura
publica, sob a pena de nullidade; ordenando, outrosim, aos Chefes das Estações
arrecadadoras da Renda nos diversos termos fóra das Capitaes das Provincias,
que o mesmo fação nos seus respectivos districtos, por meio de editaes
publicados nos periodicos, onde os houver, e affixados nos lugares mais
publicos.
Thesouro Nacional em 22 de Janeiro de 1856. – Marquez de Paraná.”

Alvará de 4 de setembro de 1810 (Apud, Código Philippino ou Ordenações e


Leis do Reino de Portugal, ob. cit., pág. 1019)
“Revoga a Ord. do Liv. 4 tit. 5 §2.”

“Eu o Principe Regente. Faço saber aos que o presente Alvará com força
de Lei virem: Que devendo ser toda a Legislação uniforme em systema, e
coherente em seus principios, e mui ajustada aos de Direito Natural, fonte da
Justiça universal, para que as suas decisões assentadas nos dictames da Razão,
e do justo sejão respeitadas, e observadas como convem, e sem contradicções, e
difficuldades; e sendo sem controversia estabelecido pelos Direitos Natural,
Romano, e Patrio, e pelo das Nações cultas, e civilisadas, que no contracto de
compra, e venda, ajustado o preço, e entregue ao comprador a cousa vendida, e
ao vendedor o preço, ou fiando-o elle, não só fica o contracto aperfeiçoado, mas
completo de todo; que por meio da tradição passa o domínio para o comprador,
ainda quando o ajuste foi feito ‘habita fide de praetio’; que deste contracto
nascem as acções pessoaes ‘exempto et vendito’, para se haver por meio dellas a
cousa vendida, e o preço; e que a acção de reivindicação he real, e tem origem
immediata no dominio.
He incoherente com estas regras justificadas do mais depurado Direito a
Ordenação do Livro IV tit. V §II, que determina, que fiando o vendedor o preço
com prazo certo, e não se lhe pagando dentro delle póde ou pedi-lo, ou ir haver
a cousa vendida do poder do comprador, ou de qualquer possuidor: decidindo-se
desta maneira que lhe he licito usar da acção pessoa ‘ex vendito’, ou da real de
reivindicação, quando o dominio, de que ella se deriva immediatamente devia
estar no comprador, para quem de sua livre vontade, e pelo facto da venda o
transferio o vendedor sem convenção alguma especial; não merecendo
consideração o argumento de que tal caso fica o dominio revogavel, sobre ser
argucia, e subtileza dos Comentadores, destituidos dos principios solidos de
Direito, não póde sustentar-se sem offensa da certeza de dominio, e que muito
convem attender em materia de Legislação á cerca do Direito de propriedade.
E não sendo a Decisão da referida Ordenação conforme com os principios
geraes até da mesma Legislação patria; e sendo contraria ao bem commum, e
utilidade do Publico, que muito interessa na estailidade, e firmeza dos
contractos, pelos embaraços, que da sua execução resultão nas transacções da
vida civil, e commercial, vendo qual quer que se reputa Senhor de alguma cousa
porque a houve de quem se julgava legitimo dono, virem reivindicar-lha, e
nascendo questões, e litigios de evicções, e authorias sempre embaraçados, e
muitas veses inuteis, por ter já decaido de bens aquelle de quem se deve
ultimamente haver o preço da compra.
E querendo evitar estes pleitos, e demandas porfiosas, e prejudiciaes á
tranquillidade, e felicidade dos meus fieis Vassallos, e livrar o commercio de
semelhantes difficuldades, que retardão, e empecem o seu giro, que importa seja
mui facil, e livre, maiormente devendo considerar-se o contracto da compra, e
venda o mais geral, e necessario para a sua prosperidade, por lhe servir pela
maior parte de base, e fundamento; e sendo além disto mui conforme a sciência
da Legislação ajuntar nas decisões legaes a justiça com publica utilidade.
Tendo ouvido o parecer de pessoas doutas, e zelosas do meu Real serviço,
e da prosperidade geral: Hei por bem revogar a sobredita Ordenação do liv. IV
tit. V §II, e determinar que fiando o vendedor o preço seja, ou não por prazo
certo, tenha somente a acção pessoa para pedi-lo, e não possa haver a coisa
vendida, por que lhe não fosse paga no tempo aprazado, devendo entender-se,
que a concessão do espaço para o pagamento sem outra convenção, não importa
mais do que não poder pedir-se o preço antes delle findar-se.
Pelo que mando, etc.
Dado no Palacio do Rio de Janeiro, em 4 de setembro de 1810. – Principe
com guarda.”

Alvará de 3 de junho de 1809 (Leis do Império do Brasil, cit., disponível em


http://www.irib.org.br/)
“Crêa o imposto do siza da compra e venda dos bens de raiz e meia
siza dos escravos ladinos”

“Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente Alvará com força
de lei virem: que sendo necessário, e forçosos estabelecer novos impostos, para
nas urgentes circumstancias, em que se acha o Estado, poder suprir-se as
despezas públicas, que se tem augmentado: não podendo bastar os rendimentos,
que haviam e que eram apropriados a outros tempos, e a mais moderada
precisões: e convindo lançar mão dos que já são conhecidos desde o princípio
da Monarchia, e que merecem preferencia por menos gravosos, e por terem
methodo de arrecadação mais suave, e approvado pela prática e experiência, e
tendo estas conhecidas vantagens a siza das compras e vendas, maiormente por
se pagar em occasião menos penosa, e quando se transfere o domínio: desejando
gravar o menos, que for possível, o livre gyro das transacções dos meus fiéis
vassallos no trafico ordinário da vida civil, para que no uso do direito de
propriedade tenham a maior liberdade que for compatível com o interesse da
causa pública: tendo ouvido o parecer de pessoas doutas, e zelosas do meu real
serviço: sou servido a determinar o seguinte.
I. De todas as compras, vendas e arrematações de bens de raiz que se
fizerem em todo este Estado e Dominios Ultramarinos, se pagará siza para a
minha Real Fazenda, que será de dez por cento do preço da compra, sem que
desta contribuição se entenda por isenta pessoa ou corporação alguma, por
mais caracterizada ou privilegiada que seja a que intervier em semelhantes
contratos; em conformidade do que se acha estabelecido nos Alvarás de 24 de
Outubro de 1796 e 8 de julho de 1800.
II. Pagar-se-há tambem em todo este Estado do Brasil para a minha Real
Fazenda meia siza, ou cinco por cento do preço das compras e vendas de
escravos ladinos, que se entenderão todos aquelles que não são havidos por
compra feita aos negociantes de negros novos, e que entram pela primeira vez
no paiz, transportados da Costa de Africa.
III. Para arrecadação da siza dos bens de raiz proporão as Camaras tres
pessoas das mais abonadas que houver, para se escolher uma para Recebedor ou
Thesoureiro nesta Corte e Districto da Capitania do Rio de Janeiro pelo
Conselho da minha Real Fazenda, e nas demais Capitanias pelas Juntas da
Administração e Arrecadação della; por maneira que haja um em cada Cidade e
Villa em que houver Camaras; e os Officiaes dellas ficarão e os seus herdeiros
responsáveis pelas faltas das pessoas, que propuzerem e que forem approvadas.
IV. Os recebedores nomeados receberão as sizas que lhes forem as partes
a pagar, carregando-las em receita os Escrivães das Camaras, que hei por bem
que sirvam de Escrivães das Sizas, sendo juizes dellas ou mesmo juizes de Fora,
onde os houver, e os Ordinários em cada uma das Villas respectivas. Para esta
carga haverá um livro rubricado pelos Ouvidores das Comarcas, nas Villas em
que forem Juizes das Sizas os Ordinários, e nas demais pelos mesmos Juizes de
Fora: e perceberão, o Escrivão um por cento pelo feitio e escripturação das
certidões, e o Thesoureiro também um por cento pela guarda do dinheiro, sem
mais ordenado ou emolumento algum.
V. No fim de cada tres mezes, e nos primeiros oito dias seguintes, se
remeterá ao meu Real Erario o que se tiver arrecadado nesta Corte e Província,
com o competente conhecimento extrahido do respectivo livro assignado pelo
Juiz, Recebedor, e Escrivão, dando-se a necessária quitação para ressalva do
referido Recebedor com as clarezas precisas. Nas Capitanias deste Estado e dos
Dominios Ultramarinos se fará a remessa às Juntas da Administração e
Arrecadação da minha Real Fazenda, por onde se expedirá a respectiva
quitação.
VI. A meia siza que se deve pagar na venda dos escravos ladinos se
arrendará a quem mais der, fazendo-se as arrematações na forma dos mais
Contratos nesta Corte e Provincia , no Conselho da minha Real Fazenda, e nas
referidas Capitanias nas Juntas da Administração e Arrecadação della.
VII. Emquanto porém não se arrematam, ou por não ser o tempo próprio e
opportuno, ou por parecer conveniente administrar por algum tempo para se
regular melhor o preço das arrematações, arrecadar-se-há pelo mesmo
Recebedor das sizas dos bens de raiz da mesma forma acima prescripta,
havendo porém diverso livro em que se lancem as verbas pelo mesmo Escrivão,
especificando-se o dia, mez e anno, os nomes dos vendedores e compradores, o
nome e a nação do escravo, e o preço da venda, para delle se extrahir o
conhecimento que deve acompanhar as remessas e competentes certidões que se
devem dar às partes quando as vendas se fizerem por escriptura publica.
Quando porém forem feitas por escriptos particulares, nelles declarará o
Escrivão das sizas, que foi paga a daquella venda, e que fica encarga ao
Recebedor, assignando esta declaração e conservando-se em mão do comprador
o titulo da compra; o apresentará quando lhe for exigido incorrendo nas penas
deste Alvará quando o não mostrar com a competente verba.
VIII. Todas as compras e vendas de bens de raiz, de que se não houver
pago a respectiva siza, serão nullas e de nenhum effeito e vigor, e as proprias
partes contratantes, ou seus herdeiros poderão defazel-as em qualquer tempo, e
os Escrivães ou Tabelliães que fizerem as escripturas sem certidão do
pagamento da siza, com as clausulas determinadas no cap. 20 do Regimento dos
encabeçamento das sizas e do § 14 da Ord. liv.I . Tit.78, incorrerão na pena do
perdimento do Officio, na fórma da mesma Lei e Regimento.
IX. Na mesma pena de nullidade incorrerão as vendas dos escravos
ladinos que se fizerem sem o pagamento da meia siza, e serão além disto
multados os vendedores e compradores em igual parte na perda do valor do
escravo, sendo a metade para o denunciante, se o houver, e a outra, ou toda, não
o havendo, para a minha Real Fazenda. E além de admittirem os Juizes das
Sizas e ou Ouvidores das Comarcas denuncias das vendas que assim se fizerem
sem o pagamento da siza, ou com diminuição do verdadeiro preço, perguntarão
nas devassas geraes e nas de correição de cada um anno por este artigo. E isto
se entenderá nas vendas, que forem feitas da data deste Alvará em diante,
admittindo-se as provas legaes dos que se quizerem escusar com esta defesa, e
decidindo os Juizes das sizas com assistencia do Procurador da Fazenda
respectivo, e podendo as partes interpor o competente recurso nesta Corte e
Província do Rio de Janeiro para o Conselho da minha Real Fazenda, e nos
mais logares para a Relação do Districto. E nesta mesma pena incorrerão os que
fizerem vendas de bens de raiz ou os arrematarem sem o pagamento da siza ou
com diminuição do preço, guardando-se e praticando-se em tudo as mesmas
disposições acima decretadas.
X. Os Ouvidores nas devassas de correição examinarão os livros das
receitas das sizas das Villas em que só há Juizes Ordinarios e proverão no que
for necessario corrigir ou emedar, pronunciando o Juiz e o Escrivão sendo
culpados: e nas devassas das residencias que tiverem os sindicantes dos Juizos
de Fóra e Ouvidores, perguntarão pelo modo com que se houveram na
fiscalisação deste ramo das minhas rendas Reaes, dando-se-lhes em culpa as
prevarições ou omissões que houverem comettido.
E este se cumprirá, como nelle se contém: pelo que mando à Mesa do
Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens; Presidente do meu Real
Erario; Conselho da minha Real Fazenda; Regedor das J ustiças; e a todas as
mais pessoas, a quem pertencer o conhecimento deste Alvará o cumpram e
guardem, como nelle se contém. E valerá como carta passada pela Chancellaria,
posto que por ella não ha de passar, e que seu effeito haja de durar mais de um
anno sem embargo da Ordenação em contrario. Dado no Palacio do Rio de
Janeiro em 3 de Junho de 1809.
PRINCIPE com guarda. Conde de Aguiar
Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real há por bem
determinar que se pague a siza de dez por cento das compras e vendas de bens
de raiz, e meia siza de cinco por cento nas que se fizerem de escravos ladinos em
todo o Estado do Brazil e Dominios Ultramarinos; estabelecendo a fórma da
arrecadação deste imposto e determinando as penas em que incorrem os que a
não pagarem; na fórma acima exposta.
Para Vossa Alteza Real ver.
João Manoel Martins da Costa o fez.”

Carta Régia de 2 de outubro de1811 (Leis do Império do Brasil, cit., disponível


em (http://www.irib.org.br/))
“Sobre pagamento da siza de compra e venda dos bens de raiz.”

“Eu o Principe Regente faço saber aos que este alvará de declaração
viram, que havendo eu determinado, pelos justos e ponderosos motivos
expressados no Alvará de 3 de Junho de 1809, que todas as compras, vendas e
arrematações de bens de raiz que se fizerem em todo este Estado e Dominios
Ultramarinos, se pagasse para minha Real Fazenda siza de 10% do preço da
compra, sem que desta distribuição fosse isenta pessoa ou corporação alguma,
por mais caracterisada ou privilegiada, em conformidade do que se achava
estabelecido nos Alvarás de 24 de Outubro de 1796 e de 8 de Julho de 1800:
attendendo a que esta minha real disposição póde obstar as transacções
commerciaes, que pela falta de cabedaes são feitas a pagamentos em prazos
estabelecidos nas compras dos bens de raiz, e desejando eu sempre conciliar os
interesses da causa pública com o commodo dos meus fiéis vassallos e facilitar
por todos os modos as suas transacções no trafico ordinario da vida civil, com
plena liberdade do direito de propriedade, quanto é compatível com a
manutenção e conservação do Estado: hei por bem, declarando o sobredito
alvará nesta parte somente, ficando em tudo o mais no seu inteiro vigor, ordenar,
que daqui em diante o pagamento da siza das compras e arrematações dos bens
de raiz se faça sómente da quantia que se pagar à vista, continuando a fazer-se
na occasião dos pagamentos futuros, conforme for ajustado em consideração à
quantia delles, que sómente poderão ser feitos por quitações lavradas em juizo,
no traslado da escriptura principal da compra em que o Escrivão declare que foi
paga a respectiva siza, com pena de nulidade de taes pagamentos e da mesma
escriptura principal, na forma do paragrapho 8 do sobredito alvará, incorrendo
tambem os Escrivães que o contrario fizerem, nas mais penas impostas pelas
minhas leis.
Este se cumprirá como nelle se contém. Pelo que mando à Mesa do
Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens; Presidente do meu Real
Erario; Conselho da minha Real Fazenda; Regedor das Justiças; e a todas as
pessoas a quem pertencer o conhecimento deste meu alvará de declaração o
cumpram e guardem, como nelle se contém: E valerá como carta passada pela
Chancellaria, posto que por ella não há de passar, e o que o seu effeito haja de
durar mais de um anno, sem embargo da ordenacção em contrário. Dado no
Palacio do Rio de Janeiro em 2 de Outubro de 1811.
PRINCIPE com guarda.
Conde de Aguiar.
ALVARÁ DE DECLARAÇÃO, PELO QUAL Vossa Alteza Real há por bem
ordenar, que o pagamento da siza das compras e arrematações dos bens de raiz
se faça da quantia, que se der à vista, e se continue a fazer das quantias, que se
forem dando em pagamento; na fórma acima exposta.
Para Vossa Alteza Real ver. João Alves de Miranda o fez.”

Referências Bibliográficas

FONTES PRIMÁRIAS

1. Livros de Notas n° 3. Cartório do Primeiro Ofício de Notas. Barbacena:


1806 a 1815.
2. Livros de Notas n° 4. Cartório do Primeiro Ofício de Notas. Barbacena:
1815 a 1818.
3. Livros de Notas n° 5. Cartório do Primeiro Ofício de Notas. Barbacena:
1819 a 1827.
4. Livros de Notas n° 6. Cartório do Primeiro Ofício de Notas. Barbacena:
1827 a 1833.
5. Livros de Notas n° 6. Cartório do Segundo Ofício de Notas. Barbacena:
1825 a 1832.
6. Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, recopiladas
por mandado D’El-Rey D. Philippe I. 14ª Ed. segundo a primeira de 1603
e a nona de Coimbra de 1824, por Cândido Mendes de Almeida. Rio de
Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870.
7. Ordenações e Leis do Reino de Portugal, publicadas em 1603, Livro
Primeiro, in Coleção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de
Portugal, Parte II, da Legislação Moderna. Tomo I. Coimbra: Real
Imprensa da Universidade, 1789.
8. Leis do Império do Brasil. In: IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do
Brasil, on line. Disponível em: (http://www.irib.org.br/). Baixado em
julho de 2000.

FONTES SECUNDÁRIAS
1. BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: Doutrina – Prática-
Jurisprudência. 4 ª ed. São Paulo: Atlas, 1978. 411 págs.
2. CASTRO, Sylvio Brantes de. Novo Manual dos Tabeliães (Teoria e
Prática). 3ª ed. comentada, aumentada e atualizada. São Paulo: Edições
e Publicações Brasil, 1953. (1ª ed de 1941). 458 págs.
3. DEL PICCHIA, Menotti. A Mágica Tabelioa, in A Gazeta. (recorte sem
número e data). 1947
4. GONÇALVES, Luís da Cunha. Da Compra e Venda no Direito Comercial
Português. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, antiga Livraria França &
Arménio, 1924.
5. LUZ, Waldemar P. da. Tratado Prático dos Imóveis. 2ª ed. Porto Alegre:
Sagra, 1991. 375 págs.
6. NALINI, José Renato et all. Registros Públicos e Segurança Jurídica.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. 120 págs.
7. PARIZATTO, João Roberto. Serviços Notariais e de Registro - de acordo
com a Lei n° 8.935, de 18/11/94: atribuições dos tabeliães e oficiais:
manual prático. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1995. 348
págs.
8. SAVASSI, Altair José. Barbacena, 200 anos. Volumes 1 e 2. Belo
Horizonte: Lemi, 1991. 290 págs. (Vol. 1) e 258 págs. (Vol. 2).
9. TELLES, José Homem Corrêa. Formulário dos Contractos, Testamentos, e
de outros Actos do Tabellionado. Rio de Janeiro: B.L.Garnier, 1881. 603
págs.
10. VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, Especialmente do Direito
Brasileiro - Parte I. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1973. 156
págs.
11. ________. História do Direito, Especialmente do Direito Brasileiro - Parte II
- Direito Brasileiro Imperial e Republicano. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1973. 156 págs.
12. VEIGA, Francisco Antônio. O Direito ao Alcance de Todos ou O
Advogado de Si Mesmo - Diccionario de Direito Usual. 2ª Ed.
acrescentada. Porto: Ernesto Chardron, 1884

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