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Dunas de areia clara ,céu azul turquesa e sol brilhante.

Torres eólicas
aparecem rodando suas hélices no ritmo da música. No ​horizonte
surgem despontando duas motos em alta velocidade.Detalhes da pouca
vegetação que cresce na areia.
As motos parecem ser de rally e os motoqueiros usam equipamento
completo de motocross. Eles rasgam velozmente as dunas (inaudível)
Freneticamente os motoqueiros ocupam as dunas, deslocando-se na
areia. Parecem pequenos na ​vastidão da paisagem​, (inaudivel) em suas
máquinas. As hélices das torres giram com o vento parecendo
acompanhar as motos. As motos percorrem juntas uma longa ​distância
de areia​. Lentamente a vegetação tropical vai sendo revelada. Ainda em
alta velocidade as motos rumam ao mar. Na praia um homem loiro e
outro moreno sem camisa e de bermudas pretas, correm em direção ao
mar, um logo atrás do outro dando continuidade a uma relação de
velocidade das motos. O​ ​mar azul infindável ​se agiganta na paisagem
unindo-se ao c​ éu límpido ​ na ​linha do horizonte.​ (​ o lugar é antropocêntrico,
o espaço contido entre a fronteira da espacialidade corporal e a paisagem
desconhecida, em última instância, a linha do horizonte. Rabaça p.73)​ Nadam
com braçadas fortes em meio as ondas intermitentes.

(Sinopse - Califórnia Filmes - Produtora oficial)

Donato é salva-vidas na Praia do Futuro, em Fortaleza. Ayrton é um


menino que sonha com motos e super-heróis e admira a coragem do
irmão mais velho em se jogar nas ondas para salvar desconhecidos.
Quando falha pela primeira vez em resgatar uma vida no mar, Donato
acaba conhecendo Konrad, um alemão piloto de moto velocidade, amigo
do afogado. Donato parte com Konrad para Berlim e desaparece,
deixando o irmão mais novo para trás. Anos depois, Ayrton, já
adolescente, se aventura em busca de Donato para um acerto de contas
com aquele que considerava seu herói.

Essa é a abertura em áudio descrição do filme praia do futuro, do diretor brasileiro


Karim Ainouz. Trata da ​confrontação​ da vida de homens com suas​ ​paisagens,​ ora
emancipadoras, ora aprisionantes​, ora ao mesmo tempo outras tantas coisas, que
se configuram a partir e com eles. Os dois principais personagens são ​fronteiriços
nessas paisagens, caminham cambiantes e oscilantes entre o dentro e o fora de seu
limiar,​ no tempo e no espaço, reconfigurando-se paisagisticamente e a partir de si,
de suas ​experiências​, ​encontros e desencontros​. Em tais ​limites​ imprecisos de suas
experiências de vida​, o primeiro homem, Donato, um salva vidas cearense, uma
representação do Aquaman para seu irmão mais novo, vive toda sua vida na praia
do futuro e faz dela seu ​lugar de trabalho​ , até a ​ocorrência que mudará sua
vida​:(Paisagem nasce da dobra das coisas, tomando decisões, operando rupturas)
dois pilotos alemães se afogam nas águas traiçoeiras da praia,mas Donato só
consegue salvar um deles. O “herói” perde sua primeira batalha para o ​mar​.

* Entre um e outro grande evento, a elipse, a fenda, um oceano de


possibilidades de trajetos escondidos como um salto no espaço, como um
vôo que leva rápido ao destino, mas impede de se ver a paisagem por estar
além das nuvens.(crítica 07)

Esses personagens inadequados possibilitam, então, um ato de


confrontamento, que eu acho, especificamente falando do Brasil, que é uma
coisa muito importante. Não o confronto pelo confronto, enquanto exercício de
uma violência meio narcísica, mas o confronto enquanto atitude promotora de
movimento e de mudanças. (entrevista 3)

A aparente ​harmonia com aquela paisagem​ encontra na figura do berlinense


sobrevivente, que chega de moto, sua​ desorientação​. A partir da relação amorosa
entre os dois, o salva vidas vai perceber que passou boa parte de sua vida
dissociado do seu desejo, ​(Desejo-Pono sensível? "O ponto sensivel atingido e conquistado é como a
fratura ou a brecha, por onde a ordem estabelecida das coisas escapa, é recolocada em movimento, é
propriamente reanimada"
"O ponto sensível é o ponto de ruptura e de liberação dos mecanismos e das instituições de toda ordem"
(Besse p.98​) ​ ​buscando conforto na paisagem​. Quando o amor chega pelas dunas
inóspitas da Praia do Futuro, abre-se uma ​perspectiva prospectiva​ de uma ​nova
paisagem​ que poderia fazê-lo feliz.

*Na introdução do filme, a câmera aponta para o além-mar; posicionada no


ponto de partida, mira​ o destino que não pode ser visto​ (crítica 07)

*“Em ​Praia do Futuro,​ esses locais ermos são evocados já no belo título do
filme. ​Uma praia-paisagem​, um substantivo concreto, que retira de si, das suas
entranhas e areias, um devir, um lugar outro,​ no ​horizonte nebuloso​, um lugar a
ser inventado​.” (crí​tica 02) (Limiar>abertura>limite-não-limite)

*O Horizonte, para Husserl, é a possibilidade de que a realidade sem limites,


que está “à mão do sujeito, a realidade por ele vivida, passe de uma situação de
indeterminação, de obscuramente percebida, a um delineamento tal que o
mundo consiga desenhar-se com mais nitidez na consciencia do mesmo
sujeito. Aquilo que é naturalmente percebido, e mais ou menos co-presente e
determinado, embora sempre de maneira imperfeita, é em parte atravessado,
em parte circundado por um horizonte de realidade indeterminado e
obscuramente conhecido. Esta neblina se povoa de possibilidades que aos
poucos vão assumindo a forma do mundo como mundo que consegue dar-se,
com mais determinação” (Husser,1976 em Luigino Valentini, )
*São personagens aparentemente instáveis, desejosos de mudança, retratados
no momento em que deixam uma vida para trás ​em busca de um outro lugar no
mundo incerto​ (crítica 07)

(Transformação na experiência do presente.? "presente nã é o limite extremo do passado em direção ao novo,


mas o limite extremo do futuro em direção à presença" (Besse p.99)
"O presente é ponto de fecundidade de onde partem todos os caminhos. É o vazio de possibilidades que se
anunciam" "Tornar-se sensível ao presente é apreender nele a atualidade das possibilidades que se anunciam".
(Besse p100)“
​ Ela não está mais onde vive, na vastidão do mar traiçoeiro da praia do futuro, mas
agora na ​cosmopolita Berlin, para onde se muda e passa a trabalhar nas águas
calmas de um aquário. ​(​Esse conforto é encontrado em Berlin? "aqui nessa cidade sub aquática tudo pra
mim faz mais sentido. Eu não preciso me esconder no mar pra me sentir em paz, nem preciso mergulhar pra me
sentir livre" - Fala de Donato ao fim do filme)

* Essa conjunção de um deslocamento territorial com o desvelamento da


opacidade de suas personagens tem sido o ideal do cinema de Aïnouz: uma
busca por representar uma trajetória tanto territorial quanto existencial, física
e psicológica, natural e cinematográfica. (crítica 07)

(O filme dividido em três partes tem como título da primeira “ O abraço do afogado” ,
expressão utilizada para se referir ao ato de desespero de uma vítima de afogamento que agarra
com todas as forças aquele que a resgata e na tentativa instintiva de emergir à superfície, acaba
por provocar o afogamento de ambos. Em Praia do Futuro porém, Donato não é levado ao fundo
do mar pelo afogado, mas algo em Donato não sobrevive. Morre um Donato super-herói, morre
em Donato a crença de que poderia salvar à todos e faz emergir a dúvida e a angústia de
alguém que quer sumir no mar.)

“​Como é que o Acqua man vai sumir no mar, se ele já é do mar?​“


-sobre o mar-
​ ​“No mundo antigo, o mar se associava à viagem, razão pela qual tornaram-se ambos, mar
e viagem, desde os relatos mais remotos, metáforas da própria vida. Em oposição à vida
ordinária, vivida em solo firme, na pólis ou no campo, o mar se colocava como cenário da vida
extraordinária, análoga ao sonho lugar habitado por monstros, desejos, morte e erotismo”
Oceanos, mares, praias, a beira-mar, o estirâncio .... são espaços que subsumem
mensagens dialéticas: lançar-se ao mar é, ao mesmo tempo, aventurar-se na imensidão só em
parte tangível; rasgar a superfície das águas é também oferecer-se ao mergulho na
profundidade; o que sobra ao mar em proporções, projeta o que ele tem de insondável e o que
nele buscamos, por puro carecimento, puro desejo de preenchimento do que nos falta. O mar
incita o desejo, leva à busca – ainda que em território insólito – do objeto que desejamos, mas se
encontra imerso na imensidão oceânica de nossa capacidade / necessidade de amar.
A imagem do infinito aquático dos oceanos é símbolo de uma sensibilidade em vias de
transbordar
​Esse sentimento ambíguo de pertencimento e não pertencimento àquele lugar, trás
à superfície um conflito contínuo na trama, ​o atrito entre os corpos e as paisagens​,
sendo esse atrito, segundo o diretor, aquilo que dá vida às personagens, aquilo as
anima e que as coloca em movimento.

​Têm sido sempre decisões os filmes, além da questão do lugar,


que eu acho que a paisagem é sempre muito importante em todos os filmes, ela não
é pequena, não é pequeno o papel da paisagem nos filmes, mas eu acho que
também tem uma relação com os personagens e como que esses personagens se
relacionam com essas paisagens.
São sempre personagens de uma certa maneira... a palavra não é
deslocado, mas tem alguma fricção entre eles e a paisagem​.​ Ou de um não
pertencimento absoluto, geralmente é de um não pertencimento, não sei se
absoluto, mas geralmente tem uma sensação de não pertencimento​.
...é de pertencer e não pertencer ao mesmo tempo e de como
que isso gera uma fricção e que de fato isso dá vida aos personagens (entrevista 4)

* Como nas marés, aliás, há uma força dramática e gravitacional que cria tensões
entre o corpo de Donato, a praia do futuro e Berlim. Trata-se de uma gravitação
sem imagens, que c​ ria sombras, fantasmas e espectros entre o corpo e os lugares
(crítica 02)

Essa condição novamente é evidenciada em uma cena que nos apresenta um rotineiro
treinamento na praia - cena na qual os corpos aparecem em ​plano fechado​, pela primeira
vez ​imponentes diante da vastidão do céu e do mar​ - o grupo de salva-vidas corre em
direção às águas mas Donato hesita; (​ prenúncio de sua decisão de deixar o brasil)​ Caminha
devagar, ​contempla a imensidão​ à sua frente e finalmente entra no mar; não com a certeza
de quem vai salvar uma vida, mas com a dúvida, o medo e o desejo de ali se perder e
talvez assim, se encontrar.

“​Depois me dei conta de que adoro filmar corpos​. Acredito muito no momento do
aqui, agora.​ A presença do corpo e a fisicalidade me interessam”. (entrevista 5)
“Espaço habitado/ Eu-Aqui-Agora” (Moles em Michel Collot)

“O deslocamento do personagem marca a dissolução da identidade heroica do


salva-vidas para mostrá-lo como corpo amorfo, que segue em movimento e
encontra novas maneiras de ser” (crítica 6)
Um Herói Partido ao meio.
Berlin, Alemanha. Sob o céu de inverno, cinzento ,a grande ponte ​Oberbaum
se impõe à paisagem e ao rio que corre sob ela.

A elipse temporal nos leva à Berlin, mais precisamente à ponte Oberbaum sob o rio Spree,
um dos cartões postais da cidade, memória de uma Alemanha dividida por guerras e hoje,
símbolo da união da Berlin ocidental e oriental, tendo servido durante a década de 60, como
ponto de controle da passagem de pedestres entre os dois lados. A cena nos revela
novamente este atrito entre corpo e paisagem, Donato quer pular da ponte, parece querer
relembrar a praia que deixou para trás ao mesmo tempo que quer se lançar ao novo e
desconhecido. A ponte aparece como metáfora para os sentimentos divididos do salva
vidas, de um lado a Praia do Futuro, seu passado, do outro o presente de possibilidades
que se apresentam.

“De Aquaman pra Speed Racer,


te escrevo pra dizer que nao morri, ​eu só voltei pra casa
aqui nessa cidade sub aquatica tudo pra mim faz mais sentido
eu nao preciso me esconder no mar pra me sentir em paz
nem preciso mergulhar pra me sentir livre

Casa: o lugar que se deixa para trás​. Mais: ao partir, deixa-se bem mais do que um quarto,
um bairro, uma cidade, um país. ​Casas abrigam algo íntimo que pátria ou cultura alguma
abarca​. Transitórias ou efêmeras, duradouras ou utópicas – importa pouco;​ hospeda-se,
numa casa, o átomo da subjetividade​.​ Pode-se, é fato, morar sem ter uma casa; mas,
paradoxalmente,​ casa alguma sublima o lugar​; não cabe na mala. ​Casas, sujeitos
intransitivos​.
sempre que me perguntam como era ai do lado de fora eu conto de um menino
que acha que nao tem coragem mas é o cara mais corajoso que ja vi
magricela quando todo mundo e forte
voz fina quando todo mundo é macho
pes pequenos quando todo mundo é firme

conto do menino e digo q é ele meu irmao


que ele sou eu, num dia que eu tiver coragem de aceitar o quanto que eu tenho medo das coisas
porque tem dois tipos de medo e de coragem speed.
o meu,é de quem finge que nada é perigoso
o seu, é de quem sabe que tudo é perigoso nesse mar imenso”

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