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4, Teolinda Gersao é a autora do conto que vais ler. Pesquisa informagdes sobre esta escritora e apresenta a sua bio- grafia & turma (consulta 0 quadro da pagina 37). Avé6 e neto contra vento e areia ead bas) 2E. ‘Tinham ido & praia, porque estava uma manha bonita. A av} vestia uma saia clara ¢ levava 0 neto pela mao. Ia muito contente, ¢ 0 seu coragdo cantava. (© neto levava um balde, porque se propunha apanhar conchas ¢ biizios, ‘como jé fizera de outras vezes em que tinha ido a praia com a av6. + Trapraia com a avé era uma das melhores coisas que Ihe podiam acontecer nos dias livres. Por isso também ele ia contente, ¢ o balde dancava-Ihe na mao. [A praia estava como devia estar, com sol ¢ onda baixas. Quase nao havia vento, ¢ a agua do mat nio estava fria, Por isso 0 neto teve muito tempo de procurar conchas ¢ biizios e de tomar banho no mat. A avé sentou-se num » tochedo, ¢ ficon a olhar 0 neto, por detrés dos deulos, Nunca se cansava de olhé-lo, porque 0 achava perfeito, Se pudesse mudar alguma coisa nele, néo mudaria nada. Olhava para ele, também, para que nio se perdesse. A mae do neto con flava nela, Deixava-o & sua guatda, em manbas assim. A av6 sentia-se orgu- ss Ihosa: ainda era suficientemente forte para ter alguém por quem olhar. Ainda era uma avd dil, antes que viesse 0 tempo que mais remia, em que poderia tornar-se um encargo para os outros. Mas na verdade essa ideia nao a preocu- pava muito, porque tencionava morrer antes disso. Estava uma manba to boa que também a avé tirow a blusa ea saia ¢ ficou vo em fato de banho. Depois tirou os éculos, que deixou em cima de um rochedo, entrou no mar, atrés do neto, que nadava a sua frente, muito melhor ¢ mais depressa do que cla. — Nao te afastes, dizia a av6, um pouco ofegante, Volta para trast 'A avé fazia gestos com as mos, para que voltasse, © neto ria-se, mergu- as Thava e nadava para a frente, ¢ depois regressava, ao encontro dela. ‘Aavé nfo sabia mergulhas, mas deixava o nero mergulhar sozinho. Ble s6 tinha cinco anos, mas nadava como um peixe, ‘No entanto nunca ia demasiado longe, nem mergulhava demasiado fundo, para ndo assustar a av6, Sabia que ela era um bocado assustadiga, ¢ ele gostava ao de protegé-la contra os medos. 121 | 4 122 © A.av6 tinha medo de muitas coisas: dos paus que podiam furar os olhos,£ das agulhas e alfinetes que se podiam engolir se se metessem na boca, das jane-= las abertas, de onde se podia cair, do mar onde as pessoas se podiam afogar: A av6 via todos esses perigos ¢ avisava. Ele ouvia, mas nao ligava muito. $6 0! suficiente, Nao tinha medo de nada, mas, apesar disso, gosta de sentir o olhar da av6. De vez, em quando voltava a cabeca, para ver se ela 1d estava sentada, a olhar para ele. Depois esquecia-se dela e voltava a ser 0 rei do mundo. Por isso se sentiam to bem um com o outro. Quando safa com o neto, a avé tinha a sensacSo de entrar para dentro de fotografias, tiradas nos mesmos lugares, muitos anos antes. Era uma sensac&o de deslumbramento e de absoluta seguranca, porque as coisas boas j4 vividas ninguém as podia mudar: eram instantes absolutos, que durariam para sempre. Outras vezes a avd pensava que a vida era como uma ligio ja tio sabida, tio aprendida de cor e salteada, que ela se sentia verdadeiramente mestra. Mes- tra em qué? Ora, em tudo ¢ em nada: nascimento, morte, amor, filhos, netos, tudo, enfim, A avé tinha a sensacio de entender 0 mundo. Embora lhe parecesse que o via agora desfocado. Sobretudo ao fonge. Ah, meu Deus, tinha-se esquecido dos dculos, em cima do rochedo. Tinham de la voltar, e depressa, 2 av6 sem os éculos nao via nada. Mas quando chegaram ao local, nao estavam I4. A av6 nao entendia como isso pudera acontecer, Nao teria sido naquele rochedo? Teria a maré subido ¢ uma onda os arrastara? Pas- sara alguém que os levasse? Mas a ninguém aproveitavam, ¢ provavelmente nem tinha passado ninguém, a praia estava quase deserta, porque verao. Ora, nao era grave, pen nda nao era sou a av6, quando se cansou de procurar. Arran- jaria outros dculos. Caminhou com 0 neto & beira das ondas, ¢ depois subiram para as dunas & procura de camarinhas que a avé nao via, mas o neto apanhava logo. Passou muito tempo € nem deram conta de se terem afastado. O neto cada vez mais feliz, com o balde onde pusera os biizios acabado de encher com camarinhas Apesar da falta dos éculos, pensou a avé, nao deixava de ser, como das outras veves, uma manha perfeita. Até se levantar o vento. Na verdade nao se percebeu por que raz4o de repente o céu se toldou e se Jevantou cada vez. mais vento, Deixou de se ver 0 azul, debaixo de nuvens car regadas, ¢ a arcia comegou a zunir em volta. O vento levantava a arcia, cada vez mais alo, a areia batia na cara e era preciso semicerrar as palpebras para no a deixar entrar nos olhos. = Que coisa, disse a av6. A manha acabara, ¢ agora iam depressa para casa. Estariam bem, em casa, jogando as cartas atras de uma jancla fechada. oo Mas, de repente, a avé nao sabia onde estava. As dunas eram altas e no sabia que direg3o tomar. Caminharam ao acaso, voltando as costas 4 praia. Mas deveriam virar & esquerda ou & direita? A avé nao sabia onde ficavam as casas. Nao se via nada na linha do horizonte, a nao ser as dunas. E, sem culos, a av6 sentia-se perdida, —Déi-me o pé, disse o neto, Espetei um pico no pé. ~Calga as sandélias, disse a av6. Calgaram ambos as sandélias, que traziam na mao. ~Ainda déi, disse o neto, Déi o pé. —Deixa ver, disse a av tirando-Ihe outra vez a sandélia. E um espi- ho, sim, disse a avé, que sem dculos via hem ao perto. Mas esta muito enterrado € nao consigo tira-lo. Em casa eu tir, com um alfinete. Agora vamos depressa. — Déi o pé, disse 0 neto comegando a chorat, — Ja passa, disse a avd. O vento levava-the a saia, a areia batia-thes nos bragos e nas pernas, subia até a cara e queria entrar nos olhos. O neto esfregava os olhos, com as mios sujas de arcia. — No posso andar, disse ele. Déi o espinho. A av6 nao pode levar-te a0 colo, disse ela. Nao tem os ossos fortes, “Arrastou-o alguns passos, pela mao. Ele chorava e escondlia a cara ra saia dela, para proteger os alhos do vento. Nao posso andar, disse ele sentando-se ¢ tapando a cara com 0 chapéu. Déi o pé. vere evoes oasis EO

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