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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................... 6  

ORIGENS E FUNDAMENTOS .................................................... 9  

1. O que é a Lei Anticorrupção? ........................................................................ 9  


2. Qual o bem jurídico tutelado pela Lei? .......................................................... 9  
3. Quais os fundamentos da Lei Anticorrupção? .............................................. 9  
4. Por que a Lei Anticorrupção pode ser considerada um grande avanço na
proteção ao patrimônio público? ....................................................................... 9  
5. Quais são as principais críticas dirigidas à nova legislação? ..................... 10  
6. Qual a origem da Lei Anticorrupção? .......................................................... 10  
7. Quando a Lei Anticorrupção entrou em vigor? ........................................... 11

NOÇÕES BÁSICAS ...................................................................... 12  

8. O que é responsabilidade objetiva? ............................................................ 12  


9. Que teoria orienta a responsabilidade objetiva prefigurada na Lei? .......... 12  
10. Quais são as entidades protegidas pela Lei Anticorrupção? ................... 12  
11. Quais são as pessoas jurídicas puníveis, nos termos da Lei? .................. 12  
12. Em que instâncias a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas
pode ser buscada? .......................................................................................... 13  
13. A responsabilidade da pessoa jurídica depende da responsabilização de
seus dirigentes? ............................................................................................... 13  
14. A Lei Anticorrupção pode alcançar pessoas naturais? ............................ 13  
15. A modificação da estrutura social elide a responsabilidade da pessoa
jurídica? ........................................................................................................... 14  
16. Há responsabilidade solidária entre empresas de um mesmo grupo
econômico por atos praticados por pessoa jurídica vinculada ao
conglomerado? ................................................................................................ 14

1
ATOS LESIVOS ............................................................................ 15  

17. O que são atos lesivos? ............................................................................. 15  


18. O rol de atos lesivos previsto no art. 5º da Lei é exaustivo ou
exemplificativo? ............................................................................................... 15  
19. Qual a relação entre os atos lesivos e as instâncias de responsabilidade
previstas na Lei Anticorrupção? ...................................................................... 16  
20. Há correspondência necessária entre os atos lesivos e outras formas de
ilícito? ............................................................................................................... 16  
21. Há necessidade de efetivo recebimento da vantagem indevida para
caracterização do ato lesivo previsto no art. 5º, I, da Lei? .............................. 16  
22. Os ilícitos relacionados ao procedimento licitatório (art. 5º, IV) demandam
prova do prejuízo suportado pelo Erário? ....................................................... 16  
23. E nos atos lesivos relativos aos contratos administrativos? ...................... 17  
24. Para fins de caracterização do ato lesivo, quem é o agente público? ..... 17

RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA ........................... 18  

25. Qual o fundamento da responsabilidade administrativa da pessoa


jurídica? ........................................................................................................... 18  
26. Quem pode instaurar o Processo Administrativo de Responsabilização
(PAR)? .............................................................................................................. 18  
27. Quais entes ou órgãos da Administração podem instaurar o PAR? ......... 18  
28. Quem é a autoridade máxima do órgão público? ..................................... 19  
29. Quem conduzirá o Processo Administrativo de Responsabilização? ....... 19  
30. Qual a duração do Processo Administrativo de Responsabilização? ...... 19  
31. Qual o rito do Processo Administrativo de Responsabilização? ............... 19  
32. Quem decide o Processo Administrativo de Responsabilização? ............ 20  
33. É possível que a decisão do PAR contrarie o parecer jurídico ou o
relatório da comissão investigante? ................................................................ 20  
34. Há recurso contra a decisão do PAR? ...................................................... 20  
35. É possível que as sanções administrativas recaiam sobre
administradores ou sócios da pessoa jurídica? .............................................. 20  
36. É obrigatória a comunicação de abertura do Processo Administrativo de
Responsabilização ao Ministério Público? ...................................................... 21  

2
37. O processo administrativo pode ser sigiloso? .......................................... 21

SANÇÕES ..................................................................................... 22  

38. Quais as sanções previstas na Lei Anticorrupção? .................................. 22  


39. A aplicação das sanções esgota as consequências jurídicas do ato
lesivo? .............................................................................................................. 22  
40. Como são aplicadas as sanções? ............................................................. 22  
41. Quais os critérios que orientam a aplicação? ........................................... 22  
42. Como é calculada a multa? ....................................................................... 23  
43. Qual o destino dos valores pagos pela empresa punida a título de multa
ou perdimento de bens? .................................................................................. 23  
44. Qual o destino da multa não adimplida pelo infrator? ............................... 23  
45. Como se implementa a sanção referente à publicação da decisão
condenatória? .................................................................................................. 23  
46. O que são programas de compliance? ..................................................... 23  
47. A participação de servidor público agrava a sanção ao ato lesivo? ........ 24  
48. Dimensionar a sanção de acordo com a capacidade econômica do
infrator (art. 7º, VI) viola a isonomia? ............................................................... 24  
49. Qual a diferença entre a sanção judicial de extinção da pessoa jurídica
(art. 19, III) e a desconsideração de sua personalidade (art. 14)? ................. 24  
50. A proibição de receber incentivos ou subvenções do Poder Público, (Lei
n. 12.846/2013, art. 19, IV) equivale à proibição de contratar com a
Administração, disciplinada pela Lei de Improbidade Administrativa? .......... 25

ACORDO DE LENIÊNCIA .......................................................... 26  

51. O que é o Acordo de Leniência? ............................................................... 26  


52. O instituto é uma criação da Lei Anticorrupção? ...................................... 26  
53. Quais os requisitos para celebração do Acordo de Leniência? ............... 26  
54. Quais os efeitos do Acordo de Leniência? ................................................ 27  
55. Apenas os atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção podem ser objeto
do Acordo de Leniência? ................................................................................ 27  
56. Quem pode se beneficiar com o acordo de leniência? ............................ 27  

3
57. Qual a repercussão do acordo de leniência sobre a responsabilidade
individual de administradores e sócios da empresa infratora? ....................... 27  
58. O acordo de leniência pode facilitar a coleta de provas contra pessoas
naturais? .......................................................................................................... 27  
59. O acordo de leniência celebrado pela empresa equivale à colaboração
premiada firmada por seus diretores? ............................................................ 28  
60. Quais as conseqüências do acordo de leniência descumprido? ............. 28  
61. Caso a Administração rejeite proposta de acordo, tal fato pode ser usado
como prova contra a infratora proponente? .................................................... 28  
62. O Ministério Público participa do acordo de leniência? ............................ 28  
63. O acordo de leniência exige homologação judicial? ................................ 29  
64. Quais as principais críticas doutrinárias ao instituto? ............................... 29

RESPONSABILIDADE JUDICIAL ............................................ 30  

65. A punição administrativa da empresa infratora impede o ajuizamento da


ação judicial de responsabilidade? ................................................................. 30  
66. Quem são os legitimados ativos para a ação judicial de
responsabilização? .......................................................................................... 30  
67. Qual a característica da legitimidade conferida aos referidos entes? ...... 30  
68. Qual o procedimento da ação judicial? ..................................................... 30  
69. Qual instrumento de investigação é utilizado pelo Ministério Público? .... 31  
70. Qual a natureza da ação de responsabilidade? ....................................... 31  
71. É possível a cumulação de pedidos? ........................................................ 31  
72. Quais são as medidas cautelares e antecipatórias cabíveis? .................. 31  
73. No caso de sociedades sem personalidade jurídica, quem as
representará em juízo? .................................................................................... 31  
74. Nas ações movidas pelo MP, é necessária a intimação da pessoa jurídica
lesada? ............................................................................................................ 32  
75. É possível ao MP pleitear judicialmente a aplicação das sanções
administrativas previstas no art. 6º da Lei? ..................................................... 32  
76. A autoridade administrativa possui o dever jurídico de apurar as
infrações sob seu conhecimento? ................................................................... 32  
77. Há possibilidade de cumular, em uma mesma ação, pedidos calcados
sobre a Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade Administrativa? ............... 33  

4
78. Há conexão entre ações de improbidade e ações lastreadas na Lei
Anticorrupção atinentes aos mesmos fatos? ................................................... 33  
79. Qual o prazo prescricional incidente sobre as sanções da Lei
Anticorrupção? ................................................................................................ 33  
80. A "ciência da infração", que desencadeia a contagem do prazo, é o
conhecimento do fato pelo MP ou pela Administração? ................................. 33  
81. A contagem do prazo prescricional é distinta nas ações de improbidade
e nas ações movidas com base na Lei Anticorrupção? ................................. 34  
82. Há possibilidade de acordo judicial em ação de responsabilidade? ....... 34  
83. Ações de responsabilidade julgadas improcedentes submetem-se ao
reexame necessário? ....................................................................................... 34  

A APLICAÇÃO DA LEI E O MINISTÉRIO PÚBLICO ........... 35  

84. A Lei carece de regulamentação? ............................................................ 35  


85. A União já regulamentou a Lei? ................................................................. 35  
86. Quais as novidades do Decreto n. 8.420/15? ........................................... 35  
87. A regulamentação da Lei pela União vincula Estados e Municípios? ...... 36  
88. Quais Estados e Municípios regulamentaram a Lei Anticorrupção? ........ 36  
89. E em Santa Catarina? ................................................................................ 36  
90. A ausência de regulamentação impede a aplicação da Lei? ................... 36  
91. A Lei cria banco de dados ou cadastro referente a infratores? ................ 37  
92. O CNEP passa a ser, com a Lei Anticorrupção, o cadastro único de
dados referentes a empresas punidas? .......................................................... 37  
93. A Lei pode ser aplicada a fatos anteriores a sua vigência? ..................... 37  
94. A Lei pode ser aplicada sobre fatos ocorridos no exterior? ..................... 37  
95. É pertinente a crítica de que a Lei foi concebida tendo por premissa
grandes estruturas administrativas, como a CGU, e é de difícil aplicação
pelos pequenos Municípios? ........................................................................... 38  
96. Nesse cenário, é lícito que pequenos Municípios optem por não aplicar a
Lei Anticorrupção? ........................................................................................... 38  
97. A Lei Anticorrupção pode gerar mais corrupção? .................................... 38  
98. Em face desse dilema, qual a alternativa de Estados e Municípios? ....... 38  
99. Qual o papel do Ministério Público nesse processo? ............................... 39  
100. Que medidas concretas podem ser adotadas pelo Ministério Público? 39  

REFERÊNCIAS ............................................................................ 40

5
APRESENTAÇÃO

O presente Guia tem por objetivo fornecer ao Colega


Promotor de Justiça, aos servidores do Ministério Público e, por que não
dizer, a toda sociedade breves indicativos quanto ao potencial de
utilização, na defesa do patrimônio público, de instrumento legal cuja
tremenda relevância, curiosamente, não tem se traduzido em aplicação
efetiva, ao menos neste período inicial de vigência, da Lei n. 12.846/2013,
a chamada "Lei Anticorrupção".

Os últimos escândalos de corrupção, no País e no mundo,


apenas lançaram luzes sobre realidade há tempos reconhecida no Direito
Internacional: o papel predominante das pessoas jurídicas, em especial,
as grandes empresas, na concepção e execução de grandes esquemas
de cooptação de agentes e desvio de recursos públicos. As práticas
ilícitas, nesse novo contexto, não se materializam apenas no desvio
pontual de conduta de certos empresários ou servidores públicos mas
representam, muitas vezes, estratégias corporativas de conquista e
consolidação de novos mercados. Muito mais do que um crime, a
corrupção lato sensu desponta como instrumento de ação empresarial, a
desvirtuar não apenas as regras jurídicas mas também as leis de
mercado e o sistema econômico.

Assim, o enfrentamento de tão formidável desafio não


poderia permanecer restrito aos limites do Direito Penal e seus
imperativos de culpabilidade, uma vez que escaparia ao sistema
repressivo a principal beneficiária das práticas ilícitas, a empresa. Mesmo
a Lei de Improbidade Administrativa, hoje o principal mecanismo de que
se vale o Ministério Público para tutela do patrimônio coletivo, mostra-se
insuficiente para coibir a corrupção empresarial, tendo em vista que exige,
para sua incidência, a presença na trama ímproba de agente público,
subjetivamente vinculado ao resultado ilícito.

6
Em Santa Catarina, o quadro não é muito diferente. A
marcante atuação do Ministério Público no combate à corrupção revelou,
nos últimos anos, em todas as regiões do Estado, uma série de
esquemas de corrupção cujo traço comum era a atuação coordenada de
uma ou várias pessoas jurídicas, em geral, fornecedores vinculados ao
Poder Público por contratos administrativos derivados de licitações
forjadas. Não raro, todavia, a responsabilização dos implicados esbarra
na prova quanto ao elemento subjetivo, e o mantra da "ausência de dolo"
torna-se, lamentavelmente, o apanágio da impunidade.

É, nesse ponto, pois, que a Lei Anticorrupção surge como


ferramenta valiosa, quase que revolucionária, a ser manejada com
cautela, porém ciente o operador - autoridade administrativa, membro do
Ministério Público, Poder Judiciário -, em todos os casos, que o já
chamado "Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção" desvencilhou-se,
finalmente, das amarras da responsabilidade subjetiva.

O Guia ora apresentado é fruto da reflexão desenvolvida em


seminários internos realizados, pelo Centro de Apoio Operacional da
Moralidade Administrativa, entre o final de 2013 e o início de 2014,
alicerçada, ainda, sobre a escassa literatura até o momento produzida
sobre o tema. A opção pela apresentação de conteúdo na forma de
perguntas e respostas visa a facilitar a consulta pelo público interno e o
conhecimento da matéria ao público externo. Não é, por certo, obra
acabada, uma vez que pontos cruciais da nova legislação passarão por
consolidação jurisprudencial.

Agradecemos, por oportuno, ao Doutor Davi do Espírito


Santo, Promotor de Justiça que, quando estava à frente deste Centro,
lançou a série de debates que resultaram no presente Guia; ao Senhor
Procurador-Geral de Justiça, Doutor Sandro Neis, que, ciente da ideia de
compilação, apoiou entusiasticamente o plano; à valorosa equipe do
CMA, cujas indagações e proposições foram fundamentais para definir
nossa compreensão a respeito da Lei; e aos Colegas Promotores de
Justiça, que, em várias Comarcas do Estado, tem desde logo se valido da
Lei Anticorrupção em suas demandas.

7
É missão dos Centros de Apoio remeter "informações técnico-
jurídicas... aos órgãos ligados à sua atividade". Oxalá que as informações
ora remetidas frutifiquem resultados concretos e ampliem o escopo de
atuação do Ministério Público na defesa da moralidade administrativa.

Boa leitura!

SAMUEL DAL FARRA NASPOLINI ANDREZA BORINELLI


Promotor de Justiça Promotora de Justiça
Coordenador do CMA Coordenador Adjunta do CMA

8
ORIGENS E FUNDAMENTOS

1. O que é a Lei Anticorrupção?

A Lei Anticorrupção, também conhecida como Lei da Probidade


Empresarial ou Lei da Empresa Limpa (Lei n. 12.846/2013), é o diploma
que instituiu no País a responsabilidade objetiva de empresas e outras
pessoas jurídicas por atos lesivos praticados contra a Administração
Pública, nacional e estrangeira.

2. Qual o bem jurídico tutelado pela Lei?

O patrimônio público, nacional e estrangeiro, o conjunto de bens


imateriais e os princípios jurídicos que regem a Administração Pública,
condensados na noção ampla de moralidade administrativa.1

3. Quais os fundamentos da Lei Anticorrupção?

Acordos internacionais celebrados pelo Brasil na área do combate à


corrupção, centrados na perspectiva da repressão às empresas
envolvidas em atos ilícitos. Podem ser mencionadas a Convenção
Interamericana contra Corrupção (1996); a Convenção sobre Combate à
Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais (1997); e a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção (2003).

4. Por que a Lei Anticorrupção pode ser considerada um


grande avanço na proteção ao patrimônio público?

1
"A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está
necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na
consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado
fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma
pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio
constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal,
legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores
éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais.” (STF, ADI
2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/8/2002).

9
Por dois motivos. Em primeiro lugar, está alicerçada sobre uma nova
visão do fenômeno corrupção, mais adequada aos tempos modernos,
pela qual o ilícito é compreendido não apenas como desvio pontual de
conduta de pessoas naturais mas, sobretudo, como estratégia de
conquista de mercados por parte de corporações. Em segundo lugar, no
plano operacional, a Lei permite a repressão ao ilícito sem imiscuir-se no
debate quanto ao elemento subjetivo dos agentes envolvidos, um dos
principais óbices à efetividade de outros instrumentos de
responsabilização, como a Lei de Improbidade Administrativa e os crimes
contra a Administração.

5. Quais são as principais críticas dirigidas à nova


legislação?

Setores da sociedade civil, especialmente entidades de classe


empresariais, criticam o excessivo poder conferido pela Lei à
Administração para investigar e punir empresas. Questiona-se, ainda, a
discricionariedade do aplicador na fixação das sanções. Do ponto de vista
sistêmico, a Lei possui complexos pontos de intersecção com outros
diplomas, como a Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93) e as sanções por ela
cominadas. Por último, em relação às sanções aplicáveis, critica-se a
omissão da Lei ao não prefigurar a proibição de contratar com o Poder
Público entre as sanções cominadas às pessoas jurídicas.

6. Qual a origem da Lei Anticorrupção?

O Projeto de Lei n. 6.826/2010, elaborado pela Controladoria-Geral da


União e encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da
República. Não por acaso, na Exposição de Motivos da proposta, a CGU
destaca que "o presente projeto optou pela responsabilidade
administrativa e civil da pessoa jurídica, porque o Direito Penal não
oferece mecanismos efetivos ou céleres para punir sociedades
empresárias, muitas vezes as reais interessadas ou beneficiadas pelos
atos de corrupção".

10
7. Quando a Lei Anticorrupção entrou em vigor?

Promulgada em 1º de agosto de 2013, com vacatio legis de 180 dias (art.


31), a Lei Anticorrupção está em vigor desde 29 de janeiro de 2014.

11
NOÇÕES BÁSICAS

8. O que é responsabilidade objetiva?

É a forma de responsabilidade jurídica que dispensa, para sua


caracterização, a demonstração de dolo ou culpa de pessoa natural
envolvida no ato lesivo, contentando-se com a comprovação do nexo de
causalidade entre a atividade empresarial e o ato punível.2 Assim, a
obrigação da pessoa jurídica surgiria da simples demonstração da
ocorrência do ato lesivo, praticado em seu interesse ou benefício,
exclusivo ou não, sem que fosse necessário provar a intenção de pessoas
físicas envolvidas no ato.

9. Que teoria orienta a responsabilidade objetiva


prefigurada na Lei?

Teoria do risco-proveito, pela qual a pessoa jurídica responde por atos


lesivos praticados em seu benefício, vinculados ao desempenho da
atividade empresarial

10. Quais são as entidades protegidas pela Lei


Anticorrupção?

Os entes integrantes da Administração Pública, nacional ou estrangeira,


como gestores do patrimônio coletivo (art. 1º).

11. Quais são as pessoas jurídicas puníveis, nos termos da


Lei?

O rol é bastante amplo e abarca as sociedades empresárias e simples,


personificadas ou não; fundações; associações de todo gênero, inclusive

2
"A responsabilidade objetiva, ou pelo risco, é a obrigação de reparados danos causados a
outrem, que tenham acontecido durante atividades realizadas no interesse ou sob controle da
pessoa responsável e independentemente de qualquer atuação dolosa ou culposa desta"
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

12
aquelas qualificadas como organizações sociais (Lei n. 9.637/98) e
organizações da sociedade civil de interesse público (Lei n. 9.790/99); e
sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no
território brasileiro (art. 2º). Considerando a relação de pessoas jurídicas
de direito privado exposta no Código Civil (art. 44), a Lei Anticorrupção
apenas não menciona as organizações religiosas e os partidos políticos.

12. Em que instâncias a responsabilidade objetiva das


pessoas jurídicas pode ser buscada?

Instância administrativa, por meio de processo administrativo instaurado


pelo próprio ente lesado;3 e instância judicial, por meio de ação civil,
movida pelo Ministério Público ou pelo ente lesado.

13. A responsabilidade da pessoa jurídica depende da


responsabilização de seus dirigentes?

Não. A responsabilidade da pessoa jurídica independe da


responsabilidade pessoal de seus dirigentes e administradores (art. 3º, §
1º). Estes últimos podem ser punidos de forma concomitante (art. 3º,
caput), porém na medida de sua culpabilidade (art. 3º, § 2º), ou seja,
segundo os princípios da responsabilidade subjetiva.4

14. A Lei Anticorrupção pode alcançar pessoas naturais?

Para doutrina majoritária, não. Apenas as pessoas jurídicas poderiam ser


punidas com base na Lei, visto que o art. 3º, ao autorizar a punição de
dirigentes e administradores, evocaria a égide de outras instâncias
punitivas (criminal, improbidade administrativa). Em sentido contrário,
Emerson Garcia defende a aplicabilidade das sanções da Lei

3
"No âmbito administrativo, a responsabilização decorre da possibilidade de a Administração
Público impor ao administrado e ao seu próprio corpo funcional regras de conduta que, quando
desobedecidas, por meio de processo administrativo (e não judicial), podem imputar ao
transgressor sanções de natureza administrativa (multa, interdição, suspensão, embargo,
descontinuidade de benefícios, etc.)." PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JR., Rubens
Naman. Lei Anticorrupção: Origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo:
Saraiva, 2014.
4
“Diz-se, pois, ser 'subjetiva' a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da
culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a
responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.”
(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 4: responsabilidade civil. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 48)

13
Anticorrupção sobre pessoas naturais, desde que seja demonstrado o
elemento subjetivo do implicado.5

15. A modificação da estrutura social elide a


responsabilidade da pessoa jurídica?

Não. Como regra, a responsabilidade subsiste em casos de alteração


contratual, transformação, cisão, incorporação ou fusão. Nestes dois
últimos casos, a responsabilidade da sucessora é limitada ao pagamento
da multa e à reparação do dano, até o limite do patrimônio transferido
pela pessoa jurídica responsável pelo ato lesivo (art. 4º).

16. Há responsabilidade solidária entre empresas de um


mesmo grupo econômico por atos praticados por pessoa
jurídica vinculada ao conglomerado?

Há solidariedade entre empresas controladoras, controladas, coligadas,


ou, no âmbito do respectivo contrato, as empresas consorciadas,
limitando-se, porém, a responsabilidade ao pagamento da multa e à
reparação integral do dano (art. 4º, § 2º).6

5
GARCIA, Emerson. Aspectos da nova Lei Anticorrupção. In: Jurídico - Revista do Ministério
Público
6
do Estado de Minas Gerais. Edição Patrimônio Público, 2014.
Na lição clássica de Washington de Barros Monteiro, a solidariedade passiva "é a qualidade
que a lei, ou a vontade das partes, insere à obrigação, em virtude da qual um, alguns, ou todos
os devedores passam a responder pela integral solução de seu montante.” MONTEIRO,
Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 4º vol. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 155.

14
ATOS LESIVOS

17. O que são atos lesivos?

Conjunto de ações deletérias à Administração Pública, nacional ou


estrangeira, praticadas por pessoas jurídicas e enumeradas no art. 5º da
Lei n. 12.846/2013. O conceito de "ato lesivo" está diretamente
relacionado ao sistema de responsabilidade objetiva da Lei Anticorrupção,
pelo que não se confunde com as noções de "ato de improbidade"7 ou
"crime contra Administração", definições pautadas, necessariamente, pelo
elemento subjetivo do agente (pessoa natural).

18. O rol de atos lesivos previsto no art. 5º da Lei é


exaustivo ou exemplificativo?

Exaustivo, segundo doutrina majoritária.8 Contudo, a formulação genérica


dos preceitos do art. 5º ilustra que, por se tratar de responsabilidade civil-
administrativa, a interpretação das regras da Lei Anticorrupção não se
submete à noção de tipicidade estrita, própria do Direito Penal.

7
Improbidade administrativa, em linhas gerais, significa servir-se da função pública para
angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de
qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das
atividades na Administração Pública, menosprezando os deveres do cargo e a relevância dos
bens, direitos, interesses e valores confiados à sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem
prejuízo patrimonial. A partir desse comportamento, desejado ou fruto de incúria, desprezo, falta
de precaução ou cuidado, revelam-se a nulidade do ato por infrigência aos princípios e regras,
explícitos ou implícitos, de boa administração e o desvio ético do agente público e do
beneficiário ou partícipe, demonstrando a inabilitação moral do primeiro para o exercício de
função pública. MARTINS JR., Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4º vol., São Paulo:
Saraiva, 2009, p . 116-119.
8
LEAL, Rogério Gesta. A nova Lei Anticorrupção empresarial no Brasil: novo marco
regulatório às responsabilidades das pessoas jurídicas por atos atentatórios aos bens
públicos. In: Interesse Público. São Paulo: Notadez, vol. 16, n. 88.

15
19. Qual a relação entre os atos lesivos e as instâncias de
responsabilidade previstas na Lei Anticorrupção?

A Lei estabelece tipologia única de atos lesivos (art. 5º), passíveis de


punição concomitante, nos termos da própria Lei Anticorrupção, tanto na
esfera administrativa quanto na esfera judicial, mediante aplicação de
sanções distintas.

20. Há correspondência necessária entre os atos lesivos e


outras formas de ilícito?

Diversas práticas relacionadas no art. 5º da Lei n. 12.846/2013


correspondem a atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92) ou
mesmo crimes, como a corrupção ativa (art. 5º, I); a lavagem de dinheiro
(art. 5º, III); e, em especial, os crimes licitatórios (art. 5º, IV). A distinção
entre os conceitos reside, como já foi dito, no fato de que a aplicação da
Lei Anticorrupção dispensa a demonstração do dolo ou da culpa das
pessoas naturais implicadas no ilícito. Não há que falar, portanto, em bis
in idem, em caso de punições impostas com base em diplomas e
objetividades jurídicas distintas.

21. Há necessidade de efetivo recebimento da vantagem


indevida para caracterização do ato lesivo previsto no art.
5º, I, da Lei?

Não. Para configuração do ilícito, basta a promessa ou oferta de


vantagem indevida, que pode, inclusive, ser realizada não diretamente ao
agente público, mas à pessoa a ele relacionada.

22. Os ilícitos relacionados ao procedimento licitatório (art.


5º, IV) demandam prova do prejuízo suportado pelo Erário?

Não. Todos os atos lesivos referentes ao procedimento licitatório (art. 5º,


IV, “a” a “e”) tutelam a competitividade e a licitude do certame e, portanto,
dispensam a ocorrência do dano ao Erário para sua caracterização.

16
23. E nos atos lesivos relativos aos contratos
administrativos?

Também aqui é dispensável a prova de lesão ao Erário. A alínea “f” do


inc. IV do art. 5º menciona a obtenção de “vantagem ou benefício
indevido” pelo contratado, porém não a relaciona a prejuízo patrimonial do
Poder Público. Já a alínea “g” – manipulação ou fraude do equilíbrio
econômico-financeiro – dispensa tanto o prejuízo ao Erário quanto à
consumação do recebimento da vantagem pela contratada.

24. Para fins de caracterização do ato lesivo, quem é o


agente público?

Não há definição própria de agente público no âmbito da Lei n.


12.846/2013. Sugere-se, aqui, a utilização do conceito amplo de agente
público, fornecido pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92,
arts. 1º e 2º).

17
RESPONSABILIDADE
ADMINISTRATIVA

25. Qual o fundamento da responsabilidade administrativa


da pessoa jurídica?

O poder de polícia de que dispõe a Administração para coibir condutas de


particulares atentatórias a interesses coletivos - no caso, ao patrimônio
público.9

26. Quem pode instaurar o Processo Administrativo de


Responsabilização (PAR)?

A autoridade máxima da entidade administrativa lesada, que poderá agir


de ofício ou por provocação de terceiros. É possível que a atribuição seja
delegada pela autoridade máxima a um de seus subordinados (art. 8º).

27. Quais entes ou órgãos da Administração podem


instaurar o PAR?

A Lei peca por atecnia, nesse quesito, fazendo alusão ora à "entidade",
ora ao "órgão”. A interpretação sistêmica da Lei, especialmente no que
toca à legitimidade para a ação judicial (art. 19) e ao papel conferido à
Controladoria-Geral da União no plano federal, ensejavam a conclusão de
que, preferencialmente, os processos administrativos deveriam ser
instaurados pelos chamados entes políticos (União, Estados, Municípios,
Distrito Federal), por intermédio de seus órgãos da administração direta
ou por meio de seus órgãos de controle interno. Por outro lado, a
regulamentação da Lei no plano federal claramente atribui aos entes da
Administração Indireta a possibilidade de instauração do PAR.

9
"A responsabilidade administrativa se resume na aplicação de sanções previstas em lei formal,
relativamente a cada infração administrativa". MUKAI, Toshio. Comentários a Lei 12.846, de 1º
de agosto de 2013 - Lei Anticorrupção contra Pessoa Física e Jurídica de Direito Privado.
Revista Síntese: Direito Administrativo, São Paulo, v. 9, n. 97, p. 107-127, janeiro 2014, p. 108.

18
28. Quem é a autoridade máxima do órgão público?

Por analogia ao processo administrativo disciplinar, sugere a doutrina


que, no plano federal, a “autoridade máxima” competente para inaugurar
o processo é o Ministro de Estado da área envolvida com o ato lesivo,
enquanto no plano estadual a “autoridade máxima” é o Secretário da
respectiva pasta. No âmbito municipal, a autoridade máxima é o Prefeito.
Nos órgãos legislativos, a autoridade recai sobre o Presidente da Casa de
Leis, enquanto que, no Judiciário, sobre o Presidente do Tribunal. Órgãos
constitucionais autônomos, como o Tribunal de Contas e os Ministérios
Públicos, também podem instaurar e conduzir processos administrativos
próprios de responsabilização.

29. Quem conduzirá o Processo Administrativo de


Responsabilização?

Comissão designada pela Autoridade Instauradora, composta por, no


mínimo, 2 servidores estáveis (art. 10).

30. Qual a duração do Processo Administrativo de


Responsabilização?

A comissão deve concluir seus trabalhos no prazo de 180 dias,


prorrogáveis, de acordo com a complexidade da investigação. As
conclusões da comissão serão materializadas em um relatório, que
discorrerá sobre eventual responsabilidade da pessoa jurídica e sugerirá,
de forma motivada, as sanções a serem aplicadas (art. 10, § 3º).

31. Qual o rito do Processo Administrativo de


Responsabilização?

Cada ente político, quando da regulamentação da Lei Anticorrupção,


disciplinará seu processo administrativo interno. Outrossim, a Lei
Anticorrupção fornece algumas diretrizes básicas, como a observância do
contraditório e da ampla defesa (art. 8º); o prazo de 30 dias para defesa
da pessoa jurídica investigada (art. 11); a possibilidade de requerimento
judicial de medidas cautelares necessárias à investigação (art. 10, § 1º) e
da suspensão administrativa do ato investigado (art. 10, § 2º); e a
manifestação obrigatória da Procuradoria do ente lesado (art. 6º, § 2º).

19
32. Quem decide o Processo Administrativo de
Responsabilização?

A autoridade máxima da entidade administrativa lesada. Também aqui, é


possível que a atribuição seja delegada para autoridades ou órgãos
subordinados. No plano federal, por exemplo, a atribuição recai sobre a
Controladoria-Geral da União (art. 8º, § 1º).

33. É possível que a decisão do PAR contrarie o parecer


jurídico ou o relatório da comissão investigante?

Sim, considerando o caráter meramente opinativo do parecer e a


ausência de poder decisório da comissão. De qualquer forma, a decisão
será necessariamente motivada, com base nas provas colhidas no PAR,
e eventual desvio ou abuso de poder poderá ensejar a responsabilidade
pessoal do administrador, nos termos do art. 11 da Lei de Improbidade
Administrativa.

34. Há recurso contra a decisão do PAR?

A Lei n. 12.846/2013 não prevê qualquer tipo de recurso. A considerar


que a decisão do processo foi proferida pela autoridade máxima do órgão,
o único “recurso” cabível, em tese, seria o pedido de reconsideração da
decisão, dirigido à mesma autoridade. Não há óbice a que a
regulamentação da Lei, a ser realizada por cada ente político, estabeleça
uma esfera recursal.

35. É possível que as sanções administrativas recaiam


sobre administradores ou sócios da pessoa jurídica?

Sim, é possível a desconsideração da personalidade jurídica, desde que


seja demonstrado que o ente moral foi utilizado com abuso de direito para
facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos lesivos, ou, ainda, para
provocar confusão patrimonial (art. 14).10

10
A teoria da desconsideração da pessoa jurídica é já consagrada no próprio Código Civil (art.
50). No escólio de Sílvio de Salvo Venosa: "[...] quando a pessoa jurídica, ou melhor, a
personalidade jurídica for utilizada para fugir a suas finalidades, para lesar terceiros, deve ser
desconsiderada, isto é, não deve ser levada em conta a personalidade técnica, não deve ser
tomada em consideração sua existência, decidindo o julgador como se o ato ou negócio
houvesse sido praticado pela pessoa natural (ou outra pessoa jurídica)." VENOSA, Sílvio de
Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 5. ed. São Paulo, Atlas, 2005, p. 314.

20
36. É obrigatória a comunicação de abertura do Processo
Administrativo de Responsabilização ao Ministério Público?

Em termos literais, a Lei determina que a comunicação seja realizada pela


Comissão Investigante após a conclusão do procedimento administrativo,
independentemente do resultado das apurações (art. 15). Nada impede,
todavia, a comunicação da abertura do processo.

37. O processo administrativo pode ser sigiloso?

Como regra, não, tendo em vista o princípio constitucional da publicidade


dos atos da administração (CF, art. 37). Segmento da doutrina advoga
que, em razão da possibilidade de celebração de acordo de leniência (art.
16) e considerando a natureza da sanção de publicação extraordinária da
decisão condenatória, os atos relacionados à negociação do pacto ou ao
procedimento em si devem ser mantidos em sigilo (art. 16, § 6º).

21
SANÇÕES

38. Quais as sanções previstas na Lei Anticorrupção?

No plano administrativo, são cabíveis: a) multa; e b) publicação


extraordinária da decisão condenatória (art. 6º).
No plano judicial, são previstas as seguintes sanções: a) perdimento dos
bens ou valores derivados do ato lesivo; b) suspensão ou interdição
parcial de atividades; c) dissolução compulsória da pessoa jurídica; e d)
proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de entidades e instituições financeiras públicas pelo prazo
de um a cinco anos (art. 19).

39. A aplicação das sanções esgota as consequências


jurídicas do ato lesivo?

Não, visto que tanto a aplicação de sanções administrativas quanto as


punições judiciais não excluem o dever do infrator de promover a integral
reparação do dano causado à Administração (art. 6º, § 3º).

40. Como são aplicadas as sanções?

As punições podem ter lugar de forma isolada ou cumulativa, cumprindo


ao administrador/juiz fundamentar a opção, após avaliar as peculiaridades
do caso concreto e a gravidade e a natureza das infrações (art. 6º, § 1º;
art. 19, § 3º).

41. Quais os critérios que orientam a aplicação?

A Lei enumera os seguintes critérios: a) gravidade da infração; b)


vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; c) consumação da
infração; d) grau de lesão ou perigo de lesão; e) efeito negativo produzido
pela infração; f) situação econômica do infrator; g) cooperação da pessoa
jurídica para apuração das infrações; h) existência de mecanismos e

22
procedimentos de integridade e auditoria, internos à pessoa jurídica; e i)
valor dos contratos mantidos pelo infrator com o ente público lesado.

42. Como é calculada a multa?

A multa não poderá ser inferior à vantagem auferida pelo infrator. Seu
valor será estimado, considerando os critérios legais, entre 0,1% e 20%
do faturamento bruto do infrator no exercício anterior à instauração do
processo administrativo, excluídos os tributos. Caso não seja possível a
aplicação de percentual sobre o faturamento da empresa, a multa poderá
ser fixada em valor entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões (art. 6º, I, e § 4º);

43. Qual o destino dos valores pagos pela empresa punida


a título de multa ou perdimento de bens?

Preferencialmente, os valores devem ser recebidos pela entidade pública


atingida pelo ato lesivo (art. 24).

44. Qual o destino da multa não adimplida pelo infrator?

Inscrição do crédito em dívida ativa pelo ente lesado e subsequente


execução, nos termos da Lei n. 6.830/80 (art. 13, parágrafo único).

45. Como se implementa a sanção referente à publicação


da decisão condenatória?

Mediante veiculação de extrato de decisão em meio de comunicação de


grande circulação na área da prática da infração e na área de atuação do
infrator, às expensas da pessoa jurídica condenada. Simultaneamente,
deve ser afixado edital relativo à condenação em local visível ao público,
no estabelecimento ou no local de exercício da atividade empresarial, por,
no mínimo, 30 dias e, ainda, na rede mundial de computadores (art. 6º, §
5º).

46. O que são programas de compliance?

Ações internas desenvolvidas pela própria pessoa jurídica para


prevenção e coibição de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de

23
ética.11 A relevância atribuída pela Lei aos programas de compliance
realça o papel ativo que as empresas, especialmente, podem
desempenhar na prevenção e na apuração do ilícito.

47. A participação de servidor público agrava a sanção ao


ato lesivo?

Não necessariamente. O dispositivo que previa a participação de servidor


público no ato lesivo como fator a ser ponderado quando da aplicação das
sanções foi vetado (art. 7º, X), o que destaca o enfoque legal voltado para
coibir a atuação de pessoas jurídicas privadas.

48. Dimensionar a sanção de acordo com a capacidade


econômica do infrator (art. 7º, VI) viola a isonomia?

Não. A capacidade econômica do infrator já é utilizada como critério para


dosimetria de sanções na Lei dos Crimes Ambientais e na Lei Antitruste.
Ademais, o caráter dissuasório da sanção de multa será reflexo direto do
poder econômico do infrator. Por último, grandes empresas possuem
condições de implementar programas internos de compliance, o que
denota a maior reprovabilidade do ilícito.

49. Qual a diferença entre a sanção judicial de extinção da


pessoa jurídica (art. 19, III) e a desconsideração de sua
personalidade (art. 14)?

No primeiro caso, a sanção judicial acarreta o encerramento definitivo das


atividades da pessoa jurídica envolvida na prática do ato lesivo, cabível
quando comprovado que a personalidade foi usada de forma habitual
para prática ou facilitação de atos ilícitos, ou ainda, para ocultação e
dissimulação de interesses ilícitos ou da identidade dos beneficiários
pelos atos praticados (art. 19, § 1º). Nas hipóteses de desconsideração, a
pessoa jurídica continua a existir e a desenvolver suas atividades,
afastando-se pontualmente sua personalidade jurídica para que a
responsabilidade recaia sobre seus sócios ou administradores (art. 14).

11
"O termo compliance, originário da expressão anglo-saxã to comply, exime, em sentido literal,
o sentido de agir de acordo com uma regra ou comando. Dessa forma, compliance constitui a
obrigação de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e
externos impostos à atividade da organização" BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei
Anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 84.

24
50. A proibição de receber incentivos ou subvenções do
Poder Público, (Lei n. 12.846/2013, art. 19, IV) equivale à
proibição de contratar com a Administração, disciplinada
pela Lei de Improbidade Administrativa?

Não, uma vez que o escopo da punição da Lei Anticorrupção é mais


estrito. A entidade punida, nos termos desta Lei, pode celebrar contratos
com o Poder Público e participar de licitações; apenas não pode receber
subsídios, incentivos ou empréstimos concedidos por instituições
financeiras públicas.

25
ACORDO DE LENIÊNCIA

51. O que é o Acordo de Leniência?

Acordo firmado entre a autoridade máxima do órgão público atingido


pelos atos lesivos e a pessoa jurídica infratora, pelo qual a implicada
concorda em colaborar com as investigações em troca da redução das
sanções cabíveis.12

52. O instituto é uma criação da Lei Anticorrupção?

Não. O acordo de leniência já era previsto na Lei n. 12.529/2011, que


viabilizava a celebração do pacto entre o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE) e as pessoas naturais ou jurídicas
responsáveis por infrações à ordem econômica.

53. Quais os requisitos para celebração do Acordo de


Leniência?

São três requisitos cumulativos. A pessoa jurídica infratora deve: 1º) ser a
primeira a manifestar interesse na celebração do acordo; 2º) cessar por
completo seu envolvimento na infração investigada; e 3º) admitir a
participação no ilícito e cooperar, de forma plena e permanente, com as
investigações, até o seu encerramento.
Além dos requisitos legais, o acordo pode estipular condições que
garantam a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo (art.
16, § 3º). De plano, a colaboração deve ensejar, quando for o caso, a
identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção célere de
informações que comprovem o ato lesivo.

12
Para síntese de informações sobre o acordo de leniência, válida consulta ao sítio eletrônico
da Controladoria-Geral da União: http://www.cgu.gov.br/assuntos/responsabilizacao-de-
empresas/lei-anticorrupcao/acordo-de-leniencia.

26
54. Quais os efeitos do Acordo de Leniência?

Isenta a pessoa jurídica das sanções referentes à publicação da sentença


condenatória e à proibição de receber incentivos e subvenções de órgãos
públicos. Além disso, reduz em até 2/3 o valor da multa aplicável.
Por outro lado, a pessoa jurídica permanece obrigada a reparar
integralmente o dano causado (art. 16, § 3º). A celebração do acordo
interrompe, ainda, o prazo prescricional para persecução dos atos ilícitos
capitulados na Lei n. 12.846/2013 (art. 16, § 9º).

55. Apenas os atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção


podem ser objeto do Acordo de Leniência?

Não. Por determinação expressa da própria Lei (art. 17), o acordo pode
ser firmado também para isenção ou atenuação das sanções
administrativas cominadas na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93, arts. 86 a
88).

56. Quem pode se beneficiar com o acordo de leniência?

Os efeitos do acordo podem ser estendidos a empresas integrantes do


mesmo grupo econômico, de fato ou de direito, desde que todas firmem o
pacto em conjunto e observem suas condições (art. 16, § 5º).

57. Qual a repercussão do acordo de leniência sobre a


responsabilidade individual de administradores e sócios da
empresa infratora?

A princípio, nenhuma. Não há qualquer previsão legal no sentido de que a


celebração do acordo atenue a punição de pessoas naturais envolvidas
em atos de improbidade administrativa e crimes contra a Administração.

58. O acordo de leniência pode facilitar a coleta de provas


contra pessoas naturais?

Sim. Uma das condições do acordo é a colaboração da empresa para


"identificação dos demais envolvidos na infração" e a obtenção de
informações e documentos que comprovem o ilícito, o que transcende a

27
responsabilidade empresarial e pode viabilizar a produção de provas
contra pessoas naturais, inclusive no âmbito criminal.

59. O acordo de leniência celebrado pela empresa


equivale à colaboração premiada firmada por seus
diretores?

Não. Os institutos do acordo de leniência e da colaboração premiada (Lei


n. 12850/2013) possuem em comum apenas o traço consensual, bastante
incomum no Direito Sancionatório em países de tradição jurídica romano-
germânica, como o Brasil.
Contudo, a colaboração premiada projeta seus efeitos na esfera penal e é
celebrada entre o autor do crime, pessoa natural, e a Autoridade Policial
ou o Ministério Público. O acordo de leniência, por sua vez, é celebrado
pela entidade infratora e o órgão público lesado, irradia seus efeitos
apenas sobre as sanções cominadas na Lei n. 12.846/2013 e,
eventualmente, sobre as sanções administrativas previstas na Lei n.
8.666/93.

60. Quais as conseqüências do acordo de leniência


descumprido?

A pessoa jurídica infratora estará impedida de celebrar novo acordo de


leniência pelo prazo de 3 anos (art. 16, § 8º). Além disso, o processo
administrativo de responsabilidade retoma sua marcha normal.

61. Caso a Administração rejeite proposta de acordo, tal


fato pode ser usado como prova contra a infratora
proponente?

Em tese, não. A Lei dispõe que a proposta de acordo de leniência


rejeitada não importará reconhecimento da prática do ilícito (art. 16, § 7º),
razão pela qual a proposta de acordo somente se torna pública após a
celebração (art. 16, § 6º).

62. O Ministério Público participa do acordo de leniência?

Não. Nos termos da Lei, o acordo é celebrado a partir da negociação


entre a entidade infratora e o órgão público lesado e pela autoridade

28
máxima deste, sem possibilidade de delegação. Por outro lado, em face
do silêncio legal, a celebração do acordo em nada afetará a adoção de
outras medidas pelo Ministério Público, como a dedução da ação judicial
de responsabilidade por atos lesivos, ressalvada a sanção judicial de
proibição de recebimento de benefícios do Poder Público, eventualmente
abarcada pelo acordo.

63. O acordo de leniência exige homologação judicial?

Não, não há previsão de fiscalização judicial do acordo.

64. Quais as principais críticas doutrinárias ao instituto?

As objeções doutrinárias ao acordo de leniência podem ser reunidas em


dois grupos. Para segmento da doutrina de aporte mais conservador, é
questionável a eticidade de qualquer pacto celebrado entre o Poder
Público e os infratores da lei, sobretudo aqueles que envolvam a
"delação" de terceiros. Pelo prisma da eficácia, outrossim, o instituto é
criticado por não fornecer aos infratores benefícios suficientes para
incentivar a celebração, uma vez que, mesmo após o acordo, outras
sanções poderão ser impostas à empresa.

29
RESPONSABILIDADE JUDICIAL

65. A punição administrativa da empresa infratora impede


o ajuizamento da ação judicial de responsabilidade?

Não, tendo em vista que as instâncias de responsabilização são


diferentes. Ainda que a tipologia de atos seja comum (art. 5º), é possível o
desencadeamento de processos paralelos nas instâncias administrativa e
judicial (art. 18) ou mesmo a dedução da ação judicial quando ainda não
concluída a apuração administrativa do fato.

66. Quem são os legitimados ativos para a ação judicial de


responsabilização?

Ministério Público e o ente político lesado pelo ato (União, Estados,


Distrito Federal e Municípios) (art. 19).

67. Qual a característica da legitimidade conferida aos


referidos entes?

Concorrente e disjuntiva, pelo que não há litisconsórcio necessário entre


os legitimados. Considerando os interesses em voga, pode-se afirmar
que, quando não for autor da ação, o Ministério Público atuará no feito
como custos legis.

68. Qual o procedimento da ação judicial?

A ação segue o rito da ação civil pública (Lei n. 7.347/85). Não há,
portanto, fase pré-processual caracterizada pela notificação preliminar da
demandada, a exemplo do que ocorre na ação de improbidade
administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 17, § 7º).

30
69. Qual instrumento de investigação é utilizado pelo
Ministério Público?

A despeito do silêncio legal, por incidência do art. 129, III, da Constituição,


e por aplicação analógica do art. 8º, § 1º, da LACP, o instrumento
adequado para materializar a investigação ministerial é o inquérito civil.

70. Qual a natureza da ação de responsabilidade?

Natureza predominantemente condenatória, dado que o objeto da


demanda é a imposição ao infrator das sanções previstas no art. 19 da
Lei Anticorrupção.

71. É possível a cumulação de pedidos?

Sim. Além dos pleitos relacionados à Lei Anticorrupção, é possível a


formulação de outros pedidos, de cunho condenatório, declaratório ou
constitutivo, necessários à tutela da moralidade administrativa, como, por
exemplo, a invalidação de ato administrativo impugnado.

72. Quais são as medidas cautelares e antecipatórias


cabíveis?

A Lei alude à indisponibilidade de bens da pessoa jurídica requerida (art.


19, § 4º), medida que garante eventual ressarcimento de dano e
pagamento da multa. Não há óbice quanto à aplicação de outras medidas
cautelares, típicas ou atípicas (CPC, Livro III), e antecipatórias de tutela
(CPC, arts. 273 e 461).

73. No caso de sociedades sem personalidade jurídica,


quem as representará em juízo?

A pessoa natural que administra os bens da sociedade despersonalizada.

31
74. Nas ações movidas pelo MP, é necessária a intimação
da pessoa jurídica lesada?

Embora não haja disposição expressa da Lei nesse sentido, a inserção da


Lei Anticorrupção no chamado microssistema processual das ações
coletivas13 implicaria a observância, defendida por parte da doutrina, do
disposto no art. 6º, § 3º, da Lei da Ação Popular e art. 17, § 3º, da Lei de
Improbidade Administrativa. Dessa forma, o ente público seria intimado
acerca do ajuizamento da ação e poderia ingressar em um dos polos da
demanda.

75. É possível ao MP pleitear judicialmente a aplicação das


sanções administrativas previstas no art. 6º da Lei?

Sim, uma vez constatada a omissão da autoridade administrativa na


responsabilização dos infratores. Discute-se se essa possibilidade adviria
apenas em caso de omissão (majoritário) ou se o MP também poderia
pleitear as sanções caso a decisão de processo administrativo instaurado
fosse favorável ao infrator.

76. A autoridade administrativa possui o dever jurídico de


apurar as infrações sob seu conhecimento?

Sim. A omissão da autoridade no tocante ao dever de apuração pode


ensejar sua responsabilidade pessoal, no plano penal, civil e
administrativo, a ser apurada, no entanto, segundo os princípios da
responsabilidade subjetiva (art. 27).

13
"[...] 3. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da
administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis
judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses
transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade
da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado
de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados
por cláusulas pétreas. 4. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer
demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou
imaterial (lesão à moralidade). 5. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de
ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o
Ministério Público para o manejo dos mesmos. 6. A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico
mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade,
hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos
onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. [...] (REsp
406545/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2002, DJ 9/12/2002).

32
77. Há possibilidade de cumular, em uma mesma ação,
pedidos calcados sobre a Lei Anticorrupção e a Lei de
Improbidade Administrativa?

Sim, os pedidos podem ser cumulados, segundo percepção majoritária da


doutrina, amparada pelo art. 30, I, da Lei Anticorrupção. Devem ser
observadas as exigências de cada legislação quanto à legitimidade
passiva (agente público, no tocante à improbidade administrativa; pessoa
jurídica, em relação à Lei n. 12846/2013). Ademais, como já referido, a
punição de pessoas naturais segue os princípios da responsabilidade
subjetiva.

78. Há conexão entre ações de improbidade e ações


lastreadas na Lei Anticorrupção atinentes aos mesmos
fatos?

Sim, visto a identidade de causas de pedir (CPC, art. 103). É


recomendável, nesses casos, a reunião das ações para julgamento
conjunto, a exemplo do que já ocorre no tocante à ação de improbidade e
à ação popular.

79. Qual o prazo prescricional incidente sobre as sanções


da Lei Anticorrupção?

Prazo de 5 anos, contados da ciência da infração ou, no caso de infração


permanente, do momento da cessação do ato lesivo (art. 25). Ressalvem-
se, aqui, as ações de ressarcimento, imprescritíveis, nos termos do art.
37, § 5º, da Constituição. A instauração de processo administrativo ou
judicial de apuração do ilícito interrompe o prazo prescricional (art. 25,
parágrafo único). Da mesma forma, a celebração de acordo de leniência
interrompe o prazo prescricional (art. 16, § 9º).

80. A "ciência da infração", que desencadeia a contagem


do prazo, é o conhecimento do fato pelo MP ou pela
Administração?

A despeito do silêncio legal, deve-se compreender que a "ciência" a que


se refere a Lei é o conhecimento do fato pela Administração.

33
81. A contagem do prazo prescricional é distinta nas ações
de improbidade e nas ações movidas com base na Lei
Anticorrupção?

Sim. Na ação de improbidade, o prazo prescricional, no que toca aos


particulares (LIA, art. 3º) é o mesmo fixado em relação aos agentes
públicos (LIA, art. 23) e, no caso dos agentes políticos, por exemplo, a
contagem somente se inicia após o término do exercício do mandato do
implicado, condicionamento que não existe na Lei Anticorrupção.

82. Há possibilidade de acordo judicial em ação de


responsabilidade?

A Lei não contempla, em relação à ação judicial, nada semelhante ao


acordo de leniência, na esfera administrativa. Aplicando-se por analogia
as premissas consolidadas no âmbito da improbidade administrativa (Lei
n. 8.429/92, art. 17, § 1º), concluir-se-ia que eventual ajuste somente
poderia disciplinar a forma de ressarcimento do dano ao Erário, sem
dispor sobre as demais sanções.

83. Ações de responsabilidade julgadas improcedentes


submetem-se ao reexame necessário?

Em tese, sim, considerando a previsão expressa do reexame na Lei da


ação Popular (Lei n. 4.717/65, art. 19) e a interconexão entre regras de
diplomas legais distintos no âmbito do chamado microssistema
processual das ações coletivas. Tal entendimento, porém, não é unânime
nas cortes nacionais, visto os recentes questionamentos, nos tribunais
superiores, acerca da necessidade do reexame necessário nas ações de
improbidade administrativa.

34
A APLICAÇÃO DA LEI E O MINISTÉRIO
PÚBLICO

84. A Lei carece de regulamentação?

A Lei Anticorrupção alude expressamente que os parâmetros para


avaliação dos mecanismos de compliance serão fixados em
regulamentação produzida pelo Governo Federal (art. 7º, parágrafo
único). A despeito do silêncio legal, outros aspectos da Lei demandam
regulamentação, como, por exemplo, as etapas do processo
administrativo e a formação das comissões investigantes.

85. A União já regulamentou a Lei?

Após mais de um ano de espera, a União Federal finalmente


regulamentou, em seu âmbito, a Lei Anticorrupção, por meio da edição do
Decreto n. 8.420, publicado em 18 de março de 2015.

86. Quais as novidades do Decreto n. 8.420/15?

O ato regulamentar: a) cria a fase da “investigação preliminar”, que tem


por finalidade, no prazo máximo de 60 dias, colher subsídios para
embasar a decisão da Autoridade quanto a abertura de processo
administrativo (art. 4º); b) prevê o sigilo da investigação, quando
necessário para elucidação dos fatos, preservação da imagem dos
envolvidos ou para o interesse da Administração (art. 6º); c) prevê pedido
de reconsideração da decisão condenatória no processo administrativo
(art. 11); d) preconiza a apuração conjunta de infrações administrativas
previstas simultaneamente da Lei de Licitações e da Lei Anticorrupção
(art. 12); e) estabelece parâmetros para o cálculo da multa (art. 17); f)
regula as negociações prévias ao acordo de leniência (art. 31); e g) fixa
os parâmetros de avaliação dos programas de compliance (art. 42).

35
87. A regulamentação da Lei pela União vincula Estados e
Municípios?

Não, à medida que os procedimentos administrativos internos devem ser


regulamentados por cada ente federado. A observância do regulamento
da União é obrigatória apenas no tocante aos parâmetros de avaliação
dos programas de compliance, por determinação expressa do art. 7º,
parágrafo único, da Lei Anticorrupção. Nada impede, todavia, que
Estados e Municípios adotem o decreto federal como modelo para
expedição de seus próprios regulamentos.

88. Quais Estados e Municípios regulamentaram a Lei


Anticorrupção?

A exemplo do que ocorreu com a União, Estados e Municípios têm agido


de forma lenta na regulamentação da Lei n. 12.846/2013. Em
levantamento preliminar, a Lei foi regulamentada, por exemplo, pelo
Estado de São Paulo (Decreto n. 60.106/2014); Município de São Paulo
(Decreto n. 55.107/2014); Estado do Tocantins (Decreto n. 4.954/2013);
Estado do Paraná (Decreto n. 10.271/14); e Estado do Espírito Santo
(Decreto n. 3.727/2014).

89. E em Santa Catarina?

O Estado de Santa Catarina ainda não regulamentou a Lei. Não há


notícias de que Municípios catarinenses, até o presente momento (junho
de 2015) tenham regulamentado o diploma ou instaurado procedimentos
internos com base em suas normas.

90. A ausência de regulamentação impede a aplicação da


Lei?

Não, à medida que a ausência de regulamentação prejudica,


precipuamente, a esfera administrativa. As normas da Lei Anticorrupção
referentes à responsabilidade judicial, por exemplo, são plenamente
eficazes e dispensam regulamentação.

36
91. A Lei cria banco de dados ou cadastro referente a
infratores?

A Lei Anticorrupção criou o Cadastro Nacional de Empresas Punidas


(CNEP), organizado pelo Poder Executivo Federal, que reunirá
informações sobre sanções aplicadas por todos os Poderes e níveis de
Governo com base em seus dispositivos (art. 22).

92. O CNEP passa a ser, com a Lei Anticorrupção, o


cadastro único de dados referentes a empresas punidas?

Não. A própria Lei Anticorrupção obriga que as entidades públicas


alimentem o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas
(CNEIS), organizado pela CGU, que agrega dados sobre empresas
punidas por força da Lei de Licitações (art. 23). Além disso, o Conselho
Nacional de Justiça mantém o Cadastro Nacional de Condenações Cíveis
por Ato de Improbidade Administrativa e Inelegibilidade.

93. A Lei pode ser aplicada a fatos anteriores a sua


vigência?

Considerando seu aspecto punitivo, a Lei Anticorrupção não retroage e,


portanto, somente alcança fatos ocorridos após sua entrada em vigor (29
de janeiro de 2014). Contudo, infrações permanentes cuja execução,
iniciada antes da vigência da Lei, prolongou-se, quando já em vigor o
Diploma, podem ser punidas nos termos da Lei n. 12.846/2013,

94. A Lei pode ser aplicada sobre fatos ocorridos no


exterior?

Sim. A extraterritorialidade da Lei é resultado direto das convenções


firmadas pelo Brasil. Assim, podem ser punidas, nos termos da Lei
Anticorrupção, pessoas jurídicas brasileiras que tenham perpetrado atos
lesivos contra a Administração Pública de outros países, ainda que tais
fatos tenham ocorrido no exterior (art. 28). A atribuição para o processo
administrativo, nesse caso, é da CGU (art. 9º).

37
95. É pertinente a crítica de que a Lei foi concebida tendo
por premissa grandes estruturas administrativas, como a
CGU, e é de difícil aplicação pelos pequenos Municípios?

Em parte, sim. São conhecidas as dificuldades estruturais que os entes


públicos no País, especialmente pequenos Municípios, enfrentam na
condução de processos administrativos disciplinares relacionados a seus
servidores, procedimentos muito mais simples do que o rito punitivo
desenhado pela Lei n. 12.846/2013. É considerável o risco, pois, de que
pequenas unidades administrativas produzam procedimentos
formalmente inválidos.

96. Nesse cenário, é lícito que pequenos Municípios optem


por não aplicar a Lei Anticorrupção?

Não. As novas prerrogativas conferidas pela Lei à Administração são


poderes/deveres irrenunciáveis, instituídos não para conveniência do
gestor, mas para máxima tutela do patrimônio público e da moralidade
administrativa. Ademais, diversos atos lesivos capitulados na Lei n.
12.846/2013, como aqueles referentes às licitações e aos contratos,
frequentemente ocorrem em detrimento de pequenos Municípios, que não
passam ao largo de grandes esquemas de corrupção.

97. A Lei Anticorrupção pode gerar mais corrupção?

Caso desvirtuada, sem dúvida. A ampliação dos poderes sancionatórios


da Administração, conexos com as relações por ela mantidas com
agentes econômicos privados, aliada à falta de estrutura e ineficácia dos
mecanismos de controle, pode impulsionar práticas corruptas, como a
exigência de vantagem indevida, por agente público, em troca da não
aplicação de sanções à empresa investigada.

98. Em face desse dilema, qual a alternativa de Estados e


Municípios?

A opção mais viável parece ser a estruturação gradual de órgãos de


controle interno autônomos e qualificados, já previstos pela Constituição
Federal (CF, art. 74), que seriam responsáveis pela condução do
processo administrativo de responsabilização e, no mais, pela fiscalização
geral de todas as ações administrativas do Poder Público.

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99. Qual o papel do Ministério Público nesse processo?

Além da legitimidade para ingressar com ação de responsabilidade, o


Ministério Público pode contribuir com o aperfeiçoamento da instância
administrativa, cuja resposta ao ilícito, em geral, é mais rápida, velando
para que entes públicos não se omitam do dever de apurar e punir as
empresas infratoras.

100. Que medidas concretas podem ser adotadas pelo


Ministério Público?

Diversas medidas podem ser, desde logo, adotadas pelo Ministério


Público. No plano extrajudicial, por exemplo, o Promotor de Justiça pode:
1. instaurar inquérito civil para apurar a adequação do ente municipal aos
ditames da Lei Anticorrupção; 2. recomendar a regulamentação imediata
da Lei pelo ente local; 3. contribuir para consolidação de sistemas de
controle interno eficientes; 4. recomendar formas de composição da
comissão investigante consentâneas com a complexidade dos fatos
apurados; 5. estabelecer, com as Autoridades Administrativas, fluxos
permanentes de informação que possibilitem, preferencialmente, a
comunicação imediata ao Parquet quando da instauração do processo
administrativo de responsabilidade, e não apenas quando de sua
conclusão; 6. remeter informações ao Centro de Apoio e aos colegas das
Comarcas envolvidas em face da constatação da atuação regional de
pessoas jurídicas envolvidas na prática de ilícitos; 7. velar para que os
poderes administrativos conferidos pela Lei Anticorrupção, antes, no
curso e após o processo de responsabilização, sejam exercidos dentro
das balizas legais; e 8. combater a omissão da Autoridade na apuração
dos ilícitos. No plano judicial, a atuação do Ministério Público pode
envolver: 1. luta pela aplicação harmônica dos regimes de
responsabilidade da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade
Administrativa, maximizando o potencial de tutela do patrimônio público
de ambas as legislações; 2. responsabilização das autoridades
administrativas em caso de omissão na punição das empresas; e 3.
formulação de pedidos de inserção de eventuais condenações de
empresas demandadas nos cadastros legais, relevantes mecanismos de
proteção à Administração e prevenção de novas fraudes.

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REFERÊNCIAS

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