Walter Benjamin enxerga em Paris a capital do século XIX, a cidade-símbolo da modernidade burguesa. As reformas empreendidas pelo Barão Haussmann transformaram a cidade no marco urbano do capitalismo.
As revoltas de 1848 e suas barricadas mostraram que uma nova configuração do urbano fazia- se necessária. É neste contexto que o Barão executa uma reforma gigantesca em Paris, praticamente destruindo a cidade velha e construindo uma nova. As curvas labirínticas, os becos escuros, as ruas estreitas e desordenadas da Paris medieval cedem lugar à razão cartesiana, à linha reta, às ruas largas que permitem a passagem e a fluidez do trânsito, facilitando também uma eventual ação repressiva policial. O capital encontrou em Haussmann seu instrumento.
A cidade que daí surge é plena de novos significados para Benjamin, e seu ensaio consiste em enxergar no urbano as próprias características da modernidade. O uso do vidro e do ferro nas construções, por exemplo, marca a rua como o espaço do impessoal, do público. O contraste é com o intérieur burguês, o uso do veludo, que permite ao indivíduo deixar suas marcas. A rua de ferro e vidro apaga os rastros de qualquer individualidade. O indivíduo burguês que nascia só podia realizar-se no interior de sua casa. "Pela primeira vez o indivíduo privado pisa o palco da história". Quer Benjamin dizer com isso que é na modernidade que surge a própria noção de privado e de privacidade, e esta noção está marcada na própria cidade. O tempo inteiro Benjamin tenta ler na cidade os caracteres mais gerais da modernidade.
A contradição entre o interior e o espaço público encontra seu paralelo no contraste indivíduo- multidão. É o interior o lugar do indivíduo, onde pode encontrar sua realização. O espaço exterior é o da multidão, onde o indivíduo se dissolve como sendo mais um dentre outros. A modernidade urbana, assim, é o espaço que engendra o indivíduo ao mesmo tempo que o aniquila, e a cidade é o lugar que possibilita e impede a realização individual – eis a dialética. A dialética em Benjamin é especial, porque ele prefere vê-la paralisada, na forma de imagem dialética, quando todas as ambiguidades se mostram.
A figura intermediária entre o interior e o exterior é o flâneur, intermediário também entre o indivíduo e a multidão. Seu espaço são as passagens, meio-termo entre privado e público. Ele faz da rua a sua casa, e da multidão o seu ninho acolhedor. Está e não está na multidão, porque, nela inserido, não se confunde com ela: seu tempo é outro, sua apropriação do espaço também é outra. Contra a pressa da multidão dominada pelo tempo abstrato do capitalismo, o flâneur permite-se parar, deter-se e olhar com mais vagar, em outro ritmo. Mas, para Benjamin, o flâneur é um tipo social de dias contados. O fim das passagens é também o seu fim.
Outras contradições aparecem em Benjamin, na tentativa de mostrar as ilusões da modernidade, e a consciência dialética dessas ilusões, presente muitas vezes em Baudelaire. Baudelaire já conseguia ver como o poeta também se torna parte do mercado. O seu não-fazer- nada nos cafés parisienses tinha a sua função social, e configurava-se como parte de seu tempo de trabalho: aos olhos do público, o poeta tinha que ter o seu tempo de apenas observar. A prostituta é também figura ambígua: vendendo-se a si mesma, é produtora e mercadoria ao mesmo tempo.
A cidade moderna – que tem em Paris o seu paradigma – é o terreno onde se produzem e onde se podem ver estas contradições. As reformas do Barão Haussmann transformaram a cidade num espaço estranho para seus próprios habitantes. E, se o abrir espaços da reforma haussmanniana retirou da cidade o lugar da pobreza – transferindo-a para a periferia – fez entretanto com que os pobres aparecessem, como se vê no poema de Baudelaire analisado por Marshall Berman, "a família de olhos". Se os espaços são marcados – interior/exterior, Paris/banlieue –, seus usos são ambíguos. O lixo que se tenta esconder aparece cada vez mais. É o lixo o material do poeta e do materialista histórico, lixo social e lixo humano. A linha reta da cidade, que produz uma relação identitária entre os espaços e os tempos, fazendo da História o terreno do sempre igual disfarçado de progresso, permite uma apropriação labiríntica. É a criança, o flâneur, o marginal, que ressignificam os espaços.
A Paris do capital e do fetiche da mercadoria expresso nas "exposições universais" revela as contradições que são a marca da modernidade. A paralisação dialética benjaminiana expõe a dinâmica que configura o urbano. As ruas largas da Paris reformada para impedir as barricadas e facilitar a repressão policial veem em 1871 a aparição da Comuna e de novas barricadas. O bulevar como espaço social da burguesia dominante é ocupado pelos olhos famintos dos pobres expostos. A linha reta dos espaços dá margem à apropriação labiríntica, e a pura razão cede lugar às paixões humanas.