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SANDRA SOLEYE MEDEIROS EPEGA Njé Folhas Funcionam ascido francés, viveu africano € morteu brasileiro, Este é Pierre Verger, 0 Fatumbi (1)Qjnoba (2) por ordem de Stngé e artes de Mae Senhora, doAse OpoAfonja (3). Amando dé rr Babiiléwo, Pai doSegredo, Sacerdote ft (4), Intérprete do Ordculo Sagrado dos Foritbd. Mestre de incontaveis discipulos, fotégra- fo, escritor, pesquisador, deixa livios, ensai 6s, artigos, todo um mar de sabedoria e pes- quia, que em seus 93 anes de vida nao con- seguitatravessar, NavegouentreBrasileAfii- ca a partir de 1948, e neste 1996 volta em definitivo para 14. Vai morar com Sang6 e Oriaunild, no Orin (5) ancestral. Quando, em 1981, Verger dew a luz Orixds, um classic, livro de cabeceira de imti- _meros pais € maes-de-santo de umbanda e de candomble, foi-the cobrado, durante alguns anos, uma complementago que tivesse uma abordagem mais simples e que falasse dos Oris e de suas vides, situando-os no cotidia- no do povodoAse (6) E surgiu entao Lendas Africanas dos Orixds, em 1985, ilustrado por Carybé, onde 0s Itan If (7) sao relatados de forma postica © agradavel, transformando Ogin e Sango, Oya ¢ Olokun, Osun ¢ Obatala (8) em seres ‘quase humanos, viveneiando amores e guer- ras, brigas e humores,filhas ¢ reinos Em 1995, alguas anos ¢ alguns livros € artigos depois (Fluxo ¢ refluxo, Iya mi aje) (9).volta Verger a nos brindar com Ewe —0 Uso das Plantas na Sociedade Toru. E, antes de podermas absorver olivro, curir apublicagao, aprender oensinamento, eis que ‘embarca para 0 Ortin o Fatunbi. Decerto para tiraralgumas duividas com Ortamild e com Osanyin (10). ‘Oh! Fatunbi, vie vol- te. Evolte gordo, volte sa- dio, volte de umseudiseipu- Jo, de um seguidor, de um ad- iirador, e volte sabio e pacien- te, volte para novamente ter vida longa. Votte para ter familia e dei- xar descendénecia, volte para ser feliz e realizat. Oj Oba. Vae volte! (1). Esta 0 povo orfio, sem maiores ex- plicagbes para seu iiltimo presente, 0 I vro Ewe (12), FEWISTA USP, SHO PAULO (29): 166-17 E ficam perguntas: Dentre os escritores do Ase, quem sera seu continuador? Carlos Eugenio Marcondes Moura, seu tradutor em alguns artigos, amigo fraterno, discfpulo dileto? Marco Aurélio Luz, como ele do Ase po Afonja, Osi Ojne Oba por ordem de Sg? José Flavio Pessoa de Barras, para dar conti- nuidade a seus escritos de plantas? Babalosayin (13) competente, sua tese de mestrado ja era livro disputado anos antes da publicagao, via xerox. Naosurge esta inquietagao por julgarmas que Rei morto, Rei posto! Sioas diividas, so as perguntas, sdoas ansiedades, quesuamore logo apés o langamento de Ewé deixam nos seus disefpulos abandonados, emtodoopovo Yoritba — descendente, fisico ou mitico. Nos perguntames, depois de ler as 762 paginas € mais as capas, contra-capas € ore- Ihas, ¢ de uma assentadas6: A quem foi diti- ido olivro? Qual seu puiblico alvo? Bordni- cos? Estariam eles interessados em formulas magicas e primitivas, utilizariam um dia 0 poder da palavra yoriibd? Socisloges, Antro- mancosmato 1996 ‘SANDRA SOLEYE MEDEIROS EPEGA 6 lyadri68 do lle Leuiwyeto, templo de cute a Sango em ‘Guawera S40 Paulo ewe 0 Uso das Pontana So Fauna verze Pus ‘Compara es irra, 1805 2.0 One 03 hos 0 Fe — ‘roo, do 99.0 ca use tanto Ne Sennen (O20 Afona, anton tempo ‘Sunoen Saeco, A” @'da aavnnarlo. Babe alurnagt ecu, Cradimensdoquenision 1 Aco-trea, pace. nama ‘Powe do Ase eau (ue, teiges umber. Sota ce Grea eaten 3 ‘eis Gagraco Yorbs ‘rae n Bebalad Joga 0s bazios, pelo sistema de adivinhacao de ifé @ tustracao é de Carybé 167 2 ou, sa cn agian Su a. eS ‘ecreoga. Oye Onsa ces tenor # oo a ger, na Bem Cratd mecca Grisaaiecrau sahomers. 9 Purse rei dt Taten ae bs Saning, 089 Paul, bina Marcondes Maura, Gh ym Ceorongn ‘thorns oo Psst oo Nor ‘Mural 1096 pp. 18°71 10 Cicadas ante dos ve come fave no i Aye Pianen, ra) ae tea, ie [Berane Par sso tos Soaye ese rsomn bone ee ae he geo 12 ve oa, Yorcr, 198, 13 cargo na eraula Sacer fais Ones Osanna fun aetoher} 14 Oa roresposa ened ‘wenaraemesqie vlan fom, que we cde fm eau coumonia cn ipa" osheto compose eatin dos pes enero, Segudores de hie, cor *gmce Onna 17 B2eto errotad oe pusoe fue-0 Ganaiawo utizn 00 Eosimis doo post © Accomerra. am pe une busehospeda £m tenes oe toto of olosasee ‘erento de slmene © erases cienes ag Sooaoe, 0 Ona Sanore iscndove caro sort 168 pélogos, Etndlogas, doutores, professores, pesquisadores ? Ewvé € um livro que traz.o Sagrado, a tra- dugdo das palavras de 1f@, 0 conterido dos dit Ifé (14), suas receitas medicinais ou magicas para cotidiano do brasileiro, doaca- démico, do homem comum, mas principal- mente dosacerdote, dos Pais eMaes de Oris, dos afro-descendentes Forithd, ewe-fon, bantu (15). © proprio autor situa sua obra no campo sacro, quando relata, na pagina 16, ainda no prefaicio: “Minha iniciagao como Babdldwo na dade de Keto, hoje naReptiblica doBenin, Africa Ocidental, em 1953, facilitou ¢ oficializou minhas pesquisas, mesmo porque tomar conhecimento do uso das plantas para a preparacao das receitas, remédias e “trabalhos” tradicionais cons- tituiram para mim naosomente um direi to, mas uma obrigacao. As plantas eram- me entregues por meus confrades Babéléwo acompanhadas de seus nomes iorubas ¢ de frases curtas chamadas ofo, as quais enunciam, em termos muitas ‘veres posticos, suas qualidades”, NossoPaiadotivo, o Babéléwo Olarimiwa Epega (cujo pai, Onadele Epega é muitas ‘vezes citado por Fatunbi emseulivro Orixds), ensinava que, aquilo que um Sacerdote Ifa aprende no uso de suas prerrogativas de Oluwo (16) ouBabalawo, deve ser desta ‘mesma forma ensinado, Aos disefpules ou iguais, dentro de ritos sacerdotais, ou de for- ‘ma leiga, em livros, mas sempre de modo completo, sem deixar dividas, para que 0 ensinamento possa ser utilizado totalmente. Entao surge uma diivida maior: Fatunbi escreveu Ewe como Babdldwo? Sim! Um Babatéwo € um sacerdote Ifa 24 horas por dia. Ele nio despe seu cargo, & noite, junto com a roupa. Fle nsio abandona 0 Ifa 20 largar 0 Opa Saworo (17) nasa porta. Tudo que faz, tudo que ensina, tudo que fala, € um teflexo do Orimnila que existe nele. E Fatuubi citaos Odi ft, os It If, 0s nomes de louvagdo dos Odit nao como ensinamento académico permeado pelo sagrado, ¢ sim REVISTA USP, Sia PAULO (28) como a palavra de Ortauild aos discipules, ne6fites, ¢ até mesmo aos leigos Porém, como Babaldwo, caberia, também, a ele ensinar que Orimild envia um Odi durante uma consulta, em resposta a uma pergunta especifica, ¢ esta resposta tem uma utilizacao imediata. Toda consulta [fi pres- supdeumEbo Eau (18powsode odgiat (19) ‘ude outros tipas de Ebo. O Babiilawo Epe ga dizia: “Odit muda todo dia, toda hora”. O consullente tem quatro dias para fazer a oferendarecomencada, tomaroremédio, utili- zar a magia. Este é um prazo magico, 0 Ose (20), quando ainda esto vatidas as pre- visdes de Ift. Nada pode faltarnoEbo, elementoalgum, fotha alguma, of (21) nenhum pode deixar de ser dito ou utilizado no odgti. OBbo, podeser feito, as vezes pela propria pessoa, mas od.gin enviado por [fi é prerroga- tiva de Ohawo ou Babdléwo, que saberdo i- lizar 0 ofo corretamente, ¢ eno desencadear magia que faré o od gi funcionar. O mesmo se aplica ao remédio, Remédio que nao tem a folha certa ea palavra certa nao funciona. E preacupante-verifica que howve esta falta de explicagdo em um livro que traz censinamentas de fa, Semesteacréscimo, Ewe poderd ser considerado uma sofisticada edi- ‘do afto- brasileira do Livro de Sao Cipriano — €, oque € pior, mais perigoso! Emesmoque nossejaditoque étao-somen- te um apanhado de receitas e frases, que visa mostrar cultura e a poesia sagrada Yordba, a forma comoa palavra 6 utiizada pelos yorithd paraobterfins migicos, quendoélivroderecei- tas para ser seguido por ninguém, Ieigo ousa- ccerdte, issonos remete novamente a pagina 16 do livro ¢ também as palavras do Babaléwo pega, quetio-somente repete conceitos dof: “O quese aprendeuviasagrado deve ser difun- «ido de forma completa”. Os yoriubé gostam muito de falar por pro- vérbios. Existe um que diz: “Quem adquire ‘mando ¢ poder assume responsabilidades”” Dentrodo poder do Babélwo, suaresponsa- bilidade € ensinar corretamente o sagrado. Ou explicar claramente que nao é ensinamento, que nao é para ser seguido ou feito, E por qué ! Em um pais como o Brasil, onde os sacerdotes do Ase esto vidos de 166-173, MARCO/MALO 1996

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