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Duque de Caxias
Nos inícios da primeira década do século XXI, efetivamos um levantamento de fontes acerca
dos Caminhos do Ouro na Baixada Fluminense. Entre iconografias, cartografias e narrativas de
memórias produzidas por viajantes que transitaram pelo território da Baixada no século XIX, seguimos
os percursos para melhor identificar os vestígios ainda existentes. Os relatos, principalmente, nos
permitiram sonhar com a fauna, a flora e os costumes dos tempos mais distantes da colônia “dourada” e
do império cafeeiro.
Seguindo o curso dos rios e dos caminhos, identificamos na subida da serra, em direção a
pedra do Couto, em Xerém, ruínas de uma propriedade e pousio, possivelmente, pertencente ao sr.
Couto. Experimentamos as dificuldades enfrentadas pelos viajantes durante a subida do Caminho do
Pilar: travessias de rios e cachoeiras, percursos estreitos com ribanceiras, cobras venenosas, troncos
impedindo ou dificultando a passagem, diminuição de iluminação no interior da mata fechada...
Na travessia por terra do Caminho do Provedor - do Pilar ao Porto do Igoassú – foi possível
ainda encontrar algumas referências presentes nos relatos dos viajantes: os rios, a Estrada das
Escravas, o campo negro do São Bento, o Morro da Senzala, o Porto dos Saveiros, o Cais de Igoassú,
as ruínas da antiga vila e da Estrada do Comércio.
Seguindo o Caminho do Pilar, ou do Garcia Paes, pelo Médio Paraíba, encontramos as
fazendas referidas nos relatos dos viajantes. Encontramos marcas do caminho em Marcos da Costa,
fotografamos a Fazenda do Lomba, a da Freguesia, de Pau Grande em Avelar, chegamos na
Encruzilhada e em Paraíba do Sul.
No Caminho do Proença, já mais conhecido por todos, o encantamento se renovou frente a
exuberância da antiga fábrica de pólvora – Estrela – e da estrada com pé de moleque subindo a serra
até Petrópolis. Apesar do descaso, ainda é possível ver as ruínas da casa da Fazenda da Mandioca,
pertencente ao barão de Gangsdoff. Seguindo serra acima, visitamos os lugares retratados pelos
viajantes: Fazenda Fragoso, Cebolas, Secretário...
O trabalho de campo foi orientado pelas leituras das narrativas de memórias e
principalmente, pelas cartografias. Foi possível reconhecer as permanências e as rupturas do
passado - séculos XVIII e do XIX, no presente. Foi possível reconhecer no cotidiano dos lugares as
cores, os sabores, o crescimento do turismo histórico e ambiental, assim como, o descaso com o
patrimônio histórico do Estado do Rio de Janeiro. Ficamos sensibilizados mais uma vez, com a
situação do casarão da Fazenda Freguesia, atual Arcozelo. Foi uma experiência singular e um
encontro amoroso com a História regional e nacional.
O trabalho de levantamento das fontes recebeu o apoio da Secretária Municipal de
Cultura/DC, através de bolsas de pesquisa por seis meses. Já o trabalho de campo foi financiado pela
Associação de Professores Pesquisadores de História – APPH/Clio, pelos alunos e professores do
Departamento de História da FEUDUC. Contamos ainda com a hospedagem gratuita e o almoço de
domingo delicioso ofertados por parentes da Eva, uma das alunas do curso de História.
Como nos ensina Antônio Cícero: “Guardar uma coisa não é trancá-la. Em cofre não se
guarda coisa alguma, em cofre, perde-se a coisa à vista”. Assim, optamos por comunicar o trabalho
com a montagem da exposição “A Baixada Fluminense Retratada pelos Viajantes do Século XIX”,
instalada atualmente na Casa de Retiro São Francisco de Assis – no bairro São Bento, e com a
divulgação de uma mídia contendo os recortes operados pelo grupo pesquisador referido.
Anexamos recentemente, ainda, um fragmento de um relato de um viajante inglês, que
descreveu o primeiro Caminho do Ouro, em Paraty, ainda no século XVI, confirmando a sua existência
muito antes da descoberta do ouro nas Minas Gerais, no século XVII,e dos relatos de uma francesa
que esteve em uma fazenda de café , em Magé, no século de XIX. A obra nos foi apresentada pelo
professor Guilherme Perez, incansável pesquisador dos caminhos do ouro na Baixada Fluminense.
Esperamos que o material contribua com o fazer diário do professor. E gostaríamos de
solicitar que disponibilizem os vossos relatos das experiências instituídas em sala de aula, em diálogo
com este material.
Parei num engenho que faz parte da paróquia de Santo Antônio de Jacutinga e ali
me instalei com a permissão do dono, sob uma espécie de telheiro onde se
guardavam as plantas e carros e onde nos afundamos até o tornozelo, na poeira
e no esterco. À noite, o dono da casa fez-me oferecer café e convidou-me para
dormir na casa. Agradeci, pois acabava de cear, e minha cama já estava armada
na varanda.
Na parte em que subimos o Rio Meriti tem correnteza quase imperceptível. São
águas tão salobras e atravessam uma zona baixa, pantanosa, e inteiramente
coberta por duas espécies de árvores aquáticas. Terrenos da mesma natureza
são bastante comuns nos arredores da cidade; não se cogita, por enquanto, de
aproveitá-las; como, porém, a população do Rio de Janeiro aumenta com
surpreendente rapidez, tempo virá em breve, em que se tentará tirar partido das
terras hoje inúteis... Chegamos ao local em que se costuma embarcar produtos
enviados ao Rio De Janeiro pelo Meriti, desembarcamos e cavalgamos em
burros que o senhor Almeida tinha mandado vir da sua propriedade...
“... A pouca distância fica o largo estuário do Meriti, donde a praia vai se
elevando até o lindo Rio Serapuí, cujas margens são bem cultivadas”.
Iguassu é uma rua comprida e mal calçada que à esquerda segue para o porto
e à direita termina numa bifurcação. Aí se comprimem os armazéns, as
construções, as casas dos consignatários que exportam para o Rio. É a bolsa, o
mercado, o entreposto. É a vida de Iguassu. Consta de duas mil almas a
população desse burgo-capital... No porto, o rio é estreito e baixo. Os cavaleiros
da jarreteira poderiam passá-lo facilmente. Os barcos carregados são impelidos
a vara até o mar... Antes de deixar Iguassu, sua hospedaria onde se agita toda
uma geração de mestiços e sua casaria acaçapada, tive ensejo de ver um
desses longos comboios de mulas carregadas que denominamos tropa.
Kidder e Fletcher que aqui estiveram nessa época descreveram uma falua:
Fiquei impressionado com a beleza das pequenas ilhas cobertas de mato de que
a baía é espessamente salpicada, e muitas das quais habitadas; as cabanas
aninhadas debaixo das orlas das florestas, perto do mar, com pequenas
plantações de bananeiras ou de cana-de-açúcar, lembraram-me as gravuras que
vi nas ilhas do Mar do Sul. A parte superior da baía tem as características de um
lago. Cinco horas eram passadas desde que tínhamos partido da cidade, antes
de chegarmos à entrada do Rio da Estrela ou Anhum-mirim (em tupi pequeno
campinho)...
E margeado principalmente de matas de mangueiras e outras plantas de
pântano, mas, em parte, por altos bosques... Levamos hora e meia para subir o
pequeno rio até o Porto da Estrela, uma extensa e dispersa aldeia, não, porém,
de aparência tão pobre como tinha sido levado a esperar... enquanto
carregavam as mulas... conseguir partir para o norte, através da planície por
uma estrada muito boa; mas anoiteceu antes de alcançarmos a Raiz da Serra de
Estrela... hospedei-me na venda de José Dias... onde passei bem, tendo
conseguido um frango com arroz para o jantar...
Divertiu-me, olhando à volta do aposento... só em pensar como semelhante
quarto de dormir pareceria estranho na Inglaterra, pois as vigas toscas e as
telhas do telhado estavam à vista, as paredes e o chão eram de barro
descoberto e não havia outro móvel senão um banco de madeira, onde estava
minha cama. Deve-se notar que eu viajava luxuosamente, pois uma das mulas
trazia roupa de cama e a outra bem abastecida de provisões... Na manhã
seguinte, continuei minha viagem... A estrada, durante toda a subida, é
margeada por matas floridas, formando uma espécie de orla na floresta virgem
que cobre as montanhas até os seus topes.
Aquarelas
de Thomas Ender
Fazenda de café na subida da Serra da Estrela, em Inhomirim, nas margens
do Caminho do Proença – Século XIX
Inhomirim - Burchell
Porto Estrela -Burchell
Interior de rancho para tropeiros e viajantes, de uma fazenda
próxima ao Porto Estrela - Aquarela de Burchell
Fazenda de Paulo Moreira, próxima a Fazenda da Mandioca em Inhomirim
Aquarela de Burchell
Porto de Piedade de Magé
Ao visitar a Serra dos Órgãos seguindo pelo Porto de Piedade de Magé o
naturalista se encanta com o que vê.
... estava ansioso para visitar as montanhas da Serra dos Órgãos, de cujas
belezas tinha ouvido altos louvores. Com satisfação, pois, aproveitei o convite do
Sr. March, um cavaleiro inglês que é proprietário de uma fazenda entre aquelas
montanhas, para acompanhá-lo até lá.
Seguimos vagarosamente baía acima num grande e pesado barco remado por
quatro negros, e desembarcamos no foz do Rio Magé, onde se achavam mulas à
nossa disposição para nos conduzir e a nossa bagagem. Nossa marcha até ali
tinha sido tão vagarosa, que fomos obrigados a partir à luz do luar para Freichal,
uma venda ou taverna ao pé da montanha, onde dormimos. Se bem que,
naturalmente, pouco eu pudesse ver da região, essa caminhada noturna tornou-se
agradável pela frescura do ar, o singular aspecto da floresta sob um brilhante luar,
a deliciosa fragância de várias flores, e os inúmeros pirilampos faiscando entre as
moitas.
Na manhã seguinte partimos cedo e depressa entramos na floresta virgem, que
cobre essas montanhas, de sua base aos seus cumes. É realmente uma cena
maravilhosa; considerei-me recompensado por ela de todo o desconforto de uma
viagem através da linha. A floresta do Corcovado, que me deslumbraram tanto,
nem de longe se aproximam de majestade dessas gloriosas florestas.
As árvores elevam-se a uma assombrosa altura, e seus galhos, cobertos de uma
espessa folhagem perpetuamente verde, e entretecidos por festões de
trepadeiras, formam um pálio impenetrável ao sol. Embaixo delas, uma infinita
variedade de arbustos e gigantescas ervas, das mais curiosas formas...
Centenas de diferentes plantas lutam por espaço ou pelo domínio. Volumosas
trepadeiras, algumas delas tão grossas como um corpo de homem, enrolam-se
nas árvores como gigantescas serpentes, ou agarram-se nelas, à maneira da
hera, cingindo-as em volta e finalmente abafando-as com as suas gavinhosas
raízes; outras enroscam-se uma com a outra, e sobem até mesmo aos extremos
topes das árvores, onde expõem suas folhas e flores ao sol, e, então caem em
graciosos festões, ou ficam pendurados entre uma e outra árvore, como pontes de
corda.
No meio desse extraordinário cenário, ouvimos com intervalos, dos tropes das
árvores, um áspero som ressoante, exatamente como produzido por um forte
golpe de martelo sobre uma chapa de metal; esse é o canto da Araponga, um
pássaro muito comum nessas florestas, porém que pousa tão alto nas árvores,
que raramente é visto.
Um deles, Pai Felipe, crioulo sexagenário, era o guia. Este velho camarada era
dos mais ativos, não só entre os pretos, mas entre qualquer indivíduo da mesma
idade que tenho conhecido.
Acostumado às selvas desde criança, era um dos melhores caçadores da
fazenda. Os outros três deviam cuidar das provisões e ajudar-me a conduzir as
coleções para casa.
Outrora a onça jaguar era comum; agora só se ouve seu rugido “a noite e bois e
carneiros pouco sofrem de suas pilhagens.Mas rara ainda é a variedade preta a
que os brasileiros chamam de tigre. Nas florestas, porém prolifera uma bela
espécie de gato-do-mato. Existem macacos em grande número. Pela manhã as
florestas ecoam uivos do barbado, que é do tamanho de um cão comum e que
vive em bandos.
... algumas vezes encontra-se o jacaus auritus. Distingue-se facilmente das
outras espécies por sua cor uniforme e o feixe de longos pelos brancos que lhes
saem das orelhas. O bicho-preguiça também por vezes se encontra...
Nos rios que atravessa o vale são encontradas às vezes lontra-brasileira e a
capivara. Freqüentemente atrai o caçador às matas um lindo veadinho, bem
como duas espécies de porcos do mato. Nas matas é comum o tatu... e nas
florestas se encontra uma espécie de porco-espinho de cauda preênsível,
ambos fazem tocas no chão...
...se vê muitos pequenos esquilos pardos, que se diverte entre os ramos das
árvores.
Além dos numerosos muscívoros e
outros pequenos pássaros, das
pombas selvagens, dos bandos de
papagaio e periquitos, dos gaviões,
das corujas, do beija-flor e das várias
espécies de tucanos, há diversas aves
procuradas pelos caçadores. São o
jacu, a jacutinga, a jacubemba, o
jacuaçu... Entre os répteis contam
numerosas serpentes, grande
variedade de largatos, rãs, sapos...”.
Suas mães, três dias após o parto, eram obrigadas a lidar com os serviços da
casa enquanto amamentavam, e voltavam aos serviços da lavoura em
poucas semanas, deixando seus filhos aos cuidados “de negras velhas
inválidas ou de crianças de seis a sete anos, que lhes enfiavam por alimento
uma espécie de papa feita de amido e água”.
1. Aquarelas
2. Fotografias