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Centro de Referência Patrimonial e Histórico do Município de

Duque de Caxias

A Baixada Fluminense Retratada pelos


Viajantes do Século XIX
Pesquisa:
Marlucia Santos de Souza (org.)
Maria Emília Lopes Monteiro
Maria das Graças Mozer Gomes
Nádia Portugal P. Ferrino
2008 Nielson Rosa Bezerra
Vanessa Machado dos Santos
Apresentação

Nos inícios da primeira década do século XXI, efetivamos um levantamento de fontes acerca
dos Caminhos do Ouro na Baixada Fluminense. Entre iconografias, cartografias e narrativas de
memórias produzidas por viajantes que transitaram pelo território da Baixada no século XIX, seguimos
os percursos para melhor identificar os vestígios ainda existentes. Os relatos, principalmente, nos
permitiram sonhar com a fauna, a flora e os costumes dos tempos mais distantes da colônia “dourada” e
do império cafeeiro.
Seguindo o curso dos rios e dos caminhos, identificamos na subida da serra, em direção a
pedra do Couto, em Xerém, ruínas de uma propriedade e pousio, possivelmente, pertencente ao sr.
Couto. Experimentamos as dificuldades enfrentadas pelos viajantes durante a subida do Caminho do
Pilar: travessias de rios e cachoeiras, percursos estreitos com ribanceiras, cobras venenosas, troncos
impedindo ou dificultando a passagem, diminuição de iluminação no interior da mata fechada...
Na travessia por terra do Caminho do Provedor - do Pilar ao Porto do Igoassú – foi possível
ainda encontrar algumas referências presentes nos relatos dos viajantes: os rios, a Estrada das
Escravas, o campo negro do São Bento, o Morro da Senzala, o Porto dos Saveiros, o Cais de Igoassú,
as ruínas da antiga vila e da Estrada do Comércio.
Seguindo o Caminho do Pilar, ou do Garcia Paes, pelo Médio Paraíba, encontramos as
fazendas referidas nos relatos dos viajantes. Encontramos marcas do caminho em Marcos da Costa,
fotografamos a Fazenda do Lomba, a da Freguesia, de Pau Grande em Avelar, chegamos na
Encruzilhada e em Paraíba do Sul.
No Caminho do Proença, já mais conhecido por todos, o encantamento se renovou frente a
exuberância da antiga fábrica de pólvora – Estrela – e da estrada com pé de moleque subindo a serra
até Petrópolis. Apesar do descaso, ainda é possível ver as ruínas da casa da Fazenda da Mandioca,
pertencente ao barão de Gangsdoff. Seguindo serra acima, visitamos os lugares retratados pelos
viajantes: Fazenda Fragoso, Cebolas, Secretário...
O trabalho de campo foi orientado pelas leituras das narrativas de memórias e
principalmente, pelas cartografias. Foi possível reconhecer as permanências e as rupturas do
passado - séculos XVIII e do XIX, no presente. Foi possível reconhecer no cotidiano dos lugares as
cores, os sabores, o crescimento do turismo histórico e ambiental, assim como, o descaso com o
patrimônio histórico do Estado do Rio de Janeiro. Ficamos sensibilizados mais uma vez, com a
situação do casarão da Fazenda Freguesia, atual Arcozelo. Foi uma experiência singular e um
encontro amoroso com a História regional e nacional.
O trabalho de levantamento das fontes recebeu o apoio da Secretária Municipal de
Cultura/DC, através de bolsas de pesquisa por seis meses. Já o trabalho de campo foi financiado pela
Associação de Professores Pesquisadores de História – APPH/Clio, pelos alunos e professores do
Departamento de História da FEUDUC. Contamos ainda com a hospedagem gratuita e o almoço de
domingo delicioso ofertados por parentes da Eva, uma das alunas do curso de História.
Como nos ensina Antônio Cícero: “Guardar uma coisa não é trancá-la. Em cofre não se
guarda coisa alguma, em cofre, perde-se a coisa à vista”. Assim, optamos por comunicar o trabalho
com a montagem da exposição “A Baixada Fluminense Retratada pelos Viajantes do Século XIX”,
instalada atualmente na Casa de Retiro São Francisco de Assis – no bairro São Bento, e com a
divulgação de uma mídia contendo os recortes operados pelo grupo pesquisador referido.
Anexamos recentemente, ainda, um fragmento de um relato de um viajante inglês, que
descreveu o primeiro Caminho do Ouro, em Paraty, ainda no século XVI, confirmando a sua existência
muito antes da descoberta do ouro nas Minas Gerais, no século XVII,e dos relatos de uma francesa
que esteve em uma fazenda de café , em Magé, no século de XIX. A obra nos foi apresentada pelo
professor Guilherme Perez, incansável pesquisador dos caminhos do ouro na Baixada Fluminense.
Esperamos que o material contribua com o fazer diário do professor. E gostaríamos de
solicitar que disponibilizem os vossos relatos das experiências instituídas em sala de aula, em diálogo
com este material.

Com afeto, em nome da equipe,


Marlucia Santos de Souza
Vista do Rio de Janeiro por Rugendas
O mangue nas cercanias da Guanabara:
Nas lamacentas praias das ilhas, como nas de toda a baía, proliferam
caranguejos de todos os tamanhos e variedades de cor... observei em tempo
curto cerca de oito espécies: são gregários, habitando cada espécie uma
colônia diferente; enterram-se no lodo, debaixo da sombra ou no meio das
raízes do mangue ou de outras árvores que produzem ostras. Estes animais,
quando novos, aderem à parte inferior do tronco e à longas raízes pendentes
do mangue e de outras árvores de praia. Aqui foi que pela primeira vez
observei a aparente anomalia de árvores que produzem ostras... Ao fundo da
baía há muitas ilhotas, algumas habitadas e apresentando agradável aspecto
de cultura, enquanto outras pouco mais são que massas de rocha, cujas
frinchas crescem arbustos raquíticos e grotescas figueiras-da-índia.

GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. BH: Itatiaia; SP: Editora da


Universidade do Brasil, 1975: 34.
Acervo Arquivo Nacional
A baía da Guanabara
Os relatos de memórias do missionário protestante Daniel P. Kidder são
preciosos. Embora sejam registros de sua viagem a Macacu durante o século XIX,
precisamente em 1837, nos permite uma aproximação com o cotidiano da Praia
dos Mineiros (Praça XV).

Quando chegamos ao ponto onde devíamos tomar a embarcação (Praia dos


Mineiros), fomos, como de costume, assaltados por cerca de cincoenta
barqueiros, em tremenda concorrência, oferecendo botes, faluas ou canoas ...
Esses homens pertencem à numerosa classe de escravos adestrados no mister
de catraieiros e empregados no transporte de passageiros no interior da baía.
Dão-lhes botes e canoas pelos quais ficam pessoalmente responsáveis,
assumindo perante os seus senhores a obrigação de pagar certa parcela diária,
depois de deduzida a quantia necessária a sua subsistência... não trabalham
apenas para ganhar a vida, mas, para escapar ao castigo que lhes está reservado
caso não consigam entregar a seus senhores a parcela estipulada... alugamos um
bote munido de velas e remos conduzidos por dois negros que se diziam perfeitos
conhecedores de todos os portos da baía.

KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil


(Províncias do Sul). RJ: Biblioteca Histórica Brasileira, 1972: 145-146.
O relato acima aponta a importância do trabalho do escravo de ganho na
condução das vias circulação de pessoas e coisas. Kidder revela ainda em
seus registros de viagem os principais portos da Baia da Guanabara que no
século XIX:

Os portos principais da baía são Magé, Piedade, Estrela e Iguassú. Nesses


pontos, as tropas procedentes do interior descarregam grandes quantidades de
mercadorias que seguem para o Rio de Janeiro em pequenas embarcações...
Se alguma cousa pode aumentar a magnificência do empolgante cenário são as
numerosíssimas embarcações de todos os tipos que cruzam incessantemente a
baía, pontilhando com suas velas brancas, o verde claro do mar.
KIDDER, 1972: 158-159.
Acervo Arquivo Nacional
Passagem por Jacutinga

Parei num engenho que faz parte da paróquia de Santo Antônio de Jacutinga e ali
me instalei com a permissão do dono, sob uma espécie de telheiro onde se
guardavam as plantas e carros e onde nos afundamos até o tornozelo, na poeira
e no esterco. À noite, o dono da casa fez-me oferecer café e convidou-me para
dormir na casa. Agradeci, pois acabava de cear, e minha cama já estava armada
na varanda.

SAINT-HILARE. Augusto de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas


Gerais e São Paulo. RJ: Bibliotheca Pedagógica Brasileira, 1932: 25.
Rio e arredores do Meriti
O viajante botânico Saint-Hilaire em sua primeira viagem fez a travessia da Baía
da Guanabara e entrou pelo Rio Meriti.

Na parte em que subimos o Rio Meriti tem correnteza quase imperceptível. São
águas tão salobras e atravessam uma zona baixa, pantanosa, e inteiramente
coberta por duas espécies de árvores aquáticas. Terrenos da mesma natureza
são bastante comuns nos arredores da cidade; não se cogita, por enquanto, de
aproveitá-las; como, porém, a população do Rio de Janeiro aumenta com
surpreendente rapidez, tempo virá em breve, em que se tentará tirar partido das
terras hoje inúteis... Chegamos ao local em que se costuma embarcar produtos
enviados ao Rio De Janeiro pelo Meriti, desembarcamos e cavalgamos em
burros que o senhor Almeida tinha mandado vir da sua propriedade...

SAINT-HILARE. Augusto de. Viagens pela Província do Rio de Janeiro e


Minas Gerais (1779-1853). BH: Itatiaia; SP: Editora da USP, 1975: 19.
Uma imensidade de rios deságuam na Baía do Rio de Janeiro: tendo suas
nascentes nas montanhas vizinhas, seu curso é, geralmente, pouco extenso;
mas facilitam o transporte das mercadorias, e são da maior utilidade para o
abastecimento da capital...

Chegados ao local em que se costumam embarcar os produtos enviados ao


Rio de Janeiro pelo Rio Miriti, desembarcamos e cavalgamos em burros que o
Sr. Almeida tinha mandado vir da sua propriedade. Atravessamos por um
caminho arenoso uma zona plana, entrecortada de bosques e alguns pastos,
e tendo deixado para trás alguns engenhos de açúcar, chegamos a Iguaçu, ou
mais comumente Aguaçu, cabeça da paróquia do mesmo nome.

SAINT-HILAIRE, Auguste (1779-1853). Viagem pelas Províncias do Rio de


Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo. 1975. (Reconquista do Brasil, Volume 4): 19.
O viajante e comerciante inglês, Jonh Luccock, também passou próximo ao
Meriti deixando seu relato:

“... A pouca distância fica o largo estuário do Meriti, donde a praia vai se
elevando até o lindo Rio Serapuí, cujas margens são bem cultivadas”.

LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do


Brasil. BH: Itatiaia; SP: Editora da USP, 1975.
Rio e o aldeamento de Iguaçu

Vejamos o relato de Luccock sobre o Rio Iguaçu:

O Iguazu é um belo rio, largo e profundo, que corre por um leito


extraordinariamente meandroso... Cerca de cinco milhas a montante de sua
emborcadura é esse rio alcançado pelo Pilar, que vem do nordeste, já tendo
passado por junto de umas poucas casitas e um grande edifício que forma a
aldeia do mesmo nome. Duas milhas mais acima, alcança-se o primeiro ponto
em que as barrancas são firmes e ali, à mão esquerda, encontra-se um
pequeno convento beneditino, agradavelmente situado à sombra de portentosa
montanha, mas com suas terras em tal estado de abandono que se tem a
impressão de ser seu principal objetivo a manutenção de uma venda e de uma
vasta olaria... Após ter remado por quase seis horas, alcançamos o Porto dos
Saveiros, assim denominado por causa das embarcações de dez a quarenta
toneladas de carregamento, que até esse ponto sobem o rio Iguazú, para ali
receberem os fretes trazidos por canoas...Seguimos então o hábito
estabelecido, trocando nossa lancha por canoas, na qual atingimos a ponte de
Marambaia a cabo de uma rota aborrecida de outras seis horas...

LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do


Brasil. BH: Itatiaia; SP: Editora da USP, 1975: 225.
Saint-Hilaire descreveu o povoado de Aguaçu (atual Tinguá e Cava, em Nova
Iguaçu):

Não existe em Aguaçu propriamente uma povoação; vêem-se unicamente


algumas casas esparsas, a maioria das quais bastante afastadas umas das
outras e várias delas construídas em volta de uma grande praça coberta de
belíssima relva. Essas habitações, que não constam senão do rés-do-chão, são
ocupadas por botequineiros, por negociantes de lojas bem sortidas, e que
vendem ao mesmo tempo gêneros alimentícios e tecidos, e por ferradores, enfim,
cujo ofício é aí mais necessário que qualquer outro, por causa da passagem
contínua dos tropeiros de Minas Gerais que descem a serra. É em Aguaçu que
começa a ser navegável o pequeno rio ao qual o lugar deve sua origem e nome.
O rio de Aguaçu nasce a pequena distância da grande Cordilheira, e, lançando-se
como o de Miriti na Baía do Rio de Janeiro, fornece aos cultivadores da
vizinhança um meio cômodo de transporte de seus produtos para a cidade.
Cais do Porto do Igoassu
Fazenda São Bernardino
Casarão e senzala
No sopé de Serra do
Tinguá
Vila de Cava, nas margens
da Estrada do Comércio
Deixando Aguaçu, entramos nessa estrada que se denomina o caminho de
terra. Dá-se-lhe este nome porque, seguindo-o chega-se ao Rio de Janeiro
sem necessidade de atravessar a baía, enquanto que a grande estrada de
Vila Rica não vai além da Vila de Porto da Estrela, que está situada ao fundo
da baía, e onde se é obrigado a recorrer a embarcações para chegar à
capital. Aqueles dentre os mineiros que temem o mar, e não são poucos,
desviam-se da estrada principal para o lado do Rio Paraíba, e caem no
caminho de terra; as caravanas que vem das partes ocidentais da Província
de Minas Gerais chegam também ao caminho de terra por outras estradas de
que falarei alhures.
Deixando Aguaçu não se tem que andar mais de meia légua para chegar ao
sopé da serra. O terreno continua a ser plano; mas a vizinhança da grande
Cordilheira dá à paisagem um aspecto mais austero.

SAINT-HILAIRE, Auguste (1779-1853). Viagem pelas Províncias do Rio de


Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo. 1975. (Reconquista do Brasil, Volume 4):19.
Kidder também deixou relato testemunho sobre o Iguassu:

Iguassu é atualmente a localidade mais próspera do Recôncavo ou seja o


círculo de montanhas que circunda a baía. Está situada a cerca de dez minutos
da foz do rio de igual nome, que a serve. Este rio vai até a Serra dos Órgãos, e
apesar de muito sinuoso é navegável por lanchas grandes até à vila. Há vinte
anos passados esse lugar era insignificante e não contava mais que trinta
casas. Aos poucos, porém, os fazendeiros do interior, foram se convencendo de
que para eles era mais interessante descarregar em Iguassu o café, o feijão, a
farinha de mandioca, o toucinho e o algodão; daí era mais econômico mandar
as mercadorias para o mercado por via marítima que por terra. Por outro lado os
negociantes estabeleceram aí depósitos de sal, produtos manufaturados,
fazendas e vinhos, para mais facilmente servir os lavradores. Assim é que o
lugar se foi desenvolvendo rapidamente e agora é considerado como a vila mais
próspera da província do Rio de Janeiro, com uma população de cerca de mil e
duzentos habitantes.

KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de Viagens e Permanência nas


Províncias do Sul do Brasil: Rio de Janeiro e Província de São Paulo:
Compreendendo Notícias Históricas e Geográficas do Império e das
Diversas Províncias. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade
de São Paulo, 1980. (Reconquista do Brasil Volume 15). P: 117.
Em 1833, o arraial de Iguaçu foi elevado a categoria de Vila. Ribeyrolles deixou
relatos sobre a sua estadia na sede da vila.

Iguassu é uma rua comprida e mal calçada que à esquerda segue para o porto
e à direita termina numa bifurcação. Aí se comprimem os armazéns, as
construções, as casas dos consignatários que exportam para o Rio. É a bolsa, o
mercado, o entreposto. É a vida de Iguassu. Consta de duas mil almas a
população desse burgo-capital... No porto, o rio é estreito e baixo. Os cavaleiros
da jarreteira poderiam passá-lo facilmente. Os barcos carregados são impelidos
a vara até o mar... Antes de deixar Iguassu, sua hospedaria onde se agita toda
uma geração de mestiços e sua casaria acaçapada, tive ensejo de ver um
desses longos comboios de mulas carregadas que denominamos tropa.

RIBEYROLLES, Charles. Brasil Pitoresco. Vol. 1. BH: Itatiaia; SP: Editora da


USP, 1980: 218-219.
Porto de Estrela
Relato da viagem da Praia dos Mineiros a Estrela:

Tomava-se na Praia dos Mineiros, no Rio de Janeiro, passagem em uma falua


às 11 horas da manhã e aproava-se ao Porto Estrela, passando pelo Boqueirão,
na ponta da Ilha do Governador, através de grandes molhes de pedras e
grandes quantidades de aloés, e outras plantas aquáticas que ali imergem suas
raízes na água salgada. Do Porto Estrela, desembarcava-se em qualquer dos
ancoradouros de Francisco Alves Machado Martinho e de Joviniano Varela, às
cinco horas da tarde, quando o tempo favorecia, aí pernoitando-se em qualquer
das casas desses que davam franca hospitalidade, ou em uma estalagem do
lugar. No outro dia, seguia-se a cavalo ou de carro, fornecido pelo capitão Albino
José de Sequeira Fragoso, pela estrada de Minas até Fragoso, importante
passagem obrigatória de todo o comércio dessa província, que até hoje se acha
abandonada. De Fragoso subia-se a serra velha de Estrela para se chegar a
Petrópolis com uma viagem de duas a cinco horas. Cada viagem custava 4$000,
sendo 3$000 pelo aluguel do cavalo até o porto e 1$000 pelo transporte na falua
até a Praia dos Mineiros. Se tomasse o carro do S.Albino até Estrela pagava-se
então, mais a quantia de 2$000.

PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. O Porto Estrela. In: Revista da IHGB,


nº 293, 1971.
Interior de uma falua - Aquarela de Burchell

Kidder e Fletcher que aqui estiveram nessa época descreveram uma falua:

...uma espécie de bote,com velas latinas, pesando 20 a 40 toneladas. É


manejada por um patrão que cansa e torna exaustos os pobres pretos
remadores. Quando faz calmaria, os negros mais que semi-nus, lentamente
movimentam seus longos remos, e esses são tão pesados que para obter um
impulso são obrigados a trepar numa espécie de banco diante deles, e, assim,
levantando e deixando cair os remos, ao som de uma monótona cantiga
africana, formam um dos aspectos mais peculiares do Rio.

PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. O Porto Estrela. In: Revista da IHGB,


nº 293, 1971.
Rugendas relatou suas impressões sobre o Porto Estrela e pintou aquarelas
representando a travessia e o Porto.

Na vizinhança do Rio, a primeira aldeia de alguma importância é a do Porto


Estrêla, à margem do Inhomirim que se joga na baía do Rio. As mercadorias
destinadas às províncias do interior, como Minas Gerais, Goiás, etc., são
primeiramente conduzidas, da mesma forma que os viajantes, em pequenas
embarcações, do Rio ao Porto Estrela, afastado de sete léguas. Ali são elas
confiadas a tropas de mulas que, por seu lado, trazem, de volta cargas para os
navios do Rio de Janeiro...
A estrada que vai de Porto Estrela a Minas passa diante de belas plantações,
atrás das quais se percebem, ao longe, as pontas angulosas da Serra dos
Órgãos, erguendo-se por cima da Serra da Estrela cujas escarpas constituem o
espantalho dos tropeiros e o tormento das mulas, embora uma estrada larga,
construída e pavimentada com grande sacrifício, aí tenha sido aberta. Em mais de
um lugar ela se assemelha mesmo a uma imensa muralha de dez pés de largo.
Diante dessa situação não é de espantar que o Porto Estrela seja a um tempo
muito animada e muito industrial. Os estrangeiros e principalmente os pintores
devem visitá-la; mesmo se não estiver no seu caminho. É um lugar de reunião
para os homens de todas as províncias do interior; aí se encontra gente de
todas as condições sociais e podem–se observar suas vestimentas originais e
sua atividade barulhenta. Aí se organizam as caravanas que partem para o
interior e somente aí o europeu depara com os verdadeiros costumes do Brasil;
aí deve ele despedir-se, não raro por muito tempo, de todas as facilidades e
comodidades da vida européia e de todos os seus preconceitos...
No Brasil, o único meio de transporte, tanto para os homens como para as
mercadorias, é o cavalo ou a mula; no estado atual das comunicações e das
estradas, não se pode pensar no emprego de carruagens; quando muito,
algumas senhoras fazem-se carregar em liteiras, mas viajam raramente...”.

RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca Através do Brasil. SP:


Martins, Editora da Universidade de São Paulo,1972: 20-21.
Rio Inhomirim

RUGENDAS.Viagem Pitoresca através do Brasil.


Porto Estrela por Rugendas
Aquarela
Rugendas
Subida da Serra dos Órgãos
Rugendas
George Gardner narrou a sua viagem de retorno das Minas Gerais para o Rio
de Janeiro. O Caminho do Proença ou do Inhomirim e o Porto Estrela foram
retratados por ele em 1840:

A estrada, que desce da Serra em ziguezague, tem cerca de uma légua de


extensão, é bem construída, bem calçada com grandes blocos de pedra e está
em excelentemente conservada. Mas, como era um tanto escarpada em alguns
lugares preferi descê-la a pé e não a cavalo. Um pouco além do pé da Serra
passamos por Mandioca, propriedade que outrora pertenceu a Langsdorf,
falecido cônsul geral da Rússia no Brasil e célebre viajante. Foi convertida em
fábrica de pólvora e pertence agora ao governo.
... Pouco adiante de Mandioca paramos num grande rancho, donde, depois de
postas em ordem as coleções feitas nesta jornada, parti sozinho para o Porto
Estrela, com a intenção de embarcar ali, ao anoitecer, para o Rio de Janeiro, a
fim de ter um lugar pronto para receber minha bagagem, antes que esta
chegasse. A distância que tinha ainda de percorrer a cavalo era de cerca de três
léguas, por uma planície geralmente pantanosa, muito semelhante à que fica
em Piedade (Magé) e o começo da subida para a propriedade de Mr. March.
A tarde ia adiantada quando cheguei à aldeia de Porto Estrela e, como as barcas
só podiam partir para a cidade depois que deixar de soprar a brisa do mar, percebi
que chegara cedo demais; e como ainda não havia jantado, procurei lugar onde
pudesse achar alimento, interrogando o menino da venda donde partem as
barcas, este me disse que costumavam preparar ali as refeições para os
passageiros e, se eu quisesse, ele me providenciaria um jantar. Depois de esperar
com larga paciência por mais de duas horas, fui afinal introduzido em uma salinha
sórdida ao fundo, onde me serviram um prato de peixe frito em óleo, pirão..., tudo
tão sujo que pouco bastou para satisfazer meu apetite.
Quase todas as mercadorias destinadas ao interior embarcam-se no Rio em
grandes botes chamados faluas e descarregam-se na aldeia. Os fardos são todos
do mesmo peso, para que se equilibrem quando postos no lombo das mulas que
os devem levar para o sertão. Há aqui, por isso, grande atividade, visto que nem
um só dia se passa sem que cheguem e partam diversas tropas grandes.
Os principais artigos para aqui trazidos do interior são café, queijo, toucinho,
marmelada, etc. É uma aldeia solitária, extensa e suja, com poucos atrativos para
deter o viajante. Por volta das sete horas da noite fui informado de que o bote que
eu alugara estava pronto para navegar; mal, porém me achava a bordo, quando
uma trovoada veio rolando das montanhas, retardando-nos de uma hora de
partida.
A aldeia, distante do mar uma milha, assenta nas margens de pequeno rio
chamado Inhomirim; e tão lenta foi a navegação, que eram onze horas quando
chegamos à sua confluência com a baía. Existe aqui excelente estalagem com
muito boas acomodações como experimentei em ocasião posterior.
Sendo muito fraca a brisa da terra o bote teve de ser impelido a remo quase toda
a viagem, razão pela qual só chegamos a cidade as quatro horas da madrugada.
Não querendo incomodar qualquer amigo a hora matutina, fiquei no bote até às
seis horas. Dirigi-me então a casa dos senhores Willian Harrison & Cia, onde
recebi dos velhos amigos cordialíssimas boas-vindas ao Rio de Janeiro, após a
ausência por mais de três anos.

GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. BH: Itatiaia e SP: Editora da


Universidade de São Paulo, 1975: 235-236.
Na travessia da Baía da Guanabara em direção ao Porto Estrela e a Minas
Gerais o inglês naturalista Charles James Fox Bunbury registrou:

Fiquei impressionado com a beleza das pequenas ilhas cobertas de mato de que
a baía é espessamente salpicada, e muitas das quais habitadas; as cabanas
aninhadas debaixo das orlas das florestas, perto do mar, com pequenas
plantações de bananeiras ou de cana-de-açúcar, lembraram-me as gravuras que
vi nas ilhas do Mar do Sul. A parte superior da baía tem as características de um
lago. Cinco horas eram passadas desde que tínhamos partido da cidade, antes
de chegarmos à entrada do Rio da Estrela ou Anhum-mirim (em tupi pequeno
campinho)...
E margeado principalmente de matas de mangueiras e outras plantas de
pântano, mas, em parte, por altos bosques... Levamos hora e meia para subir o
pequeno rio até o Porto da Estrela, uma extensa e dispersa aldeia, não, porém,
de aparência tão pobre como tinha sido levado a esperar... enquanto
carregavam as mulas... conseguir partir para o norte, através da planície por
uma estrada muito boa; mas anoiteceu antes de alcançarmos a Raiz da Serra de
Estrela... hospedei-me na venda de José Dias... onde passei bem, tendo
conseguido um frango com arroz para o jantar...
Divertiu-me, olhando à volta do aposento... só em pensar como semelhante
quarto de dormir pareceria estranho na Inglaterra, pois as vigas toscas e as
telhas do telhado estavam à vista, as paredes e o chão eram de barro
descoberto e não havia outro móvel senão um banco de madeira, onde estava
minha cama. Deve-se notar que eu viajava luxuosamente, pois uma das mulas
trazia roupa de cama e a outra bem abastecida de provisões... Na manhã
seguinte, continuei minha viagem... A estrada, durante toda a subida, é
margeada por matas floridas, formando uma espécie de orla na floresta virgem
que cobre as montanhas até os seus topes.

BUNBURY, Charles James Fox. Viagem de Um Naturalista Inglês ao Rio de


Janeiro a Minas Gerais (1833-1835). BH: Itatiaia; SP: Editora da Universidade de
São Paulo, 1981: 51-52.
Caminho do
Proença ou
Inhomirim

Aquarelas
de Thomas Ender
Fazenda de café na subida da Serra da Estrela, em Inhomirim, nas margens
do Caminho do Proença – Século XIX
Inhomirim - Burchell
Porto Estrela -Burchell
Interior de rancho para tropeiros e viajantes, de uma fazenda
próxima ao Porto Estrela - Aquarela de Burchell
Fazenda de Paulo Moreira, próxima a Fazenda da Mandioca em Inhomirim
Aquarela de Burchell
Porto de Piedade de Magé
Ao visitar a Serra dos Órgãos seguindo pelo Porto de Piedade de Magé o
naturalista se encanta com o que vê.

... estava ansioso para visitar as montanhas da Serra dos Órgãos, de cujas
belezas tinha ouvido altos louvores. Com satisfação, pois, aproveitei o convite do
Sr. March, um cavaleiro inglês que é proprietário de uma fazenda entre aquelas
montanhas, para acompanhá-lo até lá.
Seguimos vagarosamente baía acima num grande e pesado barco remado por
quatro negros, e desembarcamos no foz do Rio Magé, onde se achavam mulas à
nossa disposição para nos conduzir e a nossa bagagem. Nossa marcha até ali
tinha sido tão vagarosa, que fomos obrigados a partir à luz do luar para Freichal,
uma venda ou taverna ao pé da montanha, onde dormimos. Se bem que,
naturalmente, pouco eu pudesse ver da região, essa caminhada noturna tornou-se
agradável pela frescura do ar, o singular aspecto da floresta sob um brilhante luar,
a deliciosa fragância de várias flores, e os inúmeros pirilampos faiscando entre as
moitas.
Na manhã seguinte partimos cedo e depressa entramos na floresta virgem, que
cobre essas montanhas, de sua base aos seus cumes. É realmente uma cena
maravilhosa; considerei-me recompensado por ela de todo o desconforto de uma
viagem através da linha. A floresta do Corcovado, que me deslumbraram tanto,
nem de longe se aproximam de majestade dessas gloriosas florestas.
As árvores elevam-se a uma assombrosa altura, e seus galhos, cobertos de uma
espessa folhagem perpetuamente verde, e entretecidos por festões de
trepadeiras, formam um pálio impenetrável ao sol. Embaixo delas, uma infinita
variedade de arbustos e gigantescas ervas, das mais curiosas formas...
Centenas de diferentes plantas lutam por espaço ou pelo domínio. Volumosas
trepadeiras, algumas delas tão grossas como um corpo de homem, enrolam-se
nas árvores como gigantescas serpentes, ou agarram-se nelas, à maneira da
hera, cingindo-as em volta e finalmente abafando-as com as suas gavinhosas
raízes; outras enroscam-se uma com a outra, e sobem até mesmo aos extremos
topes das árvores, onde expõem suas folhas e flores ao sol, e, então caem em
graciosos festões, ou ficam pendurados entre uma e outra árvore, como pontes de
corda.
No meio desse extraordinário cenário, ouvimos com intervalos, dos tropes das
árvores, um áspero som ressoante, exatamente como produzido por um forte
golpe de martelo sobre uma chapa de metal; esse é o canto da Araponga, um
pássaro muito comum nessas florestas, porém que pousa tão alto nas árvores,
que raramente é visto.

BUNBURY, Charles James Fox. Viagem de Um Naturalista Inglês ao Rio de


Janeiro a Minas Gerais (1833-1835). BH: Itatiaia; SP: Editora da Universidade de
São Paulo, 1981: 113-114.
Porto da Piedade em 1933 – Comércio de Lenha
Rio Magé em 1933
A Fazenda do Sr. March nos é apresentada Bunbury:
A casa e a fazenda do Sr. March ficam situadas nesse vale cuja a altura é de
3.100 pés acima do nível do mar. A temperatura é tão diferente da do Rio... e o
ar tem aquela sensação peculiarmente leve e revigorante, característica das
regiões alpinas...Todas as nossas frutas e legumes, até os morangos, são
insípidas...O principal produto cultivado nessas terras é o milho... Passei o resto
do dia erborizando nas margens do Rio Paquequer, um claro e veloz riacho da
montanha...
No dia 26 percorremos uma considerável parte da fazenda do Sr. March,
através das mais belas florestas, onde vi pela primeira vez o grande bambu
brasileiro, ou Taquara, que depois para mim se tornou familiar em Minas Gerais.
Seus caules atingem à uma largura de 30 a 40 pés, e são tão grossos na parte
inferior como uma perna de homem, porém, vão se adelgaçando para as
pontas, como varas de pescar, à uma extrema finura. As graciosas curvaturas
de seus arcos, a sua flexibilidade e a delicadeza dos seus galhos em frutos e
tufos e das suas pequenas folhas de brilhante cor verde tornam-nos objetos
muito belos e interessantes.

BUNBURY, Charles James Fox. Viagem de Um Naturalista Inglês ao Rio de


Janeiro a Minas Gerais (1833-1835). BH: Itatiaia; SP: Editora da Universidade
de São Paulo, 1981: 114-115.
Ao retornar ao Rio de Janeiro ele lançou o seu olhar sobre os negros
remadores:

Os negros têm um modo muito esquisito e aparentemente desajeitado de


remar; em cada remada eles não só se levantam dos assentos. Como ficam
de pé sobre o banco em frente deles, e então se jogam para trás em posição
de quem se senta, de modo a dar remada todo o ímpeto do seu peso. Pode se
imaginar que os seus remos são pesados e difíceis de manejar e seu
progresso lento.

BUNBURY, Charles James Fox. Viagem de Um Naturalista Inglês ao Rio de


Janeiro a Minas Gerais (1833-1835). BH: Itatiaia; SP: Editora da Universidade
de São Paulo, 1981: 114-115.
Piedade de Magé por Gardner:

Em Piedade, onde apenas encontramos umas poucas casas esparsas, estava


em construção um grande hotel do Coronel Leite, senhor brasileiro que vinha
abrindo a própria custa uma nova estrada através da Serra dos Órgãos, para se
ligar a que vai de Porto Estrela aos distritos da mineração... O coronel Leite,
contudo, espera que sua nova estrada virá a ser a preferida, por ser muito mais
curta. Quando visitei o lugar novamente quatro anos mais tarde, notei que a
estrada ainda estava por concluir.

GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. BH: Itatiaia; SP: Editora da


Universidade do Brasil, 1975:34.
A cidade de Magé:

A cidade de Magé está em bela situação nas margens do Magé-açu, um dos


numerosos riozinhos que nascem na Serra dos Órgãos e se despejam na baía.
Tem graciosa igreja e muitas lojas sortidas. O rio é navegável, a umas oito milhas
da foz para pequenas embarcações. Grande quantidade de farinha de mandioca
se exporta desta cidade para o Rio. Sua localização em ponto baixo e cercado de
paúis a torna insalubre em certas épocas do ano; são aí comuns as febres
intermitentes que freqüentemente acabam em outras de mau caráter.
De Magé a Frechal, onde pernoitamos, a distância é de quatorze milhas
aproximadamente. A estrada continua plana, mas contornando muitas colinas
pequenas cujas encostas se cobriam com plantações de mandioca. Encontramos
diversas tropas de mulas que vinham do interior carregando produtos do solo...
Tropas de mulas carregadas partem diariamente do Rio de Piedade e do Porto
Estrela em viagens para o interior... As cargas são protegidas contra o tempo por
couros de boi, curtidos e ligados por correias.

GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. BH: Itatiaia; SP: Editora da


Universidade do Brasil, 1975: 34-35.
Ao subir a Serra dos Órgãos para exploração científica o viajante foi
acompanhado por 4 negros:

Um deles, Pai Felipe, crioulo sexagenário, era o guia. Este velho camarada era
dos mais ativos, não só entre os pretos, mas entre qualquer indivíduo da mesma
idade que tenho conhecido.
Acostumado às selvas desde criança, era um dos melhores caçadores da
fazenda. Os outros três deviam cuidar das provisões e ajudar-me a conduzir as
coleções para casa.

GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. BH: Itatiaia; SP: Editora da


Universidade do Brasil, 1975: 37;40 e 43.
Os animais do sopé e da Serra dos Órgãos, da Serra da Taquara:

Outrora a onça jaguar era comum; agora só se ouve seu rugido “a noite e bois e
carneiros pouco sofrem de suas pilhagens.Mas rara ainda é a variedade preta a
que os brasileiros chamam de tigre. Nas florestas, porém prolifera uma bela
espécie de gato-do-mato. Existem macacos em grande número. Pela manhã as
florestas ecoam uivos do barbado, que é do tamanho de um cão comum e que
vive em bandos.
... algumas vezes encontra-se o jacaus auritus. Distingue-se facilmente das
outras espécies por sua cor uniforme e o feixe de longos pelos brancos que lhes
saem das orelhas. O bicho-preguiça também por vezes se encontra...
Nos rios que atravessa o vale são encontradas às vezes lontra-brasileira e a
capivara. Freqüentemente atrai o caçador às matas um lindo veadinho, bem
como duas espécies de porcos do mato. Nas matas é comum o tatu... e nas
florestas se encontra uma espécie de porco-espinho de cauda preênsível,
ambos fazem tocas no chão...
...se vê muitos pequenos esquilos pardos, que se diverte entre os ramos das
árvores.
Além dos numerosos muscívoros e
outros pequenos pássaros, das
pombas selvagens, dos bandos de
papagaio e periquitos, dos gaviões,
das corujas, do beija-flor e das várias
espécies de tucanos, há diversas aves
procuradas pelos caçadores. São o
jacu, a jacutinga, a jacubemba, o
jacuaçu... Entre os répteis contam
numerosas serpentes, grande
variedade de largatos, rãs, sapos...”.

GARDNER, George. Viagem ao


Interior do Brasil. BH: Itatiaia; SP:
Editora da Universidade do Brasil,
1975: 40-41.
Memórias
da Francesa
Adéle Toussaint-Samson
O cotidiano de uma fazenda de café em Magé, Santo Alexo, narrado por
uma francesa que nela se hospedou no século XIX.

O proprietário da Fazenda São José, em Magé, apresentou a francesa


Adéle e a seu esposo um pagem para acompanhá-los do Porto de Piedade
até a fazenda. Sobre ele diz ela:

... vejo chegar um negro de beiços grossos, nariz achatado, com lã de


carneiro como cabeleira, que havia sido fantasiado com uma grande libré
vermelha, cujos galões desbotados anunciavam, aliás os serviços prestados,
e que devia sem dúvida, ter figurado no Théâtre Français e,
sucessivamente, em todos os outros teatros de Paris, antes de vir adornar
os ombros do pobre africano...uma calça de algodão grosso e enormes
esporas de prata, presas por uma correia a seus sujos pés descalços.
A francesa deixou memórias do cotidiano na Fazenda
São José em Magé

O fazendeiro, que durante a viagem mostrou-se educado e amável,


transformou seu caráter tornando-se estúpido e grosseiro com os escravos e
serviçais: cento e vinte negros e negras para o serviço da exploração
agrícola... ele mal disse bom dia a uma mulher francesa que cuidava de sua
casa, e mal respondeu aos escravos da habitação que se apertavam em
redor dele para pedir-lhe a benção.
Após o banho foi servido o jantar a luz de velas. Em uma sala “comprida e
estreita”, apenas uma mesa quadrada compunha o mobiliário, em torno da
qual se enfileiravam bancos de madeira. Sobre esta, a panela de feijoada
acompanhada de “cestos cheios de farinha de mandioca, um grande prato de
arroz cozido na água e duas galinhas, bem como bananas e laranjas.
O diálogo entre o senhor e o feitor

- O que foi plantado esta semana ?


- Arroz senhor.
- Foi começado o corte da cana ?
- Sim senhor, mas o rio transbordou, e vamos precisar
refazer os canais.
- Envia para lá vinte negros amanhã de manhã .
- Que mais ?
- Henriques fugiu.
- O cachorro! Ele foi apanhado ?
- Sim senhor, está no tronco.
- Que lhe seja aplicado vinte golpes de chicote e posta a
canga no pescoço.
- Sim senhor. Um bando de porcos do mato está devorando
todas as plantações de batatas e uma onça foi vista perto
da torrente; precisaríamos dos fuzis.
- Tereis três esta noite. É tudo ?
- Sim senhor.
- O engenho começará a trabalhar amanhã. Está em
condições ?
- Sim senhor.
- Está bem. Agora chama os negros para a reza.
A escravidão na narrativa da francesa

Foi lá que as misérias da escravidão apareceram para mim em toda a sua


hediondez. Negras cobertas de andrajos, outras semi-nuas tendo por
vestimenta apenas um lenço atado atrás do pescoço e sobre os seios, que mal
velava seu colo, e uma saia de chita, cujos rasgos deixavam ver seu pobre
corpo descarnado; negros de olhar feroz ou embotado vieram pôr-se de joelhos
na laje da varanda.
Marcas de tortura nos ombros desnudos deixavam ver os lanhos do chicote
transformados em cicatrizes. Vários estavam afetados por horríveis doenças,
como a elefantíase ou a lepra. Tudo aquilo era repugnante, hediondo. O temor e
o ódio, eis o que se lia em todos aqueles rostos, que eu nunca vi sorrir.
O amanhecer da escravaria e a divisão do trabalho

Postado nas portas da senzala, o feitor empunhava um chicote conferindo os


que tardavam em sair. Ô patife! Puxa p’ra fora !”, gritava o velho Ventura.
Formados em três grupos de mais ou menos vinte cinco negros e negras cada
um, seguiram destinos diferentes, um dos quais dirigidos por Ventura, tomou o
caminho do mato. Outro, acompanhado de um carro de bois “com imensas
rodas de madeira maciça” em direção ao canavial, e o terceiro para as
plantações. Seguiu com um dos pequenos pastores os animais de chifres, um
segundo o seguiu com o rebanho de carneiros, as barreiras abriram-se e todo
aquele gado humano partiu com o outro para o trabalho.
O sino das nove horas anuncia o almoço
Havia duas cozinheiras, a dos brancos e a dos negros, assim como há duas
cozinhas. No cômodo enfumaçado dos negros havia dois caldeirões: um com
feijões e o outro com angu. Humildemente os escravos chegavam com meia
cabaça às mãos, sendo servidos pela cozinheira, com uma grande colherada
de feijões, acrescentando um pequeno pedaço de carne seca da mais baixa
qualidade, bem como um pouco de farinha de mandioca para polvilhar tudo;
a outra distribuía o angu aos velhos e às crianças.
Ao se afastarem resmungando pela pouca quantidade servida, e a carne em
tão mau estado, que nossos cães por certo não iam querer saber daquela
comida.
O nascimento e o abandono forçado

Suas mães, três dias após o parto, eram obrigadas a lidar com os serviços da
casa enquanto amamentavam, e voltavam aos serviços da lavoura em
poucas semanas, deixando seus filhos aos cuidados “de negras velhas
inválidas ou de crianças de seis a sete anos, que lhes enfiavam por alimento
uma espécie de papa feita de amido e água”.

Samson – Adéle Toussaint. Uma Parisiense no Brasil. RJ: Ed. Capivara,


2003.
Fontes Iconográficas

1. Aquarelas

RUGENDAS, Johann Motriz. Viagem Pitoresca Atráves do Brasil. In: Coleção


Reconquista do Brasil. 3ª Série. v. 8. BH: Italiana, 1998.

2. Fotografias

Cais do Igoassú – Fotografia de Marlucia Santos de Souza em 2006, acervo do


CRPH/DC
Casarão e senzala da Fazenda São Bernardino, em Igoassú Velho nos anos 50.
Acervo IPHAN.
Rios e Portos. Relatório da Comissão Federal de Saneamento da Baixada
Fluminense, coordenada pelo engenheiro Hildebrando de Gois. RJ: Imprensa
Nacional, 1933.

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