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ARTIGO

REFLEXÕES ACERCA DAS LESÕES POR ESFORÇOS


REPETITIVOS E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Paulino José Orso


Neide Tiemi Murofuse
Laerson Vidal Matias
Maria Helena Palucci Marziale

RESUMO: De condição existencial e essencial para o ser humano, o trabalho, muitas vezes,
se torna sinônimo de debilitação, doenças a até de morte. Através deste artigo pretende-se
trazer à discussão a questão do trabalho, sua forma de organização e suas contradições
chamando atenção para as Lesões por esforços repetitivos e seus efeitos danosos aos
trabalhadores.0

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho ; L.E.R (Lesões por Esforços Repetitivos) ; D.O.R.T. ;


Processo de Trabalho

ABSTRACT:As a existential and essential condition to human being, the work many times
becomes a synonym of debilitation, sicks and till death. As a existential and essential
condition to human being, the work many times becomes a synonym of debilitation, sicks
and till death. This article intends to discuss the question of work, its organization form and
its contradictions, giving attention to the Cumulative Trauma Disorders and its harmful
efects to workers.

KEY-WORDS: Work ; C.T.D Cumulative Trauma Disorders ; Work process

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Na prática social do conjunto da para uma compreensão mais efetiva


sociedade o trabalho constitui-se na precisa-se buscar os fundamentos (a
questão fundamental. Além de ser o meio organização do trabalho) que a provocam.
de garantir a vida material, se constitui na Mas mesmo sendo apontada por
essência do ser humano. Contudo, a trabalhadores, associações de lesionados,
forma de trabalho utilizada para garantir a pesquisadores, profissionais da saúde e
sobrevivência, muitas vezes, coloca o até pelo governo como sendo a gênese
homem numa situação conflituosa. Se por das lesões, poucas são as referências de
um lado garante a vida, por outro, estudo a esse respeito. Se o trabalho
contraditoriamente, pode provocar produz o próprio homem, então ele deve
doenças, diminuir a capacidade vital e até ser o centro de nossa preocupação, pois
provocar a morte. aquilo que os homens são depende do que
e do como produzem sua vida material.
Pelo trabalho, a humanidade, ao longo de Por isso, o objetivo central deste texto é
seu processo de transformação, chamar a atenção para a relação existente
desenvolveu experiências, conhecimentos entre a organização do trabalho e a
e tecnologias que poderiam resolver a produção das LER.
maiorias dos problemas sociais. Mas,
concentrados nas mãos de poucos e Como diz Bisso (1990: 15) “o trabalho
instrumentalizados, prioritariamente, em foi uma atividade incorporada à própria
função do capital e do lucro, ao invés de existência do ser humano”. E o foi de tal
resolvê-los, agravam-nos ainda mais forma que se tornou a condição sine qua
(Antunes; Orso, 1998:19) non de sua existência (apesar de uns
viverem às custas de seu trabalho e outros
Neste trabalho pretende-se chamar às custas do trabalho de outros). De
atenção para estas contradições. Mais qualquer forma, o trabalho tornou-se a
especificamente, pretende-se abordar a essência do homem. Através dele o
organização do trabalho e sua incidência homem se produz e se reproduz
sobre a produção das chamadas doenças socialmente. Neste sentido, Marx &
do trabalho, particularmente, das Lesões Engels (1991: 27) dizem que “ao
por Esforços Repetitivos - LER, que vêm produzirem os seus meios de vida, os
crescendo assustadoramente e já estão homens produzem indiretamente a sua
sendo tratadas por alguns especialistas e própria vida material”. Mas não o fazem
pesquisadores como uma epidemia, como sós e isolados, nem o fazem sempre da
uma questão de saúde pública. mesma maneira e nas mesmas condições.
O fazem situados historicamente,
Estas lesões vêm sendo objeto de debate, independente de sua vontade (Marx,
pesquisa, discussão e preocupação em 1989), uma vez que, a necessidade de
todo o mundo. Contudo, a maioria das sobreviver é muito maior que a vontade, o
pesquisas realizadas até o momento interesse, o gosto das pessoas em
praticamente têm se limitado a estudar submeter-se a um ou a outro tipo de
suas manifestações, os grupos de trabalho, a uma ou a outra condição que
incidência, os aspectos psicológicos, as lhe é exigida para satisfazer suas
predisposições individuais dos portadores necessidades existenciais. Mesmo que
de LER, a ergonomia e as formas de não escolham o que fazer para sobreviver,
tratamento dos lesionados que, sem o certo é que “... Como exprimem a sua
dúvida é necessário estudar. Todavia, vida, assim os indivíduos são. Aquilo que

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eles são coincide, portanto, com a sua


produção, com o que produzem e também Nesta mesma perspectiva Engels (1995:
com o como produzem” (Marx & Engels, 120-21) diz:
1991: 27-28)
“Se a sociedade coloca centenas
Como os indivíduos não produzem de proletários numa situação tal
sozinhos tudo o que necessitam para que devam necessariamente ser
vítimas de uma morte prematura,
sobreviver, precisam se organizar.
não natural ... se subtrai de
Todavia, no modo de produção milhares de indivíduos o
capitalista, cuja base da produção é a necessário para a existência, se
propriedade privada e nem todos tem os coloca em condições nas
propriedade, então, sobrevivem quais não podem viver ... isto é
trabalhando no que é seu ou de outro. Ao assassinato, exatamente como a
trabalhador, cuja única propriedade é a ação de um só, assassinato
sua força de trabalho, a condição de sua oculto e traiçoeiro ... é sempre um
existência está na venda da mesma. Para assassinato ”
garantir sua sobrevivência, na sociedade
de classes, como diz Giovani Berlinguer Na sociedade de classes o homem deixa
precisa “vender a única mercadoria da de ser o centro, que passa a ser ocupado
qual dispõe, a própria capacidade de pelo capital; as condições de trabalho e a
trabalho” (Berlinger, 1983: 16). E, ao própria organização do trabalho passam a
trabalhar numa propriedade que não é ser direcionadas à produção e ao lucro e
sua, ao alienar sua força de trabalho, o não para a satisfação e bem estar do
trabalhador deixa de escolher as homem. Por isso, embora o trabalho deva
condições em que quer trabalhar, deixa de ser considerado como um meio de vida,
escolher o que e o como produzir e se não é raro que nele o trabalhador encontre
submete à vontade, ao interesse, aos acidentes, doenças, degradação,
objetivos do capitalista, assim como mutilação e até a morte. Por isso, as
qualquer instrumento de trabalho, porém condições e a organização do trabalho são
com uma diferença, pois, o trabalhador é fatores importantes a se considerar
o único que adiciona valor e produz mais- quando se pensa no tipo de vida que o
valia. E, como diz Berlinguer trabalhador leva e nos tipos de acidentes e
doenças provocados pelo trabalho.
“... A produção capitalista que
essencialmente é produção de Dentre os problemas que o trabalhador
mais-valia, absorção de trabalho enfrenta, relacionados à organização do
excedente ..., não causa apenas a trabalho, poderíamos citar uma infinidade
atrofia da força de trabalho de acidentes, que mesmo analisados por si
humana, à qual rouba suas só já causam preocupação devido ao
condições normais, morais e físicas número e a gravidade com que
de atividade e de desenvolvimento;
ela ocasiona o esgotamento acontecem. Mas o trabalho não produz só
prematuro e a morte da própria força acidentes.
de trabalho. Aumenta o tempo de
produção do trabalhador num “Além dos acidentes do trabalho,
período determinado, encurtando a que são processos que causam
duração de sua vida” (Marx apud lesões imediatas nos
Berlinger, 1983: 34-5) trabalhadores, devemos

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considerar também que certas impossíveis de serem atingidos. Enfim,


condições ambientais ou devemos buscar as causas num tipo de
atividades de trabalho irão fazer organização do trabalho que está voltada
como que, após algum tempo, o para a racionalização dos processos, para
trabalhador adoeça” (Bisso, 1990: a maximização dos lucros com o mínimo
46)
de custos possíveis, transformando o
trabalhador num meio para a
Essas doenças causadas pelo exercício de
concretização destes fins. Isto faz com
determinadas atividades profissionais são
que suas condições psicofísicas piorem, a
chamadas doenças do trabalho. Como
tensão nervosa aumente, o trabalho torne-
exemplo temos a silicose, moléstia que
se monótono e extenuante, provocando
causa o endurecimento das paredes dos
diminuição da atenção, confusão dos
pulmões nos trabalhadores da indústria de
reflexos, desgaste e diminuição da
cerâmica e porcelana; a asbestose nos
resistência, acarretando-lhe acidentes e
trabalhadores da indústria de cimento
doenças do trabalho.
amianto; a surdez dos trabalhadores
submetidos a ambientes ruidosos; o
Estes fatores e a demanda por mais
reumatismo e pneumonia para quem
trabalho, maior produtividade e mais
trabalha exposto à umidade ou onde há
horas também está por trás da LER,
alternância constante de temperatura;
considerada como a mais grave doença
distúrbios digestivos, devido as condições
relacionada ao trabalho, na sociedade
em que os operários fazem a refeição;
moderna. Dentre as diversas
neuroses e infartos aos submetidos à
caracterizações da LER podemos destacar
repetição, turnos prolongados, horários
três.
incompatíveis às condições humanas,
barulho em demasia, responsabilidade
A primeira, estabelecida pela próprias
superior às condições suportáveis, tensão
Normas Técnicas para Avaliação das
no trabalho...; alergias nas mãos;
Lesões por Esforços Repetitivos que
dermatites; escoliose, devido à velocidade
adota a terminologia LER
do trabalho; câncer, devido ao emprego
de substâncias químicas nocivas; hérnias, “para as afeções que podem
devido ao levantamento de peso em acometer tendões, sinóvias,
excesso; a tenossinovite (LER), causada músculos, nervos, fáscias,
por esforços repetitivos. E, além destas ligamentos, isolada ou
poderíamos citar infindáveis outras. associadamente, com ou sem
degeneração de tecidos,
Segundo Berlinger (1983: 126) “as atingindo principalmente, porém
causas destas doenças devem ser não somente, os membros
procuradas nas condições ambientais nas superiores, região escapular e
quais o operário é obrigado a trabalhar”, pescoço, de origem ocupacional”
(BRASIL, 1993: 07)
nas disfunções estruturais, na falta de
prevenção adequada, nos altos ritmos de
trabalho, na falta de espaço, na falta de A segunda, apontada por Yeng (1995:
89), caracteriza as lesões por esforços
preparo profissional, na falta de normas
ou na desobediência às normas de repetitivos como “acometimento de
estruturas ósseas, musculares, tendíneas,
segurança, na imposição de ritmos de
nervosas e do tecido conjuntivo que lhe
trabalho impossíveis ou quase
dá sustentação em decorrência de

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solicitações cumulativas excessivas e doença: a organização do trabalho e os


repetitivas de um segmento do corpo”. fatores psicológicos (Couto at al., 1998)

A terceira, realizada por Joanna Bawa, Dentre os muitos sintomas ocasionados


diz: pelas lesões por esforços repetitivos
citamos alguns tais como: dor,
“As lesões por esforços dormência, ardor, fraqueza, peso, fadiga,
repetitivos (LER) não são uma queimação, sensação de frio e inchaço
doença específica; é o nome para nos membros superiores, cãibras,
uma série de distúrbios que distúrbios do sono, diminuição da
atingem principalmente o
agilidade dos dedos, incapacidade de
pescoço, ombros, membros
manutenção da força motora e de
superiores, mão e punhos.
Apesar de as evidências permanecer sentado por muito tempo,
mostrarem o contrário, as LER enrigecimento doloroso da musculatura,
não surgiram de uma hora para limitação dos movimentos das
outra. Suas altas e repentinas articulações, alta sensibilidade, sinais de
notoriedades devem-se ao fato de distrofia simpático-reflexa, dificuldade de
terem sido identificadas - isoladas pegar e manusear pequenos objetos, para
como uma condição específica, manter os membros superiores elevados,
resultado de sua gradativa para escrever, para segurar telefone,
predominância dentro do mundo carregar sacolas e bebês, para pentear,
industrializado. Tem sua origem para dirigir (Settimi & Silvestre, 1995).
no local de trabalho, sendo muito
freqüente entre trabalhadores
submetidos a denominados Como diz Bawa (1997: 72)
fatores organizacionais” (Bawa,
1997: 57-8) “A fadiga muscular é a precursora
das lesões por esforços
repetitivos. Ela não é a causa
Nestas caracterizações são apontados
direta, mas os músculos
como fatores desencadeadores a ocupação cansados do trabalho constante
do trabalhador, as solicitações em uma seqüência repetida estão
cumulativas excessivas e repetitivas e os mais predispostos a ser usados
fatores organizacionais. Já, em relação à de uma forma nada saudável. Por
terminologia, existem várias: LER exemplo, a digitação por um
(Lesões por Esforços Repetitivos), LTC tempo prolongado causará uma
(Lesões por Traumas Cumulativos), sensação generalizada de fadiga
DORT (Distúrbios Osteomusculares nas mãos, punhos e antebraços,
Relacionados ao Trabalho) - todas aceitas o que encorajará o digitador
no Brasil. Mas além destas há outras. RSI despreparado a largar os braços
sobre a mesa. Isso pode aliviar a
(Reptitive Stain Injury), na Austrália;
fadiga, mas força o trabalhador a
OCD (Occupational Cervicabrachial flexionar os pulsos
Disorder), no Japão; CTD (Cumulative aproximadamente em um ângulo
Trauma Disorders), nos EUA. Porém, agudo para alcançar as teclas. E
mesmo que a denominação da patologia é essa flexão que leva à pressão
não seja igual em todos os países, há e à compressão dos tendões e,
quase que um consenso em praticamente
todos eles quanto às possíveis causas da

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por fim, à tenossinovite1 e à permanece horas a fio parado na mesma


síndrome do túnel do carpo” posição.

Apesar das lesões por esforços repetitivos Como vimos as LER ou DORT não são
serem mais evidentes na atualidade, o uma condição nova na vida dos
surgimento dos primeiros casos trabalhadores. Mas
documentados remonta ao ano de 1700,
registrados pelo médico italiano “apesar da existência das LER
Bernardino Ramazzini, que angariou o antes do início da Revolução
epíteto de pai da Medicina do Trabalho. Industrial, somente depois de
1980 a expressão ‘lesões por
“Ele observou o desenvolvimento esforços repetitivos’ foi criada.
de processos de adoecimento em Aconteceu na Austrália, após
trabalhadores que precisavam uma aparente epidemia de
manter ‘qualquer postura problemas musculares e ósseos
específica dos membros’ ou entre funcionários de escritórios.
realizar ‘movimentos não naturais A incidência de pessoas que se
do corpo’ enquanto queixavam de dores,
desempenhavam suas funções. formigamentos e insensibilidade
Ramazzini também descrevia as nos membros superiores
rotinas diárias de ‘escribas e começou a crescer de maneira
notários’ e explicava as dramática por volta de 1981,
‘enfermidades’, que eram passando de um a nove
resultado de ‘contínuo e sempre o pacientes por dez mil para seis
mesmo movimento da mão” novos pacientes a cada mil
(Bawa, 1997: 58). trabalhadores em 1987" (Bawa,
1997: 63).
Ramazzini narrou o caso de um
trabalhador (escriba) que, “devido à O problema vem se agravando.
fraqueza e à dor contínuas no braço Recentemente o jornal britânico
direito, ‘as quais não se curavam com Financial Times e a empresa de
remédio algum’, aprendeu a escrever telecomunicações British Telecom
com a esquerda, ‘que logo seria tiveram que pagar altas indenizações a
acometida do mesmo mal’” (Bawa, funcionários que os processaram,
1997: 58). Mais tarde, Charles Turner alegando que seus empregadores eram os
Thackrah, em 1832, fala dos efeitos do maiores responsáveis por seus casos de
“excesso de trabalho”. E, em 1893, incapacitação devido às LER. Onze
Gray’s Anatomy refere-se ao “entorse de digitadoras entraram com uma ação
lavadeira”, um inchaço do tendão conjunta, mencionando “anos de dor e
provocado por movimentos como torcer sofrimento” como razão que motivou o
tecidos. Ambos destacam como fator processo. Elas tinham que digitar até treze
comum os movimentos repetitivos e mil caracteres por hora sob a ameaça de
freqüentes de um grupo isolado de perderem o emprego, e sofriam descontos
músculos, enquanto o resto do corpo no salário se os dados não fossem
rapidamente digitados. Muitas vezes o
aumento de salário e as promoções são
determinadas pela velocidade do trabalho
1
Tenossinovite e Síndrome do tunel do carpo são (digitação), monitoradas por
os dois tipos mais comuns de LER.

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computadores, mesmo que muitas Um outro problema torna a LER ainda


digitadoras não recebessem qualquer mais preocupante, pois é uma doença que
treinamento formal no teclado. Além das mesmo que seja atribuída uma dificuldade
exigências da função, as mulheres não no diagnóstico, Oliveira (1998) afirma
contavam com cadeiras ajustáveis nem que a síndrome envolve patologias já
eram instruídas sobre saúde no trabalho e, conhecidas por muitos especialistas
caso sua taxa de digitação baixasse para médicos. Por se constituir numa doença
menos de dez mil toques por hora, eram em que o diagnóstico é fundamentalmente
verbalmente ameaçadas. Muitas clínico, os trabalhadores ficam
funcionárias usavam talas ou bandagens submetidos à "autoridade" de médicos
para trabalhar e acabaram ficando para que eles possam ser reconhecidos
incapacitadas na utilização das mãos em como pessoa portadora de uma doença
tarefas corriqueiras, como lavar e pentear relacionada ao trabalho. É comum
os cabelos ou cozinhar. encontrar doentes que não apresentem
sinal clínico algum com efeito visível.
A LER está crescendo assustadoramente. Bawa diz que
Atualmente ela é considerada um dos
distúrbios ocupacionais mais difundidos “em sua primeira ‘epidemia’
entre os trabalhadores. verdadeira, na Austrália do início
da década de 1980, menos de
“Nos EUA, o Bureau of Labor 5% dos casos registrados de LER
Statistics (Escritório de eram oficialmente diagnosticados
Estatísticas Trabalhistas) como síndrome do túnel do carpo,
registrou as LER como as epicondilite (cotovelo de tenista)
responsáveis por 61% das ou tenossinovite. Os 95%
doenças ocupacionais em 1991, restantes não apresentavam
quando representavam apenas quaisquer sinais objetivos com
21%. O ano de 1992 registra para testes radiológicos, vasculares,
os americanos 281.800 novos patológicos, de eletrodiagnóstico
casos de LER somente no setor ou qualquer outro fisiológico.
privado. Em 1993 atinge a casa Esse extraordinário desequilíbrio
dos 300 mil novos casos. E em entre doenças mensuráveis e
1994 quase 350 mil novos casos faltas no trabalho levou à
invadem o mercado de trabalho rotulação das LER como ‘o mal
americano (Bawa, 1997: 62). dos preguiçosos’, e suas vítimas
foram chamadas de ‘gazeteiros’”
Em 1998, nos Estados Unidos, (Bawa, 1997: 54-5).
ocorreram 650 mil casos de
LER/Dort, responsáveis por dois A dificuldade no diagnóstico e o fato de
terços das ausências ao trabalho, ser uma doença relacionada com à
a um custo estimado de US$ 15 organização do trabalho, tem gerado uma
bilhões a US$ 20 bilhões, série de mal entendidos e preconceitos em
segundo a Organização relação aos lesionados. Alguns acham que
Mundial da Saúde (OMS)2. é fantasia de trabalhador preguiçoso,
problema de pouca autoconfiança, medo,
frustração; outros chamam
2
O’NEILL, Maria José e MORÁS, Márcia C. A pejorativamente de doença de mulher,
invisibilidade da LER/Dort. In: Jorna Folha de tratam como um problema emocional ou
São Paulo: 28/02/2001.

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sintoma histérico. Ou seja, trata-se profilaxia. Bem como é necessário


descaracterizar a LER como doença do realizar estudos sobre a organização do
trabalho. Pois, se for comprovada a trabalho e suas implicações para o ser
relação organização do trabalho/LER, humano, para que ao invés de ser
certamente provocará um questionamento sinônimo de dor, destruição, degradação e
sobre toda a estrutura social. morte, ele se transforme em sinônimo de
melhores condições de vida para todos.
No entanto, a LER/Dort passou a ser uma
questão de saúde pública, expressivos que A organização do trabalho na sociedade
são os casos que estão ocorrendo. “No capitalista volta-se prioritariamente ao
Banco do Brasil”, por exemplo, “um capital em detrimento do ser humano. “O
entre quatro funcionários, apresentam trabalho... sob o capitalismo é trabalho
algum sintoma de LER/Dort. As alienado e implica o uso deformado e
empresas, em sua maioria, não têm deformante tanto do corpo como das
conhecimento dos níveis dessa doença em potencialidades psíquicas” (Laurell &
seus quadros funcionais”3 . Noriega, 1989:116). Este tipo de trabalho
acarreta “movimentos estereotipados,
Mesmo que alguns procurem redução do trabalhador à condição de
descaracterizar a LER, seja pelo motivo autômato, de robô, fatores esses de
que for, o fato é que ela existe, atestada decisiva importância na origem da tensão
por milhares de trabalhadores acometidos pela dissociação corpo-mente, conforme
pelas lesões, por profissionais ligados à preconiza a interpretação estruturalista
saúde, por pesquisadores e até pelos das causas das LER” (Couto et al., 1998:
órgãos governamentais. 44).

A maioria destes admitem que a LER está Como se pode perceber existem reiteradas
relacionada à um determinado tipo de referências a respeito da LER e sua
organização do trabalho. Aliás, não se relação com a organização do trabalho.
tem referência de nenhum caso de LER Ribeiro (1997) chega a ser enfático ao
em que o portador não tenha realizado ou afirmar que a LER é uma doença
não esteja realizando algum tipo de inequivocamente relacionada com o
trabalho. Mesmo que não se saiba trabalho. O grupo que mais tem
exatamente o modo como o trabalho ou pesquisado sobre a LER no Brasil, em
sua organização interfere no organismo Belo Horizonte, também afirma que “os
humano e produza tal lesão, é quase um resultados da investigação indicam que a
consenso de que está relacionada com a LER é uma doença cuja gênese está
organização do trabalho. Por isso, dada a relacionada tanto às condições materiais
importância do trabalho para o ser quanto à organização do trabalho”
humano, para a produção e manutenção (Ribeiro, 1997: 21).O pesquisador
da vida (Freire, 1995) e do próprio Francisco de Paula Antunes Lima,
homem, é preciso que os pesquisadores integrante deste grupo, diz que “a LER
auxiliem a compreender melhor esta não pode ser atribuída à tecnologia... e
epidemiologia, sua etiologia e sua que o foco de análise deve ser recentrado
nos aspectos organizacionais” (Araujo et
3 al, 1997; 13)
O’NEILL, Maria José e MORÁS, Márcia C. A
invisibilidade da LER/Dort. In: Jorna Folha de
São Paulo: 28/02/2001.

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Há uma concordância quanto a relação As mudanças ocorridas na organização do


entre a organização do trabalho e as LER, trabalho tem sido intensas. Muitas delas
ainda que não se tenha estudos que realizadas sem, previamente ter sido
explicitem como, quando, de que forma e realizadas pesquisas para avaliar o
em que condições aquela interfere e impacto de tais mudanças para a saúde e
contribui para a produção desta. para a vida dos trabalhadores, para o meio
e para o conjunto da sociedade.
Devido a importância da questão,
No Brasil, as lesões por esforços
“O reconhecimento da dimensão repetitivos começaram a ser descritas em
e transcendência das LER tem meados da década passada (1984-85).
suscitado nos últimos anos, Mas, só foram reconhecidas como doença
inúmeros seminários, congressos em 1087. Na época chamou a atenção o
e pesquisas, algumas
impacto da velocidade de trabalho e dos
multicêntricas, não pairando
incentivos à produção existentes nas
qualquer dúvida ao institutos,
centros e grupos que pesquisam empresas, com pagamento de adicionais
as inter-relações do trabalho com de produtividade e de privilégios para
a saúde, de que o trabalho quem digitasse mais, se dispusesse a fazer
repetitivo, a sobrecarga músculo- horas-extras e a dobrar turnos (Couto et
esquelética estática e a nova al., 1998: 30).
organização do trabalho, aliadas
à automação estão estreitamente Pelas Plagas brasileiras, também
associadas na causalidade das em 1994 o Centro de Referência
LER” (Ribeiro, 1997: 25) de Saúde do Trabalhador de São
Paulo (CEREST-SP), registrou
Nos primeiros anos da presente década, as que de 1.598 trabalhadores
tenossinovite e as síndromes do túnel do atendidos com doenças
carpo tiveram um crescimento expressivo ocupacionais 65,4% sofriam de
LER” (Bawa, 1997: 62)
e não param de crescer. As exigências de
maior produtividade, competição e
No Brasil os dados apresentados no
concorrência, pressão de todos os lados
Relatório Anual de 1995, elaborado pelo
sobre os trabalhadores, está
potencializando o aparecimento de Núcleo de Saúde do Trabalhador de
Minas Gerais, são bastante reveladores e
lesionados. Contudo,
nos permitem ter uma idéia da gravidade
"é errado afirmar que antes do da situação. Segundo este relatório
sistema de organização do
trabalho proposto por Taylor, Ford “a LER ocupa, entre as doenças
e Gilbreth não houvessem LTC. profissionais, o primeiro lugar em
Mas pode-se afirmar ter a número de atendimentos, no
incidência destas lesões decorrer de 1995. Foram
aumentado exponencialmente atendidos 1160 casos de LER, o
após a instituição deste tipo de que significou 70,6% do total dos
organização do trabalho numa atendimentos... Os trabalhadores
fábrica ou num escritório” mais jovens continuam sendo os
(Ribeiro. 1997: 237). mais atingidos por essa doença...
um contingente enorme de
trabalhadores jovens e produtivos

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está sendo atingido e lesado em relação entre a organização do trabalho e


sua capacidade laborativa e a produção das LER. Ao final deste artigo
funcional, ficando muitas vezes voltamos à premissa inicial: se o trabalho
afastado por longos períodos e produz o homem, se ele se constitui na
até incapacitado para o trabalho” sua essência, dadas as constatações feitas
(Lima et al., 1997; 11).
acima, nos perguntamos: que tipo de
homem e sociedade estamos produzindo a
A preocupação começa a mexer com os
partir da forma como nos organizamos
empresários e com o governo devido aos
para garantir a nossa sobrevivência?
altos custos que ela acarreta. Segundo o
economista José Pastore, da USP, o
No caso da LER já foram feitas muitas
governo brasileiro gasta cerca de R$ 20
pesquisas e escritos muitos trabalhos
bilhões com acidentes e doenças
sobre as predisposições individuais, os
relacionadas ao trabalho e as empresas
fatores psicológicos, a ergonomia.
despendem R$ 15 bilhões por ano 4 .
Contudo, sobre a questão aqui enfocada,
existem poucos. Torna-se, portanto,
Atualmente as LER constituem um tema
necessário que estudos e pesquisas sejam
de preocupação central em um grande
feitas, tanto para desvelar esta relação,
número de países industrializados prevê-
quanto para contribuir com sua profilaxia
se mesmo atualmente que as LER vão se
e com a produção de um mundo
tornar um dos principais problemas
humanizado. É preciso refletir sobre o
laborais nos próximos anos, os dados
que e como os homens produzem e se
disponíveis mostram que a incidência das
produzem.
LER está aumentando na maior parte dos
países industrializados. Segundo Castro
REFERÊNCIAS
(1994: 142), as Lesões por Esforços
Repetitivos já se constituem numa
ALMEIDA, M.C.C.G. Características
questão de saúde pública.
emocionais determinantes da LER. In:
CODO, W. ; ALMEIDA, M.C.C.G.
Como já observamos, se não bastasse a
(Org.). L.E.R.: Lesões por Esforços
grande incidência de casos de LER que
Repetitivos. Petrópolis : Vozes, 1995.
estão ocorrendo, outros fatores agravam
ainda mais a situação dos lesionados. A
BAWA, J. Computador e saúde . Trad.
imprecisão nas causas e
de Eduardo Farias. São Paulo : Summus,
conseqüentemente na profilaxia, tem
1997.
provocado nos portadores de LER
situações situações conflituosas, tanto em
BERLINGUER. G. A Saúde nas
nível individual e familiar quanto social.
Fábricas. Rio de Janeiro: CEBES-
Além disso, enfrentam o descaso por
HUCITEC-OBORÉ, 1983.
muitos profissionais que atuam nos
órgãos governamentais responsáveis.
BISSO, E. M. O que é Segurança do
Trabalho. São Paulo: Editora
Através de muitas referências parece-nos
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Paulino José Orso


Prof. do Depto. de Educação da
Unioeste
Doutorando em Educação da
UNICAMP
luanakruger@uol.com.br

Neide Tiemi Murofuse


Profª do Dept. de Enfermagem da
Unioeste,
Doutoranda pela Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto -
USP/RP
neidetn@zaz.com.br

Laerson Vidal Matias


Membro da Associação dos
Portadores de LER
Associação dos Portadores de Lesões
por Esforços Repetitivos -
Cascavel/PR

Maria Helena Palucci Marziale


Profª Drª do Depto. de Enfermagem
Geral e Especializada da
Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto - USP/RP

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