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PROJETO PARA A PRAÇA DOS DESEJOS (VITÓRIA-ES) BASEADO

NOS PRINCÍPIOS DO DESENHO UNIVERSAL

QUEIROZ, Virginia Magliano (1);


CASER, Karla do Carmo (2)
(1) Universidade de São Paulo, Mestranda
e-mail: vimagliano@usp.br
(2) Universidade Federal do Espírito Santo, Doutora
e-mail: karlacaser@gmail.com

RESUMO

Espaços livres públicos de lazer são essenciais para inclusão social e devem adequar-se à diversidade
humana. O objetivo deste artigo consiste em discutir a elaboração de um projeto de espaço público nos
princípios do desenho universal. A partir de revisão bibliográfica acerca do tema, levantamento, análise e
diagnóstico de acessibilidade, e realização de oficinas, foi possível apresentar um projeto para a maior
gama possível da população. Configurando-se como um imenso jardim sensorial, estimulando a
percepção, todos os espaços da praça, mobiliário, equipamentos, pavimentação e iluminação são
pensados para fornecer ao usuário conforto, autonomia e segurança, princípios básicos do desenho
universal.

ABSTRACT

Public open spaces are essential for social inclusion and should adapt to the human diversity. This article
aims discuss the development of a project of a public open space using principles of universal design. In
order to inform the proposal a literature review was conducted and then a site analysis, including an
accessibility workshop where participants explored the site constraints. The design presents itself as an
overarching sensorial garden, where the senses can be fostered and used to help orientation and
perception. All spaces, furniture, equipments, paving materials and lighting are chosen to provide for
comfort, autonomy and security, basic principles of universal design.

1. INTRODUÇÃO

Os espaços e ambientes são projetados para o usuário, portanto cabe ao arquiteto pesquisar e conhecer
o público-alvo envolvido, para então realizar o projeto adequado. Quando trata-se de um espaço público,
onde os usuários são inúmeros e não é possível especificá-los, torna-se necessário conhecer a
população como um todo, tendo-a como público-alvo para o desenvolvimento do projeto. Mas como seria
essa população? Por muitos anos pensou-se nessa população como um conjunto de homens perfeitos,
com dimensões e alcances padrões, pré-estabelecidos pela sociedade e seguidos por todos. Somente na
década de 1980 a grande diversidade humana tornou-se conhecida, e percebeu-se também que esses
homens padrões são minoria.
Se a arquitetura ou o urbanismo restringem-se ao homem modularmente
exemplar deixarão de fora a maioria dos usuários potenciais, entre os quais
encontram-se crianças, adultos, idosos, pessoas em cadeiras de rodas,
usuários de muletas, pessoas com baixa visão, altos, baixos, obesos, grávidas,
pessoas puxando carrinhos de feira, etc. (CAMBIAGHI, 2007, p.10).
O Desenho Universal surgiu dessa constatação, baseando-se no respeito à diversidade, e pretendendo a
inclusão de todos como usuários potenciais, independente de idade ou habilidades. “Desenho universal é
o projeto (desenho) de produtos e ambientes para serem utilizados por todas as pessoas, em sua maior
extensão possível, sem a necessidade de adaptações ou projetos específicos” (Ron Mace apud
DADALTO, 2005, p.10).
O termo Universal Design - Desenho Universal - foi utilizado pela primeira vez em 1985 por Ron Mace
(1941-1998), arquiteto norte-americano e professor de arquitetura da Universidade Estadual da Carolina
do Norte, Estados Unidos. A acessibilidade, até a década de 1980, preocupava-se apenas com as
barreiras físicas1, e com certos grupos específicos de pessoas. O Desenho Universal tornou a
acessibilidade mais abrangente e os projetos, segundo Baptista (2003 apud MORAES, 2007) passaram a
ter um caráter inclusivo. Antes, um ambiente acessível para um determinado grupo de pessoas poderia
não ser acessível para outro. Após o advento do Desenho Universal a Acessibilidade reconheceu a
existência das barreiras atitudinais2 e de informação3 e visou eliminá-las do ambiente construído, de
maneira que todos pudessem utilizá-lo.Passou-se a conhecer mais as necessidades originárias das
limitações humanas, tornando os projetos mais seguros e confortáveis, favorecendo a autonomia dos
usuários dos ambientes, independente de suas limitações ou habilidades. E atualmente o conceito de
Acessibilidade fundiu-se ao de Desenho Universal, tornando-se muito mais abrangente e passou a ser
vista “como um meio de possibilitar a participação das pessoas nas atividades cotidianas que ocorrem no
espaço construído, com segurança, autonomia e conforto” (MORAES, 2007, p.29).
A partir dessa mudança de pensamento, percebeu-se que a deficiência estava nos espaços, e não nas
pessoas, e o arquiteto viu-se responsável pela criação de espaços inclusivos e democráticos, que
atendessem à maior gama possível de usuários.
Com o intuito de sistematizar os conceitos do desenho universal para uma ampla gama de disciplinas de
projeto e design, o Center of Universal Design4 desenvolveu sete princípios para pesquisa técnica e
informação referencial, bem como para a incorporação do desenho universal nas demais instituições de
ensino. Segundo o Center for Universal Design (CUD, 2002 apud MORES, 2007), os sete princípios do
desenho universal são: Uso eqüitativo, Uso flexível, Uso simples e intuitivo, Informação de fácil
percepção, Tolerância ao erro, Baixo esforço físico, e Dimensão e espaço para aproximação e uso.
O desenho universal surge como possibilidade de incluir todas as pessoas na sociedade, projetando-se
espaços e produtos que possam ser igualmente utilizáveis por todos. E os espaços livres públicos de
lazer apresentam-se como símbolos dessa democracia dos espaços, pois, por serem chamados de
públicos, por definição, não podem descriminar ou excluir. Observando esta importância dos espaços
livres públicos de lazer para inclusão social, e a ausência, em Vitória, de espaços desse tipo que
atendam a todos os usuários, propôs-se a elaboração de um projeto de espaço público baseado nos
princípios do Desenho Universal.

1 Barreiras Físicas: “são de origem arquitetônica originárias de elementos físicos ou do desenho espacial que
dificultam ou impedem a realização de atividades desejadas de forma independente causando diversos tipos de
[limitações]” (DISCHINGER et al, 2004 apud MORAES, 2007, p.25).
2
Barreiras Atitudinais, Sociais ou Invisíveis: relacionadas ao preconceito. “São barreiras estabelecidas na esfera
social, em que as relações humanas centram-se nas limitações dos indivíduos e não em suas habilidades,
dificultando sua participação na sociedade” (DISCHINGER et al, 2004 apud MORAES, 2007, p.24);
3
Barreiras de Informação: relacionadas à comunicação e sinalização, uma vez que são “[...] os elementos de
informação adicional (placas, mapas, sinais sonoros, etc.) e os elementos de informação verbal (interpessoais), que
perturbam ou reduzem as possibilidades de obtenção da informação espacial desejada” (OLIVEIRA, 2006 apud
MORAES, 2007, p.25).
4Center of Universal Design (CUD): centro de pesquisa, informação e desenvolvimento tecnológico para avaliar,
desenvolver e promover iniciativas que tenham como meta o desenho universal - sediado na Escola de Design da
Universidade da Carolina do Norte (Schooll of Design of North Carolina State University), nos Estados Unidos.
2. OBJETIVO

O principal objetivo da pesquisa foi discutir a elaboração do projeto de uma praça que atenda a maior
gama possível da população, sendo acessível, favorecendo a inclusão social, e funcionando como um
parque sensorial, onde os sentidos são aguçados e auxiliam na orientação e percepção do espaço. Este
artigo visa apresentar o projeto desenvolvido: uma praça sensorial e inclusiva, nos princípios do Desenho
Universal.

3. MÉTODO

Para o desenvolvimento do trabalho foi necessário um amplo estudo bibliográfico acerca do Desenho
Universal, juntamente a aplicações práticas desse conceito. Concomitantemente foram realizados
estudos de acessibilidade e uma análise da legislação vigente no Brasil, baseando-se na Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Foi necessário ainda resgatar e adquirir conhecimentos sobre
urbanismo e paisagismo para implantação da proposta.
Após a revisão bibliográfica, partiu-se para estudo de campo. Foi realizado um levantamento geral da
área de estudo, a partir de registros fotográficos e realização de oficinas práticas de acessibilidade,
seguido de diagnóstico visando a acessibilidade do local.
A partir do conhecimento adquirido em revisão bibliográfica e das análises realizadas na área de estudo,
iniciou-se o processo de projetar. Utilizou-se basicamente riscos manuais em papel manteiga, adotando
ferramentas computacionais apenas para efeitos de representação, quando o projeto já estava sendo
finalizado – AutoCAD para desenhos 2D e SketchUp para modelagem 3D.

4. PENSANDO O PROJETO

4.1. A Escolha do Local

Para implantação de um espaço livre público de lazer baseado nos princípios do Desenho Universal,
buscou-se um local de destaque na cidade de Vitória, de visibilidade, que fosse utilizado pelos moradores
em geral, e pudesse servir de modelo de acessibilidade para implantação de futuros projetos. Buscou-se
ainda um local com grande variedade de usos, onde pudesse utilizar-se ao máximo dos princípios do
Desenho Universal. Encontrou-se, então, o trecho de orla da Praia do Canto (FIGURA 01).

Figura 02. Subdivisões atualmente


Figura 01. Baía de Vitória – Área objeto de
encontradas na região de estudo. Fonte:
estudo em destaque: Trecho de orla da Praia
<www.googlemaps.com.br>. Acesso em: 10
do Canto. Fonte: Fóton-ES/CAR-UFES.
de março de 2011. [com alterações].
Este trecho de orla apresenta-se subdividido nas praças dos Namorados e dos Desejos, e na Curva da
Jurema, tendo ainda subdivisões internas, já que a Praça dos Desejos engloba as Praças da Grécia e da
Ciência (FIGURA 02).
Tendo em vista a grande extensão deste trecho de orla, optou-se por focar em uma área para
desenvolver um projeto mais específico. A área escolhida foi a Praça dos Desejos, na porção que vai
desde o início desta praça, ao norte, até a Praça da Ciência (FIGURA 03). A escolha deste trecho deve-
se ao fato de abranger uma grande variedade de usos, englobando quadras, áreas de estar, quiosques e
edificações, playground infantil e da longevidade, além da praia da região ser muito utilizada pela
população de Vitória, apresentando acesso facilitado à areia através de um píer para pequenas
embarcações. Outro fator determinante para esta escolha é a subutilização da praça propriamente dita.

Figura 03. Localização do trecho escolhido para proposta: Praça dos Desejos.

4.2. Levantamento e Diagnóstico


Para um melhor entendimento da área de estudo, foi necessário um levantamento geral e um diagnóstico
focado na acessibilidade. A metodologia baseou-se, então, em visitas ao local, sempre registradas por
fotografias, e na realização de uma oficina, desenvolvida pela disciplina de Paisagismo II5.
Na oficina os alunos foram divididos em grupos, e ficaram responsáveis por pequenos trechos da área de
estudo. Cada grupo teve, então, que realizar o levantamento de sua região, realizando testes de
acessibilidade (FIGURAS 04 e 05).
Os testes baseavam-se na realização de atividades comuns aos frequentadores da região, simulando
alguma restrição ou deficiência por parte do usuário. Foram utilizadas cadeiras de rodas e muletas,
realizou-se a vedação dos olhos junto à utilização de bengalas orientadoras, e a condução de carrinhos
de bebês, por exemplo.

Figuras 04 e 05. Alunas e professora testando a acessibilidade da região.

5
Disciplina optativa ofertada no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), no segundo semestre de 2010, ministrada pela Professora Dra. Karla Caser.
Baseando-se na oficina e nas visitas realizadas foi elaborado o diagnóstico do local, focando-se na
acessibilidade, observando: as conformidades - tudo que se configura conforme as normas de
acessibilidade, colaborando para a igualdade na utilização do espaço; as potencialidades - aquilo que
possui grande potencial para auxiliar na acessibilidade, mesmo que não esteja sendo utilizado para esse
fim; e os conflitos - se configuram como tudo que vai de encontro à acessibilidade, dificultando a
circulação e a utilização plena do espaço por todos.

4.3. Projeto para a Praça dos Desejos


Tendo como público-alvo a maior gama possível da população, procura-se manter os usos existentes na
praça, adaptando-os para atender a todos, e inserir novos usos que ofereçam igualdade de opções para
todos os usuários. Este projeto utiliza-se dos princípios do desenho universal, e dos conceitos do jardim
sensorial para proporcionar igualdade aos usuários independente de suas habilidades ou restrições.
A praça apresenta-se, portanto, como um imenso jardim sensorial, onde os sentidos podem ser aguçados
e auxiliar na orientação e percepção do espaço. Os playgrounds infantil e da longevidade são associados
entre si, e à espaços de estar, para proporcionar interação entre as diversas faixas etárias. A praia
recebe estrutura especial com acesso facilitado e apoio para esportes alternativos como vôlei sentado e
surf adaptado. A comunicação apresenta-se igualmente visual, tátil e sonora, e todos os espaços são
pensados com mobiliário, equipamentos, pavimentação e iluminação que visem fornecer ao usuário
conforto, autonomia e segurança, princípios básicos do desenho universal.
Formalmente, após diversos estudos de conceitos e partidos possíveis de serem implementados, optou-
se pela utilização de formas orgânicas, a fim de tornar o desenho mais natural, menos rígido, aguçando
os sentidos também através das formas. Caminhos orgânicos fazem o pedestre caminhar com mais
calma e perceber melhor o percurso, atentando para os detalhes.
Considerou-se ainda a vegetação existente para a definição das formas do projeto, dando grande
importância à algumas árvores antigas consideradas pontos focais no levantamento realizado. Espaços
foram criados baseados nessas árvores frondosas, que servirão como orientação e localização para os
usuários, além de proporcionarem sombras abrangentes e agradáveis.
4.3.1. Partido
Ao propor a setorização da região (FIGURA 06) buscou-se facilitar a localização do usuário e sua
orientação no espaço, principalmente pelas diferenças sensoriais apresentadas – áreas ensolaradas e
áreas sombreadas, áreas molhadas e refrescantes e áreas secas. O primeiro setor, Jogo Japonês, é uma
área ensolarada, em contraponto ao setor das Árvores Frondosas, onde se localizam os playgrounds
infantil e da longevidade. O Grande Estar do centro encontra-se ladeado pelo setor da Água, molhado e
refrescante, e dos Gramados, seco e ensolarado. Os demais setores formam uma composição mais
seca, formados pelas Quadras Poliesportivas, as Edificações, e o Estacionamento.

Figura 06. Partido adotado - Setorização da área.


Os espaços de estar foram dispersos por toda a região, ao longo dos percursos, além das áreas de estar
integradas aos setores, sendo ora sombreadas, ora ensolaradas. Dois percursos principais estão
presentes em toda a extensão do projeto, calçadão e passeio. E a ciclovia apresenta-se interiorizada,
fornecendo aos ciclistas um percurso agradável, mais próximo ao mar, e distante dos ruídos dos
automóveis, e ainda seguro, pois foram pensadas barreiras vegetais separando a ciclovia do restante da
praça.

4.3.2. Projeto
São duas entradas principais, a Entrada Sul, que tem nas proximidades um ponto de ônibus, e a Entrada
Norte (FIGURA 07), no estacionamento. As faixas de pedestres que chegam a essas entradas são
elevadas, encontrando-se ao nível da praça, com sinalização adequada de piso. Possuem nas
proximidades um Terminal Principal de Informação, seguindo modelo de Bins Ely e outros (2006), que se
apresenta destacado na paisagem pelo pergolado com vegetação, possuindo mapas táteis e visuais, com
áreas de aproximação e bem sinalizados, além de telefones públicos em alturas diversas (FIGURA 08).
As entradas principais são marcadas ainda por duas árvores de floração de destaque, com odor
característico, que auxiliam na localização e identificação da entrada principal em questão.

Figura 07. Entrada Principal Norte.

Figura 08. Terminal Principal de Informação.


A partir do partido apresentado, utilizando-se das formas orgânicas mencionadas, obteve-se o desenho
final do projeto. O setor japonês apresenta o campo de terra batida para a prática do Gateball (jogo de
muita concentração e precisão praticado tradicionalmente por japoneses e descendentes) e áreas de
estar, dispostas num ambiente mais reservado. Já o setor das árvores frondosas é mais movimentado, e
utiliza-se as árvores como pontos focais para abrigar o playground infantil e o playground da longevidade.
Este último possui aparelhos de ginástica mais leves e acessíveis, que possibilitam sua utilização por
cadeirantes e idosos. O playground infantil apresenta brinquedos acessíveis alternativos que estimulem a
criatividade e os sentidos das crianças. A proximidade dos dois playgrounds proporciona integração entre
pessoas e faixas etárias diversas.
O setor das águas apresenta cascatas, fontes, e diversas possibilidades de contato com a água,
proporcionado pelas variadas alturas em que a água se encontra, e pelas áreas de aproximação
existentes. Além do som da água, e seu frescor auxiliarem na orientação e percepção do espaço,
apresentando-se como marco na paisagem. Este setor une-se ainda ao playground infantil,
proporcionando contato direto das crianças com a água.
A grande área de estar ao centro recebe quiosque e áreas para mesas também no calçadão. O setor dos
gramados recebe caminhos e relevos criados para livre apropriação dos usuários. As edificações
existentes atualmente na região - Serviço de Orientação ao Exercício (SOE), apoio aos Salva-Vidas e
Centro Náutico Capixaba (CNC) - são agregadas em uma única construção, e as quadras poliesportivas
recebem um entorno mais orgânico, com adição de áreas de estar e edificações de apoio como sanitários
e vestiários, além de tornarem-se totalmente acessíveis, recebendo ainda demarcação para esportes
paraolímpicos.
A ciclovia, como dito anteriormente, foi interiorizada, separando a praça propriamente dita do calçadão e
praia. Mas, apesar da separação física por vegetação, a ciclovia é interceptada em alguns pontos, onde
foram pensadas conexões entre praça e praia (FIGURA 09). São acessos que possuem sinalização
adequada e mapas táteis e visuais com área de aproximação para localização no espaço, além de
vegetação arbustiva de floração de destaque, e que exala odor característico, servindo de orientação ao
usuário, que percebe facilmente a localização de tais acessos.

Figura 09. Acesso: calçadão à praça, cruzando a ciclovia e chegando ao complexo esportivo.

Por fim a praia torna-se acessível, recebendo estrutura de apoio. Utilizando-se do píer existente como
uma passarela de aproximação à areia, insere-se uma pavimentação especial, na areia, que garante o
percurso acessível até uma grande tenda de apoio às atividades realizadas na praia. Nesse espaço
criado é incentivada a prática de esportes na praia, como voleibol sentado, peteca de praia, frescobol, e
surf adaptado. Cadeiras anfíbias à disposição dos banhistas possibilitam ao cadeirante e à pessoa com
mobilidade reduzida um passeio pela areia da praia, e um mergulho no mar, e boias sinalizadoras
instaladas no mar, juntamente com dispositivos colocados nos pulsos dos banhistas com deficiência
visual, possibilitam aos mesmos um banho de mar com autonomia e segurança.
A configuração da praça (FIGURA 10) é resultado ainda dos diversos caminhos criados visando
proporcionar sensações, estimular os sentidos e auxiliar na orientação do usuário no espaço. Dentre
eles: um caminho estreito ladeado por vegetação herbácea que balança ao ser atingida pelo vento,
tocando o pedestre; outro ladeado por um canteiro elevado, contendo espécies herbáceas de pequeno
porte com variadas texturas, com altura adequada e área de aproximação, proporcionando contato com a
natureza às pessoas com mobilidade reduzida e cadeirantes; caminhos ladeados por forrações de solo
de tons e texturas diversas, e cobertos por estruturas de bambu, numa espécie de cobertura natural ao
usuário; caminho entre morrotes gramados que permitem livre apropriação; caminho entre coqueiros e
espécies de restinga; e caminho sob jatos de água.

Figura 10. Projeto para a Praça dos Desejos.

Além da vegetação especialmente pensada para estes caminhos, pensou-se vegetação de diversas
cores e texturas, proporcionando diferentes percepções do espaço, aguçando os sentidos e provocando
a curiosidade, incitando o observador à tocá-las e cheirá-las.
A pavimentação foi desenvolvida visando principalmente à acessibilidade, sendo antitrepidante e
antiderrapante, mas compatibilizando-a à sustentabilidade, à segurança e ao estímulo aos sentidos.
Como a intenção do projeto é proporcionar igualdade de possibilidades à maior gama possível de
usuários e possibilitar sua localização e orientação facilitada no espaço, foi desenhado piso tátil para todo
o parque, e este ditou, inclusive, os layouts dos ambientes.
O piso tátil direcional guia o usuário por toda a extensão da praça, ligando todos os caminhos e
ambientes possíveis, encontrando-se, sempre que possível, descentralizado em relação ao passeio,
possibilitando uma ampla faixa livre de ressaltos. A partir dele são indicadas as mudanças de direção e
os acessos – através do piso tátil de alerta – e os equipamentos e mobiliários - utilizando-se do piso tátil
sinalizador (FIGURA 11).
Figura 11. Pisos táteis utilizados na proposta – piso direcional, piso de alerta, piso sinalizador,
respectivamente. Fonte: CARVALHO, 2008, p.444.

Alguns ambientes tiveram seu layout desenvolvido a partir do piso tátil, como foi o caso do playground da
longevidade (FIGURA 12). Um circuito de aparelhos foi criado para um melhor aproveitamento dos
exercícios, e maior compreensão deste espaço por todos. No início ou final do circuito, dependendo do
referencial do usuário, foi instalado um mapa visual e tátil, com as informações necessárias referentes
aos aparelhos e sua localização. Partindo desse mapa, os aparelhos estão dispostos com distâncias
seguras entre si, de forma alternada de um lado e de outro de uma faixa-guia, de piso direcional. Em
frente a cada aparelho, na linha-guia, encontra-se um piso sinalizador, indicando a presença do aparelho
no local.
Visando uma melhor orientação e percepção do espaço também a noite foi realizado um estudo
preliminar da iluminação para a região. A praça recebe, de maneira geral, postes comuns de modo que a
iluminação seja superior aos olhos do pedestre, mas inferior às copas das árvores, proporcionando
iluminação ampla e uniforme ao ambiente. Luminárias embutidas no solo ou espetos de iluminação ao
longo do caminho direcionam e guiam o usuário; luminárias focais tornam os pontos focais visíveis
também à noite, mantendo sua função de orientação e localização no espaço. O mobiliário de toda a
praça foi pensado baseado na diversidade. Existem bancos com e sem encosto, com e sem braços,
simples e duplos, e de alturas diversas. As mesas são basicamente de dois tipos, ambas circulares, com
área de aproximação para jogos e reunião de pessoas. Um dos modelos adotados é dotado de trilho
nivelado ao chão que proporciona o giro e a colocação dos bancos onde o usuário preferir, possibilitando
assim ao cadeirante a liberdade de escolher o local onde prefere ficar.

Figura 12. Layout do playground da longevidade: circuito de aparelhos identificado por piso tátil.
Os bancos, no decorrer dos caminhos, são dispostos no interior dos canteiros (faceando o percurso) , de
modo a não obstruir ou servir de empecilho ao pedestre. Assim como os equipamentos urbanos –
telefones públicos, lixeiras, bebedouros, postes de iluminação - que não tem seu posicionamento
especificado em planta, mas apresentam-se dispostos numa espécie de faixa técnica verde, ou seja,
dispostos sempre nos canteiros, liberando os caminhos dos obstáculos. As árvores que se encontram
como obstáculos no caminho possuem golas com desenho adequado, e sinalização tátil prevenindo
possíveis acidentes.
Os telefones públicos e os bebedouros apresentam-se em duas alturas, atendendo às crianças, anões e
cadeirantes, e às pessoas de estatura mediana e alta. As lixeiras são colocadas de duas em duas, uma
para lixo reciclável e outra para lixo orgânico, com altura adequada e aberturas superiores, possibilitando
utilização tanto por pessoas baixas como por altas, e a sinalização das mesmas se encontra na parte
frontal, possibilitando leitura facilitada por todos.
Todos os equipamentos e o mobiliário têm placas em Braille acopladas. Toda a praça apresenta
comunicação igualmente visual, tátil e sonora, com informações claras, objetivas e com simbologia
universal.
Visando atingir o objetivo da elaboração de um projeto baseado nos princípios do Desenho Universal,
utilizando-se do espaço da praça como um imenso Jardim Sensorial, foram explorados os elementos
arquitetônicos e paisagísticos que proporcionem estímulos aos diversos canais perceptivos, ou igualdade
aos mais diversos usuários.
Em relação aos sentidos destacam-se: a vegetação herbácea de texturas e cores diversas; as árvores
frondosas como marcos na paisagem; as árvores que exalam odores e possuem floração de destaque,
servindo também como marcos na paisagem; os diversos caminhos gerados, auxiliados pela vegetação
que os ladeiam; os pedriscos utilizados para pavimentação das áreas de estar, que produzem sons ao
serem pisoteados; a presença da água, produzindo efeito-visual, transmitindo sensação de frescor e
bem-estar, além de produzir diferentes efeitos sonoros e dar movimento à paisagem, sendo referencial
para uma grande gama de usuários; as marcações das entradas do playground infantil com arcos
coloridos, e das quadras poliesportivas com portais; e os terminais de informação com comunicação
igualmente visual, tátil e sonora.
Quanto aos princípios do Desenho Universal, destacam-se: a praia totalmente acessível; a pavimentação
toda antitrepidante e antiderrapante, acessível; sinalização de piso tátil adequada, com informações
facilitadas; mobiliário diversificado e alternativo; playground da longevidade com aparelhos de ginástica
mais leves e acessíveis; playground infantil com brinquedos acessíveis e alternativos, estimulando a
criatividade e os sentidos; e quadras com demarcação para esportes paraolímpicos.
Todos esses elementos facilitam a orientação e a localização no espaço, proporcionando ao parque
atender a uma gama maior de usuários de forma igualitária.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento desse trabalho evidenciou a importância de pensar o projeto minuciosamente,


voltando-se sempre à diversidade humana. Os estudos possibilitaram observar as pequenas ações e
atitudes do dia-a-dia com outros olhos. O que pode, para muitos, parecer clichê, mas não é. Quando se
inicia o estudo do Desenho Universal percebe-se como pequenas ações, alterações de projeto,
preocupações e adaptações de alguns espaços ou de algum mobiliário podem fazer toda a diferença
para algumas pessoas.
Testes de acessibilidade, como os realizados na oficina de Paisagismo II exposta neste trabalho, faz os
participantes perceberem as restrições que o espaço pode proporcionar ao indivíduo. Faz ainda o
participante perceber o espaço de maneira diferente, pois passa a atentar para detalhes como pequenos
desníveis, de centímetros, ou um piso em placas de concreto em meio ao gramado, que, para um
cadeirante, ou para uma mãe que carrega um carrinho de bebê, são suficientes para impedi-los de seguir
caminho.
O projeto realizado demonstrou como é possível perceber o ambiente de maneira diversa, e,
principalmente, como os sentidos podem ser aguçados e auxiliarem na localização e orientação no
espaço. Os canais perceptivos - visão, olfato, paladar, audição e tato - devem ser estimulados
igualmente, para, dessa forma, atingir a uma maior gama de usuários. A comunicação, sempre associada
à visão, deve mudar seu foco, e tornar-se igualmente tátil e sonora.
Os elementos arquitetônicos e paisagísticos devem ainda proporcionar a igualdade, apresentando a
maior diversidade possível. Mobiliário e equipamentos devem possuir formas e tamanhos diversos. E os
espaços, a pavimentação, a iluminação, tudo deve ser pensado para fornecer ao usuário conforto,
autonomia e segurança.
A diversidade faz parte da raça humana. Baixos, altos, obesos, magros, anões, gigantes, crianças,
jovens, adultos, idosos, com deficiência, com mobilidade reduzida, mesmo que temporariamente,
comuns. São inúmeras as diferenças, e o arquiteto deve projetar pensando na diversidade, deve projetar
para TODOS.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a Edificações,


Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos. Rio de Janeiro: 2004.
BINS ELY, Vera Helena Moro; SOUZA, Juliana Castro; DORNELES, Vanessa Goulart; ZOCCOLI, Ani;
KOELZER, Mirelle Papaleo; WAN-DALL JUNIOR, Osnildo Adão. Projeto de Espaços Livres Públicos de
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Florianópolis: UFSC, 2006. Disponível em: <http://www.enapet.ufsc.br/anais/PROJETO_DE_ESPACOS_
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CAMBIAGHI, Silvana Serafno. Desenho Universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
CARVALHO, Telma Cristina Pichioli de. Arquitetura escolar inclusiva: construindo espaços para
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de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo (USP), São Carlos, 2008.
DADALTO, Flavia Tannure. Desenho Universal: uma proposta de múltiplo uso. 2005. Trabalho de
Conclusão de Curso (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2005.
MORAES, Miguel Correia. Acessibilidade no Brasil: Análise da NBR 9050. 2007. Dissertação (Mestrado
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Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PARQ0061-D.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2010.

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