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Revista Científica Núcleo do Conhecimento - RC: 18791 - ISSN: 2448-0959

https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/sociedade-brasileira

A Estrutura e os Modos de Organização e Funcionamento da


Sociedade Brasileira: Um Estudo Sobre a Substância Brasileira, o
Afeto

SANTOS, Alan Ferreira dos [1]

SANTOS, Alan Ferreira dos. A Estrutura e os Modos de Organização e Funcionamento da Sociedade


Brasileira: Um Estudo Sobre a Substância Brasileira, o Afeto. Revista Científica Multidisciplinar
Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 08, Vol. 07, pp. 5-11, Agosto de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

O presente estudo pretende fazer uma breve análise da estrutura e organização social do Brasil.
Argumenta-se que a nacionalidade brasileira se constitui através de polaridades e, portanto, nunca através
do equilíbrio. Os elementos binários podem ser expressos na imbricação entre público e privado que
ocorre na esfera política, n’onde como se sabe não existe diferenciação. O exemplo mais comum é a
integração da esfera religiosa no espaço político, uma vez que sabemos que o estado brasileiro por lei é
laicizado, no entanto, o discurso religioso não deixa de permear essas áreas, sendo de modo majoritário
predominante. Lança-se a tese de que o elemento chave e desencadeador das relações sociais e
estruturante dos modos de organização e funcionamento dos processos político-econômicos e do
sociodinamismo entre os agentes, é a substância brasileira, o afeto.

Palavras-chaves: Pensamento Social Brasileiro, Teoria Social do Brasil, Substância Brasileira.


Revista Científica Núcleo do Conhecimento - RC: 18791 - ISSN: 2448-0959
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INTRODUÇÃO

É possível de que no Brasil ainda haja resquícios de uma estrutura e organização social semelhante das
relações de parentela, mas que conforme o tempo houve algumas alterações em sua morfologia. Essas
modificações se devem aos processos sociais que vem ocorrendo ao longo dos anos, como um maior
nível de industrialização e do acesso aos bens de consumo. Conforme a sociedade cresce em seu nível
econômico, mudanças ocorrem, mas a estrutura social permanece, o que é aparente se transforma, mas o
que é estrutural continua. Se pretende responder qual é a invariável que determina as relações sociais na
sociedade brasileira e se existe uma substância, que substância é esta?

O MODO DE FUNCIONAMENTO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO


BRASIL

O presente é constituído por uma sucessão de fatos do passado, da mesma maneira que o chefe político
atual é constituído pelo o seu pretérito, Jean Blondel analisando o contexto na onde se encontra os
mandatários diz “é o sucessor deste chefe de clã do qual houve muitos exemplos no sertão, na época em
que era essencial a necessidade de fazer reinar a ordem; é, também, o sucessor do proprietário de terras
que cultiva a cana-de-açúcar na zona litorânea” (BLONDEL, J, 1957, p. 60 apud DE QUEIROZ, 1976, p.
172).

Com isso vemos que uma análise da sociedade brasileira dificilmente prescindirá do conhecimento das
modalidades de relação que foram constituídas e que permaneceram enquanto vestígios. No entanto, o
que seria propriamente esse elemento que perdurou por tanto tempo? A resposta se encontra na
afetividade.

O Brasil contém em seu bojo uma substância polar e parece se constituir através da polaridade, porém
nunca por meio do equilíbrio. A ideia mais representativa dessa tese é a imbricação entre público e
privado, daí derivando outras, como: estado e indústria, política e economia, social e parentela. Em tal
país esses elementos agem como uma espécie de simbiose se beneficiando mutuamente “Setor político,
setor econômico, setor parentesco, reunidos, garantiam o funcionamento da sociedade e lhe davam uma
característica própria” (DE QUEIROZ, 1976, p. 186).

Aquilo que era uma relação entre social – classes sociais – de um lado e parentela - família – de outro,
nunca estiveram em separado. A obtenção do prestígio por meio do mérito nunca foi uma premissa, até
por que o status social estava constantemente associado à parentela, a família e em torno desses núcleos
de relações.

A política e a economia, por sua vez, que foram considerados como instâncias em separado caiu em
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descrédito, em alguns países através do processo de racionalização dos meios estatais pode-se fazer uma
ordenação mediante uma burocracia e que permitia uma possível divisão entre essas esferas, já em nosso
país ocorreu diferente, a tal da racionalidade potencializou a essência brasileira. O mesmo ocorreu com o
estado e a indústria, a ideia mais pungente e racional proposta para o funcionamento e circulação da
riqueza, como também para o bem-estar-social, é ter um estado que seja a base da indústria e uma
indústria que arregimente ou ordene as legislações impostas sobre ele próprio, dessa maneira haveria uma
conformação entre ambos componentes e a descoberta das limitações da produção sem que houvesse
malefício para os seus integrantes. Não obstante, não ocorre dessa maneira, pois a combinação entre
indústria e estado, assim como as suas interações, são de fato visíveis, não havendo aí nenhuma
dissociação. São, portanto, atores políticos que detém um grande acúmulo de capitais e que ao mesmo
tempo fazem filiações políticas e assim beneficiam-se mutuamente, da mesma maneira que o solo retém
ganhos com a polinização das abelhas por meio das suas células reprodutivas em região fértil, esses
indivíduos se relacionam numa lógica de custo e benefício.

Até aqui não existe nenhuma novidade, a literatura política cumpre com o seu papel nos remetendo a
indivisibilidade dessas esferas e apontando que esta última ligação é que produz a hegemonia dos grupos
minoritários que conservam imenso poder econômico-político-social, vejamos:

Como grupo, apresentava, pois, a parentela três aspectos interligados - o político, o econômico, o do
parentesco -, mostrando que a sociedade na qual estava implantada era de estrutura socioeconômica e
política ainda pouco diferenciada em seus setores de atividade.

Todavia, esta indiferenciação não significava de modo alguma harmonia, equilíbrio, paz dentro e fora da
parentela. Pelo contrário, justamente por que indiferenciada, qualquer choque num setor repercutia
violentamente em todos os outros, determinando rupturas em geral profundas (DE QUEIROZ, 1976, p.
186).

Nesse sentido a mistura dos diversos setores acaba por ocasionar uma fragilidade no sistema de relações,
diferente se houvesse uma isonomia entre essas áreas. Essa dinâmica não é racional, isto é, não é um
dinamismo pensado e elaborado por intermédio da totalidade dos atores sociais, por outro lado não se
pode dizer que um grupo minoritário de maneira consciente reproduziu ao longo de décadas e séculos um
funcionamento anacrônico. Poderíamos encontrar um indicio dessa hipótese na ideia de dom e contra-
dom, ou seja, a condição do coronelismo tem a sua gênese exclusivamente na ação consciente do eleitor
de apoiar o patriarca, obtendo assim com o seu apoio um retorno material. Essa ideia poderia ser
estendida aos tempos atuais e se formular a seguinte afirmativa “a sociedade se constitui do modo que se
constitui, pelo fato de que os seus integrantes enquanto totalidade permite ter representantes que
possivelmente vá beneficiar a camada mais vulnerável que o elegeu” no entanto, é necessário fazer uma
alteração na ideia de ação consciente, pois não é possível falar sobre liberdade de escolha quando se
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existe a necessidade, uma vez que, quando se está em condição de miséria o que impera é o ditado
popular “quando se está na migalha tudo que aparece parece ser bondade”. Daqui se origina a estima
dos escravos para os seus senhores, que quando manifestavam uma ação que parecesse incomum ou
grandiloquente aos olhos dos primeiros, os últimos eram venerados, isso é análogo ao comportamento de
fidelidade da “gente” para o Coronel e que tem a sua origem na admiração. As impressões sociais e as
suas representações derivadas, ocasionavam num efeito de deslumbramento para com a figura
carismática. Assim podemos exprimir essa característica através de uma carta de um ex-escravo para o
seu “velho senhor, coronel P.H. Anderson, Big Spring, Tennesse”:

Às vezes ouvimos alguém dizer: “Aqueles negros ali eram escravos” no Tennessee. As crianças ficam
chateadas quando ouvem essas coisas; mas eu digo a elas que não é desgraça nenhuma, lá no Tennessee,
pertencer ao coronel Anderson. Muitos negros teriam ficado orgulhosos, como eu ficava, de tê-lo como
senhor (guiame.com.br, Carta de um ex-escravo ao seu antigo senhor, 2014, p.1).[2]

Seria possível discursar sobre a escolha consciente? Não existe consciência na necessidade. Mas seria
possível dizer que a sociedade se constituiu apenas pela a ação de pequenos grupos? Não é possível. Esse
paradoxo envolve a questão de como grupos sociais a nível macrossocial permite a concessão de sua
liberdade individual a beneplácito de grupos minoritários na esfera microssocial.

Nessa via, poderíamos entender que a solidariedade, o conflito e a violência são na verdade expressões da
substância polar brasileira, mas o que vem a ser esta? A solidariedade é uma polaridade e o conflito é a
condição para a violência, sendo está última uma segunda polaridade. O Brasil é um país que nos
evidência um extremismo e que este nos parece ser fruto de um processo histórico-social e que
constantemente está associado as polaridades: social e parentela, política e economia, estado e indústria,
solidariedade e violência.

A síntese dessas polaridades é a conexão entre público e privado (1) social e parentela = núcleo aberto +
núcleo fechado, (2) política e economia = esfera pública + esfera privada, (3) estado e indústria = âmbito
coletivo + âmbito particular, (4) solidariedade e violência = bem comum + bem individual.

A junção dessas polaridades é a manifestação da imbricação entre público e privado, que por sua vez irá
ter como corolário a criação de uma segunda dimensão. Que são as Áreas Limítrofes, por este termo me
refiro às áreas derivadas da conexão entre público e privado. Essa região é a onde se concentra substância
brasileira e onde repercuti as estruturas e organizações sociais concentradas ao longo da história. O que
existe então no público e privado? Um indicativo pode ser expresso no fato de que a indiferenciação – a
síntese entre privado e público – não corresponde a harmonia:

Todavia, esta indiferenciação não significava de modo algum harmonia, equilíbrio, paz dentro e fora da
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parentela. Pelo contrário, justamente por que indiferenciada, qualquer choque num setor repercutia
violentamente em todos os outros, determinando rupturas em geral profundas (DE QUEIROZ, 1976, p.
186).

No público e privado não existe racionalidade, ordenamento e equilíbrio. A união entre esses campos –
público e privado - produz a expressão da substancia brasileira, que nada mais é do que aquilo que foi
dito no início. Poderíamos dizer que o elemento chave e desencadeador das relações sociais e estruturante
dos modos de organização e funcionamento dos processos político-econômicos e do sociodinamismo
entre os agentes, é o afeto.

CONCLUSÃO

Assim, na sociodinamica brasileira existe em seu seio uma imprevisibilidade, pois está sempre à mercê
dos acontecimentos cotidianos. A expressão de que “os compromissos não são assumidos à base de
princípios políticos, mas em torno de coisas concretas” (LEAL, [1948] 2012, p. 61). Tem implícito a ideia
de que o princípio político não é uma prioridade, pelo fato ser intangível, distante, metafísico e para a
utilizar a palavra correta: é algo racional. Por outro lado, o concreto seria o imediato, “o que está a flor da
pele”, aquilo que está próximo e não muito distante, aquilo que poderia ser uma situação oportuna e que
permite um esquema de ação prático e ágil, em outras palavras, o concreto, o afetivo. E isso justifica o do
por que uma liderança local – que é algo extremamente informal – consegue alcançar uma administração
– que existe uma certa formalidade – e por sua vez ascender às políticas nacionais.

Apesar de irracional a mistura entre público e privado, ela é concreta, diferente da segregação desses
componentes que embora seja racional, é metafísico e distante. A racionalidade exige paciência e o
refreamento da afetividade. A afetividade exige apenas a execução de si mesma, os acontecimentos são
cotidianos e os afetos nascem dos acontecimentos e esses por sua vez são imprevisíveis, portanto não
existe planejamento.

A afetividade é sinônimo exclusivo de extremismo e isso comparece nas mais variadas esferas, desde da
esfera diacrônica – histórica – como foi demonstrado, até a esfera sincrônica – presente -. Os movimentos
políticos extremamente acirrados, não havendo nenhuma forma de comunicação pode ser uma dessas
expressões. O parlamento brasileiro contando atualmente com mais de 350 deputados que legislam a
partir de critérios religiosos – sendo este um país laicizado -. Essa poderia ser a demonstração plena como
elementos sobrenaturais se impõe sobre os de realidade natural. O que permite isso? A substancia
brasileira - a afetividade -. Neste mesmo congresso existem em média 80 parlamentares proprietários de
TVs e rádios (DEAK, A & MERLI, D, Donos de Tvs e rádios, parlamentares desrespeitam a constituição,
2007)[3]. O que permite isso? A racionalidade? Não existe racionalidade, o que existe é a afetividade
organizando os modos de relação e permitindo a conexão entre público e privado e tendo como
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consequência o extremismo que se manifesta quando se abre esse espaço limítrofe que é onde comparece
em plenitude a ausência total de qualquer forma de ordenação e equilíbrio, restando apenas a permeação
do efêmero, do corriqueiro, em suma, do afeto.

O questionamento que se origina dessa reflexão é: qual é a necessidade social que permite as relações
serem do jeito que são? Quais são os fatores iniciais e propiciadores que desencadearam uma organização
pautada no afeto? Quando se originou a necessidade do afeto enquanto organizador das interações?

Parece que o Brasil é um país arcaico, mas que tem o rosto novo. O Brasil contemporâneo é antigo, na
mesma proporção e medida que é antigo. Essa frase pode ser expressa nos lábios de um poeta brasileiro
“500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou” (MC’S, Racionais, 2002).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios.
Editora Alfa-Omega, 1976.

DEAK, A & MERLI, D. Donos de Tvs e rádios, parlamentares desrespeitam a constituição. 2007.
Disponívelem:http://rollingstone.uol.com.br/edicao/7/donos-de-tvs-e-radios-parlamentares-desrespeitam-
a-constituicao#imagem0 Acesso em: 05 de julho de 2017.

GUIAME.COM.BR. Carta de um ex-escravo ao seu antigo senhor. 2014. Disponível em:


https://guiame.com.br/gospel/missoes-acao-social/carta-de-um-ex-escravo-ao-seu-antigo-senhor.html
Acesso em: 05 de julho de 2017.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil.
Editora Companhia das Letras, 2012.

MC’S, Racionais. Nada como um dia após o outro dia. 2002. 1 CD.

[1]
Graduando do curso de Psicologia e Discente de Ciências Sociais.

[2]
Disponível em: https://guiame.com.br/gospel/missoes-acao-social/carta-de-um-ex-escravo-ao-seu-
antigo-senhor.html Acesso em: 05 de julho de 2017.

[3]
Disponível em: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/7/donos-de-tvs-e-radios-parlamentares-
desrespeitam-a-constituicao#imagem0 Acesso em: 05 de julho de 2017.

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