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Parte do doutorado
A partir dos anos 60, a imagem em movimento estabelece diálogos efetivos com outras
(super-8, vídeo), assim como a facilidade de manuseio e edição, atraíram jovens artistas e
performers fazendo com que diversos trabalhos fílmicos se consolidassem no circuito das artes
visuais.
Através deste cruzamento entre arte e cinema, vemos cineastas reconhecidos exporem seus
cinematográficos, produzindo filmes para o circuito das artes. Esta aproximação vem abrindo uma
espécie de rua de mão dupla, que potencializa a troca de conceitos que antes costumavam se
restringir apenas aos territórios de origem, ampliando as reflexões em cada uma destas esferas.
Em diversas obras do Cinema de Exposição1 nos deparamos com elementos recorrentes
nas artes performáticas como as narrativas permeadas por fragmentos autobiográficos estruturados
Para Timothy Corrigan (2015), o filme-ensaio parte de três variações que descrevem “a
referentes aos seus sonhos, medos e desejos por garotas em confissões num formato de vídeo-
diário. Suas palavras ditas para a câmera, enquanto registra seus próprios olhos num big close, se
intercalam com frases filmadas, bonecas nuas e fotografias. Ela mesma manipula sua Pixelvison
(câmera lançada nos anos 80 que gravava em uma fita K7), propondo assim planos rápidos,
organizados numa montagem de gatilho, ou seja, com as cenas filmadas na ordem do roteiro. O
título remete ao romance Rubyfruit Jugle, escrito em 1973 por Rita Mae Brown. O filme de
1
Tal prática passou a ser chamada nos anos 90 de Cinema de Exposição (termo cunhado pelo crítico Jean-Christophe
Royoux). Segundo Dubois “desde então, todo mundo o retomou, de Raymond Bellour a Dominique Païni, de Art
traumático de sua adolescência, período em que morava na pequena cidade de Margate, localizada
no litoral da Inglaterra. Através de uma voz em off da própria artista, sobre imagens registradas
em Super-8 que trazem paisagens vazias de sua cidade natal, Emin aborda os abusos e humilhações
que sofreu, dedicando o filme a um grupo de garotos. Na cena final gravada em vídeo Hi-8, a
artista já adulta dança intensamente ao som da disco music You make me feel de Sylvester James,
sendo seguida pela câmera numa coreografia em plano seqüência. Neste filme passado e presente
são bem marcados pelos dispositivos de registro. A obra faz parte da coleção da TATE.
Em Confession (2010), Marina Abramovic realiza uma performance para câmera onde numa
sala fechada ajoelha-se diante de um burro encarando-o nos olhos até que o animal decida se mover
e deixar o espaço do enquadramento da imagem. Num plano conjunto que dura aproximadamente
1 hora, em imagem monocromática filmada em digital (Full HD), vemos a artista sérvia e o animal
numa situação de cumplicidade acompanhados por uma narração feita por meio de legendas que
infância e adolescência em relação a sua família. A escolha deste coadjuvante pode ser interpretada
de diferentes maneiras. Na Bíblia o burro aparece como uma metáfora de força e humildade. Na
cultura ocidental é sinônimo de estupidez. Tanto uma leitura quanto a outra podem se encaixar na
relação da artista com seus pais e familiares. O trabalho foi exibido na Bienal de Arte de Veneza
de 2011 (54º).
Os trabalhos aqui selecionados além de circularem no âmbito do cinema de exposição e
terem sido realizados por artistas de diferentes nacionalidades, abordam também questões
geracionais a partir de narrativas em primeira pessoa. O filme de Sadie Benning aponta para
angústias do presente, com imagens em preto e branco e repletas de ruídos, que provocam um
diálogo entre forma e conteúdo. No instante em que o filme foi feito, Benning tinha apenas 16
anos. Tracey Emin, com o dobro da idade de Benning, evocou os traumas do passado em Why I
never became a dancer, relacionando-os a uma ação no presente. Passado em super-8 e o presente
em Hi-8 são colocados lado a lado, como uma forma de exorcizar os traumas. Já Marina
Abramovic, através de uma performance para tela, vai reconstruir as memórias de um ambiente
familiar marcado por muitas brigas e pouco afeto. Curiosamente quando Abramovic realizou
a ação de fazer ou instaurar algo, uma reflexão sobre o presente, uma aproximação entre passado
um fato não como a narrativa daquilo que apenas foi, mas como a presença do que é, se atualizando
no instante do acontecimento. O ato implica em não observar à distância, mas observar de dentro,
sob o que foi vivido. Como aponta Josette Feral, “a performatividade não é um fim em si mesmo,
uma realidade concreta ou acabada, mas um processo. Ela é uma construção (uma realidade
No campo das linguagens e práticas artísticas, este conceito que deriva da noção de performance,
público e artista.
Observamos a dimensão performativa desde a organização do discurso fílmico de cada um
dos trabalhos, com articulações distintas entre imagem sonora e imagem visual, como também na
encenação de cada artista, na relação que estabelecem com câmera, filmando partes do próprio
corpo, dançando freneticamente diante dela, ou mesmo ficando quase que imobilizada por 1 hora.
Vemos ainda traços performativos na modulação, ritmo e intensidade das palavras verbalizadas e
escritas.
Os três trabalhos tem como ponto de partida um material pessoal, que assume a forma de
informações sobre determinada pessoa, mas, acima de tudo, o modo como esta pessoa viveu cada
um dos fatos, como produziu experiências e criou sentidos para cada momento. Marvin Carlson
que mostra é sempre aquele que faz. Escolhas pessoais entram em jogo, entram em cena, passam
a fazer parte do filme. Não se trata mais de uma personagem a ser interpretada por uma atriz, mas
de uma performer jogando com diferentes personagens a partir dela mesma. A concentração de
amplas que ecoam e estabelecem um diálogo de maneira afetiva e efetiva com o mundo.
Me and Rubyfruit, Why I never became a dancer e Confession, por conta de suas dimensões
lidando com coleções de eventos e fragmentos de memórias que dialogam com imagens que atuam
como metáforas do pensamento. Tudo isso construído na forma de diários ou cartas, como na obra
de Sadie Benning que escreve e filma como se anotasse suas idéias numa caderneta ou de Tracey
Emin que inclusive dedica o filme a um grupo de garotos que marcou seu passado. A forma de
A evolução tecnológica dos dispositivos de registro, que os tornaram menores e mais leves,
que se constitui como uma base para o ensaísmo, sobretudo, quando o cineasta-artista se propõe
a refletir sobre seu lugar no mundo ou sua identidade”. E o pesquisador espanhol conclui “o ensaio
é uma prática que atravessa uma série de instituições caracterizadas historicamente pela
artistas, quanto dos historiadores. As áreas de trabalho e de exibição das obras estão tão
compartimentadas e se revelam tão estanques entre si como os estudos que se escreve sobre elas”.
Com as aproximações cada vez mais acentuadas entre cinema e arte contemporânea,
poderemos ver e rever diversos trabalhos produzidos desde os anos 70, à luz dos conceitos do
filme-ensaio, assim como refletir sobre o filme-ensaio a partir das ferramentas de análise do campo
da performance.
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BIBLIOGRAFIA
BLÜMLINGER, Christa. Harun Farocki...The Art of the Possible In: BIEMANN, Ursula
(Editor). Stuff It: The Video Essay in the Digital Age. Zurique: Edition Voldemeer, 2003.
BIEMANN, Ursula. Performing Borders: the transnational video. In: BIEMANN, Ursula
(Editor). Stuff It: The Video Essay in the Digital Age. Zurique: Edition Voldemeer, 2003.
PARENTE, André. Entre cinema e arte contemporânea. São Paulo, Revista Galáxia (PUC-SP) –
nº 17, 2009.