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Estratégica na época da dominação espanhola, Cusco foi totalmente reformada por seus
colonizadores, que chegaram em 1532 para saquear suas riquezas e evangelizar, à força, a
população remanescente. A arquitetura colonial, no entanto, é retrato mudo do povo que
não deixou um único registro escrito, mas legou à posteridade seus tesouros de pedras.
Muralhas de antigos palácios incas permanecem intactas, e
igrejas católicas foram erguidas com pedras trazidas de
Sacsayhuaman, o templo nos arredores de Cusco dedicado ao
Sol. Há menos de dois meses, escavações revelaram por lá
novos muros de pedras. Pelo território peruano, descobertas são
feitas diariamente - infelizmente, mais por saqueadores do que
por arqueólogos.
El Negro é o mais robusto dos três cavalos que nos acompanham a Choquequirao. Seus
olhos estão cobertos por um colorido xale inca para que ele não se assuste com a trilha à
beira do abismo. "Se ele enxergar o perigo, não caminha. E os outros dois animais não irão
segui-lo", explica Nério Ortiz, carregador que compõe a equipe formada por seis homens e
quase 100 quilos de equipamentos. Ninguém - nativos, turistas ou animais - fica impassível
à inebriante visão que se tem no topo do mirante Capuliyoc, primeiro
e único "passo" da montanha Inkawassi.
1300 Uma pequena tribo alcança a bacia de Cusco, liderada por Manco Capac.
1532 Francisco Pizarro invade o Peru, arrasando Cusco. Os últimos Incas se refugiam
em Vilcabamba.
1768 O cronista peruano Cosme Bueno menciona pela primeira vez Choquequirao.
1834 - 1847 O francês Conde de Sartiges confirma a existência da cidade; Léonce Angrand
esboça o primeiro mapa das ruínas.
1909 - 1911 Hiram Bingham chega a Choquequirao; passa batido, e revela Machu Picchu.
2002 O antropólogo Perci Paz estuda o setor das lhamas. Guarda segredo.
"A cidade estava coberta pela mata. Não havia nada para ver", conta o aventureiro.
Ele então se aproxima e diz, em tom confidencial: "Há muitas coisas novas por lá". Em
seguida, anota o nome Walter em uma folha de papel e sugere, misterioso: "Procure por
ele".
A caminhada começa antes do amanhecer, e até o final da tarde segue o mesmo ritmo, em
uma trilha bastante íngreme. O calor, que ultrapassa os 30 graus em setembro, é implacável
nos últimos lances da subida. As poucas conversas são sobre os mistérios de um passado
que, bruscamente, havia sido interrompido. Como surgiram essas cidades incas escondidas
nas montanhas? Para que serviam? O que levou esse povo a construir suas moradas em
pontos tão remotos?
"A história pré-hispânica do Peru é feita por 60% de especulação, 30% de probabilidade e
10% de fato consumado. Sem contar a porção que é absolutamente desconhecida", resume
o autor inglês Peter Frost em seu guia de viagem Exploring Cusco. Para piorar, durante
muito tempo a importância de Choquequirao foi subestimada. Depois de Bingham, a
primeira documentação relevante só seria registrada nos anos 1990, quando os setores
principais da cidade foram mapeados.
De Huancacalle a trilha é mais longa (68 km), com alternados aclives e declives.
Atravessa o Nevado de Choquetacarpo, a 5 mil metros de altitude. Do acampamento em
Yanama, a vista de Choquequirao é linda.
A travessia Choquequirao-Machu Picchu não leva menos de dez dias. São 105 km, em
alternadas subidas e descidas. Sobe até o Passo Yanama, a 4 mil metros e altitude; e depois
desce até o povoadinho de Totora, com vista dos levados de Salcantay. A caminhada
atravessa florestas, acompanha o Rio Santa Teresa e, por fim, encontra uma vista inédita de
Machu Picchu - tesouro de quem encara a viagem.
Huanipaca é o segundo acesso mais curto (34 km). No acampamento de San Ignacio,
sabe-se que há vestígios incas ainda não explorados.
De Mollepata, a 100 km de Cusco, sai a Trilha de Salkantay. A rota (40 km) passa por
vales amplos e chega a 5 mil metros de altitude, até convergir com o Caminho Inca.
Aí são mais três dias para Machu Picchu.
FILHOS DAS MONTANHAS
O Império Inca abrangia diversas nações com mais de 700
idiomas diferentes. O mais falado era o quéchua - termo que
também designa o povo que fala esse idioma sonoro.
A herança cultural dos monarcas (e, antes deles, dos chavín,
dos mochicas e dos paracas) é tão sólida quanto suas
muralhas. Dos 300 mil habitantes da região de Cusco, três
quartos são considerados índios puros ou mestiços. Quase
todo mundo é fluente no idioma local, ainda que só aprenda o
espanhol na escola. O costume de usar chales também é
milenar: as técnicas empregadas na sua confecção já eram
conhecidas pelos antepassados. Como antes, os corpos
celestes ainda exercem influências sobre o povo. A passagem
de cometas pode pressagiar epidemias; e as festas celebram o
culto ao Sol, à terra e às águas. No último ano, o povo As roupas coloridas:
peruano vive a expansão econômica. As condições sociais, costume inca preservado
por outro lado, melhoraram pouco (60% dos habitantes do pelos quéchuas
país estão desempregados). O orgulho pelos ancestrais
aumenta a cada dia: recentemente, as placas de muitas ruas de Cusco, antes em espanhol,
foram substituídas por outras no linguajar andino. E até o nome oficial da capital dos incas
voltou (pelo menos no papel) ao original, Qosq'o.
GRÃO DE OURO
A tríade alimentar dos índios peruanos é composta de milho, como o vermelho Chicha
(acima), das 238 variedades de batatas e da quinoa (abaixo). Cultivada há 5 mil anos nos
Andes, a semente popularizou-se na Europa, nos Estados Unidos e no Japão a partir da
década de 90, depois que a Nasa a incluiu na dieta de astronautas. A principal qualidade da
quinoa está associada à sua capacidade de fornecer proteínas, além de 16 aminoácidos
essenciais. "Bom para andar rápido", simplifica Saturnino Salcedo, o cozinheiro que nos
alimentou com sopas feitas com as minúsculas esferas douradas.
Portais em forma trapezoidal, com dois pilares na parte superior, são abundantes - indício
arquitetônico de que aqui circulava a elite incaica. Eles convidam à incursão a palácios,
templos, salas de banho e mirantes que se espalham por todo o complexo arqueológico
(veja quadro). Há muito para ser revelado. Segundo o arquiteto Luis Centeno, da Copesco,
órgão peruano dedicado à restauração dos monumentos, apenas quatro dos 12 setores
identificados na cidade foram totalmente recuperados. Calcula-se que 60% das ruínas ainda
estejam ocultas na mata.
A chegada a Choquequirao, seguida por ventos fortes, nos revelam as tão desejadas
ruínas de pedra. Poucos viajantes têm
o privilégio de alcançar este santuário perdido
O grande encontro
A diversidade de formações vegetais obedece à
geografia acidentada, em uma mistura de selva alta
com a paisagem de serra típica dos Andes. O
acidentado da cordilheira produz uma redução da
temperatura nas zonas mais altas, conhecida como
puna. É onde o vento, abençoado, sopra mais forte.
O terreno fértil era cultivado em mais de 300
altiplanos, que se espalham pelos dois lados da
encosta. A área ainda exibe exemplares raros de
cedros e uma grande variedade de orquídeas.
"É certo que elas foram feitas para ser vistas a longa distância", sustenta o arqueólogo, no
mirante construído a poucos metros da obra. O que os antigos habitantes daquelas
montanhas quiseram expressar com elas? Antropólogos, arqueólogos e outros
pesquisadores desenvolvem suas interpretações. Alguns acreditam que as lhamas brancas,
tidas pelo povo quéchua como símbolo de sorte, fossem adoradas em rituais sagrados. Os
únicos capazes de dar essa certeza foram dizimados há mais de 500 anos. E perguntas como
essa, no intrigante universo inca, podem ficar eternamente sem
respostas.
As lhamas esculpidas em
Choquequirao podem ser
LHAMAS SAGRADAS vistas de longe, em três
O antropólogo francês Patrice Lecoq, da Universidade de Paris, dimensões
foi enviado ao Peru em 2005 para estudar o significado das
lhamas recém-descobertas. Na encosta oeste de Choquequirao, os 23 camelídeos se
destacam em 15 terraços de pedras mais escuras. No último, descobriu-se recentemente
uma figura antropomórfica, que ainda não foi restaurada. Em diferentes tamanhos (as
maiores tem 1,70 metro de altura), foram concebidas para ser vistas em três dimensões. Do
mirante (acima), as figuras se mostram voltadas para a direção norte, em uma posição que
sugere a ascensão às montanhas protetoras do santuário. As lhamas sempre tiveram
importância estratégica aos povos andinos, fornecendo carne para o consumo e lã para os
tecidos. Únicos animais de carga dos incas, carregavam armas e suprimentos por toda a
extensão do império, que se estendia do norte do Equador e sul da Colômbia até a
Argentina e o Chile, passando por todo o Peru e a Bolívia. Sem elas, a expansão não seria
possível. Por isso, no precioso patrimônio arqueológico do Peru, iconografias de lhamas
são diversas e abundantes. Mas é a primeira vez que se encontra um mural que remete a
importância ritualística desses animais. Em muitas festas, elas eram celebradas com música
e dança. Em outras, eram sacrificadas e oferecidas ao Deus Sol, Inti Taita, em troca de uma
vida próspera.
CARTA DE NAVEGAÇÃO
Tudo o que você precisa saber para fazer as malas e planejar a viagem
Óculos escuros: nem sempre são um acessório. A empresa francesa Julbo fabrica modelos
próprios para atividades outdoor. O EPIC tem lentes poderosas e um protetor lateral para
raios nocivos indiretos. Que também protege contra a poeira na ventania.
R$ 516,00. Pé na Trilha, rua Apeninos, 803, tel. (11) 3171-2923
O QUE LEVAR
+ BOTAS
+ MEIAS
+ SACO DE DORMIR
+ MOCHILA CARGUEIRA (60 LITROS)
OU BOLSA TIPO MARINHEIRA
+ MOCHILA DE ATAQUE
+ CALÇA DE CAMINHADA
+ CAMISETA DRY FIT
+ BLUSA TIPO FLEECE
+ JAQUETA IMPERMEÁVEL
+ ANORAK (CORTA-VENTO)
+ LUVA
+ GORRO
+ BONÉ
+ ÓCULOS
+ REPELENTE DE INSETOS
+ PROTETOR SOLAR
+ LANTERNA
+ LENÇOS UMIDECIDOS
A mochila de ataque, com 30 litros e barrigueira para distribuir o peso, será sua grande
companheira de viagem. Dá para optar por uma cargueira pequena, caso da DEUTER
FUTURA 32. O sistema de ventilação, na parte posterior, não deixa as costas molhadas de
suor durante a caminhada.
R$ 362,11. Half Dome, Alameda dos Nhambiquaras, 946, tel. (11) 5052-8082
COMO CHEGAR
A Taca e a Lan Peru têm vôos para Cusco, com conexão em Lima. De lá, são três horas até
San Pedro de Cachora.
ONDE FICAR
Em Cusco, o melhor é o Monasterio (Calle Palacio, 136, www.orient-express hotels.com).
O NovotelAccor (San Augustin, 239, www.accorhotels.com.br) não é tão bem localizado,
mas tem instalações novas e muito confortáveis.
Em Cachora, o casal Celestino Peña e Ceferina San Martin aluga quartos muito modestos
(San Martin, 109, 83-830252). O atendimento familiar compensa.
QUEM LEVA
A Climb (11) 5542-8166, www.climb.tur.br é especializada em viagens de aventura na
América do Sul. O roteiro a Choquequirao, passa dois dias em Cusco, visita o Vale Sagrado
e, depois da travessia, as ruínas de Machu Picchu. Custa 2114 dólares. Inclui parte aérea
(de SP), hospedagem, equipamentos de camping, guias, alimentação (durante a trilha),
ingressos, bilhetes de trem e seguro viagem.
O mesmo pacote é oferecido pela Pisa Trekking (11) 5052-4085, www.pisa.tur.br.
MELHOR ÉPOCA
Chove muito de dezembro a março, o que dificulta o acesso a Choquequirao. Vá no resto
do ano, quando a paisagem não é tão verde, mas os dias estão ensolarados.
dica da autora
"Nos povoados mais isolados, ao contrário do que acontece em Cusco, as crianças fogem
ao avistar turistas. E os adultos, cordiais, não cobram para ser fotografados. Brinquedos,
roupas, cadernos e lápis, no entanto, podem ser um bem-vindo agrado."
Cristina Capuano