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riado de um modo directo. Recordamos aqui em
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primeiro lugar que, mesmo nas guildas mais prós-
peras, a possibilidade de vastos processos pe acu-
mulação de riqueza obtida a partir do monopólio
sobre o comércio por grosso por parte dos mes-
tres artesãos é ainda muito limitada e, portanto,
não existe aquela concentração de riqueza sob
forma monetária indispensável a um extenso in-
vestimento produtivo numa escala socialmente 3. Acumulação primitiva
eficaz. Em segundo lugar, o trabalho ainda está li:!
e aparecimento do capital industrial
ligado aos seus meios de produção: quer como
artesãos sujeitos a uma oligarquia mercantil nas
corporações, quer como pequenos produtores agrí-
colas que trabalham numa pequena parcela de Antes de entrarmos na análise das caracterís- Conceito de
terra, o trabalho está em relação directa com as ticas históricas e ecoriómicas que levaram à for- acumulação
condições da sua reprodução. Isto tem ainda primitiva
mação do modo de produção baseado no capital,
como consequência importante, não existir a devíamos preliminarmente procurar definir do
possibilidade social da aquisição - ou melhor, da modo mais preciso possível o conceito de «acu-
acumulação - dos meios de produção e de subsis- mulação primitiva», partindo do pressuposto de
tência. Efectivamente, à acumulação de riqueza que ele designa uma relação económica que pre-
deve corresponder necessariamente uma vasta cede a acumulação capitalista propriamente dita.
concentração de meios de produção e de subsis- Efectivamente, enquanto esta última é o re-
tência nas mãos dos capitalistas; se as condições sultado do investimento da mais-vallia (lucro)
da produção não são alienáveis - dado o carácter obtida com base no modo de produção capitalista
ainda substancialmente constante da tecnologia-, i - isto é, como apropriação unilateral de uma
daqui deriva necessariamente um limite ao desen- parte do tempo de trabalho socialmente neces-
volvimento da produção na base do capital. O sário dos produtores -a acumulação primitiva,
capital- como pressuposto tecnológico do tra- pelo contrário, é o ponto de partida do modo
balho - e o trabalho estão ainda contidos numa
de produção capitalista, representando o seu pres-
única figura social- a pequena produção parce- suposto historicamente necessário, sem o qual a
lar na agricultura e o pequeno produtor inde- produção de mercadorias na base do capital não
pendente na manufactura urbana; só a desagre- poderia ter lugar.
gação destas figuras unitárias libertará as forças Marx escreve a este respeito:
que poderão dar lugar ao moderno modo de pro-
dução baseado no capital. «A relação capitalista tem como pressuposto
a separação entre os trabalhadores e a proprie-

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73
dade das condições de realização do trabalho. Uma ainda que parciais, como por exemplo, a «ascese
fJ
vez autónoma, a produção capitalista não só man- intramundana» (isto é, a ética da privação do
tém aquela separação, mas reprodu-Ia numa es- consumo tendo como base uma legitimação reli-
cala sempre crescente. O processo que cria a giosa) tão bem estudada por M. Weber , é assaz -
relação capitalista não pode, portanto, ser mais manifesto. Deste modo, não só se obscurecia
do que o processo de separação entre o traba- o facto de a génese da relação capitalista se
lhador e a propriedade das suas condições de ter dado como processo de separação - muitas
trabalho, processo este que, por um lado, trans- vezes violento -entre os produtores e os seus
forma em capital os meios sociais de subsistência meios de produção, como, e este é talvez o aspecto
e de produção e, por outro, transforma os pro- mais importante, de a separação e contraposição
dutores directos em operários assalariados. Por- entre os produtores e os meios de produção na
tanto, a chamada acumulação primitiva não é moderna sociedade capitalista poderem ser consi-
mais do que o processo histórico de separação deradas como um dado natural da produção em
entre o produtor e os meios de produção. E é geral. Isto é, se mesmo a acumulação primitiva
'primitiva' porque constitui a pré-história do ca- de riqueza e meios de produção é o resultado
pital e do modo de produção a ele correspon- da poupança privada dos trabalhadores produti-
dente.» 28
vos independentes, então nenhuma mancha obs-
No texto marxiano que acabámos de repro-
curece as origens e os destinos da r~lação capi-
duzir não é feita a mínima menção ao significado
talista, a partir do momento em que se considere
a atribuir ao conceito de acumulação primitiva,
evidente que a moderna acumulação de capitais
a uma nova criação de riqueza, que é, por assim
dizer, gerada num período histórico por uma classe
- isto é, o reinvestimento de uma parte do lucro
capitalista em máquinas e na subsistência dos
particular cujo objectivo é o reinvestimento pro-
trabalhadores a uma escala mais vasta - é o re-
dutivo da riqueza assim produzida. Todavia, este
significado, que atribuía à acumulação uma r~la- sultado da poupança privada, e não da apropria-
ção directa com a poupança de riqueza, produ- ção unilateral de tempo de trabalho não pag9.
zida no processo produtivo mas preservada pela Ora, nós queremos demonstrar exactament{ o
destruição do consumo privado improdutivo, de- contrário. Por certo que não se trata de negar
sempenhou um papel não secundário na análise o papel e a presença da poupança -
e dos seus
económica deste fenómeno. E o significado desta reflexos ideológico-religiosos - como elemento
interpretação - que, por outro lado, tem como dos acontecimentos históricos que levaram à
fundamento fenómenos bastante importantes, constituição do moderno modo de produção ba-
seado no capital, mas de determinar se bem -
que indirectamente -
o papel -absolutamente par-
cial e totalmente subordinado que ela teve na
28 K. M{l.rx, O Oapital. gênese da relação capitalista.

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1

Vimos que no texto acima reproduzido, Marx transferência de propriedade, e não criação de
I(
sublinha vigorosamente o facto de o conceito de nova riqueza social, eis o que designa o conceito
acumulação primitiva designar um processo his- de acumulação primitiva; e, ligada a ela, expro-
tórico que termina com a separação entre pro- priação generalizada dos produtores independen-
dutores e meios de produção. Sabemos que tes e proprietários das condições da produção.
Já tivemos ocasião de fazer referência à crise Crise econó-
as unidades económicas que precedem a acumu- mics da no-
D
lação primitiva são a pequena produção parcelar da relação senhorial no século XIV, causada por
breza e
na agricultura e o pequeno produtor indepen- um rápido e vasto despovoamento dos campos crescimento
dente do artesanato urbano. Ambas estas figuras em benefício das cidades, e recordámos que o económico
económicas são caracterizadas por uma relação resultado disto- dada a relação directa entre im- da burguesia
directa do produtor com os instrumentos de pro- portância do excedente nobiliário e força de tra-
dução - a terra ou os utensílios de um mister - , balho, na ausência de condições de crescimento
dos quais ele é agora não apenas possuidor, mas da produtividade do trabalho - foi o precipitar
também proprietário - mesmo que as formas de uma vasta crise económica que ati.}.1giua aris-
pré-capitalistas de propriedade nunca apareçam tocracia feudal. Dado que as exploraçõe"s agrícolas
na forma pura, tendo sempre como pressuposto feudais já não eram produtivas, o senhor feudal
qUfllquer outra coisa: nestes casos, a comunidade viu-se historicamente perante três possibilidades
caffiponesa ou a corporação, como unidades eco- de acção: agravamento das corveias até ao limite
nómicas sobreordenadas. O processo que levará possível ou admissão directa de trabalhadores
à separação entre os produtores e os meios de assalariados à jorna, onde estes existiam; frag-
produção destruirá então estas figuras económi- mentação e locação dos domínios feudais a ren-
cas e com elas a independência e a auto-suficiência deiros (quer camponeses, quer capitalistas co-
dos produtores. Será esse o resultado de duas merciais); alienação dos feudos. Enquanto nal-
forças que agirão conjuntamente para este fim: gumas regiões da Europa oriental a relação
em primeiro lugar, um processo longo e histo- feudal se mostrou mais sólida, sabemos que na
ricamente articulado de concentração da riqueza Europa ocidental a escolha económica do senhor
social nas mãos de uma burguesia empresarial feudal de perpetuar a relação senhorial endure-
e comercial em ascensão; em segundo lugar, e cendo-a não teve resultados capazes de travarem
ligada a isso, uma expropriação maciça de anti- a crise económica; tal como a decisão de admitir
gos proprietários, sejam éles os grandes proprie- directamente trabalhadores assalariados não po-
tários de terras da aristocracia feudal ou, pelo dia senão actuar a uma escala bastante res-
contrário, produtores independentes, proprietá- trita, na ausência de vastos fenómenos de pro-
rios de pequenas parcelas de terra ou dos instru- letarização dos trabalhadores. A segunda via em-
mentos do seu trabalho artesanal. Portanto, con- preendida pelo senhor dá origem ao fenómeno
centração de riqueza social já existente e pro- da pequena produção parcelar, com os processos
duzida nas mãos de novos proprietários, pura de diferenciação económica que ela determinou e

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com os resultados que iremos estudar em seguida. A crise económica da nobreza feudal deu iní- Crise da no-
Todavia, avançamos já aqui que mesmo a figura cio a uma grande transferência de riqueza, cujo breza e
exemplo mais macroscópico foi a venda dos feu- inflação mo-
da pequena propriedade parcelar, com a possibi- netária
lidade a ela inerente de emancipação do produtor dos. Para piorar a condição económica da aris-
das condições de dependência relativamente ao se- tocracia e aumentar ulteriormente os ganhos
nhor feudal- renda em dinheiro, arrendamento, especulativos da burguesia comercial, surge uma
etc. -, contribui em grande medida para a frag- circunstância muito particular: o rápido au-
mentação e redistribuição da riqueza social, li- mento da massa de capital circulante, que. se
berta do monopólio da aristocracia fundiária seguiu à importação maciça de metais preciosos,
feudal. O terceiro fenómeno que acompanhou a na sequência das descobertas geográficas, deter-
crise económica da nobreza feudal foi a alienação minou um amplo fenómeno de inflação dos pre-
dos feudos, venda maciça e sub-custo dos fundos ços, que se repercutiu negativamente nos valores
nobiliários. Efectivamente, nos séculos XIV e XV, fundiários feudais. A absoluta necessidade de di-
um pouco em toda a Europa, mas de uma forma nheiro da aristocracia fundiária, para o seu con-
sumo opulento, e a não referência ao mer-
particular em Inglaterra, o despovoamento dos
campos e a baixa de rendibilidade das explora- cado na avaliação do preço da terra, fizeram com
que o valor desta última fosse minimizado em
ções ~grícolas tinham feito descer o valor dos fun-
relação aos outros valores (por exemplo, aos va-
dos féúdais, cedidos pela aristocracia aos novos
lores imobiliários urbanos), enquanto, ao mesmo
ricos da burguesia comercial. Em geral, as recei-
tempo, a desvalorização do dinheiro dado em
tas obtidas pela venda dos feudos eram gastas
troca das terras concorria ulteriormente para
improdutivamente pelas famílias aristocráticas determinar o carácter de venda ao desbarato
em consumos de luxo, o que contribuiu ulterior-
destas transacções. /
mente para acentuar a dependência da aristocra- o sistema
A ascensão dos rendimentos burgueses foi a
cia relativamente à burguesia endinheir:ada, en- característica económica constante destes séculos. de crédito
quanto, ao mesmo tempo, aumentava a tendência
Além de tudo o mais, a crescente dívida privada
para a venda ao desbarato dos bens feudais. No da nobreza em crise. era acompanhada de um
século XV, o fenómeno tinha atingido propor- agravamento paralelo da dívida pública, o que
ções notáveis: a nobreza fundiária vendia ao des- contribuiu para manter elevada a taxa de juro,
barato ou hipotecava as terras, pedia dinheiro não obstante a inflação dos preços ter determi-
emprestado a uma burguesia usurária que, inicial- nado uma queda relativa do valor do dinheiro.
mente, comprava as terras, ou para adquirir com Assistimos neste período a um rápido floresci-
o dinheiro um prestígio social que não possuía mento de estruturas de crédito, amplamente uti-
por nascimento ou, sobretudo, a fim de realizar lizadas, em particular, pelos soberanos e a
um ganho especulativo a partir de uma aquisição aristocracia, e cujos protagonistas são as novas
bastante favorável. potências do capital comercial, que põem à

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disposição das cabeças coroadas europeias os e XV, enquanto os mercadores ingleses iam su-
capitais necessários para as suas guerras contí- plantando judeus e lombardos no papel até então
nuas e, da nobreza em crise, o dinheiro necessário arriscado de credores régios. Os Mercadores de
Fondaco, por exemplo, fizeram enormes emprés-
para manter pelo menos o nível de vida de
timos a ambas as partes durante a guerra das
épocas mais gloriosas. Usuras, hipotecas, espe-
Duas Rosas e continuaram, de quando em quando,
culações de toda a ordem, são as actividades que
a conceder créditos à Coroa até ao período da
permitem aumentar o capital comercial nascido da
guerra civil.» 80
monopolização do comércio por grosso e do co-
mércio externo e colonial, concentrando riquezas
Finalmente, a própria Reforma contribui para
sobretudo à custa dos antigos proprietários. É
a ascensão dos patrimónios burgueses: a confis-
lícito afirmar que o aumento dos empréstimos
cação dos bens da Igreja e a sua venda a preços
contraídos pelas coroas europeias e o desenvol- irrisórios concentrou ulteriormente nas mãos da
vimento do sistema de crédito e bancário são
burguesia comercial grandes riquezas, levando ao
as causas que mais fortemente permitiram o cres-
auge do poderio económico a nova classe em
cimento dos rendimentos burgueses, contribuindo,
ascensão. Esta já não tinha perante si obstá-
deste modo, para a acumulação da burguesia.
culos substanciais, porque, como escreve Marx,
«Em Inglaterra- escreve Dobb- os mercado-
res de seda ocupavam-se do desconto de letras «... a propriedade eclesiástica constituía o ba-
de câmbio, os notários tornavam-se mediadores luarte religioso do antigo ordenamento da pro-
priedade fundiária e, caída a propriedade ecle-
de empréstimos e recebiam depósitos, e os ouri-
ves iam pouco a pouco combinando a recepção siástica, já nem sequer este ordenamento se pôde
manter.» 81
de depósitos em metais preciosos com a emissão
de títulos de crédito e a concessão de emprés-
timos.» 29 Chegamos assim ao ponto' em que o pro.
cesso de concentração da riqueza e de expro-
Além de que, como vimos precedentemente, priação dos antigos proprietários feudais avan-
a concessão de patentes régias para o comércio çou tanto, que as condições patrimoniais para o
externo era condicionada pela coroa pela con- investimento capitalista se vão rapidamente deli-
cessão de empréstimos a seu favor. Efectiva- neando. Faltam agora, para o efectivo desenvol-
mente, escreve ainda Dobb: vimento do processo, dois requisitos essenciais,
sem os quais os efeitos da acumulação se teriam
«Os empréstimos à coroa inglesa começavam
a assumir dimensões notáveis já nos séculos XIV
81 K. Marx, O Oapit/Jl.
29 M. Dobb, Btudies, 011. eit. 81 K Ma.rx, O O~ta~.

6 81
80
bloqueado e as grandes transferências de riqueza e usurário procura outros canais para investir o
mostrado inúteis, senão negativas, para a classe dinheiro, enquanto, pelo contrário, a venda dos
que por elas tinha sido beneficiada. Esses re- valores fundiários e imobiliários parece bas-
quisitos são: um vasto e profundo processo de tante profícua. Mantendo tudo quanto acima refe-
expropriação da pequena propriedade campo- rimos acerca da importância fundamental do
nesa e da pequena propriedade artesanal, com processo de expropriação dos pequenos produto-
a violenta separação dos produtores dos seus. res, vejamos agora como, concretamente, vieram
meios de produção, processo este que dará lugar a criar-se as condições para o investimento ca-
à formação de grandes exércitos de força de tra- pitalista na indústria; e pressupondo como dadas
balho «livre», susceptível de ser adquirida no as condições patrimoniais e monetárias, voltemos
mercado por um salário de subsistência (ver ca- a considerar as condições sociais e institucionais
pítulo 4); e, em segundo lugar, as condições his- para a sua realização. .
A locação dos domínios feudais tinha frag- Trabalho do-
tóricas que permitiram que os grandes patrimó- miciliário e
nios comerciais e fundiários da burguesia encon- mentado a propriedade fundiária feudal numa
capital
trassem perante si, livres e baratas, as condições miríade de pequenas propriedades sobre as quais comercial
para o investimento produtivo. Se até aqui se tinha instalado e crescera o que definimos
~alisámos o processo que levou à concentra- por pequena produção parcelar camponesa, isto
ção de grandes riquezas, temos agora de estu- é, um modo de produção em que o produtor
dar aquele conjunto de fenómenos que permitiu vive e se alimenta de uma pequena parcela
a venda destas riquezas acumuladas e a sua de terra de que é rendeiro e muitas vezes
conversão em maquinaria para a indústria, espe- proprietário. Em geral, a sua relação com o mer-
cialmente têxtil, em edifícios industriais, fundi- cado está ligada à venda dos produtos da terra;
ções, matérias-primas, subsistência, etc., isto é, mas, com o aumento de intensidade das trocas
todos aqueles bens de capital sem os quais e em cOndições de prosperidade média do trab~1ho
o crescimento patrimonial da burguesia não teria agrícola, uma parte do tempo de -trabalhoexce-
tido resultados produtivos. dente do trabalhador pode ser utilizada para a
Em geral, as condições para o investimento produção doméstica de manufacturas - especial-
capitalista foram, de um ponto de vista mone- mente têxteis -, a revender no' mercado como
tário, exactamente opostas às que tinham acom. mercadorias. Isto é possível, em primeiro lugar,
panhado a primeira fase do processo de acumu- devido ao carácter ainda muito tradicional da
lação: efectivamente, à depreciação dos valores produção manufactureira, que tem como único
fundiários seguiu-se agora um aumento do preço requisito a habilidade manual do trabalhador,
da terra acompanhado por um ulterior aumento adquirida pela 'experiência do trabalho familiar
do valor dos imóveis urbanos. Torna-se então das mulheres na habitação rural. A simplicidade
anti-económico o investimento de patrimónios - relacionada com o seu carácter doméstico-
monetários nestes valores, e o capital comercial dos métodos de produção permite que sejam im-

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plantadas nas casas pequenas produções de arti- reforçar o seu monopólio sobre o mercado de
gos manufacturados em que é ocupado o tempo um determinado produto, mantendo limitadas e
da unidade económica familiar que sobra da sob controlo corporativo as unidades produtivas
produção agrícola. Este fenómeno caracteriza o de cada sector merceológico, por outro lado,
sistema de trabalho domiciliário. A passagem à abre-se aqui uma possibilidade de conflito com
produção artesanal propriamente dita é aqui limi- o momento mais especificamente comercial, para
tada pela posse da terra, que permite um certo o qual o monopólio corporativo da produção e
grau de independência económica do produtor os vínculos qualitativos e quantitativos que dele
e o põe em condições de controlar autonoma- derivam, começa a tornar-se num obstáculo ao
mente a quantidade de tempo a dedicar à ma- desenvolvimento do tráfico. O aumento do vo-
nufactura, sem que nenhuma presença externa
lume das trocas e da intensidade do comércio,
esteja em condições de chamar a si as decisões decorrentes do desenvolvimento do mercado à
a tomar, e sem que a coerção económica da sepa-
escala nacional e, em parte, internacional, pres-
ração dos meios de produção o induza a ven-
siona a organização corporativa no sentido de
der-se como força de trabalho assalariada. Ele
reduzir os obstáculos que põe ao livre desen-
pode adquirir por conta própria as matérias-pri-
volvimento das forças produtivas sociais. Te-
m:as, mesmo que o ciclo de produção só permita
a reconstituição do pequeno capital investido nha-se presente que, para lá de um certo ponto,
serão protagonistas do conflito os próprios mes-
após um período de tempo relativamente longo,
mantendo-se deste modo afastado dos processos tres artesãos, que, como mercadores empresários,
de subordinação ao capital. A base da sua inde- acharão mais lucrativo o alargamento da produ-
pendência e autonomia é, de facto, a proprie- ção do que a defesa dos seus privilégios corpo-
dade da terra. rativos. Estes mercadores capitalistas, muitas ve-
Diversa é a situação no artesanato. Vimos que zes saídos das fileiras da produção e depois
as corporações se foram progressivamente trans- progressivamente integrados nas organizações
formando de organizações de defesa do trabalha- mais determinadamente comerciais, como ás
dor artesão, face ao campo e ao poder feu- Livery Companies inglesas, estão agora interessa-
dal, em organismos em que predomina o mo- dos num afrouxamento dos vínculos impostos
mento comercial- primeiro numa base nacional pelos regulamentos do trabalho e da apren-
e, depois, internacional. Isto limitou fortemente o dizagem nas corporações artesanais; efectiva-
acesso de novos pretendentes às corporações, com mente, por um lado, interessa-lhes a proliferação
dos centros da produção e, por outro, uma rela-
regulamentos bastante rígidos da aprendizagem,
com dispêndios onerosos de dinheiro e com ção autónoma com os produtores, isto é, não
um prolongamento ilimitado do período de apren- mediada pela organização corporativa. De facto,
dizagem. Se, por um lado, isto favorece os mes- isto permite o desenvolvimento da concorrência
tres artesãos mais ricos, que deste modo podem entre os próprios produtores com plena vanta-
gem para o mercador, o qual, deste modo, bene-
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ficia de uma baixa dos custos de aquisição do mesmo no caso de o artesão ser proprietário dos
produto. meios de produção, os limites que a estrutura
Crescimento Fizemos referência ao agravamento das difi- corporativa lhe impunha para um escoamento no
do exército culdades de acesso às corporações. Daí resulta mercado, punha-o nas mãos do mercador empre-
de trabalha-
que . na base da pirâmide corporativa vem a sário, o qual só podia superar as imposições mo-
dores excluí-
dos das cor- criar-se todo um exército de aprendizes e tra- nopolistas das corporações relativamente ao mer-
porações balhadores à jorna que eram mantidos fora da cado urbano, agindo num mercado mais vasto.
corporação e dos privilégios que esta ga- Já na Inglaterra dos séculos XV e XVI se en- Trabalho do-
rantia aos seus membros, mas que agora ti- contram exemplos históricos, numa escala bas- miciliário

nham adquirido um mister e desejavam acima tante vasta, destas formas de trabalho domiciliá-
de tudo enfraquecer o monopólio corporativo rio. Dobb recorda que isto se verificou sobretudo
sobre a produção. É para esta massa de ma- nas indústrias têxteis, do couro e da pequena me-
nobra que se volta o mercador capitalista. talurgia e teve como protagonistas os grandes
A partir do momento em que a corporação exerce mercadores que dominavam as corporações dos
por lei o seu controlo sobre as actividades pro- retroseiros, dos fabricantes de tecidos, dos produ-
dutivas, para cada sector merceológico, dentro tores de tecidos de lã e dos comerciantes de peles.
das muralhas da cidade - e os governos munici- Em geral, como se vê nos exemplos que aca-
pais _. esforçavam"se por aplicar este controlo bamos de apresentar, inicialmente trata-se de sec-
punindo severamente os transgressores -, recor- tores produtivos em que não são necessários
re-se ao expediente de afectar o trabalho aos grandes investimentos de capitais para iniciar a
artesãos que viviam no campo ou, pelo menos, produção, isto é, onde a quantidade de capital
fora das muralhas que circundavam a cidade. A fixo por trabalhador é extremamente baixa e onde
base desta forma de trabalho domiciliário orien- não existe salto tecnológico entre a manufactura
tada e estimulada pelo mercador era, como vimos, de base familiar e a produção à escala industrial.
a indústria a domicílio que se tinha implan- Esta característica é importante e' a ela re-
tndo na pequena produção parcelar; mas, en- gressaremos em seguida, dado que é um ele-
quanto esta última se caracterizava pelos seus mento que desempenhou um certo papel na ex-
aspectos distintivos de independência e auto- pansão do empresário capitalista directamente
nomia, esta segunda forma de trabalho domici- a partir das fileiras do pequeno artesanato. Seja
liário teve, desde o início, particularidades total- como for, aqui a função do mercador é apenas
mente opostas. E fectivamente , era o resultado a de alargar a produção a uma escala mais
de uma ausência total de defesa do trabalhador, vasta, e não introduzir inovações tecnológicas
que muitas vezes não possuía nem matérias-pri- ou uma divisão do trabalho mais avançada.
mas, nem instrumentos de trabalho, dependendo Ele limita-se a incentivar a produção, estimulan-
inteiramente para a sua subsistência do merca- do-a com adiantamentos de dinheiro ou forne-
dor para o qual trabalhava. De quálquer modo, cendo directamente as matérias-primas necessá-

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rias à produção, mas mantendo inalteráveis as exército do artesanato propriamente dito. Neste
características técnicas do trabalho e a fragmen- .'
caso, se bem que em escala limitada, o processo
tação dos centros de produção. Interessa-lhe so- de desagregação interna do trabalho domiciliário
bretudo a proliferação da produção e o aumento tem causas autónomas. Efectivamente, em muitos
do número dos artesãos que trabalham por sua casos, o artesão não está em condições de com-
conta. Isto permite-lhe baixar a remuneração que prar por sua conta as matérias-primas de que
o artesão pode exigir pelo seu trabalho, devido necessita, que lhe são então fornecidas pelo
à pressão da concorrência, sem que tenha ainda comerciante, o qual muitas vezes adianta o di-
encargos com as despesas de gestão - edifí- nheiro necessário para o sustento do trabalhador
cios, instrumentos de trabalho, máquinas, etc.- e da sua família, para o período que precede a
que resultam da produção industrial. venda do produto acabado. Historicamente, os
Normalmente, o artesão é proprietário dos ins- artesãos eram obrigados nestes casos a hipote-
trumentos de produção e, originariamente, a rela- car o tear ou outro meio de produção que pos-
ção com o comerciante capitalista decorre apenas suíssem a favor do comerciante, como garantia
do destino do produto acabado, que é orçado a do empréstimo obtido; mas mesmo sem fazer
favor do próprio mercador antes do início do referência a estas formas extremas, tudo o que
ciclo produtivo. Neste caso, o artesão toma a seu acabámos de referir mostra bem o que restava
cargo às despesas com as matérias-primas e a da independência e da autonomia do artesão
subsistência para o período que decorre entre livre. O capitalista-mercador fornece ao traba-
o início da produção e a realização do valor do lhador as matérias-primas e apropria-se do seu
produto; isto implica uma fonte de rendimento produto em troca de um salário. A única ri-
independente da produção manufactureira que, queza que resta ao trabalhador é o instrumento
como se disse, está muitas vezes ligada à pro- de produção: a partir de fins do século XVII,
priedade de uma pequena parcela de terra que a acumulação de encargos e de hipotecas dá ori-
assegura a subsistência. Em geral, a produção gem a um processo de concentração dos meios
domiciliária mantém uma forma estável e não de produção nas mãos do mercador, que anula
dá OJ:igem a processos de proletarização dos tra- até a última aparência de autonomia do trabalha-
balhadores artesãos enquanto se mantém a pe- dor. Ele não passa agora de um trabalhador assa-
quena produção parcelar e o nível de subsistência lariado, cuja concentração e reunião em grandes
mínimo que ela garante. Quando esta desaparece, massas de operários dará origem ao processo
devido à transformação industrial' da produção de concentração dos meios de produção nas ofi-
agrícola, com ela desaparece também necessaria- cinas, sob o controlo directo do capitalista.
mente esta forma de trabalho domiciliário. Mas O que até aqui descrevemos constitui o pro- o capital co-
se a base do trabalho a domicílio é a pequena cesso de penetração do comércio na produção, e mercial tor-
na-se capital
produção parcelar, também vimos que os comer- serviu para sublinhar o crescente controlo que,
produtivo
ciantes recrutam, em grande medida, no seio do historicamente, o primeiro exerceu sobre o se-

88 89
-
e outro» 82, e prosperando devido a esse estran-
gundo. Em geral, o seu controlo sobre a produção
não altera as características tradicionais dos mé- gulamento especulativo.
O pensamento de Marx sobre este ponto é
todos produtivos, ou só começa a introduzir cri-
térios mais eficientes de divisão e reorganização muito claro, valendo a pena reproduzi-Io na
íntegra:
do trabalho quando um certo número de activida-
des afins pela estrutura merceológica são concen- «A passagem do modo de produção feudal rea-
tradas sob o controlo de um capitalista - como liza-se de duas formas. O produtor torna-se
no caso das produções de tecidos de lã, da carda- comerciante e capitalista, opõe-se à economia agrí-
dura à fiação e à tecelagem. Mas, de um ponto de cola natural e ao trabalho manual estrito em
vista estrutural, o capital comercial não tem inte- corporações da indústria medieval urbana. Este
resse em levar o processo de reorganização do é o caminho efectivamente revolucionário. Ou
trabalho, com a introdução de grandes inovações então o comerciante apropria-se directamente da
tecnológicas, para além de um certo limite: está produção. Este último processo, se bem que his-
mais interessado nas formas de troca das merca- toricamente represente uma fase de transição-
dorias nos diversos mercados do que no volume tome-se o exemplo do clothier inglês [comer-
e na extensão da produção - desde que se man- ciante de tecidos] do século XVIII, que submete
ao seu controlo os tecelões, que, todavia, são inde-
tenha a ruptura dos limites demasiado estreitos
da produção de base corporativa. E mesmo pendentes, lhes vende a lã e compra o pano - não
conduz em si e por si à revolução do antigo
quando o seu interesse pela produção é propor-
cional ao interesse pela redução dos custos de modo de produção, que, pelo contrário, conserva
e salvaguarda como sua condição. Assim, por
produção do produto, esta é garantida pelo de-
exemplo, até meados do nosso século, na indús-
sencadear da concorrência entre os trabalhado-
tria francesa da seda, na indústria inglesa das
res, que ele está em condições de realizar. De meias e das rendas, o fabricante era, em grande
resto, a sua atitude para com a produção é histo-
parte, fabricante só de nome, sendo, na realidade,
.ricamente adequada à falta de um mercado in- o simples comercIante que úeixa trabalhar os tece-
terno sujeito a pressões, que só a criação de gran- lões segundo o seu antigo sistema disseminado
des exércitos de força de trabalho livre, «livre» e que tem unicamente a autoridade do comer-
mesmo de uma relação directa e tradicional com ciante, para o qual eles na realidade trabalham.
~
a subsistência, poderá modificar; o seu interesse Este procedimento opõe-se sobretudo ao modo
só podia, portanto, dirigir-se para os tráficos es- capitalista de produção e desaparece com o seu
peculativos de mercadorias, sendo o seu objectivo desenvolvimento. Sem revolucionar o modo de
«criar um excesso de oferta no... mercado de com- produção, só piora a situação dos produtores
pra e um excesso de procura no de venda, man-
tendo um estrangulamento privilegiado entre um 32 M. Dobb, 8tudies, 011. eU.

90 91
-~-

directos, transforma-os em simples assalariados


li que tinha usurpado e vergado aos seus interesses
e proletários em condições piores do que aque- os governos das municipalidades, insurgiram-se
les que estão directamente submetidos ao capital, os artesãos na Flandres e em numerosas cida-
apropriando-se do seu sobretrabalho na base do des italianas a partir dos séculos XIV e XV - o
antigo modo de produção.» 33 desenvolvimento do capital comercial na Holanda
e Itália foi precoce relativamente à Inglaterra,
Deste parecer de Marx é importante sublinhar à França e à Alemanha. O objectivo era rea-
um aspecto: o grande mérito histórico da pro- firmar o controlo do artesanato - especialmente
dução na base do capital, é ter desencadeado o das artes menores -
sobre os governos muni-
desenvolvimento das forças produtivas sociais cipais monopolizados pelos grandes mercadores.
com o revolucionar dos métodos de produção, Assim, nos distritos de Bruges e de Dinant,
dando acesso a uma escala de produção da riqueza
na Flandres, bem como em Siena ,em 1371, uma
social nunca anteriormente atingida; por sua vez, revolta popular impôs ao governo 'da cidade uma
o capital comercial arrasta consigo todos os magistratura de artesãos, enquanto em 1378, em
aspectos reaccionários e negativos da forma-ca- Florença, não só os artesãos subiram ao poder,
pital, sem possuir o seu único aspecto positivo, como a revolta dos Ciompi levou ao governo da
o 'd_esenvolvimento das forças produtivas; por cidade os trabalhadores assalariados da indústria
este motivo, Marx afirma que da lã. Na França do século XVII, em Paris, Lião
e na Normandia a classe dos artesãos levantou-se
«o desenvolvimento autónomo do capital co- contra os comerciantes empresários pela defesa
mercial está... em relação inversa com o desen- das condições de vida e de trabalho. Nestes casos,
volvimento económico geral da sociedade.» 34 o carácter intrinsecamente reaccionário do capi-
tal comercial manifesta-se imediatamente: posto
Antes de concluirmos este ponto:- a subordi- em dificuldades pelos movimentos insurrecc!cv
nação do artesanato e do trabalho domiciliário nais dos antigos elementos da produção, alia-
ao capital comercial-, é necessário recordar em -se com o poder feudal e com a nobreza para
poucas palavras que este processo ,não se reali- a restauração da antiga ordem e, ao fazê-Io, a
zou sempre de uma forma indolor, sendo estes sua força económica unida à força militar feu-
séculos caracterizados por violentas explosões de ,'i dal tudo pode contra os modestos recursos dos
ira popular contra o poder económico e político artesãos e do povo.
dos mercadores. Contra a oligarquia mercantil , No texto acima reproduzido vimos que Marx
t define por «caminho efectivamente revolucioná-
, rio» aquele processo que leva ao aparecimento
do capitalista directamente a partir das fileiras
SS K. 1Marx,O Oapital.
da prOdução. Devemos agora deter-nos neste de-
34 K. !Manc, O OapitaJ.
~
.
92 ~ 93
senvolvimento e sublinhar o que o distingue do
O crescimento da massa da força de trabalho
processo até aqui estudado.
Nascimento livre, causado pela vedação das terras e pela ex-
Se a própria forma económica da renda em
do capita- pulsão dos camponeses, cria as condições de mão-
dinheiro e do arrendamento dos feudos cria a pos-
lista a patrtir -de-obra barata e liberta de vínculos geográficos, as
sibilidade do desenvolvimento capitalista na agri-
da produção quais permitem o aparecimento do capitalista na
cultura - se bem que em bases extremamente
agricultura, vindo das fileiras do pequeno produ-
modestas - , o crescimento dos patrimónios mone-
tor parcelar; além disso, o estímulo para o inves-
tários da burguesia, nos séculos XV e XVI, cria
as condições da sua realização concreta. Os inves- timento representado pelo mercado dá origem a
timentos na aquisição de feudos - depois da formas de «comportamento'empresarial» na gestão
queda dos valores fundiários - a que fizemos re- da produção agrícola, cuja principal expressão é o
ferência, nem sempre são realizados para fins aumento da produtividade do trabalho, devido a
especulativos; historicamente, dão acesso à for- inovações técnicas e melhorias, à reorganização e
mação de explorações agrícolas que produzem divisão mais eficiente do trabalho. Neste caso, o
em escala industrial para o mercado. Todavia, camponês, quer seja rendeiro ou proprietário da
mais do que a instalação de explorações no terra em que trabalha, pode arrendar novas ter-
campo - de início quase sempre patrocinadas ras ou adquiri-Ias, e fazê-Ias trabalhar por traba-
pelo capital comercial-, interessa-nos aqui um lhadores rurais, jornaleiros ou assalariados, evo-
efeito seu: o fenómeno da vedação das terras luindo ele próprio como comerciante que leva a
e a consequente expulsão do campo de uma um mercado cada vez mais vasto as mercadorias
vasta massa de força de trabalho camponesa. produzidas na sua exploração. O caminho lógico e
A relação do trabalhador com a terra é, de histórico vai neste caso da produção ao comércio,
facto, em regime feudal, uma relação directa, para regressar à produção, e o capital comercial,
que, mau grado os vexames da servidão feu- como forma particular de capital, é desde o iní-
dal, lhe garante um nível mínimo de subsis- cio um momento do capital industrial- uma
tência. Para o senhor feudal, ele está ligado à «fase do seu ciclo reprodutivo», dir-se-ia em ter-
terra e cresce e reproduz-se com a sua troca mos marxistas - a ele totalmente subordinado.
natural. Essa relação directa com as condições Os interesses do capital comercial não se contra-
da sua existência é quebrada pelo arrendamento põem nem podem entrar em conflito com os do
ou pela venda dos domínios. Nestes casos, o traba- capital industrial- como, nos caso~ acima refe-
lhador é expulso da terra e a sua relação com ela ridos de supremacia do capital comercial, se
só se criará de novo, onde isso puder acontecer, verificou historicamente, até ao ponto em que o
sob a nova forma histórica do trabalho assala-
próprio capital comercial se torna, num limite
riado, isto é, da total separação. dos meios de histórico ao desenvolvimento da produção à es-
produção, que agora não só são da propriedade
cala industrial-, na medida em que o capital
de outros, como estão na sua posse. comercial não é absolutamente distinto e autó-
94
9S
- - -- ----

nomo deste último, sendo simplesmente uma sua europeias, caracterizado por um excesso estrutu-
forma subordinada e transitória. ral de oferta de mão-de-obra relativamente à ca-
Mas o fenómeno da vedação das terras pode pacidade de ocupação e de emprego produtivo
atingir - historicamente isto aconteceu de uma das diferentes economias nacionais.
forma catastrófica, como veremos melhor no Este último fenómeno, ligado ao impulso
capítulo 4 - a própria produção parcelar, sobre- para o inv~stimento capitalista estimulado pela
tudo no caso de o camponês não ser proprietário abundância de capital circulante e por uma con-
da terra. Neste caso, o arrendamento ou a venda juntura do mercado de trabalho favorável ao
do domínio ao capital comercial priva-o dos seus capital, não só age como elemento dinâmico na
meios de sustento e de produção, indo também transformação da pequena produção parcelar em
ele aumentar as fileiras do exército industrial de exploração agrícola capitalista, mas produz os
reserva à procura d~ emprego, e contribuindo mesmos efeitos relativamente à transformação do
ulteriormente para comprimir, devido a uma pequeno produtor artesão. Também este processo
oferta excedente de trabalho, o nível já baixo dos faz parte daquela «via revolucionária» indicada
salários. Estes resultados são ulteriormente agi- por Marx que transforma o produtor em ca-
gantados pela ruína do tipo de vida dos campo- pitalista por acção directa. Todavia, diferente-
neses e pela queda dos salários, na segunda me- mente da pequena produção parcelar, aqui a
tade do século XVI, devida, como já referimos, transformação embate imediatamente contra a es-
à grande inflação de preços que atingiu toda a trutura de interesses representada pelas corpora-
Europa em consequência das importações maci- ções e contra o monopólio do poder político do,>
ças de metais preciosos. governos municipais, nas mãos dos grandes
Relativamente a esta questão, recorde-se que comerciantes, dando imediatamente à luta econó-
a maior liquidez que se seguiu à chegada à Eu- mica o cariz de luta política. Efectivamente, os
ropa dos metais preciosos foi considerada um po- protagonistas do ataque aos poderes das munici-
deroso elemento de estímulo para o investimento palidades e às restrições corporativas sobre a
capitalista e para o arranque da produção à produção e sobre o mercado de trabalho não
C?scala industrial. Não nos cabe averiguar se esta foram os mercadores das grandes companhias
teoria é mais ou menos verdadeira como expli- comerciais nem o elemento mercantil puro, mas
cação dos fenómenos históricos que aqui nos a nova geração de mercadores capitalistas pro-
interessam - a famosa «inflação dos lucros» de venientes das fileiras da produção. O capital
que fala Lord Keynes; o que é, todavia, im- comercial está verdadeiramente interessado num
portante sublinhar - deixando-o, por outro lado, certo enfraquecimento dos vínculos corporativos
nesta forma um pouco apodíctica - é que a acção com vista a uma redução dos custos de produção
estimulante da abundância de capital circulante das mercadorias através da concorrência entre os
foi tanto mais forte em virtude da especificidade produtores; todavia, para lá de um certo ponto, a
do mercado de trabalho de numerosas nações erosão do poder das corporações, dominadas,

96 T
97
juntamente com os governos municipais, pelo ele- pentino dos valores fundiários e imobiliários e a
mento comercial, arrasta também no seu declínio queda vertical dos salários orienta agora o inves-
a supremacia do capital comercial sobre a pro- timento para formas produtivas (trabalho domi-
dução. Enquanto permanece sob a forma de tra- ciliário, oficinas, etc.). Historicamente, isto não
balho domiciliário, o controlo que o comércio deixa de ter resultados, até no que se refere à
pode exercer sobre os produtores é total, e este forma institucional do conflito. Efectivamente, no
cerco do campo contra a cidade das corporações século XVI, as modificações internas da estrutura
traz vantagens aos interesses comerciais; quando corporativa em consequência do desenvolvimento
assume a forma de capital industrial, o elemento do antagonismo de interesses entre velhos comer-
comercial dispõe-se, e não pode deixar de o fazer, ciantes monopolistas e a nova classe empresa-
a defender as corporações e os poderes tradi- rial dos artesãos ricos, desemboca na fundação
cionais das municipalidades. de novos organismos corporativos, paralelos e
Já fizemos referência à contraposição de um antagonistas das antigas corporações, nascidos
elemento produtivo e de um elemento comercial para defender o elemento produtivo da hegemo-
na figura do artesanato. O artesão rico, seja ele nia do comércio especulativo. Tal é, por exemplo,
mestre ou não, monopoliza o comércio por grosso o caso da Companhia dos Luveiros, em Inglaterra,
de um determinado sector merceológico e sepa- nascida de ~a cisão dos Mercadores do Couro,
ra-se da produção. Em condições iguais de possi- o dos fabricantes dos chapéus de feltro, de alfi-
bilidade de investimento produtivo em capital netes, dos relojoeiros e dos fabricantes de sedas,
fixo e força de trabalho, fica por provar se o que se tomaram independentes da Companhia
artesão rico se transforma em capitalista indus- dos Têxteis: etc. Estas novas organizações visa-
trial ou em capitalista comercial. Todavia, his- vam defender os interesses dos produtores; mas,
toricamente, a diversificação e o curso da trans- muito rapidamente, também elas caíram sob
formação são o resultado de elementos económi- o controlo de uma oligarquia restrita, embora
cos bastante concretos. Até ao século XVI, o neste caso já não representada pelo velho ele-
baixo custo dos bens fundiários e o elevado valor mento comercial, mas pelo novo momento empre-
da força de trabalho estimulam mais a aquisi- sarial da produção.
ção dos feudos com função especulativa do que Em geral, a transformação directa do pro- A manufac-
o investimento produtivo. De resto, isto é tam- dutor em capitalista industrial realiza-se mais tUfa
bém resultado dos encargos que ainda agravam facilmente onde ainda. não se verificou o salto
os instrumentos de produção, cuja relação com tecnológico do artesanato para a indústria e
o produtor continua a ser muito estreita, o que fa- onde, portanto, não são necessários grandes
cilita a transformação do artesão rico em puro investimentos de capital. Tal é, por exemplo, o
comerciante e a sua organização em companhias caso da transformação do trabalho domiciliário
comerciais. O caso inverso verifica-se a partir da ou da oficina artesanal em manufactura, ou seja,
segunda metade do século XVI. O aumento re- onde, permanecendo imutáveis as características

98 99
técnicas da produção, a função do capitalista da indústria domiciliária é a pequena produção
parcelar. A dissolução desta forma operada pelos
é apenas reunir num edifício os meios de
grandes processos de vedação das terras que se
produção e os trabalhadores anteriormente dis-
seguiram à organização industrial da produção
persos numa vasta área, racionalizando em pri-
agrícola e à venda dos domínios feudais, dissolve
meiro lugar o momento distributivo, isto é, dimi-
nuindo o custo dos transportes. As dificuldades o núcleo em que se apoiava a autonomia econó-
mica. do trabalhador domiciliário. Agora, ele cai
de acesso do pequeno produtor independente às
fontes de matérias-primas e em levar para o sob o domínio do capitalista. Inicialmente, o. capi-
talista limita-se a adiantar ao trabalhador as
mercado as suas mercadorias, são agora supe-
radas e resolvidas pelo capitalista, que, assim, matérias-primas e apropria-se do produto aca-
bado, permanecendo a fragmentação da produ-
pode desenvolver a sua crescente função de con-
ção com base no trabalho domiciliário. Depois os
trolo da produção, na medida em que as difi-
trabalhos domiciliários são concatenados, isto é,
culdades a que nos referimos aumentaram, não
inseridos num processo produtivo que tem ainda
podendo ser superadas pelos trabalhadores iso-
lados. lugar dentro das paredes domésticas, mas que
~ interessante notar a este respeito que no já permite formas mais avançadas de especiali-
zação, ou seja, em que a cada trabalhador é con-
caso \em que, pelo contrário, são necessários
fiada uma tarefa exclusiva que terá de repe-
grandes investimentos de capital em sectores de
elevada intensidade de capital por trabalhador- tir incessantemente e que o afasta cada vez
como no caso da indústria extractiva, da fundição mais do produto acabado; aqui não se verifica
ainda, verdadeiramente, uma divisão elaborada do
e trabalho dos metais, etc. - ,em geral não é o
trabalho, que leva, através de fases sucessivas-
elemento produtivo que adquire forma industrial,
mas sim o elemento comercial, que, por outro concatenadas, não objectivamente, mas sim, pela
lado, forja a estrutura societária destas empresas vontade e controlo do capitalista -, do produto
à sua imagem e semelhança, de acordo com os semi-acabado ao acabado. ~ este, por exemplo, o
seus interesses comerciais e especulativos: no sec- caso da produção de tecidos de lã, em que o capi.
tor "mineiro e metalúrgico de base, já no final talista põe em marcha o processo que tem início
do século XVII, são numerosas as indústrias or- com a fiação da lã bruta que fornece ao primeiro
trabalhador, e a que se segue a tecelagem e a
ganizadas na base de formas accionárias de pro-
tintura do tecido, dentro das diferentes unidades
priedade, em que entram e saem capitais de
produtivas domésticas, cada uma das quais com
origem comercial e especulativa. Mas trata-se de
casos bastante limitados: no século XVIII, a in- a sua tarefa especializada muito precisa. ~ im-
dústria domiciliária é ainda a forma dominante portante sublinhar aqui que a especialização das
tarefas acelera o processo de diferenciação dos
da produção controlada pelo capital, mal se
começando a falar do desenvolvimento. da manu- instrumentos de trabalho, que são simplificados
e aperfeiçoados, adaptando-os às funções exclu~
factura propriamente dita. Como se dizia, a base
101
100
sivas destas tarefas parciais: esta é a base para
I à natureza qualitativa do produto como valor
de uso;
a construção das máquinas, que são, fundamen-
talmente, uma combinação racional de instru- em relação à sua forma, porque o trabalho
mentos mais simples e altamente diferenciados. é agora isento de qualificações profissionais e é
Finalmente, o capitalista reúne as diferentes simultaneamente resultado e pressuposto de um
tarefas, fragmentadas e simplificadas na base do elevado intercâmbio de tarefas laborais. Isto
trabalho doméstico, numa estrutura única, com é adequado à manipulação e reorganização
o objectivo de aumentar o controlo sobre o tra- fragmentada do trabalho operadas pelo capital
balho e a divisão racional das tarefas. Inicial- na indústria moderna. Pode dizer-se então, vol-
mente, nada distingue a nova manufactura da tando à nossa exposição, que a passagem do tra-
oficina doméstica, a não ser a concentração de balho domiciliário à manufactura sanciona - de
trabalhadores e instrumentos de produção; mas, um ponto de vista sociológico -
um aumento de
enquanto permanecer encerrado nas paredes do- abstracção do trabalho, o que permite uma maior
mésticas ou na oficina privada, o trabalhador especialização e diferenciação das tarefas produ-
está ainda em estreita relação com a estrutura tivas, ou seja, a ruptura da relação consuetudi-
profissional do seu. trabalho, sancionada pela tra- nária do trabalhador com as tradições produtivas
dição familiar e corporativa. Por sua vez, o capi- familiares e corporativas.
Mas o verdadeiro salto qualitativo relativa- Da manufac-
talista tem interesse em aperfeiçoar os instru-
tura à indús-
mentos e os métodos de produção; a concentra- mente ao trabalho doméstico é representado pela tria
ção de trabalhadores na manufactura permite ao introdução das máquinas no processo produtivo.
capitalista exercer ulteriormente o seu controlo O seu aparecimento determina numerosas con-
sobre o trabalho, rompendo a relação com a tra- sequências: de um ponto de vista económico, a
dição profissional e introduzindo critérios inova- passagem do trabalho domiciliário à produção
dores, que posteriormente especializam as tarefas à escala industrial- e, portanto, a trapsformação
e reduzem os tempos mortos da laboração, homo- do produtor independente em capitalista - é limi-
geneizando as fases do processo produtivo num tada pelo salto tecnológico que requer um inves-
processo contínuo e sem atritos: o que significa timento de capital necessário para manter a pro-
que os custos de produção diminuem. dução competitiva em termos de custos. Efec-
o trabalho Marx, falando do proletariado moderno, define tivamente, como veremos melhor, uma carac-
abstracto o trabalho do operário na organização capitalista terística geral da introdução das máquinas é a
da produção, como trabalho abstracto. A abr,- redução dos custos de produção unitários do
tracção do trabalho dá-se quer em relação ao produto. Isto provoca uma primeira selecção rela-
seu conteúdo, quer em relação à sua forma: tivamente às possibilidades de acesso do mo-
em relação ao seu conteúdo, porque o traba- mento produtivo à gestão capitalista da P"O'
lhador é indiferente (como pura mercadoria que dução; assim, do ponto de vista de uma SOCIO-
se vende no mercado e trabalha por um salário) logia do trabalho, a introdução das máquinas na
103
102
tante tentativa do capitalista de reduzir os cus-
produção - na medida em que elas representam
a união de um conjunto de instrumentos de pro- tos de produção do produto, estimulando a pro-
dução simples subtraídos às mãos do trabalhador dução científica e pressionando-a com a sua exi-
gência, socialmente útil, de aplicação tecnológica
_
e reunidos mecanicamente num complexo racional
faz evoluir ulteriormente os processos de ra-
cionalização e reorganização do trabalho, limi-
das descobertas da ciência, o que se estrutura
nas máquinas como domínio do capital fixo sobre
tando as tarefas do trabalhador à sua regulação o trabalho.
puramente objectiva e mecânica. Portanto, nesta «A evolução do meio de trabalho em má-
base, o controlo do capitalista sobre a produção quinas - escreve Marx - não é acidental para o
objectiva-se no ritmo de um puro processo me- capital, mas é a transformação "e conversão his-
cânico ao qual se devem adequar os actos do tórica do meio de trabalho herdado da tradição
trabalhador no processo produtivo. :e certo que numa forma adequada ao capital. A acumulação
a" subordinação do trabalhador ao capital fixo da ciência e da aptidão, das forças produtivas
só poderá realizar-se totalmente quando as pró- gerais do cérebro social, permanece, af>sim, rela-
prias máquinas forem movidas pela força me- tivamente ao trabalho, absorvida no capital, apre-
cânica e, assim, reunificadas no «sistema das sentando-se por isso como propriedade do capital
máquinas», mas encontramos aqui em embrião e, mais precisamente, do capital fixo, na medida
a forma objectiva deste desenvolvimento. em que ele entra no processo produtivo como
o tear Só para dar um exemplo que nos permita ava- meio de produção propriamente dito... Portanto,
mec§nico liar as transformações originadas pela utilização o pleno desenvolvimento do capital só tem lugar
das máquinas na produção, chamamos a atenção - ou o capital logrou determinar a forma de
do leitor para a introdução do tear mecânico na produção a ele adequada - quando o meio de
indústria têxtil. Se pensarmos que a descoberta trabalho não só é determinado formalmente como
de William Lee, pároco de Nottinghamshire, punha capital fixo, mas é suprimido na sua forma ime-
um trabalhador em condições de, com o seu tear diata, e o capital fixo se apresenta face ao tra-
mecânico, tecer- como recorda Dobb - de 1000 balho, no interior do processo de produção, como
a 1500 malhas por minuto, enquanto a média máquina; e o processo global de produção não
precedente da tecelagem manual não permitia surge como subordinado à aptidão imediata
mais do que 100 malhas por minuto por traba- do operário, mas como emprego tecnológico da
lhador, teremos uma ideia do que significou esta ciência. Dar à produção carácter científico é, pois,
invenção para o desenvolvimento da indústria têx- a tendência do capital, sendo o trabalho ime-
til em Inglaterra, e de que processos de expulsão diato reduzido a um simples momento deste pro-
cesso» 88.
e reorganização do trabalho ela originou.
De resto, para concluir este ponto, o impulso
para as inovações tecnológicas se aplicarem ao 88 K. Marx, Grundrl8S6 àe8 Kritik der politischen
Okonomie.
processo produtivo resulta directamente da cons-

104 105
Esquema Antes de terminar este capítulo, passamos
das condi- pensáveis para o desenvolvimento capitalista da
agora a resumir num quadro de conjunto as con- produção.
ç6es para a
passagem ã dições gerais até aqui analisadas para o desen-
produção ca- volvimento da produção na base do capital. Por b) Em simultaneidade com a importante ta-
pitalista comodidade de exposição e para maior clareza, refa de unificação do merca,do nacional, o capital
parece útil proceder a uma divisão dos pontos comercial desenvolve ainda a função de dar iní-
relativos aos diferentes argumentos. cio ao processo que devia levar ao enfraqueci-
mento do monopólio das corporaçõesartesanais
sobre a produção. Vimos como a estrutura cor-
a) A estrutura localista do mercado citadino
porativa constituía um enorme travão para o de-
a que aflui o excedente da produção de base
senvolvimento da produção e das forças produ-
doméstica ou artesanal, limita o desenvolvimento
tivas, na medida em que limitava as possibilida-
de uma procura social estável, na medida em
que liga a dinâmica dos preços às conjunturas
des de trabalho de uma corporação - regida por
normas severíssimas sobre a aprendizagem -, ao
locais da produção agrícola, impedindo que o mesmo tempo que obrigava o trabalhador, directa
cômputo dos custos de produção do produto se e indirectamente, ao respeito de determinadas
estruture' como fundamento sólido da determina- técnicas produtivas ligadas à tradição. A desa-
ção do preço das mercadorias. Deste modo. a gregação do monopólio corporativo sobre o tra-
relação de troca não pode adquirir forma objec- balho abre a via à sua utilização produtiva à
escala industrial.
tiva e regras fixas segundo as quais a produção de
massa possa desenvolver-se e consolidar-se, e a
c) Mas, para além de um certo ponto, o ca-
troca de mercadorias permanece ainda presa à
pital comercial não está interessado em destruir
pura troca de valores de uso excedentés rela-
aquelas bases corporativas e monopolistas sobre
,tivamente ao consumo privado. Além disso, as as quais edificou o seu poder, tornando-se ele
limitaçqes do mercado, citadino ou da aldeia próprio um limite à produção na base do capital.
rural, comprime a produção dentro dos limites de Este deverá então desvincular-se da subordinação
uma procura social muito limitada e restrita, ao capital comercial e alcançar uma forma autó-
vindo deste modo a faltar o estímulo para a ex- noma: trata-se, historicamente, do caso da for-
pansão da produção. A tarefa de enfraquecer os mação do capitalista industrial directamente saído
limites localistas e os monopólios do mercado das fileiras da produção.
foi historicamente assumida pelo capital comer.
cial, a quem cabe o mérito da criação de um d) Enquanto a riqueza social permanecer so-
mercado nacional unificado e de uma :procura lidamente nas mãos da aristocracia feudal, não
social estável e diferenciada, condições estas indis- se dão as condições monetárias e materiais para
que o investimento capitalista possa ter lugar.
106
107
- - --

A condição do seu desenvolvimento é, por- Resumimos aqui as condições gerais para a


tanto, um grande processo de concentração da génese da produção capitalista; vamos agora ana-
riqueza nas mãos da burguesia que, expropriando lisar a última condição, a mais importante e fun-
os antigos proprietários, dá azo à formação do!'. damental: o aparecimento do proletariado mo-
patrimónios monetários indispensáveis ao m- derno e do mercado interno que ele criou para
vestimento. De resto, isto pressupõe uma .tis- os produtos da produção industrial capitalista.
ponibilidade de meios de trabalho e de subsis-
tência adquiríveis com dinheiro, cuja libertaçã::>
é o resultado dos processos de dissolução que
afectam, na agricultura, a pequena produção
parcelar e, no artesanato, a figura do pequeno
produtor independente.

e) Estudámos como a crise económica da no-


breza levou ao arrendamento e venda dos domí-
nios feudais. Na sua base desenvolveram-se, quer a
pequena produção parcelar, quer explorações agrí-
colas em que trabalhavam operários assalariados.
Com o aumento do investimento capitalista na
agricultura, o grande processo que levou à frag-
mentação da antiga propriedade feudal numa mi-
ríade de pequenas propriedades economicamente
autónomas umas das outras, é bruscamente inter-
rompido. A possibilidade de uma administração
economicamente racional das explorações agrí-
colas pressupõe grandes extensões de terrenf),
nas quais serão implantadas técnicas mais avan-
çadas de cultivo. O processo que se seguiu ao
fenómeno da centralização e vedação das terras
expulsou do campo grandes massas de força de
trabalho que formaram o exército industrial de
que a produção capitalista necessitava, estabele-
cendo deste modo as premissas para a criação de
um mercado interno para os produtos que a ma.
nufactura nascente produzia.

108 109

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