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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA


DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

PEDAGOGIA
LICENCIATURA PARA AS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

EDUCAÇÃO INDÍGENA
NELBI ALVES DA CRUZ

PORTO VELHO – RO
2014
1

Educação Indígena

Nelbi Alves da Cruz

PORTO VELHO-RO
2014
2

DESENVOLVIMENTO DA DISCIPLINA

UNIDADES DE TEMÁTICAS OBJETIVOS


ENSINO
I- Os povos indígenas Aspectos Compreender a
no Brasil socioculturais, políticos constituição dos povos
e econômico dos indígenas brasileiros os
povos indígenas fundamentos da educação
do campo
II- História da Concepção, valores, Identificar o percurso e as
Educação indígena. organização e principais características
funcionamento da da educação escolar dos
educação escolar dos indígenas.
povos indígenas.
III- As políticas Programas e projetos; Perceber historicamente os
públicas para Legislação relativa à as políticas de estado e de
atendimento a estes educação indígena governo realizados na
povos. educação indígena.
IV- Currículo bilíngue e Currículo e Refletir currículo e
Interculturalidade para Interculturalidade interculturalidade.
educação indígena Caracterizar o currículo
existente na educação
indígena.

AVALIAÇÃO

A avaliação será contínua no decorrer do processo de ensino e aprendizagem,


por meio dos questionamentos realizados nos fóruns, chat e envios das
atividades ao tutor, levando em consideração:
• Participação constante no fórum de debate.
• Envio das atividades solicitadas ao tutor nas datas previstas.
• Entrega nas datas previstas das atividades e do trabalho final.
Relatório final das atividades indicadas
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1 INTRODUÇÃO

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante


De uma estrela que virá numa velocidade estonteante.
E pousará no coração do hemisfério sul, na América,
num claro instante.
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais
avançadas das tecnologias
Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi.
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranquilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Gandhi, virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito.
E aquilo que nesse momento se revelará aos povo
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio.
Caetano Veloso.

A denúncia-renúncia-anúncio nas palavras cantadas por Caetano traz à


baila o pensamento comum e óbvio enxergado por poucos. O ideário global,
trim trim se espalhou como rastilho de pólvora de cabeça em cabeça,
disseminando “mentiras” que, com o tempo acabaram tornando-se “verdades”.
Talvez alguns poucos vejam quando a global enfatiza o índio e como o faz. O
bom senso cala-se quando se fala em nações indígenas. A ignorância exótica
que circula distancia humanos e também os não humanos. A Ameríndia clama
por justiça, pela falta de terra, por espaço, por respeito à sua cultura e todos os
abusos e usos tidos para com seus povos.
A educação indígena é palco de reflexões polêmicas sobre sua forma de
execução, visto que há uma colonialidade do saber eurocentrada, ditando
regras comportamentos, conhecimentos, formas de ação, entre outros
aspectos inerentes a esta perspectiva. Desse modo, os saberes indígenas
acumulados historicamente por suas etnias têm-se esvaídos diante do poderio
das ideias e pensamentos filosóficos ocidentais.
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No Brasil, desde a ”invasão” portuguesa, nos anos de 1500, é que se


convive com esse desrespeito aos saberes-fazeres indígenas. A forma como
educam suas crianças no/para o trabalho, na sobrevivência com as intempéries
climáticas, os valores, o respeito às divindades, o xamanismo, a convivência
com a floresta, a relação com animais, entre outros aspectos da vida de uma
etnia, tem mostrado a capacidade desses povos de proteção da natureza e a
relação harmoniosa que mantém com os ciclos vitais desse território de
ocupação há algum tempo. Os Incas, os Maias e os Astecas comprovaram
suas organizações e relações bem mais pacíficas com a natureza do em
tempos atuais.
A usura, ganância, interesses econômicos, entre outras características
dos não índios, que aqui aportaram suas caravelas, trouxeram, de certo modo
a compreensão do indígena como um povo sem cultura, sem alma,
desprovidos de conhecimentos, ignorantes, entre outros adjetivos. Com isso
estes poderiam e deveriam ser caçados como “bichos” para servir de mão de
obra para a incipiente agricultura que se iniciava nos anos quinhentocentistas.
A história tem mostrado atrocidades cometidas em nome dessa
ocupação sem limites feita pelo colonizador e, até os dias atuais, ainda se
mostra nas aldeias. Vê-se que seus membros morrerem de fome, doenças
comuns, suicídios, entre outras formas, pois o estado brasileiro ainda não deu
conta da importância dos povos indígenas para a constituição da nação
brasileira. O descaso como são tratados esses povos tem mostrado que nos
inúmeros governos até então existido, sempre os colocaram em planos
inferiores, diferentemente do tratamento dado aos latifundiários e toda a
aristocracia rural.
Os conflitos existentes para a demarcação de suas terras, atendimento à
saúde, oferta de educação de acordo com seus valores e necessidades, ou
seja, o respeito aos seus direitos, tem estado na pauta do dia nas
reivindicações das organizações e movimentos indígenas dispersos no País.
Recentemente, na Região Norte de Mato Grosso, mês de janeiro de 2015, os
indígenas protestaram contra a falta de respeito e assistência à saúde das
aldeias, fechando a BR que dá acesso ao estado do Pará, mostrando as
condições que estão vivendo naquela região. Infelizmente é lamentável que
somente dessa forma esses povos conseguem ser atendidos em suas
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necessidades e, em um “estado democrático de direito” é preocupante a


maneira que o governo se utiliza da força para tratar a questão indígena.
Esses grupos humanos, que ainda resistem em seus territórios, estão
reduzidos a alguns milhares, moram em reservas ou áreas indígenas, praticam
uma agricultura simples e modificaram seus valores e tradições. A visão
tradicional ou romantizada daquele índio nu, morando em ocas, vivendo da
caça e pesca, isolado, entre outras características desse ideário foram
transformadas em outra figura que fica entre os costumes e tradições
acumuladas com o aprendizado da cultura não índia, veiculada, principalmente
pela grande imprensa que pertence à classe que domina.
Os estereótipos criados dão conta que não existem mais índios e que
este já está incorporado à cultura não índia. Como deve ser a educação
indígena? Que valores precisam ser cultivados e ensinados? Qual o papel da
educação diante dos desafios contemporâneos vividos pelos povos indígenas?
Que relações são necessárias para que se construa uma educação indígena
de acordo com as necessidades e a cultura desses povos aldeados ou não?
Antônio Brand, prefaciando Dalmolin (2004, p. 13) diz que:

A escola como instituição não-indígena é efetivamente percebida


pelos povos indígenas como espaço estratégico e como instrumento
auxiliar de crescente relevância no fortalecimento da sua autonomia.
[...] Cada comunidade modelará o espaço escolar de acordo com
suas expectativas e demandas.

A educação dos povos indígenas, do campo e outros excluídos está na


pauta dos movimentos socioculturais no Brasil e América, inserida num
contexto maior de mobilização, para que mude a forma monocentrada que é
tratada a educação para uma perspectiva da multiplicidade e do diverso.
As principais etnias que ainda resistem no estado de Rondônia são os:
Arara, Aikanã, Amondawa, Canoé, Gavião, Karitiana, Kaxarari, Migueleno,
Nambikuara, Oro At, Oro Eo, Oro Mon, Oro Nao, Oro Waje, Oro Waran, Oro
Waran Xijein, Oro Wari, Oro Win, Uru Eu Wau Wau, Tupari, Puruborá e Aruá.
Cada uma delas tem sua identidade, história e tradições, exigindo estudos
posteriores para compreendê-las em suas essências.
Muitas vezes a educação indígena esteve atrelada à educação do
campo, visto que, como ocorre, em específico, no estado de Rondônia, os
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indígenas são matriculados em escolas de não índios, sendo que esta não está
preparada se quer, para atender os filhos dos trabalhadores do campo. A
escola indígena ainda não possui professores qualificados para educar na
língua materna desses povos, visto que há poucos falantes. Assim, embora
haja uma legislação que obriga o poder público a oferecer uma educação
específica para esses povos, o horizonte se afasta daqueles que mais
precisam da assistência estatal.
Os cursos de formação para professores indígenas feitos por ONGs,
Secretarias de Educação municipal, estadual e federal tem auxiliado na
conquista legais da Constituição. Também as universidades com os cursos de
Licenciatura na educação básica Intercultural já começa a formar seus
primeiros professores, dando sinais que o horizonte pode diminuir suas
distâncias.
Assim, a educação indígena sob a ótica da interculturalidade,
vivenciando o bilingüismo, conforme os direitos dos povos indígenas,
representa certa dificuldade, pois em tempos de contemporaneidade há poucos
falantes, correndo o risco de cair no esquecimento. Portanto, exponenciar os
falantes da língua materna indígena continua a ser um projeto que dá seus
passos em direção à utopia.
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UNIDADE I

OS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,


2010), os 230 povos indígenas contabilizados- 241, segundo o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) (2011), somam 817.963 pessoas. Destas
315.180 vivem em cidades e 502.783, em áreas rurais. Em 1991 esse
quantitativo de indígenas era de 294 mil pessoas, em 2000 somavam 734 mil
indivíduos que se autodeclaram indígenas.

Aldeia indígena

O estado do Amazonas se destaca com uma população de 168 mil


pessoas. Roraima representa o estado com maior percentual de indígenas,
ficando com 11% de todo o seu estado (BRASIL, 2011).
Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a população
indígena está distribuída em “683 terras indígenas” e algumas áreas urbanas.
Há também 77 referências de grupos indígenas não contatados, das quais 30
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já foram confirmados. Aqui se reflete sobre o porque de tal estatística, visto que
ao mostrar que indígenas são urbanos poderá ser justificada a não
necessidade da terra para esses povos. Para o senso comum a representação
de indígena ainda é presente a imagem é de uma pessoa que usa pouca ou
nenhuma vestimenta, vive da caça e da pesca, não trabalha.
Esse aumento da população indígena, segundo Maracci (2012) é
atribuído a melhoria da forma de coletar os dados pelo IBGE; a atuação
fundamental das populações indígenas, de suas lideranças; uma nova
consciência étnica-política; a interação da população indígena com outros
movimentos sociais; pressão dos antropólogos, juristas, cientistas políticos,
missões religiosas e Organizações Não Governamentais (ONGs); a alta
fecundidade derivada de determinantes culturais, associada à queda da
mortalidade; e, a recuperação demográfica consciente ou intencional (da qual
são exemplos os yanomami e os guarani-mbya), entre outros.
A FUNAI, órgão que tem acompanhado o processo de apoio aos povos
indígenas no País, (Mapa 1) está localizada em quase todos os estados da
Federação.

Mapa1–Distribuição dos postos da FUNAI

Fonte: FUNAI (2014).


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Como se percebe a FUNAI está presente na maioria dos estados do


País e tem acompanhado as lutas e problemas das populações indígenas
brasileiras. Porém, na história da instituição já ocorreram casos de dirigentes
que não são aceitos pelos caciques e o povo, havendo protestos por suas
saídas, como recentemente ocorreu no mês de janeiro, no norte do estado de
Mato Grosso.
Os indígenas estão presentes em quase todos os estados da Federação
e Distrito Federal (Tabela 1), falando variadas línguas e, insistentemente
resistem à sua extinção. Porém, não conseguem ficarem ilesos às influências
da cultura eurocentrada que os acompanham desde os anos de 1500,
conforme a história brasileira nos tem mostrado.
Tabela 1
DISTRIBUIÇÃO DE POVOS INDÍGENAS
Povo População Língua Estado
Estimada
Juma 5 Tupi-Guarani AM
Akuntsu 6 Tupari RO
Aruá 92 Mondé RO
Amanayé 87 Tupi-Guarani PA
Xetá 86 Tupi-Guarani PR
Avá-Canoeiro 16 Tupi-Guarani TO/GO/MG
Aricapú 32 Jabuti RO
Kulina 20 Pano AM
Aranã 54 ? MG
Karipuna 21 Tupi-Guarani RO
Kwazá 40 Koazá RO
Galibi do Oiapoque 28 Karib AP
Diarroi 50 Tupi-Guarani AM
Jiahui 88 Tupi-Guarani AM
Oro Win 56 Txapakura RO
Kanoê 95 Kanoe RO
Banawá 101 Arawá AM
Korubo 26 Pano AM
Krahô-Kanela 83 Jê TO
Kujubim 55 Txapacura RO
Matipu 103 Karib MT
Murity-Tapuya 75 Tukano AM
Naruvotu 81 Karib MT
Ofaié 61 Ofayé MG
Puruborá 62 ? RO
Sakurabiat 84 Tupari RO
Tapayuna 58 Jê MT
Turiwara 60 ? PA
Uru-Eu-Wau-Wau 100 Tupi-Guarani RO
Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral
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Como se nota na tabela, o quantitativo de indígenas por grupo não


passa de 103 pessoas, havendo aqueles que somam apenas 5 indivíduos
falantes da referida língua.
A distribuição das áreas de terras indígenas em todo o País (Quadro 1),
está concentrada na Região Amazônica, que de acordo com a FUNAI, devido
ao reconhecimento ocorrido pelo Governo Federal. Essas terrasatingem
aproximadamente 12% do território nacional. No entanto, esse percentual ainda
não é suficiente para a preservação da vida indígena.

O Quadro mostra que nas Regiões Sul e Sudeste estão 10% e 6% das
terras indígenas, respectivamente. Tal fato ocorre devido a concentração da
população não-índia, houve historicamente pressões sobre os povos indígenas
que foram se afastando do litoral e adentrando as matas do sertão.
Coincidentemente, na Região Amazônica, pouca densidade demográfica
branca, a presença indígena é mais marcante.
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Gráfico 2
População indígena da Região Norte do Brasil

Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil. Acesso em dezembro de 2014.

Também o habitat indígena em floresta auxilia nesse processo, visto que


ainda há, devido à criação de parques nacionais a as áreas de preservação
Nesse contexto, inaugurou-se um novo marco constitucional que impôs
ao Estado o dever de demarcar as terras indígenas, considerando os espaços
necessários ao modo de vida tradicional, culminando, na década de 1990, no
reconhecimento de terras indígenas na Amazônia Legal, como as terras
indígenas Yanomami (AM/RR) e Raposa Serra do Sol (RR). Também o Parque
do Xingu entra nesse processo de demarcação de terras indígenas.
Há uma classificação quanto às terras indígenas e segundo os preceitos
legais são:
Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas: São as terras
indígenas de que trata o art. 231 da Constituição Federal de 1988,
direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação
é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.
Reservas Indígenas: São terras doadas por terceiros, adquiridas ou
desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos
povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da
União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional.
Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos
estados-membros, principalmente durante a primeira metade do
século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional.
Terras Dominiais: São as terras de propriedade das comunidades
indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio,
nos termos da legislação civil.
Interditadas: São áreas interditadas pela Funai para proteção dos
povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de
restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição da
área pode ser realizada concomitantemente ou não com o processo
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de demarcação, disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.(CF/88,


LEI
6001/73 – ESTATUTO DO ÍNDIO, DECRETO N.º1775/96)

Essas terras quantitativamente se distribuem pelo território nacional


sendo: 6 áreas interditadas que abrangem 1.084.049,000 ha; 6 dominais com
31.070,7025 ha; 30 reservas indígenas com 33.358,7036 ha; e, 544 áreas
tradicionalmente ocupadas com 111.963.634,4401 ha.
De acordo com informações da FUNAI, existem ainda áreas em estudos
feitos por antropólogos, historiadores, entre outros profissionais para
fundamentarem a identificação e a delimitação da terra indígena; áreas
delimitadas que já foram aprovadas pela FUNAI e aguardam a portaria da
posse tradicional indígena; áreas declaradas, que são terras portariadas e
estão autorizadas para serem demarcadas fisicamente; áreas homologadas,
que têm seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação
administrativa foi homologada por decreto presidencial; áreas regularizadas
que já estão registradas em Cartório da União e na Secretaria do Patrimônio da
União; e, as áreas interditadas, que possuem restrições de uso e ingresso de
terceiros para a proteção dos povos indígenas. Essas áreas em vias de serem
integradas aos povos indígenas estão assim distribuídas:
Tabela 2
Áreas de terras indígenas em processo judicial
FASE DO PROCESSO QTDE SUPERFÍCIE(ha)
Delimitada 38 2.307.660,9105
Declarada 66 4.535.583,0971
Homologada 14 531.917,0096
Regularizada 426 104.588.473,4229
Total 544 111.963.634,4401
Em estudo 129 0,0000
Portaria de interdição 6 1.084.049,0000
Fonte:http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em dezembro
de 2014.
A concepção e visão indígena sobre a terra, caminha no sentido de que
cada povo indígena mantenha sua própria língua, costumes e formas de
explicar os fatos, coisas, objetos e suas divindades, ou seja, sejam
reconhecidos como indígenas. O mapa ajuda na visualização e compreensão
das terras indígenas brasileiras.
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Mapa 2- Distribuição das terras indígenas

Fonte: IBGE (2010).

A ausência de terra para os povos indígenas ou a destruição de sua


fauna e flora, os tornam vulneráveis e acabam entrando em vícios. Destaca-se
que as condições vividas por esses povos, geralmente está sendo de extrema
miséria.
A violência do capital tem levado aldeias inteiras ao desfacelamento.
Estados como o Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Tocantins tem presenciado a violência praticada por
fazendeiros, empresas agropecuárias, usinas hidrelétricas construídas
recentemente e, principalmente as ações do agronegócio agrícola, que tem
poluído rios, córregos e lagos, por meio da aplicação de pesticidas, via aérea.

QUESTÃO INDÍGENA EM RONDÔNIA

O estado de Rondônia, fica localizado na Região Norte do País, com


uma área de 237.576 km², limita-se com os estados de Mato Grosso, Acre,
Amazonas e com a Bolívia. Possui uma população aproximada de 1,749
milhões de habitantes, que tem como característica principal uma grande
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diversidade, principalmente pelo fato de ter sido constituído por sua grande
maioria por migrantes vindos de todas as regiões do País1, estando distribuída
em seus 52 municípios. De acordo com Sampaio; Silva (1997, p.23):o estado
de Rondônia:
Foi ocupado por fluxos migratórios, geralmente movidos por
interesses econômicos. O primeiro fluxo migratório aconteceu
durante o Século XVII; vindo particularmente de Cuiabá, buscava
escravizar índios. O segundo fluxo, no século XVIII, buscava ouro. No
final do século XIX, foi a vez do ouro negro, a borracha, atividade que
declinou a partir da década de 1910-1920. A estes fluxos migratórios
seguiam-se períodos de calmaria, quando o índio vivia uma paz
relativa, abandonando as margens dos grandes rios ao colonizador.
Porém, as fortunas fáceis sempre foram construídas sobre a mão de
obra indígena.
[...]. Um exército de aventureiros disputou palmo a palmo os seringais
com os índios que, a cada barracão, perdiam suas terras, mulheres e
também sua liberdade. A borracha restabeleceu a escravidão mal
disfarçada dos barracões, onde os índios eram frequentemente
espancados e enganados.

Dai em diante, a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e os


relatos de Levi-Strauss deu-se uma revigorada nas forças indígenas, apesar
das intenções com que fora criado tal órgão.na década de 1940 a borracha
toma novos impulsos com a segunda guerra mundial, trazendo novas levas de
migrantes para a extração do látex. Isso resultou em novas disputas de terras
com colonos e seringueiros. Costuma-se dizer que esses seringueiros eram os
soldados da borracha e faziam o que o suposto dono da terra ordenava.
A construção da BR 364, ao final da década de 1950, de Cuiabá para
Porto Velho trouxe consigo mineradoras, madeireiras, empresas
agropecuárias, projetos de colonização, enquanto os 5 mil índios sobreviventes
assistiam, quase aniquilados, a chance de verem suas terras demarcadas.
A partir de 1972, com a criação do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária(INCRA), que por sua vez, fez alianças com o governo de

1
De acordo com Binsztok (2008) no processo de colonização implantado no regime militar, por meio
do INCRA nos anos 70, utilizou-se da consolidação da BR 364, principalmente no trecho Cuiabá/
Porto Velho, que direcionou o fluxo de camponeses expropriados pela modernização agrícola ocorrida
nas regiões Sul e Sudeste do país e da implantação dos Projetos Integrados de Colonização, que
ocuparam uma faixa de 100 Km de cada lado da BR 364, repartindo em lotes de aproximadamente
100 ha, distribuídos pelo INCRA. A publicidade oficial sobre a distribuição dos lotes atraiu um
notável fluxo de migrantes para as imediações dos maiores Projetos Integrados de Colonização, o de
Ouro Preto e de Ji-Paraná, ambos com aproximadamente 500.000 ha cada, abrigando cerca de 5.000
famílias. Segundo esse autor, foram planejados e executados na década de 70 cinco Projetos
Integrados de Colonização concentrados principalmente no centro do Estado de Rondônia.
15

Rondônia, foi implantado os projetos de colonização de Ouro Preto, Ji-Paraná,


Padre Adolfho Rohl, Paulo Assis Ribeiro, Marechal Dutra, Sidney Girão e
Burareiro. Todos esses projetos incentivavam a invasão das terras indígenas e
eram enviados os colonos para áreas indígenas sem o saber, gerando conflitos
que acabaram por matar indígenas e colonos. (VENERE, 2011). No entanto,
quem se beneficiava desse conflito eram os fazendeiros, dada as condições
dos meeiros e pequenos proprietários, estes acabavam vendendo suas áreas
por qualquer preço, diante das dificuldades de produção, doenças como a
malária, falsificações de documentos em cartórios.
Atualmente sua economia está voltada prioritariamente para a criação de
gado de corte e leite, mas produz café, batata, mandioca, cacau,
hortifrutigranjeiros, milho, feijão arroz e soja. Também há a presença de
empresas que trabalham com a extração de madeiras, mineração e plantio de
seringueira.
Rondônia tem a presença do Parque Nacional de Pacaás - Novos, que
foi criado em 1979 e ocupa uma área de 765.000 hectares, abrangendo os
municípios de Porto Velho, Guajará-Mirim, Ariquemes e Ji-Paraná, estendendo-
se para Nova Mamoré, Campo Novo de Rondônia, Migrante da Serra, Monte
Negro, Governador Jorge Teixeira, Alvorada D’Oeste e São Miguel do
Guaporé. Também o estado conta com a Reserva Biológica Nacional do Jaru,
também criada em 1979, com uma área de 268.150 hectares.
Ao Sul do estado encontra-se a Reserva Natural do Guaporé com uma
área de 600.000 hectares, que no século XVIII foi alvo de disputas entre as
Coroas Portuguesa e Espanhola, conservando ainda, como parte dessa
história o Forte Príncipe da Beira, construído pelos portugueses para a
proteção da fronteira.
Em Ouro Preto D’Oeste está localizada a Reserva Extrativista Rio Ouro
Preto, cuja área é de 204.583 hectares que abrange os municípios de Guajará-
Mirim e Nova Mamoré e a Reserva Ecológica Ouro Preto do Oeste, com uma
área de 138 hectares, localizada no município de mesmo nome. Vale ressaltar
que este município situa-se na região sudoeste do estado de Rondônia.
Outra reserva existente em Rondônia é Roosevelt, que fica localizada no
município de Espigão do Oeste, cuja área é de 2,7 milhões de hectares. Nela
residem 1200 índios Cintas-Largas. Nessa reserva está presente uma das
16

maiores jazidas de diamantes do mundo e o garimpo Roosevelt, atualmente


desativado, já foi alvo de conflitos entre os indígenas e garimpeiros.
Os povos indígenas de Rondônia estão distribuídos por todo o estado,
mas há concentrações em Guajará Mirim, Vale do Guaporé, ao Sul do Estado
(tabela 3). As bacias dos Rios Ji-Paraná, Madeira, Mamoré. Segundo Neves
(2009), a população indígena de Rondônia é de 11.000 (onze mil) pessoas
pertencentes a 29 (vinte e nove) sociedades indígenas conhecidas,
distribuídas por 23 (vinte e três) terras indígenas.
Tabela 3
Povos indígenas de Rondônia

Terra indígena Etnia UF Município Superfície (ha)

Igarapé Lage Pakaa Nova RO Guajará-Mirim , Nova Mamore 107.321,1789

Gavião de
Igarapé Lourdes RO Ji-Paraná 185.533,5768
Rondônia

Igarapé Ribeirão Pakaa Nova RO Nova Mamoré 47.863,3178

Karipuna Karipuna RO Nova Mamoré , Porto Velho 152.929,8599

Karitiana Karitiana RO Porto Velho 0,0000

Karitiana Karitiana RO Porto Velho 89.682,1380

Kaxarari Kaxarari AM/RO Porto Velho, Labrea 145.889,9849

Kaxarari - AM
Kaxarari AM/RO Porto Velho, Labrea 0,0000
RO

Kwazá do Rio
Kwazá, Aikanã RO Parecis 16.799,8763
São Pedro

Massaco Isolados RO Alta Floresta D'Oeste, São Francisco do Guaporé 421.895,0769

Pacaas Novas Pakaa Nova RO Guajará-Mirim 279.906,3833

Parque do
Cinta Larga MT/RO Juína , Vilhena 1.603.245,9806
Aripuanã

Puruborá Puroborá RO Seringueiras, São Francisco do Guapore 0,0000

Tupaiu, Alta Floresta D`Oeste,São Miguel D'Oeste, São


Rio Branco RO 236.137,1100
Makurap Francisco do Guapore

Kanoé, Kujubim,
Rio Cautário Djeoromtxi- RO Costa Marques, Guajara-Mirim 0,0000
Jabuti

Rio Guaporé Makuráp RO Guajará-Mirim 115.788,0842

Rio Mequens Sakurabiat RO Alto Alegre dos Parecis 107.553,0101

Rio Negro Ocaia Pakaa Nova RO Guajará-Mirim 235.070,0000


17

Terra indígena Etnia UF Município Superfície (ha)

Rio Negro Ocaia Pakaa Nova RO Guajará-Mirim 104.063,0000

Rio Omerê Kanoé, Akuntsu RO Chupinguaia 26.177,1864

Roosevelt Cinta Larga MT/RO Espigão D`Oeste , Rondolandia, Pimenta Bueno 230.826,3008

Sagarana Pakaa Nova RO Guajará-Mirim 18.120,0636

Sete de Suruí de
MT/RO Cacoal, Espigão D'Oeste, Rondolandia 248.146,9286
Setembro Rondônia

Tanaru (
Corumbiara, Chupinguaia, Parecis, Pimenteiras do
restrição de uso Isolados RO 8.070,0000
Oeste
)

Tubarão
Aikanã, Laiana RO Chupinguaia 116.613,3671
Latunde

Uru-Eu-Wau- Uru-Eu-Wau- Jaru, Guajara-Mirim, Alvorada D'Oeste, São Miguel do


RO 1.867.117,8000
Wau Wau Guapore, Costa Marques, Nova Mamoré
Fonte: índios de Rondônia Disponível em http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-
brasil/terras-indigenas. Acesso em dezembro de 2014.

Especificamente na Região do Guaporé, segundo Maldi (1997), as


línguas faladas (Tabela 4) é ponto de aproximação entre esses povos. Dentre
elas, a família Tupari está presente nessa região e há uma proximidade entre
os Cinta-Largas, os Suruí e os Zoró e são sociedades que integram o grande
complexo territorial dos Rios Ji-Paraná e Roosevelt, afluente e subafluente do
Madeira. Os Mondé são encontrados no alto Guaporé, resultante da migração
que passaram devido às intervenções do colonizador. Assim se considera que
a principal família linguística do Guaporé é a Tupari, que reúne o maior número
de línguas. Sistematicamente Maldi (1997) demonstra a classificação dos
povos da margem direita do Guaporé:
Tabela 4
Classificação da língua dos povos indígenas
Classificação Sociedade Localização
Tupi-Tupari Tupari Bacia do Guaporé
Meken Bacia do Guaporé
Wayoró Bacia do Guaporé
Makurab Bacia do Guaporé
Kepikriwat Bacia do Ji- Paraná
Tupi- Mondé Mondé Bacia do Ji- Paraná
Suruí Bacia do Ji- Paraná
Gavião Bacia do Ji- Paraná
18

Cinta-Larga Bacia do Roosevelt


Zoró Bacia do Roosevelt
Aruã Bacia do Guaporé
Jabuti Jabuti Bacia do Guaporé
Jabuti Arikapu Bacia do Guaporé
Fonte: Mald, (1997).
Durante a formação dos primeiros seringais, os grupos de indígenas do
São Miguel eram chamados de Miguelenos ou Miguelhenos. Eram
considerados temíveis.
Os Pakaas-Novos, que são hoje os únicos representantes da língua
Txapakura no Brasil, provavelmente migraram da margem esquerda do
Mamoré para a margem direita e passaram a ocupar os territórios banhados
pelos rios Pacaas-Novos e Ouro Preto.
Nos relatos de Maldi (1991) fica nítido que a ocupação dos rios Colorado
e Branco se deu entre 1910 e 1920, com a instalação de diversos barracões e
pontos de coleta de borracha. Esses estabelecimentos seriam responsáveis
pela incorporação dos Makurap, Wayoró, Jabuti, Arikapú e Aruá à força de
trabalho. O seringal que exerceu uma influência definitiva, intensificando os
conflitos com os índios, foi, sem dúvida, o São Luis. Seria esse
estabelecimento que disseminou, anos mais tarde, uma epidemia de sarampo
que, com rapidez espantosa, ceifou incontáveis vidas, deixando alguns grupos
à beira da extinção.

Provavelmente os primeiros contatos foram estabelecidos com os


Jabuti, cujas aldeias estavam situadas abaixo das cabeceiras do rio
Branco. Os encontros iniciais foram hostis: houve rapto de índias e,
possivelmente, mortes. A sociedade mais próxima dos Jabuti era a
Arikapú, que logo estabeleceu contato com seringueiros. Os
Makurap, situados nas cabeceiras do rio Branco e em ambas as
margens do alto rio Colorado, devem ter sido a sociedade seguinte,
num processo concomitante com os Wayurú, do alto rio Colorado,
mais próximo das cabeceiras. (MALDI, 1991, p. 220).

Os conflitos sempre rondavam nas relações com os colonos que


buscavam quase, que exclusivamente, a exploração dos recursos naturais,
que, nesse caso, era a borracha. Daí dá para se imaginar as condições que
eram tratados esses grupos indígenas, numa terra que as leis eram feitas pelas
pessoas que moravam naquele espaçotempo. Esse seringal já contava em
19

1934, com índios trabalhando regularmente e, segundo a autora, com base no


pesquisador Emil Heinrich Snethlage, que esteve no Guaporé, nesse período:

“[...] a maioria das mulheres estava transformada em prostitutas; a


chicha havia sido substituída pela pinga e alguns homens recebiam
castigos físicos”. Ainda assim, os índios eram continuavam sendo
atraídos para lá. Havia uma maloca inteira de índios Aruá instalada
próxima. (MALDI, 1997, p. 230).

O ludibriamento dos povos indígenas nessa região, como ocorre ainda


hoje, o álcool entra como fator que sorrateiramente cria a dependência,
justificando para muitos os preconceitos e os estereótipos criados desde então.
A distribuição de vários povos nessa região assim se constituía, de acordo com
Maldi (1997, p. 230):
 Os Amniapé e os Guarategajá- chamados “Mequens” no século
XVIII – estão situados nas cabeceiras do rio Mequens;
 Os Aruá estavam muito próximos do seringal São Luís,
situação artificial, decorrente do contato;
 Os Makurap, os Jabuti, os Wayurú e os Arikapú estavam
situados entre a margem esquerda do alto rio Branco e as
cabeceiras do Colorado;
 Os Tupari estavam situados além das margem direita do rio
Branco;
 Havia uma aldeia Jabuti próxima das cabeceiras de um dos
afluentes da margem direita do rio Branco;
 No médio rio São Miguel, próximo do seringal Limoeiro,
estavam os Abitana- Huanyam (os mesmos Pawumwa).
Acima, também na margem esquerda do rio São Miguel, os
Puruborá;
 Entre os rios Cautário e Cautarinho, os Kumaná, os
Urunamakan e os Kujuna que, eram os Txapakura;

Junto aos Huanyam viviam alguns índios que eram chamados por eles
de “Cabixi”, e que, segundo alguns afirmavam, outrora haviam sido seus
inimigos mortais. Essa era uma prática que ocorria com alguns povos rivais,
pois para não serem extintos se sujeitavam a viver junto com seus inimigos.
De acordo om a autora, a partir do século XIX, vários povoados
próximos do Guaporé começaram a ser atacados por índios. No entanto, havia
dúvidas se eram os Pareci ou os Cabixi. Os primeiros eram considerados
“dóceis”; os segundos “ferozes”, porém foi aplicado indistintamente o termo
“índios selvagens”.
Nessa condição de “selvagens”, principalmente os Cabixi foram
perseguidos pelos colonos e também hostilizados pelos Huanyam, talvez pela
influência feita pelos não-índios.
20

Os grupos indígenas mantinham uma relação entre si, mas sem


utopismos, havia conflitos e disputas por espaços, mulheres e comando do
território. Segundo relatos do etnólogo Franz Caspar, que fez viagens a essa
região:

Após a instalação do seringal e o contato, as relações entre os Tupari


e os Makurap se intensificaram. Os Makurap foram assumindo uma
posição hegemônica e a sua língua transformou no “idioma
intertribal”. A música instrumental e vocal dos Makurap – muito
desenvolvida – foi adotada pelos Aruá, Wayaurú, Jabuti, Arikapú e,
depois, pelos Tupari. (MALDI, 1997, p. 233).

Cabe refletir, então, que havia domínio de um grupo sobre outros, sendo
que os mais aguerridos, geralmente tinham sua etnia quase arrasada, tanto
pela perseguição dos brancos, como dos indígenas que dominavam de forma
mais sutil. Os Tupari, por conta do contato e terem trabalhado no seringal,
quase foram dizimados por doenças, que para sobreviverem afastaram-se do
seringal e foram morar em uma maloca do tipo colmeia, com poste central, sem
repartições verticais.
Posteriormente todos os seringais do rio Branco , como o Laranjal, o
Colorado, o São Luís e o Paulo Saldanha, foram adquiridos por um
único proprietário – João Rivoredo. Este homem seria o responsável
direto pela dissolução de todas as aldeias indígenas da região,
recrutando mão de obra, deixando as populações sem assistência
médica, e, sem tomar nenhuma atitude para impedir as epidemias de
sarampo. [...] mesmo com a existência da9ª inspetoria Regional do
Serviço de Proteção aos Índios, criada em 1946, os índios
continuavam trabalhando nos seringais em condições servis. (MALDI,
1997, p. 234).

No rio Branco, onde foi instalado o Posto Indígena Rio Branco, alguns
seringais permaneceram. O antigo proprietário – João Rivoredo – vendeu para
Milton Santos – legendário seringalista, famoso pelos massacres a aldeias
Pakaas- Novas que comandou – os estabelecimentos daquele rio, a despeito
da inequívoca presença indígena. Cansados de esperar uma resolução judicial,
em 1985 os Tupari expulsaram os últimos seringueiros.
Pelos estudos feitos pela autora, esta chega a conclusão que há
notáveis semelhanças entre os Arikapú e o Jabuti e entre o Makurap e o Ajuru
(Wayurú) e algumas semelhanças com o Tupari. O que parece mais diverso é
o Aruá. Há palavras comuns a todas as outras, exceto este último: milho é um
21

exemplo. Portanto, a história de cada povo indígena, exceto aqueles que não
foram contatados sentem a perda de suas raízes e tradições.

OS MEQUENS

A autodenominação Mequens era de origem Koaratira, mas os


seringueiros os chamavam Mequens, porque suas suas aldeias estavam
próximas ao rio de mesmo nome. Os primeiros encontros com os não-índios
foram estabelecidos com bolivianos que alcançaram suas aldeias após subirem
o rio Mequens. A partir de 1934 aproximadamente, as aldeias foram
abandonadas e os índios passaram a trabalhar como caucheiros. Eles foram
deslocados para pontos de coleta no Pimenta Bueno, retornando depois para o
Barracão de Jacinto Cassara, no Corumbiara. Nesse barracão aconteceram
contatos com outros grupos, dentre eles os Kanoé, e intensificaram-se os
casamentos intersocietários.
Outra denominação dada pelos Mequens é a Sakirap,que literalmente
significa “macaco-prego”. Efetivamente, os Sakirap chamam o rio Verde de
Úkut-ei, que seria algo como “água grande” e reconhecem as suas cabeceiras
como seu habitat no momento da chegada dos primeiros seringueiros.
O que se tem notícia é que após a instalação do seringal do Magipe,
após serem violentamente serem depopulacionados os dois grupos acabaram
se concentrando no igarapé Osório, afluente do alto Mequens, onde
permanecem até hoje seus remanescentes.

AJURU
O habitat mais antigo dos Ajuru era a área acima as cabeceiras do rio
Colorado e do seu afluente Terebito ou Terebinto. É uma região de savana ou
campos limpos. Na língua Ajuru, o Colorado é chamado Úgu Kop, onde úgu
é”água” e Kop é “ vermelho”. Wayurú é a sua autodenominação. Também
sofreram grandes epidemias com o contato ao seringal, ocorrendo a
transferência para um deles, a fim de nãos serem dizimados.
22

JABUTI
Os Jabuti estavam situados acima das Cachoeiras do rio Branco, uma
região de terrenos elevados e esparsos, quando foram alcançados pelos
caucheiros. Mantinham certa proximidade com os Ajuru. As relações dos Jabuti
estavam entre um clima hostilizado e a uma aliança eventual. Os Tupari, mais
distantes, são lembrados como os piores inimigos. Eram chamados Pikú, que
significa “bucho”, uma alusão à suposta antropofagia. Segundo Maldi (1997) os
Arikapú (chamados “Ijiti”, “canela fina”) teriam ajudado os Jabuti a fazer guerra
aos Tupari. Também faziam incursões nas aldeias Makurap, nem sempre
pacíficas. Com os brancos sempre foram com hostilidade e guerra. As
epidemias de sarampo, como se era de esperar, os forçaram a ir parar em
barracões e tornarem-se caucheiros.
Em relação aos aspectos culturais destaca-se que os grupos
conservavam algumas características tais como a ausência do cultivo da
mandioca “brava” e da farinha, na alimentação; a construção de casas
redondas, com esteio central, abrigando uma família extensa patriarcal,
usualmente de 12 a 20 pessoas, no máximo. Somente os Tupari formavam
uma exceção, já que o modelo da habitação tradicional era a grande maloca
tipo “colmeia”; o consumo da chicha de milho na alimentação regular e da
chicha fermentada em ocasiões cerimoniais; e, a confecção do marico eram
traços marcantes da maioria das aldeias.
Na genealogia Makurap ocorre a identificação e filiação patrilinear aos
seus indivíduos:Mitum –“Mutum”; Uaxaliai –“Morcego”; Uaruiá – “Papagaio”;
Mevurá – “Panela”; Uaketé – “Mucura” ; Iekô – “Urubú” , entre tantos outros.
Porém a maioria da população é formada por indivíduos que se identificam
como morcego; sem segundo lugar, como Mutum.
Ao contrário das outras sociedades, entre os Makurap esses grupos
regulamentavam o casamento, sendo rigidamente exogâmicos. Formando,
portanto, grupos territoriais ocupando áreas definidas; nominados, de origem
mitológicas; regulamentadores da descendência pela patrifiliação e da
residência pela patrilocalidade, podem ser considerados como clãs dentro de
um modelo de interpretação mais ortodoxo.
23

KARITIANA

O povo Karitiana, com uma população de 180 índios, fala a língua


Tupi/Arikém, moram a 95 km da capital Porto Velho, numa área de 89.698
hectares. Antes viviam nas proximidades de Ariquemes. Num passado não
muito distante foram submetidos a um processo de evangelização, sendo
criado na aldeia um templo. Isso causou uma divisão da aldeia, permanecendo
até aos dias atuais.
Suas condições de vida são de extrema pobreza e diariamente são
vistos na capital vendendo seus artesanatos para sobreviverem. Destaca-se
que há em Porto Velho uma Casa para abriga-los no tempo que permanecerem
na cidade. Com isso ficam submetidos, como muito tem ocorrido com
indígenas que estão vivendo em áreas urbanas, à prostituição, bebidas
alcoólicas, entre outras coisas maléficas para os povos indígenas.
Entre algumas de suas tradições cita-se a dedicação à caça e a pesca,
porém só saquem quando a esposa está de resguardo, ou seja, quando deu a
luz ao bebê, pois acreditam que podem ser perseguidos por onça ou se
perderem na floresta. Ainda utilizam plantas para o combate às suas doenças.
Entre eles, os mais velhos usavam prensar a cabeça dos bebês até os
três meses de idade, para que ficassem diferentes dos outros índios e não ter a
cabeça redonda como a de macaco.
De acordo com Sampaio; Silva ( 1997, p. 30), o casamento entre os
Karitiana é realizado combinando o ritual indígena com o não-indígena:

A noiva usa vestido de noiva todo branco (geralmente é uma menina,


os índios casam muito cedo, com 10 ou 12 anos já estão casando,
este é o costume da aldeia) o noivo está pronto, com roupa normal de
não-índio em sua casa, deitado na rede. O casamento inicia-se: os
pais da noiva levam a noiva com uma rede na mão e vão entrega-la
ao noivo. A mãe da noiva coloca a rede em cima do noivo e fala na
língua indígena muitas palavras a noiva ( diz para o futuro marido
tomar contada mulher, caçar, pescar, plantar, fazer roça, cuidar da
mulher, tratar bem a mulher que agora ela será sua esposa, mãe de
seus filhos e deseja que sejam muito felizes).O noivo fica escutando,
depois fala também na língua respondendo que vai fazer tudo isto. O
pai da noiva, o tio-pai da noiva, o pai e a mãe do noivo também fazem
as recomendações para o noivo e para a noiva. [...] toda a aldeia
acompanha o ritual. É gente pela janela, ouvindo, gente na porta do
quarto onde o noivo está, enfim, todos ficam assistindo a cerimônia.
24

[...] Quando terminam as recomendações, o noivo se levanta e coloca


a aliança na mão da noiva e ela a aliança na mão dele, depois saem
andando para casada noiva, onde está o banquete e a festa.

Acontece que entre os Karitiana, como também ocorre em outros povos


indígenas na constituição familiar adota-se a prática de poligamia e casamento
consanguíneo, ou seja, entre parentes. Por último, vale afirmar que a
consanguinidade tem causado alguns problemas com os filhos.

O POVO URU-EU-UAU-UAU

Esse povo indígena ocupam uma área de mesma nomenclatura e fica


localizada na região central do estado, abrangendo os municípios de Guajará-
Mirim, Costa Marques, Nova Mamoré, Campo Novo de Rondônia, Monte
Negro, Cacaulândia, Governador Jorge Teixeira, Mirante da Serra, Jaru,
Alvorada do Oeste, São Miguel do Guaporé e Seringueiras. Eles estão
classificados linguisticamente no Tronco Tupi, Tupi- Guarani, grupo Tupi-
Kawahib. São aparaentados dos Tenharim e Paritintim, do sul do Amazonas.
Na década de 1970 foram contatados, bem como solicitada a interdição
de sua área. O que se sabe é que havia inúmeros conflitos entre esses
indígenas com colonos, garimpeiros. Segundo Sampaio; Silva(1997, p.36):

Nessa época haviam em torno de 800 índios. Eram essencialmente


nômades e grandes guerreiros. Os homens usavam pintura corporal,
nas cores preta e vermelha, feita com tintas fabricadas de jenipapo e
o urucum. Sua única vestimenta era uma espécie de cinturão bem
largo, feito com várias voltas de cipó, em torno da cintura. Cortavam o
cabelo em forma de cuia, no alto da cabeça. As mulheres, pequenas
e de traços muito delicados, usavam uma tatuagem no rosto; o
costume da tatuagem no rosto ainda é conservado, hoje,
principalmente entre as , pois alguns homens já não mais querem ser
tatuados.

Com o contato, inúmeras doenças, associado às atrocidades cometidas


pelos não-índios, provocaram grandes baixas nesse povo indígena. Atualmente
já fazem roças, tem sua alimentação e sua saúde foi melhorada e tornaram- se
uma população jovem. Sua população total gira em torno de 62 índios. Um dos
problemas do grupo é a ausência de mulheres e isso pode comprometer o
futuro dos Uru-eu-uau-uau. O casamento entre eles se organizam em metades
exogâmicas, denominadas por aves; Mutum e Arara. Isto significa que só é
25

permitido o casamento entre membros da metade Mutum com membros da


metade Arara (SAMPAIO; SILVA, 1997).
Esse povo indígena ainda utilizam o arco e a flecha nas caçadas e
pescarias, mas também já usam espingardas, que aprenderam do contato com
os não-índios. Um outro costume adotado é o uso de vários nomes durante sua
vida, sendo estes de acordo com sua categoria e papel social que exercem no
grupo. Essa mudança de nome também está relacionada com as questões
mitológicas e religiosas.
Os Uru-eu-uau-uau do Posto Indígena Comandante Ari são os únicos
que ainda constroem suas casas originais: uma grande maloca, toda de palha,
de forma ovalada, que abriga várias famílias nucleares. Um aspecto ainda
mantido é que quase todos os índios ainda trabalham na confecção de
artesanato, conservando sua originalidade; arcos, flechas, cocares, são feitos
pelos homens e pulseiras, brincos colares e anéis geralmente são feitos pelas
mulheres.
Em relação à dança ainda fazem a Taboca (Yrerua), que é dramatizada,
relembrando guerras e conflitos antigos.
O cacique mais velho toca uma grande taboca, que é amarrada, pela
ponta, a uma corda suspensa. Em volta, ficam os outros índios,
tocando uma taboca menor. Depois todos dançam em círculos,
sempre tocando. As mulheres também entram na roda tomando os
homens como seus pares. Depois de algum tempo, param de tocar e
é travado um diálogo entre o cacique, que representa seu povo e um
outro índio, que representa o inimigo. Simulam uma luta, disparando
flecha, alvejando. E voltam a dançar e tocar. (SAMPAIO; SILVA,
1997, p.38).

Assim, ao manterem viva a memória de seus antepassados os Uru-eu-


uau-uau resistem ao desaparecimento e extinção.

SURUÍ2
Os Suruí de Rondônia se autodenominam Paiter, que significa gente e
verdade, nós mesmos. Falam uma língua do grupo Tupi e da família
lingüística Mondé. Os Suruí vivem na sua maioria no município de Cacoal e
estão distribuídos em nove aldeias entre as Linhas 08 e 14, todas

2
Para falar do povo Suruí tomo como referência a dissertação de Mestrado em Educação de
MIRIVAN CARNEIRO RIOS, que pesquisou sobre a formação dos professores Suruí no estado
de Rondônia, no município de Cacoal. Para maiores conhecimento ver
https://sistemas.ufms.br/sigpos/portal/trabalhos/download .
26

aproximadamente a 50 km de Cacoal. Seu território atual é de 247.870 ha.


Os Paiter pelo amplo contato que tiveram desde a década de 1960, praticam
agricultura, alguns de seus membros estudaram em escolas públicas não
indígenas na Linha 10, desse município.
Além de agricultores, os Suruí são caçadores e coletores e encontram
na floresta matéria-prima para os mais variados fins, como a construção de
casas, cestos, armas, colares e outros instrumentos de utilidade
comunitária. Como característica marcante deste povo, destaca-se o seu perfil
guerreiro. RIOS (2007).
O autor descreve que dentre os aspectos culturais que existiam destaca-
se a reclusão do luto, tatuagem, casar com o tio materno, ter mais que uma
mulher, cortar o cabelo e usar roupas decotadas, tomar “chicha” durante as
festas, cujo ponto alto era o estado de embriaguez que a todos atingia,
como expressão de felicidade e alegria, mas que na atualidade não os fazem
ou os modificaram pelo contato tido com os não-índios.
De maneira geral as crianças nas aldeias são cercadas de cuidados,
mas precisam passar pelos rituais para mostrarem sua resistência, maturidade,
puberdade. Os adultos que devem cuidar delas, ensiná-las os ofícios e valores
da etnia. Orientá-las para que sejam autônomas e cresçam num ambiente de
liberdade.
Outro aspecto que precisa ser considerado é que os povos indígenas
sempre migraram e transitam e moram em diferentes espaços, inclusive o
urbano e nem por isso deixam de serem indígenas. A temporariedade em
determinados espaços é comum, portanto o olhar preconceituoso e
estereotipado de nossa parte precisa ser revisto e modificado.
Portanto, a luta dos povos indígena, em específico, é a valorização da
cultura, alimentar-se, morar dignamente e pela educação das crianças jovens
e, alguma dessas etnias como as que vivem na Terra Rio Branco, localizada na
Zona da Mata Rondoniense, está sendo contra as barragens para o
funcionamento de hidroelétrica no referido rio, que as águas invadiram suas
terras e hoje diminuiu o curso do rio, matando peixe, reduzindo também a
população de animais que vivem na região e serve de alimento para os
indígenas.
27

UNIDADE II

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL E RONDÔNIA

Para falar da história da educação escolar indígena no Brasil toma-se


por base o trabalho de Venere (2011) que em sua pesquisa fez um estudo
sobre o Projeto Assai. Também chama-se para esse diálogo a antropóloga
Denise Meireles Maldi que estudou os grupos indígenas do Rio Guaporé, que
está localizado no estado de Rondônia.
Historicamente a educação escolar indígena remonta ao período colonial
com a chegada das caravelas até meados do século XX. O desembarque de
Cabral trouxe os religiosos que fizeram a educação das pessoas que aqui
viviam, até serem expulsos pelo Marquês de Pombal. Os jesuítas tinham por
objetivo catequizar, civilizar e integrar os índios à sociedade branca
portuguesa. Catequizar porque a intenção era convertê-los à religião católica.
Civilizar para torná-los parte dos costumes e tradições europeias, deixando a
vida “selvagem”. Após essa passagem para a civilização estes seriam
integrados à sociedade nacional, ou seja, perderiam seus costumes, tradições,
valores, sua cultura e sua essência para viverem como cristãos e pessoas
normais da sociedade colonial. (VENERE, 2011). O que se sabe é que os
colonizadores encontraram a terra habitada e à força foram destruindo seus
costumes e tradições, tomaram suas terras e os empurraram para os rincões
da floresta, onde as doenças os dizimaram.
Após a expulsão dos jesuítas, em 1757, a educação brasileira ficou por
conta do “Diretório Pombalino”, que instituiu a vila pombalina, objetivando,
entre outros objetivos, a integração dos indígenas das missões ao sistema
colonial. O tratamento dado indicava a abolição formal entre os índios, sendo o
ensino organizado em escolas para meninos e meninas. A língua geral, o
nhengatú, que fora instituída pelos jesuítas foi proibida.
No período imperial é criado o regulamento acerca das Missões de
Catequese e Civilização dos Índios, em 1845, que tinha como ideário a criação
de escolas para atender os indígenas. Nesse regulamento é criado o cargo de
Diretor geral dos índios, em cada Província. No entanto, apesar dos esforços,
ainda permanece a catequese, visto que a experiência dos jesuítas sobrepunha
28

a intencionalidade da Coroa Portuguesa em criar escolas para os habitantes da


colônia. A vinda da família real para o Brasil, em 1808, cria ou reforça uma
identidade nacional e a educação de maneira geral é ampliada e estendida,
embora não seja para os escravos e indígenas.
No período republicano é que a educação ganha novos contornos e a
medida que aumenta-se a população e se expande os direitos à educação,
mesmo que fosse por um grupo bastante seleto. De acordo com Venere
(2011), a primeira fase do Período Republicano, é marcada pela criação do
Serviço de Proteção ao Índio (SPI)3, em 1910 e se estende até a política da
FUNAI e a articulação com a Sociedade Internacional Linguística e outras
missões religiosas, onde ainda predomina, na política indigenista oficial, o
objetivo de integração à sociedade nacional.
A preocupação maior nesse dado momento é realizar a ocupação dos
territórios e realizar a integração do indígena ao território nacional. O Marechal
Cândido Rondon teve uma contribuição importante no processo de pesquisa e
criação da linha telegráfica nessa região. Alguns o vêem como mocinho outros
o contrário, pois ao trazer para a nação os conhecimentos das etnias existentes
no percurso feito entre Cuiabá , Rondônia e Acre, os expõem à veraz cobiça
dos não-índios, que estão a procura de minerais, borracha e outras formas de
tirar proveito da natureza bela e exuberante que aqui existia. Não se pode
esquecer também a exploração indígena sempre esteve presente na história
brasileira e vale lembrar que em Rondônia nesse período o contingente
indígena era muito superior ao existente hoje e a exposição ao descendente
europeu os fizeram adoecer e dizimar-se.
Segundo Venere (2011), o Serviço de Proteção ao Índio, a partir de
1953, elaborou um programa de reestruturação das escolas tendo como
objetivo adaptá-las às condições e necessidades de cada grupo indígena, na
concepção de que ensinar seria preparar a criança para assumir papéis que
deve exercer na sociedade. É oficializado a educação primária nas aldeias e de
um programa de leigo de instrução dos índios.

3 Ao inaugurar uma política indigenista laica no alvorecer da Primeira República, o Serviço de


Proteção ao Índio e Localização do Trabalhador Rural (SPILTR), a partir de 1910, visava dois
contingentes diversos:
29

Esse modelo de escola indígena vai até a década de 1960. Daí em


diante surgem as organizações indigenistas Não Governamentais e a formação
do movimento indigenistas. Vive-se nesse período a ditadura implantada pelos
militares e o desejo de integração nacional e a política desenvolvimentista
estão na ordem do dia. Com o lema integrar para não integrar é implantada a
política de ocupação dos chamados “territórios vazios”, existentes
principalmente na Região Norte do País.
Em 1967, os militares extinguem o SPI e criam a Fundação Nacional do
Índio (FUNAIS), permanecendo ainda a ideia de interação. Na sequência é
criado em 1973 o Estatuto do Índio, por meio da Lei nº. 6001/73, que em seu
artigo 49 trata da alfabetização dos povos indígenas em língua nativa nas
escolas.
Venere (2011) chama a atenção para a importância do Comitê de
Educação Escolar Indígena no MEC, para dar subsídios e apoio técnico às
ações referentes à Educação Escolar, orientando a criação de Núcleos, cuja
finalidade era:
Apoiar e assessorar as escolas, priorizando a capacitação
permanente de professores índios para a prática pedagógica, bem
como garantir, no orçamento dos diversos órgãos envolvidos,
recursos financeiros destinados às ações de educação escolar nas
áreas indígenas e determinar os responsáveis pela educação escolar
indígena. (VENERE, 2011, p. 56).

Também não se deve esquecer dos trabalhos feitos pela igreja católica,
por meio da ação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), trabalhando
sempre no apoio às reivindicações dos povos indígenas, promovendo em
última instancia a autonomia e o poder de organização dos índios.
Nota-se que nas décadas de 1980 e 1990, com a onda neoliberal
cresce paralelamente as lutas dos movimentos sociais e, nela incluso está a
dos povos indígenas. A ECO 92, foi um marco para as lutas de proteção ao
meio ambiente, em que as reivindicações dos indígenas toma maior
visibilidade. De lá para cá o que se observa são os avanços na conquista de
direitos, mas contraditoriamente há indígenas morrendo de fome e doenças
nas aldeias.
Em 1993 o MEC publicou as “Diretrizes para a Política Nacional
de Educação Escolar Indígena" e, em 1998, o Referencial Curricular Nacional
para as Escolas Indígenas (RCNEI), com a finalidade de auxiliar as escolas
30

indígenas a elaborarem seus projetos pedagógicos, o que de certo modo


causaria um certo impacto na formação dos estudantes.
Outro fator que contribuiu para a educação indígena foi a criação da
União das Nações Indígenas (UNI), em 1980, bem como a organização do
primeiro encontro de povos indígenas, cujo lema era, Índios: Direitos
Históricos” , realizado em abril de 1981. Daí em diante os professores
indígenas mantiveram uma seqüência de encontros em todo o País. Isso
marcou as discussões sobre a escola indígena brasileira.
No estado de Rondônia as discussões entre professores, comunidade
indígena e estado, culminou com a criação do Núcleo de Educação Indígena
de Rondônia – NEIRO, sediado na SEDUC, como um Fórum constituído por
um conjunto de instituições interessadas na questão da educação indígena.
Um dos problemas que afeta os povos indígenas de Rondônia,
especificamente, e por extensão a sua educação escolar segundo Venere
(2011, p. 68):
Durante a existência do antigo SPI, entidades missionárias de caráter
fundamentalista começaram a atuar em Rondônia, iniciando o
trabalho de alfabetização dos povos indígenas geralmente na própria
língua. No entanto a referida alfabetização não era realizada com o
intuito educacional, mas tinha como objetivo promover a conversão
religiosa desses povos por meio, por exemplo, da tradução da Bíblia
para as línguas indígenas. Assim, a língua acabava sendo usada
como “ponte” para a escrita do português.

Nessa fase atual, agora a missão está sendo feita pelos evangélicos,
que estão presente nas aldeias, constroem igrejas e transformam a vida
indígena totalmente ligada com a religião, principalmente as pentecostais.
Entre as experiências de educação indígena, duas merecem destaque: a
primeira feita pelo Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMÁ), por meio
do projeto interinstitucional de Saúde e Educação Suruí e a construção do
Centro de Treinamento em colaboração com o Centro de Reabilitação
Neurológica Infantil de Cacoal (CERNIC), na cidade de Cacoal.
Em 1992 criam o Projeto de Formação de Professores Indígenas, para
capacitar 30 deles. Foram realizados seis cursos de 21 dias cada, reunindo
todos os professores índios pertencentes aos povos envolvidos nas cidades de
Cacoal e Ji-Paraná, além de 6 cursos de 15 dias realizados nas áreas
indígenas Igarapé Lourdes, Rio Branco e Zoró.
31

Em 1994, o COMIN realizou cursos para professores índios e efetuou


levantamento linguístico das línguas dos povos indígenas de Rondônia.
Em 1995, o CIMI/NEIRO realizou um curso para povos indígenas a pedido de
estudantes da Escola EFAR – Linguística.
Em 1998, o Conselho Estadual de Educação, aprova o Projeto Açai,
Parecer 031/98-CEE/RO, homologado em 06/07/1998. “Aprova o Projeto Açaí,
da Secretaria de Estado da Educação, com autorização para implantação e
funcionamento do Curso de Formação de Professores Indígenas, na
modalidade ensino supletivo, com validade regional.
Atualmente a Secretaria Estadual de Educação de Rondônia promove à
sua maneira a formação continuada dos professores, bem como os municípios
que possuem escolas indígenas.
Na Universidade Federal de Rondônia em 2015 formará a primeira turma
do curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural, no Campus de Ji-
Paraná. Também há as políticas afirmativas que têm contribuído para a entrada
pelas cotas de estudantes indígenas, tanto nas federais como na rede privada.
Por fim, em relação ao currículo intercultural com a aplicação do
bilingüismo, para que se efetive, a multiplicação dos falantes é questão central,
cabendo aos mais idosos a transmissão desses saberes e aos professores e
pesquisadores, principalmente da lingüística para auxiliar nessa empreitada.
A construção de dicionários, textos, materiais didáticos, livros, produção
de filmes, a recuperação dos valores e tradições dos povos indígenas
brasileiros e, especificamente de Rondônia, entre outros aspectos inerentes a
esta ação, se fará também com investimentos financeiros e pessoas que
aderem à causa.
32

UNIDADDE III

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

De acordo com o Censo Escolar do INEP de 2012, existem 2.833


escolas indígenas que atendem a 200.169 estudantes na Educação Básica.
Cerca de 95% dos docentes dessas escolas são indígenas das comunidades
dos estudantes. Isto poderá facilitar que seja desenvolvido um ensino
intercultural, bilíngue/multilíngue, que articula conhecimentos e tradições
étnicas com conhecimentos necessários para a constituição da cidadania, além
de valorizar e promover o uso das línguas indígenas no processo de ensino e
de aprendizagem. Há, portanto, uma lacuna no processo de construção das
escolas indígenas.
A formação dos professores ainda está incipiente. Não se pode
esquecer que a luta pela educação se insere no contexto de outras que vão
além da sala de aula.
As conquistas obtidas na Constituição Federal (CF) de 1988 assegurou
aos povos indígenas o direito deles permanecerem sendo eles mesmos, com
suas línguas, culturas e tradições. Com isso criou-se a possibilidade de criar a
escola indígena, sendo esta um instrumento de afirmação étnica e cultural.
Como ela se configura e é utilizada pelos indígenas e pelo estado são questões
que causam, em certa medida um estranhamento.

A implementação de políticas públicas condizentes com a realidade


indígena implica a formação de educadores com práticas críticas e
conscientes diante dos contextos interculturais e sociolinguísticos.
Para tanto, é necessário que sejam inovadoras e flexíveis e que
possam atender aos anseios e expectativas das comunidades
indígenas considerando a interculturalidade, o multiculturalismo e a
alteridade desses povos. (VENERE, 2011, p.38).

Esta escola, forjada na luta indígena, nem sempre tem cumprido um


papel de valorização a que foi destinada, dadas as condições que esse poder
público tem oferecido. O adentramento no mundo branco pelos indígenas tem
fortalecido alguns aspectos na conquista de direitos, conforme a Constituição
prevê, mas deixa os indígenas num entre lugar com seus costumes e tradições.
33

Um dos órgãos que tem colaborado na preservação da cultura indígena é o


Museu do índio, cuja sede está no Rio de Janeiro4, sendo mantido pela FUNAI.
No processo da conquista indígena, o envolvimento na criação da
Carta Magna nos anos antecedentes à 1988, quando esta foi criada foi
decisivo. A articulação do movimento indígena e os movimentos de
apoio aos índios se intensificaram para inserir os direitos de
reconhecimento e garantias de vida. Nesse sentido, a postura
integralista tornou-se papel passado, pois esta sempre procurava
incorporar e assimilar os índios à cultura não índia, pois estes eram
vistos e tratados apenas como categoria étnica e social e transitória,
estando fadada ao desaparecimento.
A Constituição reconhece aos índios “os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam”, definindo essa ocupação não
só em termos de habitação, mas também em relação ao processo
produtivo, à preservação do meio ambiente e à reprodução física e
cultural dos índios” (BRASIL, 2002).
No seu artigo 210, a CF garante aos povos indígenas, o direito do
uso das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, o que
constituiu a possibilidade da escola indígena valorizar a língua, os
saberes-fazeres cotidianos e milenares da cultura indígena, tornando a
escrita não-índia como uma segunda opção, apesar de todo a
dominação exercida pela língua portuguesa e toda a sociedade
envolvente. Assim, a escola indígena, poderá exercer um papel
importante no reconhecimento e autonomia desses povos.
Visualmente pode-se constatar que no que refere aos direitos
indígenas há na CF: Título III – Da organização do Estado, capítulo II –
Da União, art. 20, no que trata dos bens da União, Item XI – As terras

4
O Museu do Índio foi criado, em 1953, no Serviço de Proteção aos Índios – SPI, agência do Governo
encarregada de dar assistência aos índios no Brasil.No início da década de 60, o Museu foi transferido
para o Conselho Nacional de Proteção aos Índios – CNPI, órgão responsável pelo assessoramento e
formulação da política indigenista oficial da época. Em 1967, o Governo militar resolveu reunir o SPI, o
CNPI e o Museu em um único órgão, a Fundação Nacional do Índio- FUNAI, onde a instituição está
inserida até hoje.Atualmente, o Museu do Índio é uma importante instituição de pesquisa sobre línguas e
culturas indígenas. Tem sob sua guarda documentos relativos à maioria das sociedades indígenas
contemporâneas, constituídos de 15 mil 840 peças etnográficas e 15 mil 121 publicações nacionais e
estrangeiras, especializadas em etnologia e áreas afins. Seus diversos Serviços são responsáveis pelo
tratamento técnico de 76.821 registros audiovisuais e 833.221 documentos textuais de valor histórico e
contemporâneo. Disponível em http://www.funai.gov.br/museudoindio. Acesso em fevereiro de 2015.
34

tradicionalmente ocupadas pelos índios e no Art. 22, item XIV, que


designa a competência para legislar sobre as populações indígenas à
União. Vale ressaltar que nos últimos anos tem-se visto a ferocidade da
bancada ruralista, composta por fazendeiros, empresários agrícolas
entre outros agentes que dominam o setor rural, empenhados em
transferir essa competência para os estados e municípios.
No que se refere ainda a essa temática no art. 49, da sessão I-
atribuição é reafirmada a competência exclusiva do Congresso nacional,
em seu item XVI “autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa de lavras de riquezas
minerais” (CF,1988). Ainda sobre essa matéria cabe ao Poder Judiciário,
no Art. 109, item XI, de acordo com a CF 1988: “Cabe aos juízes
federais processar e julgar disputa sobre direitos indígenas. Também na
CF 1988, art. 129, Sessão I: “São funções institucionais do Ministério
Público entre outras “defender judicialmente os direitos e interesses das
populações indígenas”. Já o art. 176, Cap. 1, Título IV da CF assevera
que:
As jazidas, em lavras ou não, e demais recursos minerais e os
potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta de
solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à
União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da
lavra.
1. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos
potenciais a que se refere o capítulo deste artigo somente poderão
ser efetuados mediante a autorização ou concessão da União, no
interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital
nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas
quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou
terras indígenas. (BRASIL, 1988).

Assim, a preservação das terras indígenas estão garantidas


legalmente, havendo, desse modo, uma proteção ao solo dos povos indígenas
e suas florestas, a fim de garantir-lhes a vida. No entanto, o que se são
conflitos homéricos em torno das disputas por minérios em áreas indígenas,
como é o caso do diamante nas terras dos CintaLarga, localizadas no estado
de Rondônia.
O garimpo ilegal de diamantes, por exemplo, alavancado a partir dos
anos de 1999/2000, já produziu inúmeras mortes e tem potencial para
levar toda a comunidade à extinção, senão física, ao menos ética e
cultural. O problema Cinta Larga chegou a esse estado por conta da
atuação do Governo Federal e da ignorância e preconceito contra
35

índios por parte significativa da sociedade brasileira. (MINISTÉRIO


PÚBLICO FEDERAL; PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO
ESTADO DE RONDÔNIA, 2014, p. 3).

Como se percebe a lei garante, mas esbarra na morosidade, lentidão e


falta de condições materiais e humanos dos órgãos fiscalizadores e executores
das políticas de proteção aos povos indígenas. A retirada da floresta por
madeireiras instaladas nas proximidades de áreas indígenas também é parte
da realidade dos Cinta Larga que moram em Espigão D’Oeste em Rondônia.
No tocante à educação o art. 210 da CF(1988) garante que:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental , de


maneira assegurar a formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos nacionais e regionais".
O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas também a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem.

Nessa perspectiva, em relação à cultura, a Constituição ainda garante a


todos, independentemente da etinicidade o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais, atribuindo ao Estado a
incumbência de proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e
afrobrasileiras, e das de outros grupos participantes do processo "civilizatório
nacional.
No art. 231 o Estado reconhece os índios e sua organização social, seus
costumes, línguas, crenças e tradições, e o direito originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, conforme já dito anteriormente. Nesse sentido,
os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para
ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, sendo o Ministério
Público o interventor em todos os atos do processo (Art. 232).
No artigo 67, das disposições constitucionais e transitórias, por mais que
se tenham tentado resolver a questão da demarcação das terras indígenas,
ainda permanece o problema, sendo que nesse artigo foi dado o prazo até
1993 para cumprir a lei (CF, 1988).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394 de 1996, no seu
art. 26 garante que:
36

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base


nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela.
£ 4º O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígenas, africana e europeia. (BRASIL,
1996).

Ainda no ensino fundamental regular está garantida ser ministrado suas


línguas maternas e seus processos próprios de aprendizagem. Já no artigo 78,
das disposições gerais está categoricamente afirmado que o Sistema de
Ensino da União desenvolverá com a colaboração das agências federais de
fomento à cultura e de assistência aos índios, programas integrados de ensino
e pesquisas, para ofertar de Educação escolar bilíngue e intercultural aos
povos indígenas com o objetivo de:

I -Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação


de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades
étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
II-Garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às
informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional e demais sociedades não-índias.

No art. 79, da LBDN9394/96 está previsto que a União apoiará técnica e


financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural
às comunidades indígenas, desenvolvendo programa integrados de ensino e
pesquisa, cabendo às Universidades públicas inicialmente e se expande para a
rede privada, sendo que os valores a serem investidos, a forma de execução e
toda a implantação dos cursos ocorrem por meio de negociações, numa arena
de interesses, às vezes, até contraditórios, entre os órgãos que são
responsáveis. Ainda nesse artigo é acrescentado três parágrafos, a fim de
especificar e enfatizar os executores a ouvirem as partes interessadas e os
objetivos a que se destinam:

1º os programas serão planejados com audiência das comunidades


indígenas.
2º os programas a que se refere este artigo, incluídos nos planos
nacionais de educação, terão os seguintes objetivos:
I – fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada
comunidade indígena;
II – manter programas de formação de pessoal especializado,
destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;
37

III – desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo


os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV – elaborar e publicar sistematicamente material didático específico
e diferenciado.
3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras
ações, o atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas
universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e de
assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e
desenvolvimento de programas especiais. (BRASIL, 1996).

Para a implantação dos cursos de Educação Indígena Intercultural, por


se tratar de recurso público há editais específicos, seleção de projetos e de
universidades e as exigências legais para o uso de recursos públicos.
O Plano Nacional de Educação (PNE) foi promulgado em 9 de janeiro de
2001 e apresentou propostas relacionadas à educação indígena,
estabelecendo, entre tantas metas que:
1 Atribuir aos Estados a responsabilidade legal pela educação
indígena, quer diretamente, quer através de delegação de
responsabilidades aos seus Municípios, sob a coordenação geral e
com o apoio financeiro do Ministério da Educação.
2. Universalizar imediatamente a adoção das diretrizes para a política
nacional de educação escolar indígena e os parâmetros curriculares
estabelecidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério
da Educação.
3. Universalizar, em dez anos, a oferta às comunidades indígenas de
programas educacionais equivalentes às quatro primeiras séries do
ensino fundamental, respeitando seus modos de vida, suas visões de
mundo e as situações sociolingüísticas específicas por elas
vivenciadas.
4. Ampliar, gradativamente, a oferta de ensino de 5ª a 8ª série à
população indígena, quer na própria escola indígena, quer integrando
os alunos em classes comuns nas escolas próximas, ao mesmo
tempo que se lhes ofereça o atendimento adicional necessário para
sua adaptação, a fim de garantir o acesso ao ensino fundamental
pleno.
5. Fortalecer e garantir a consolidação, o aperfeiçoamento e o
reconhecimento de experiências de construção de uma educação
diferenciada e de qualidade atualmente em curso em áreas
indígenas.
6. Criar, dentro de um ano, a categoria oficial de "escola indígena"
para que a especificidade do modelo de educação intercultural e
bilíngüe seja assegurada. [...[
20. Promover, com a colaboração entre a União, os Estados e
Municípios e em parceria com as instituições de ensino superior, a
produção de programas de formação de professores de educação a
distância de nível fundamental e médio.
21. Promover a correta e ampla informação da população brasileira
em geral, sobre as sociedades e culturas indígenas, como meio de
combater o desconhecimento, a intolerância e o preconceito em
relação a essas populações. (BRASIL, 2001)

Essas metas e objetivos foram avaliadas no ano de 2014 na elaboração


do novo PNE que foi aprovado recentemente, após as discussões realizadas
38

pela comunidade escolar. As indicações mostraram que foi dado alguns passos
e os investimentos ainda estão distantes das aldeias indígenas, paralisando em
burocracias e gastos no percurso, chegando poucos recursos na localidade.
No tocante à educação indígena foi mantido o que prevê a LDBN
9394/96.e especificamente nas metas
[...] 1.8 Respeitar a opção dos povos indígenas quanto à oferta de
educação infantil, por meio de mecanismos de consulta prévia e
informada. [...]
2.6 Manter programas de formação de pessoal especializado, de
produção de material didático e de desenvolvimento de currículos e
programas específicos para educação escolar nas comunidades
indígenas, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às
respectivas comunidades e considerando o fortalecimento das
práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade
indígena.
2.7 Desenvolver tecnologias pedagógicas que combinem, de maneira
articulada, a organização do tempo e das atividades didáticas entre a
escola e o ambiente comunitário, em prol da educação do campo e
da educação indígena. [...]
3.4 Fomentar a expansão das matrículas de ensino médio integrado à
educação profissional, observando-se as peculiaridades das
populações do campo, dos povos indígenas e das comunidades
quilombolas. [...]
5.5 Apoiar a alfabetização de crianças indígenas e desenvolver
instrumentos de acompanhamento que considerem o uso da língua
materna pelas comunidades indígenas, quando for o caso. [...]
7.17 Ampliar a educação escolar do campo, quilombola e indígena a
partir de visão articulada ao desenvolvimento sustentável e à
preservação da identidade cultural. 7.18 Priorizar o repasse de
transferências voluntária. [...]
11.8 Estimular o atendimento do ensino médio integrado à formação
profissional, de acordo com as necessidades e interesses dos povos
indígenas. [...]
12.13 Expandir atendimento específico a populações do campo e
indígena, em relação a acesso, permanência, conclusão e formação
de profissionais para atuação junto a estas populações. [...]
15.6 Implementar programas específicos para formação de
professores para as populações do campo, comunidades quilombolas
e povos indígenas. (BRASIL, 2015).

Tais metas, de acordo com o plano deverão ser realizadas até 2020, a
fim de atender as demandas reivindicas pelos povos no Fórum Nacional de
Educação Escolar Indígena e outras organizações indígenas. Portanto, a
implementação das Leis, Decretos, Resoluções, entre outros preceitos legais
dependem da ação estatal, professores comprometidos com a educação
indígena e o envolvimento da comunidade indígena. Cabe, então, uma
vigilância constante para que não se desvie dos propósitos do PNE, que por
sua vez está atrelado à demarcação das terras e territórios indígenas e os
39

conflitos existentes com os não-índios, que usurparam de direitos de outrem


desde os primórdios da colonização brasileira pela coroa portuguesa.
Em Rondônia, a fim de atender os preceitos legais o governo criou, por
meio da Lei Complementar n° 578, DE Io DE JUNHO DE 2010 5, que dispõe
sobre a criação do Quadro de Magistério Público Indígena do Estado de
Rondônia, da carreira de Professor Indígena e, como efeito ilustrativo
apresenta-se o seu art. 2º que assim se expressa:
[...] Art. 2º. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se por:
1- Magistério Público Indígena - cargo de provimento efetivo
quantitativamente indicado nesta Lei Complementar e lotado na
Secretaria da Educação do Estado de Rondônia;
II- Cargo - o conjunto orgânico de atribuições e responsabilidades
cometidas a um servidor com as características essenciais de criação
por lei, com denominação própria, número certo e pagamento pelos
cofres do Estado;
III - Categoria - unidade básica da carreira, integrada pelo
agrupamento de cargos com a mesma denominação e iguais
responsabilidades, identificados pela natureza e complexidade de
suas atribuições e pelo grau de conhecimento e escolaridade exigível
para seu desempenho;
IV- Carreira- cargos dispostos segundo a identidade de qualificação
técnica;
V- Unidade Escolar Indígena - local de trabalho onde o servidor
desempenha suas atividades;
VI - Ensino Bilíngüe - capacitação dos alunos para a correta utilização
e emprego da língua portuguesa, da língua materna indígena, dos
costumes e da cultura indígena específica da comunidade. Na
hipótese de existir mais de um povo indígena na mesma Unidade
Escolar Indígena deverá ser garantido o ensino das diversas línguas
ali existentes com as especificidades de cada povo [...]. (RONDÔNIA,
2010).

Isso, de certo modo, representa um avanço para a conquista dos


indígenas, pois podem ter seus próprios professores e com formação
específica e com condições para fazer a escola necessária aos povos
indígenas de Rondônia. Nesse universo de variadas línguas, costumes, hábitos
e valores indígenas se tem o ganho de poder contar com o financiamento
público de toda a estrutura necessária ao funcionamento da escola sonhada e
vivida pelos indígenas.

5
Ver Lei na íntegra em http://sapl.al.ro.leg.br/sapl_documentos/norma_juridica/4997 .
40

UNIDADE IV

CURRÍCULO BILÍNGUE E INTERCULTURALIDADE PARA EDUCAÇÃO


INDÍGENA

O currículo para as escolas indígenas precisa respeitar a vivência dos


povos a que se destina e, no caso dos povos indígenas, há um direcionamento
legal que coíbe os desvios que porventura possa ocorrer. Como escola estatal
ela precisa obedecer a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em
vigor, devendo ter os componentes curriculares da base comum e da
diversificada, com o diferencial que podem realizá-lo tendo presente a
Interculturalidade e o bilinguismo, que são características imanentes nessa
modalidade educativa.
Os desafios encontrados para implantar tal currículo esbarram-se na
formação dos professores, na estrutura física da escola, no envolvimento da
comunidade indígena e, principalmente no respeito aos valores e costumes
desses povos. O que se tem são tentativas de fazer algo que atenda aos
conflitos que estão à baila sobre o significado de ser índio hoje, com a
miscigenação cultural que permeia as aldeias.
Ao definir o currículo, os seus componentes básicos, objetivos,
conteúdos e métodos devem estar sempre solidários e não serem
considerados como componentes isolados. Cada vez que fatores socioculturais
e econômicos sugerirem uma (re)definição de objetivos, associados a isto,
deverá haver uma sensível mudança no conteúdo a ser tratado, bem como na
metodologia para se conduzir esse conteúdo.
Entende-se que a educação indígena tem como objetivo a conquista da
autonomia sócio-econômico-cultural de cada povo, diferentemente de alguns
anos atrás, quando o objetivo da escola indígena era a integração à sociedade
envolvente. Houve, portanto, uma mudança de objetivos, o que implica
necessariamente uma mudança dos conteúdos, bem como da metodologia a
ser utilizada.
A alfabetização, no domínio da educação indígena é condição primeira
para o nascimento da escola nas aldeias, pois a garantia legal é para que seja
na língua materna, mas o bilingüismo precisa ser praticado com a língua
41

portuguesa. Ao recuperar a língua a criança tem melhores condições de inserir-


se melhor no mundo indígena, dado os desafios que os foram colocado pela
modernidade. No caso a língua portuguesa deve funcionar como instrumental
de luta contra a dominação não-índia, ou seja, precisa fazer a “leitura mundo”,
como nos alerta Paulo Freire.
O diálogo com outras culturas deve se dar permanentemente, o que
supõe o conhecimento de mais de uma língua, primando pela indígena.
A metodologia de aprendizagem também deverá ser específica,
considerando os saberesfazeres da tradição indígena, fazendo uma língua viva
e dinâmica como ela entre os povos indígenas. Desse modo, a produção de
texto para além da silabação poderá produzir o significado almejado.
Em relação à matemática, sabe-se que historicamente a humanidade a
uma certa altura precisou quantificar, comparar, classificar, medir, entre outros
aspectos relacionados a essa área. Na educação indígena o uso de cálculo nos
saberes-viveres cotidianos também são necessários como os não-indígenas.
Desse modo, a ideia básica é a de a escola incorporar os modelos ligados à
tradição do estudante e reconhecer como válidos todos os sistemas de
explicação, de conhecimento, construídos pelos povos, os quais têm seu
pertencimento.
Pedagogicamente, por meio de situações as mais variadas, que
naturalmente toquem o emocional do estudante, isto é, que lhes despertem o
interesse, a curiosidade, que lhe sejam agradáveis,. O estudante se envolverá
na busca de explicações, maneiras de entender o que o rodeia, e o professor
desenvolverá junto com ele meios de trabalhar com a realidade, um dois quais
é o trabalho com materiais concretos presentes no cotidiano do discente..
A definição dos conteúdos matemáticos também deve ser tema de
discussão na comunidade indígena e, para aqueles que acreditam numa
educação emancipatória e acreditam na capacidade dos indígenas os inserem
no processo, os resultados na aprendizagem dos conceitos, pensamento
lógico, entre outros aspectos importantes na aprendizagem do estudante, pode
ser surpreendente.
O estudo a partir de problemas concretos poderá ser uma das
alternativas para desenvolver o processo de ensinagem com os estudantes
Portanto, ele necessitam estar conectados com a vivência do estudante, de
42

modo que seja uma aprendizagem significativa. O que em geral se tem


observado é que os conteúdos matemáticos caem no vazio em suas fórmulas,
macetes e sua aplicabilidade se resumem, em grande medida às quatro
operações básicas, ou seja, somar, subtrair, multiplicar e dividir.
O ensino da História passa inicialmente pelo conhecimento crítico de
todo o processo local, nacional e internacional que interferem na vida do povo
indígena. A oralidade precisa ser conhecida e recontada pelos que são
experientes na comunidade indígena. As lições ensinadas pelos mais velhos da
aldeia é parte desse processo de ensinar história. Com isso o domínio da
história contada pelos não-indígenas precisa ser conhecida, servindo também
de instrumental para a resolução da vida na aldeia. O conhecimento das
expressões artístico-culturais dos diversos povos também precisam fazer parte
do estudo da história, porém necessariamente de maneira crítica e propositiva.
A Geografia nas escolas indígenas tem o papel de ajudar os estudantes
a compreenderem seus espaçostempos, de maneira que se percebam parte de
um mundo que está em movimento permanente. Deve-se ocupar as dimensões
da vida e os usos que se tem feito a humanidade na utilização da natureza.
A valorização da cultura indígena e da forma como utilizam seus
espaços precisa ser integrado aos conteúdos da geografia, bem como o que é
feito por outras sociedades ao utilizarem a terra, água, minerais, entre outros
elementos que compõem os estudos geográficos. A disciplina precisa servir
para melhorar a organização espacial da população indígena e o convívio com
os que não o são.
O ensino de ciências passa por compreender as relações dos seres
vivos entre si e com o meio, que inclui os não vivos. A abordagem das ciências
deverá voltar-se para a compreensão das relações dos seres entre si e com o
meio. O ensino de ciências deve contribuir para a compreensão da realidade
através da:
— pesquisa e valorização dos sistemas de conhecimento indígenas
relativos ao meio ambiente, como classificação e manuseio de
espécies vegetais e animais, de recursos naturais, teorias
astronômicas e cosmológicas;
— explicitação do dinamismo das transformações da matéria e da
energia, com o objetivo de demonstrar as possibilidades de domínio
do homem sobre essas transformações e da ação transformadora do
homem sobre a natureza;
43

— explicação das teorias não-indígenas sobre transformações dos


fenômenos da natureza enquanto regidas por leis naturais e
universais, que ocorrem no tempo e no espaço;
— explicitação de como as transformações dirigidas pelo homem
ocorrem em contextos históricos que determinam efeitos vários na
saúde, na economia, etc;
— necessidade de se possibilitar ao estudante uma leitura e
compreensão da totalidade, isto é, um trabalho de apreensão do
conteúdo mais amplo da sociedade, a fim de que este possa levantar
questionamentos e discussões sobre a prática social mais ampla.
(BRASIL, 1994, p.182)

O currículo das escolas indígenas deve incluir disciplinas que


respondam a demandas, necessidades e interesses da própria comunidade.
Um conjunto importante de disciplinas é o daquelas que vão contribuir para a
capacitação do educando naquilo que a comunidade considera essencial, tanto
para a revitalização de suas tradições como para a sua autonomia
socioeconômica, através da aprendizagem de novas técnicas e tecnologias.
O critério de escolha do conhecimento a ser trabalhado
pedagogicamente em qualquer série é o da explicação da realidade no seu
movimento histórico e no desvelamento das leis da natureza. O que diferencia
uma série da outra é o grau de interação que o estudante mantém com a
realidade. O processo de apropriação do conhecimento na perspectiva que
explicita a realidade é gradual: os conceitos vão sendo cada vez mais
elaborados, complexificados, ampliados à medida que o estudante perceba as
várias relações entre os mesmos e a realidade que os determina.
A integração dos conteúdos escolares estará efetivada, se os mesmos
encontrarem-se na perspectiva da história, uma vez que todo conteúdo assim
posto objetivará a compreensão da realidade no seu movimento dinâmico, o
que pressupõe a inter-relação dos seus diversos aspectos.
A escola indígena precisa integrar os conteúdos com a vida familiar e
comunitária e os instrumentos pedagógicos a serem utilizados nesse processo
poderão ser visita a experiências, cursos, construção de texto, palestras,
pesquisa da realidade e o ensino de atividades práticas que serão úteis na vida
da criança, jovem ou o adulto indígena.
As lideranças indígenas são importantíssimas nesse processo. O Pajé,
por exemplo, exerce um certo poder no interior da etnia e, como liderança
espiritual, profeta, médico, conselheiros, entre outras funções, pode dar uma
importante colaboração na ensinagem da escola indígena.
44

Exemplarmente a escola pode trabalhar na confecção de artesanato e


suas multiplicidades nos conteúdos das áreas do conhecimento, ao mesmo
tempo, que poderá se constituir numa fonte de renda para a aldeia.

A RELAÇÃO EDUCATIVA NO INTERIOR DA ESCOLA INDÍGENA

A relação do estudante com o professor, na escola, é mediada pelo


conhecimento. O professor detém, a priori, o conhecimento formal que o
educando necessita apreender, sendo que a ação pedagógica promovida se
constitua numa relação horizontalizada, de modo que o educador não se
coloque em atitude autoritária em relação aos conteúdos e, principalmente com
o estudante. Nesse interim, a criatividade é elemento essencial a ser
incentivada, tendo a humildade do docente um papel relevante no processo de
“ensinagem” (ASSMANN, 1988).

Fonte: https://www.google.com.br/search?q=CERNIC+Cacoal+RO
Em relação à comunidade indígena e suas famílias a relação deve ser
cada vez mais estreitada, considerando o papel importante dos adultos na
educação dos filhos. No caso, a comunidade exerce um poder extraordinário
sobre a educação das crianças desde a concepção. Ela cresce em um
ambiente o mais livre possível, havendo pessoas que independente que sejam
ou não filhos biológicos tem a responsabilidade natural de educá-los. Desse
modo, o envolvimento comunitário se torna elemento essencial no processo
educativo desde a indicação dos conteúdos, formas de ensiná-los, a
45

participação direta dos mais velhos da etnia, entre outas responsabilidades e


apoios que são passíveis de serem feitos por toda a comunidade.
A educação escolar indígena é uma ação compartilhada, em que
educadores são os responsáveis por articular os saberes-fazeres daqueles que
estão envolvidos na educação das crianças. O papel da comunidade se inicia
desde a criação da escola, definição da estrutura física, dos objetivos, dos
conteúdos, da pedagogia a ser usada e todo o processo avaliativo. Com isso
esbarra-se num problema que é crucial na educação indígena, qual seja, a
formação do educador, que geralmente se resume em cursos superiores que
não considera a realidade indígena. Nesse ínterim, o “professor” não-indígena,
geralmente cai de paraquedas na educação indígena e alguns deles, por olhar
o mundo de baixo para cima, conseguem fazer essa aproximação necessária à
comunidade. Outros, arrogantemente se intitulam conhecedores dos conteúdos
não-indígenas e autoritariamente impõe seus costumes e tradições por meio da
língua portuguesa.
Assim, se torna essencial o educador assumir-se enquanto elemento
intrínseco nesse encantamento por educar as crianças, adolescentes, jovens e
adultos, incorporando certos comportamentos, valores e atitudes que vão de
encontro à educação indígena, que o pertencimento vai de encontro às
condições do trabalho docente. Assmann (1988, p.23) assevera que:
O panorama educacional brasileiro é desolador, especialmente na
escola pública [de educação básica]. É tal o vilipêndio da profissão de
educadores/as neste país que, para muitos soa bastante ingênuo e
idílico passar diretamente à proposta de somarmos esforços para
que, em nossas escolas, o gozo de experiências de aprendizagem
seja erigido pelo sistema. A luta pela valorização pela valorização e
de redignificação, salarial e profissional, dos docentes adquiriu tal
prioridade que muitos já nem se lembram de ancorá-la também no
reencantamento do cerne pedagógico da experiência educacional.

No caso de Rondônia, ainda o quantitativo de professores não indígenas


que lecionam em escolas indígenas é predominante, apesar do Governo do
Estado, em parceira com a Universidade Federal de Rondônia, ter o projeto de
formação de professores indígenas Açai, já em sua segunda edição. Já a
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) criou o Curso de Licenciatura
Intercultural regular, sob o aval da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que funciona no Campus de Ji-
Paraná, município localizado na Região Central desse estado.
46

Nessa escola indígena os espaços físicos (prédio escolar, biblioteca,


laboratório, área de lazer, experiências, cozinha, entre outros espaços, bem
como os equipamentos, mobília, materiais didáticos precisam ser adaptados à
realidade da comunidade indígena.
O espaço-tempo da sala de aula precisa ser ornamentado conforme os
costumes e tradições da comunidade indígena, a fim de educar as crianças
com seus costumes, valorizando-os, preservando-os e ressignificando-os. De
acordo com Neves (2005, p. 2) :

A proposta da escola indígena é contribuir na luta da


autodeterminação dos Povos Indígenas, levando em conta a
pluralidade cultural onde a avaliação não pode ser instrumento de
negação ou exclusão mas de apoio, incentivo e afirmação de um
novo projeto educativo.

Quanto ao calendário escolar este deve ser adaptado à realidade


indígena, combinando com seus afazeres, ou seja, trabalhos na roça, lazer,
pesca, caça, festas, jogos reuniões, entre outras atividades. No entanto, isso
não poderá permanecer como discurso, mas realizar efetivamente as
mudanças para garantir o envolvimento e a participação dos indígenas. Se a
escola é indígena,cabe a gerenciarem, inclusive o controle de seu tempo.
As comunidades indígenas demandam que seus professores sejam da
comunidade, mas que estejam preparados para orientar em todo o processo
educativo intercultural e bilíngue, considerando toda a diversidade que possa
existir numa aldeia ou aquelas próximas que possuem poucos membros e que
se unem para não desaparecerem. A defesa desse currículo requer:

— a formação de índios como pesquisadores de suas próprias


línguas, história, geografia, meio ambiente, saúde...;
— a formação de índios como alfabetizadores em suas línguas
maternas;
— a formação de índios como escritores e redatores de material
didático-pedagógico em suas línguas maternas, referente aos
etnoconhecimentos de duas sociedades;
— a formação de índios como professores de português como
segunda língua, e redatores de materiais didático-pedagógicos em
português;
— a capacitação de índios como administradores e gestores de seus
processos educativos escolarizados;
— é imprescindível também a formação e capacitação de assessores/
professores (formadores) especializados envolvidos — nas
universidades e entidades de apoio —em projetos de educação
escolar indígena, para atuarem em parceria com os
47

professores/pesquisadores/ alfabetizadores indígenas no processo de


criação da progressiva autonomia indígena em relação à sua
educação escolarizada;
— finalmente, não se pode esquecer a formação de
técnicos/assessores nas Secretarias de Educação e Diretorias
Regionais da Funai.(BRASIL,

A escola indígena e sua matriz curricular, os objetivos e todo o projeto


pedagógico deverá ficar a cargo dos indígenas (comunidade e professores),
recebendo o apoio de órgãos estatais como o Ministério da Educação, a
Secretaria Estadual de Educação; Secretarias Municipais de Educação; e, toda
a equipe responsável pela administração da escola. Portanto, a construção
curricular e seus desdobramentos em conformidade com o que propõe as
resoluções e decretos legais é um processo que se integra na arena diária de
interesses de governos e o povo indígena.
O fato é que essa escola tem que ser olhada como instrumento político
para conquistar direitos essenciais à vida nas áreas indígenas. Assim, essa
modalidade educativa esbarra no dilema que se a escola é do estado precisa
seguir suas leis e a escola indígena sonhada, está por construir.
Por fim, o currículo com uma práxis intercultural e bilinguista precisa
considerar toda a diversidade lingüística dos estudantes que estão na escola
naquele dado momento; a formação geral e específica de cada professor; o
envolvimento da comunidade indígena, principalmente dos poucos falantes de
determinadas línguas; é um projeto que seus resultados só serão vistos no
médio e longo prazo. Portanto, a escola tem que ser do indígena e, os não-
indígenas podem inserir-se nessa luta, que é de todos os que acreditam em
melhores condições da/para a vida.
48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Ana Vera. Missões Guarani. São Paulo: EDUC, 2005.

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente.


Petrópolis- RJ: Vozes, 1988.

BORGHETTI, Andreia. Tekó, Tekoá, Nhanderecó e Oguatá: territorialidade e


deslocamento entre os Mbyá- Guarani. Dissertação mestrado. Universidade de
Brasília Instituto de Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social. Brasília, 2014.

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Federal, Centro Gráfico, 1988.

______. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece Diretrizes Bases


da Educação Nacional. Diário Oficial da União; Brasília:1996.

______. Portaria Interministerial n º 559, de 16 de abril de 1991. Sobre a


Educação Escolar paraas Populações Indígenas. CEDOC, Brasília.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Ensino


Fundamental. Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas.
Brasília: Gráfica Oficial,1998.

______. Resolução CEB 3/99 de 10 de novembro de 1999. Fixa as Diretrizes


Nacionais para o Funcionamento das Escolas Indígenas. Diário Oficial da
União, Brasília, 13 de abril de 1999. Secção 1, p.18.

_______. Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação (PNE 2011/2020) :


projeto em tramitação no Congresso Nacional / PL no 8.035 / 2010 /
organização: Márcia Abreu e Marcos Cordiolli. – Brasília : Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2011. 106 p. – (Série ação parlamentar ; n. 436).

______. Diretrizes Para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena.


Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994. P. 175 – 187.

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela, (1995). O futuro da questão indígena. In:


LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luís Donizete. A temática indígena na
escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília/MEC
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http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12. Acesso em
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GADELHA, Regina. Missões Guarani. Impacto na sociedade


contemporânea.São Paulo:EDUC,1999.
49

GAIGER, J. Direitos Indígenas na Constituição Brasileira de 1988, CIMI,


Brasília, 1989.

GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. A Temática Indígena na escola .São Paulo:


Global Editora e Distribuidora Ltda., 2004.

MALDI. Denise. De confederados a bárbaros: a representação da


territorialidade e da fronteira indígenas nos séculos XVIII e XIX. (Revista de
Antropologia. São Paulo, USP, 1997, V. 40 nº2 , p 184-221

MELATTI, Júlio César. Índios do Brasil, HUCITEC, 5. ed., 1987, Brasília.

MELIÀ, Bartomeu. Educação indígena e alfabetização. São Paulo: Loyola,


1979.

NEVES, Josélia Gomes. Didática Etnoambiental: buscando caminhos para a


avaliação da aprendizagem na Escola Indígena. Revista P@rtes, 2006, São
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Acesso em Dezembro de 2014.
RIOS, Mirivan Carneiro. A formação dos professores indígenas suruí,
no estado de Rondônia. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul. 2007. 384p. Disponível em
https://sistemas.ufms.br/sigpos/portal/trabalhos/download. Acesso em
Dezembro de 2014.

SAMPAIO, Wany; SILVA, Vera. Os povos indígenas de Rondônia:


contribuições para a compreensão de sua cultura e de sua história. 2.ed. Porto
Velho- RO: Editora da UNIR, 1997.

VENERE, Mário Roberto. Projeto Açaí: uma contribuição à formação dos


professores indígenas no estado de Rondônia. Dissertação de Mestrado.
Universidade Estadual de São Paulo (UNIESP). “Júlio de Mesquita Filho”.
Araraquara – SP. 2011. 204 p.
50

ANEXO 1
RESOLUÇÃO CEB Nº 3, DE 10 DE NOVEMBRO DE 19996
Fixa Diretrizes Nacionais para o
funcionamento das escolas
indígenas e dá outras providências.

O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de


Educação, no uso de suas atribuições regimentais e com base nos artigos 210,
§ 2º, e 231, caput, da Constituição Federal, nos arts. 78 e 79 da Lei 9.394, de
20 de dezembro de 1996, na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda
no Parecer CEB 14/99, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da
Educação, em 18 de outubro de 1999, RESOLVE:

Art. 1º Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o


funcionamento das Escolas Indígenas, reconhecendo-lhes a condição de
escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes
curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, visando à valorização plena das
culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade
étnica.
Art.2º Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e o
funcionamento da escola indígena:
I - sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que
se estendam por territórios de diversos Estados ou Municípios contíguos;
II – exclusividade de atendimento a comunidades indígenas;
III – o ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas,
como uma das formas de preservação da realidade sociolinguística de cada
povo;
IV – a organização escolar própria. Parágrafo Único. A escola indígena será
criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa de comunidade
interessada, ou com a anuência da mesma, respeitadas suas formas de
representação.

6
Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução CEB 3/99. Diário Oficial da União, Brasília,
17 de novembro de 1999. Seção 1, p. 19.
51

Art. 3º Na organização de escola indígena deverá ser considerada a


participação da comunidade, na definição do modelo de organização e gestão,
bem como:
I- suas estruturas sociais;
II- suas práticas socioculturais e religiosas;
III- suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos
de ensino aprendizagem;
IV- suas atividades econômicas;
V- a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das
comunidades indígenas;
VI- o uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o
contexto sociocultural de cada povo indígena.
Art. 4º As escolas indígenas, respeitados os preceitos constitucionais e legais
que fundamentam a sua instituição e normas específicas de funcionamento,
editadas pela União e pelos Estados, desenvolverão suas atividades de acordo
com o proposto nos respectivos projetos pedagógicos e regimentos escolares
com as seguintes prerrogativas:
I – organização das atividades escolares, independentes do ano civil,
respeitado o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas;
II – duração diversificada dos períodos escolares, ajustando-a às condições e
especificidades próprias de cada comunidade.
Art. 5º A formulação do projeto pedagógico próprio, por escola ou por povo
indígena, terá por base:
I – as Diretrizes Curriculares Nacionais referentes a cada etapa da educação
básica;
II – as características próprias das escolas indígenas, em respeito à
especificidade étnico cultural de cada povo ou comunidade;
III - as realidades sociolinguísticas, em cada situação;
IV – os conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos próprios
de constituição do saber e da cultura indígena;
V – a participação da respectiva comunidade ou povo indígena.
Art. 6º A formação dos professores das escolas indígena será específica,
orientar-se-á pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e será desenvolvida no
âmbito das instituições formadoras de professores. Parágrafo único. Será
52

garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for


o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.
Art. 7º Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à
constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores,
habilidades, e atitudes, na elaboração, no desenvolvimento e na avaliação de
currículos e programas próprios, na produção de material didático e na
utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa.
Art. 8º A atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente
por professores indígenas oriundos da respectiva etnia.
Art. 9º São definidas, no plano institucional, administrativo e organizacional, as
seguintes esferas de competência, em regime de colaboração:
I – à União caberá legislar, em âmbito nacional, sobre as diretrizes e bases da
educação nacional e, em especial:
a) legislar privativamente sobre a educação escolar indígena;
b) definir diretrizes e políticas nacionais para a educação escolar indígena;
c) apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento dos
programas de educação intercultural das comunidades indígenas, no
desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa, com a
participação dessas comunidades para o acompanhamento e a avaliação dos
respectivos programas;
d) apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino na formação de
professores indígenas e do pessoal técnico especializado;
e) criar ou redefinir programas de auxílio ao desenvolvimento da educação, de
modo a atender às necessidades escolares indígenas;
f) orientar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento de ações na área da
formação inicial e continuada de professores indígenas;
g) elaborar e publicar, sistematicamente, material didático específico e
diferenciado, destinado às escolas indígenas.
II - aos Estados competirá:
a) responsabilizar-se pela oferta e execução da educação escolar indígena,
diretamente ou por meio de regime de colaboração com seus municípios;
b) regulamentar administrativamente as escolas indígenas, nos respectivos
Estados, integrando-as como unidades próprias, autônomas e específicas no
sistema estadual;
53

c) prover as escolas indígenas de recursos humanos, materiais e financeiros,


para o seu pleno funcionamento;
d) instituir e regulamentar a profissionalização e o reconhecimento público do
magistério indígena, a ser admitido mediante concurso público específico;
e) promover a formação inicial e continuada de professores indígenas.
f) elaborar e publicar sistematicamente material didático, específico e
diferenciado, para uso nas escolas indígenas.
III - aos Conselhos Estaduais de Educação competirá:
a) estabelecer critérios específicos para criação e regularização das escolas
indígenas e dos cursos de formação de professores indígenas;
b) autorizar o funcionamento das escolas indígenas, bem como reconhecê-las;
c) regularizar a vida escolar dos alunos indígenas, quando for o caso.
§ 1º Os Municípios poderão oferecer educação escolar indígena, em regime de
colaboração com os respectivos Estados, desde que se tenham constituído em
sistemas de educação próprios, disponham de condições técnicas e financeiras
adequadas e contem com a anuência das comunidades indígenas
interessadas.
§ 2º As escolas indígenas, atualmente mantidas por municípios que não
satisfaçam as exigências do parágrafo anterior passarão, no prazo máximo de
três anos, à responsabilidade dos Estados, ouvidas as comunidades
interessadas.
Art.10 O planejamento da educação escolar indígena, em cada sistema de
ensino, deve contar com a participação de representantes de professores
indígenas, de organizações indígenas e de apoio aos índios, de universidades
e órgãos governamentais.
Art. 11 Aplicam-se às escolas indígenas os recursos destinados ao
financiamento público da educação.
Parágrafo Único. As necessidades específicas das escolas indígenas serão
contempladas por custeios diferenciados na alocação de recursos a que se
referem os artigos 2º e 13º da Lei 9424/96.
Art. 12 Professor de escola indígena que não satisfaça as exigências desta
Resolução terá garantida a continuidade do exercício do magistério pelo prazo
de três anos, exceção feita ao professor indígena, até que possua a formação
requerida.
54

Art. 13 A educação infantil será ofertada quando houver demanda da


comunidade indígena interessada.
Art. 14 Os casos omissos serão resolvidos:
I - pelo Conselho Nacional de Educação, quando a matéria estiver vinculada à
competência da União;
II - pelos Conselhos Estaduais de Educação.
Art. 15 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16 Ficam revogadas as disposições em contrário.

ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET


Presidente da Câmara de Educação Básica
55

ANEXO 2
DECRETO N° 6.861, DE 27 DE MAIO DE 2009

Dispõe sobre a Educação Escolar


Indígena, define sua organização em
territórios etnoeducacionais, e dá outras
providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art.


84, inciso IV, e tendo em vista o disposto no art. 231, ambos da Constituição, e
nos arts. 78 e 79 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, na Lei
no 10.172, de 9 de janeiro de 2001, e no Decreto n o 5.051 de 19 de abril de
2004,

DECRETA:

Art. 1o A educação escolar indígena será organizada com a participação dos


povos indígenas, observada a sua territorialidade e respeitando suas
necessidades e especificidades.

Art. 2o São objetivos da educação escolar indígena:


I - valorização das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção
de sua diversidade étnica;
II - fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de cada
comunidade indígena;
III - formulação e manutenção de programas de formação de pessoal
especializado, destinados à educação escolar nas comunidades indígenas;
IV - desenvolvimento de currículos e programas específicos, neles incluindo os
conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
V - elaboração e publicação sistemática de material didático específico e
diferenciado; e
VI - afirmação das identidades étnicas e consideração dos projetos societários
definidos de forma autônoma por cada povo indígena.

Art. 3o Será reconhecida às escolas indígenas a condição de escolas com


normas próprias e diretrizes curriculares específicas, voltadas ao ensino
intercultural e bilíngue ou multilíngue, gozando de prerrogativas especiais para
organização das atividades escolares, respeitado o fluxo das atividades
econômicas, sociais, culturais e religiosas e as especificidades de cada
comunidade, independentemente do ano civil.

Art. 4o Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e o


funcionamento da escola indígena:
I - sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas;
II - exclusividade de atendimento a comunidades indígenas;
III - ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas; e
IV - organização escolar própria.
Parágrafo único. A escola indígena será criada por iniciativa ou reivindicação
da comunidade interessada, ou com sua anuência, respeitadas suas formas de
representação.
56

Art. 5o A União prestará apoio técnico e financeiro às seguintes ações voltadas


à ampliação da oferta da educação escolar às comunidades indígenas, entre
outras que atendam aos objetivos previstos neste Decreto:
I - construção de escolas;
II - formação inicial e continuada de professores indígenas e de outros profissionais
da educação;
III - produção de material didático;
IV - ensino médio integrado à formação profissional; e
V - alimentação escolar indígena.
§ 1o O apoio financeiro do Ministério da Educação será orientado a partir das
ações previstas e pactuadas no plano de ação de cada território
etnoeducacional, previstos nos arts. 6o, 7o e 8o, e veiculadas pelo Plano de
Ações Articuladas - PAR de que trata o Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007.
§ 2o As ações apoiadas pelo Ministério da Educação deverão estar em
conformidade com as diretrizes curriculares nacionais da educação escolar
indígena, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação.

Art. 6o Para fins do apoio de que trata o art. 5 o, a organização territorial da


educação escolar indígena será promovida a partir da definição de territórios
etnoeducacionais pelo Ministério da Educação, ouvidos:
I - as comunidades indígenas envolvidas;
II - os entes federativos envolvidos;
III - a Fundação Nacional do Índio - FUNAI;
IV - a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena;
V - os Conselhos Estaduais de Educação Escolar Indígena; e
VI - a Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI.

Parágrafo único. Cada território etnoeducacional compreenderá,


independentemente da divisão político-administrativa do País, as terras
indígenas, mesmo que descontínuas, ocupadas por povos indígenas que
mantêm relações intersocietárias caracterizadas por raízes sociais e históricas,
relações políticas e econômicas, filiações lingüísticas, valores e práticas
culturais compartilhados.

Art. 7o Cada território etnoeducacional contará com plano de ação para a


educação escolar indígena, nos termos do art. 8 o, elaborado por comissão
integrada por:
I - um representante do Ministério da Educação;
II - um representante da FUNAI;
III - um representante de cada povo indígena abrangido pelo território
etnoeducacional ou de sua entidade; e
IV - um representante de cada entidade indigenista com notória atuação na
educação escolar indígena, no âmbito do território etnoeducacional.
§ 1o Serão obrigatoriamente convidados para integrar a comissão os Secretários
de Educação dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, sobre os quais
incidam o território etnoeducacional.
§ 2o A comissão poderá convidar ou admitir outros membros, tais como
representantes do Ministério Público, das instituições de educação superior, da
rede de formação profissional e tecnológica, além de representantes de outros
57

órgãos ou entidades que desenvolvam ações voltadas para a educação escolar


indígena.
§ 3o A comissão deverá submeter o plano de ação por ela elaborado à
consulta das comunidades indígenas envolvidas.
§ 4o Será assegurado às instâncias de participação dos povos indígenas
acesso às informações sobre a execução e resultados das ações previstas nos
planos.
§ 5o A comissão elaborará suas normas internas de funcionamento e reunir-
se-á, no mínimo semestralmente, em sessões ordinárias, e, sempre que
necessário, em sessões extraordinárias.
§ 6o A comissão acompanhará a execução do plano e promoverá sua revisão
periódica.

Art. 8o O plano de ação deverá conter:


I - diagnóstico do território etnoeducacional com descrição sobre os povos,
população, abrangência territorial, aspectos culturais e lingüísticos e demais
informações de caráter relevante;
II - diagnóstico das demandas educacionais dos povos indígenas;
III - planejamento de ações para o atendimento das demandas educacionais; e
IV - descrição das atribuições e responsabilidades de cada partícipe no que diz
respeito à educação escolar indígena, especialmente quanto à construção de
escolas indígenas, à formação e contratação de professores indígenas e de
outros profissionais da educação, à produção de material didático, ao ensino
médio integrado à educação profissional e à alimentação escolar indígena.

Parágrafo único. O Ministério da Educação colocará à disposição dos entes


federados envolvidos equipe técnica que prestará assistência na elaboração
dos planos de ação e designará consultor para acompanhar sua execução.

Art. 9o A formação de professores indígenas será desenvolvida no âmbito das


instituições formadoras de professores e será orientada pelas diretrizes
curriculares nacionais da educação escolar indígena.
§ 1o Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à:
I - constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores,
habilidades e atitudes apropriadas para a educação indígena;
II - elaboração, ao desenvolvimento e à avaliação de currículos e programas
próprios;
III - produção de material didático; e
IV - utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa.
§ 2o A formação dos professores indígenas poderá ser feita
concomitantemente à sua escolarização, bem como à sua atuação como
professores.

Art. 10. A produção de material didático e para-didático para as escolas


indígenas deverá apresentar conteúdos relacionados aos conhecimentos dos
povos indígenas envolvidos, levando em consideração a sua tradição oral, e
será publicado em versões bilíngües, multilíngües ou em línguas indígenas,
incluindo as variações dialetais da língua portuguesa, conforme a necessidade
das comunidades atendidas.
58

Parágrafo único. As propostas de elaboração e produção de material didático


para as escolas indígenas apoiadas com recursos do Ministério da Educação
serão submetidas à análise e aprovação de comissão instituída para apoio à
produção de material didático indígena.

Art. 11. As propostas pedagógicas para o ensino médio integrado à formação


profissional dos alunos indígenas deverão articular as atividades escolares com
os projetos de sustentabilidade formulados pelas comunidades indígenas e
considerar as especificidades regionais e locais.

Art. 12. A alimentação escolar destinada às escolas indígenas deve respeitar


os hábitos alimentares das comunidades, considerados como tais as práticas
tradicionais que fazem parte da cultura e da preferência alimentar local.

Art. 13. As despesas da União com educação escolar indígena correrão à


conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas ao Ministério da
Educação, devendo o Poder Executivo compatibilizar a quantidade de projetos
a serem aprovados com as dotações orçamentárias existentes, observados os
limites estipulados pelo Poder Executivo, na forma da legislação orçamentária
e financeira.

Art. 14. O Ministério da Educação coordenará a implantação, o


acompanhamento e a avaliação da educação escolar indígena, respeitada a
autonomia e mantidas as responsabilidades e competências dos entes
federativos.

Art. 15. O Parágrafo segundo do art. 11 do Decreto n° 5.773, de 9 de maio de


2006, passa a vigorar com a seguinte redação:
“§ 2o A instituição que oferecer curso antes da devida autorização, quando
exigida, terá sobrestados os processos de autorização e credenciamento em
curso, pelo prazo previsto no § 1o do art. 68.” (NR)

Art. 16. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 27 de maio de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Tarso Genro
Fernando Haddad

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