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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ANA GRAZIELE CARDOSO


CAMILA FERREIRA DA CRUZ
GABRIELLA FERREIRA PARAVATI
NATALIA SANTOS GEROSA
PAOLA DE FREITAS OLIVEIRA

CPLP: UMA VERTENTE DA DIPLOMACIA BRASILEIRA PARA O


CONTINENTE AFRICANO

São Paulo
2009
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

ANA GRAZIELE CARDOSO


CAMILA FERREIRA DA CRUZ
GABRIELLA FERREIRA PARAVATI
NATALIA SANTOS GEROSA
PAOLA DE FREITAS OLIVEIRA

CPLP: UMA VERTENTE DA DIPLOMACIA BRASILEIRA PARA O


CONTINENTE AFRICANO

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como parte das atividades
para a obtenção do grau de Bacharel em
Relações Internacionais, no 8º semestre,
na Universidade Anhembi Morumbi.

Orientadora: Profª Ariane Roder

São Paulo

2009
Agradecimentos

Agradecemos, a nossa orientadora Ariane Roder por sua dedicação e


paciência ao longo de todas as fases desse estudo. Agradecemos também aos
nossos pais que estiveram presentes com comentários inteligentes, nos dando
força e acima de tudo nos motivando como sempre a alcançar nossos
objetivos. Obrigada também a todos os amigos, colegas e familiares em geral
que mesmo nos instantes de muita tensão nos proporcionaram momentos de
muita alegria. E, por fim, um obrigado especial a cada uma de nós, pela
dedicação e sentimento mútuo de respeito e amizade.
Dedicatória

Dedicamos esse trabalho


a nossas famílias, a nossos
amigos, e a todos aqueles que
nos incentivaram na jornada
acadêmica e pessoal.
Resumo

Com base em preceitos cunhados na área de relações internacionais, o


presente trabalho propõe uma análise da concepção da CPLP no
redirecionamento da política externa brasileira para o continente africano. A
Comunidade, que fora criada a partir das idéias literárias de aproximação das
línguas na década de 1990, tem se mostrado fundamental no campo de
negociações que procede em uma maior integração e desenvolvimento aos
países-membros e, principalmente, tem se apresentado de suma importância
para o redirecionamento da política externa brasileira para a África em
temáticas que vão além da diplomacia sociocultural discursada pelo governo
Lula. O estudo em questão apresenta a incorporação do âmbito estratégico
face ao aspecto de integração cultural, visto que o discurso diplomático
brasileiro tem se apoiado nessa condição vislumbrando o papel de liderança no
cone Sul e uma maior visibilidade nas tomadas de decisões no cenário
internacional.

Palavras-chave

Brasil; CPLP; política externa brasileira; relações Brasil-África; diplomacia


sociocultural; finalidades estratégicas, governo Lula.
Abstract

Based on International Relations principles, the present study analyzes


the CPLP (Community of Portuguese Language Countries) in redirection of
Brazilian foreign policy for Africa. The Community which was created from the
literary ideas to approach the language in the 1990's, is an essential and
primordial element in the negotiation resulting in a bigger development and
integration of member countries and also is extremely important to redirect the
Brazilian foreign policy for Africa on many issues that beyond sociocultural
diplomacy speech by President Lula. This study presents the incorporation of a
strategic view of the aspect of cultural integration by CPLP, since the Brazilian
diplomatic discourse has relied on this condition overlooking the role of
leadership in the Southern Cone and greater visibility in decision-making in the
international arena.

Keywords

Brazil; CPLP; Brazilian foreign policy; Brazil-Africa relations, sociocultural


diplomacy, strategic purposes, Lula government.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................9

CAPÍTULO 1 CONTEXTO HISTÓRICO ...................................................................11

1.1 As relações entre o Brasil, Portugal e a África no Atlântico Sul até a


primeira metade do século XX .............................................................................11

1.2 Afastamentos e reaproximações: a retomada da África na pauta de


preferências do Brasil ..........................................................................................14

1.3 A Cooperação Sul-Sul no contexto militar e na Guerra Fria ..........................19

1.4 A reafirmação de uma política africana na agenda diplomática brasileira. ....22

CAPÍTULO 2 A CPLP ...............................................................................................27

2.1 Uma nova possibilidade de cooperação no Atlântico Sul...............................27

2.2 A estrutura e os objetivos da CPLP ...............................................................29

2.3 Acordos firmados no âmbito da CPLP ...........................................................32

2.3.1 Acordos Intra CPLP..................................................................................32

2.3.2 Acordos entre a CPLP e Entidades da Sociedade Civil ...........................34

2.3.3 Acordos entre CPLP e Organizações Internacionais............................ ... 35

CAPÍTULO 3 A INTENSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE O BRASIL E O


CONTINENTE AFRICANO VIA CPLP......................................................................39

3.1 A importância do continente africano no atual contexto internacional............39

3.2 Aproximações entre o Brasil e os PALOP via CPLP......................................42

3.3 Brasil – África: a diplomacia sociocultural no governo Lula ...........................50

3.4 A importância da CPLP frente aos interesses do Brasil.................................56


CONCLUSÃO............................................. ...............................................................61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................63


9

INTRODUÇÃO

Historicamente, as relações entre o Brasil e a África se iniciaram com a


chegada dos primeiros escravos africanos em território brasileiro no século XVI.
Tal ligação se baseou, sobretudo, no tráfico e exploração de mão-de-obra
escrava, que perdurou até o final do século XIX, quando o Brasil voltou-se aos
seus interesses internos e à diversificação de parcerias (EUA, Europa e
América Latina) de modo a superar o fim da escravidão e alcançar o
desenvolvimento econômico, e a África sujeitou-se à colonização diante das
metrópoles européias.
Todavia, os laços e a identidade cultural não se perderam: os africanos
contribuíram na construção da nossa cultura, nossos hábitos, nossa religião e
também para a nossa diplomacia; ou seja, embora a atuação africana tenha
sido um tanto que exclusa da sociedade brasileira contemporânea e as
relações brasileiras com os países africanos no último século tenham sido
marcadas por aproximações, distanciamentos e contradições, a atual
conjuntura internacional em que constantes mudanças políticas e econômicas
conferem a necessidade de uma participação mais ativa dos países em
desenvolvimento fizera com que a África não caísse em esquecimento. É neste
contexto que se encaixa a identificação socioeconômica e cultural e o aspecto
particular da nossa língua como fatores que têm levado a uma maior
aproximação entre o Brasil e o continente africano por meio da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O estudo em questão propõe uma análise do redirecionamento da
política externa brasileira para o continente africano a partir da criação da
CPLP. A hipótese central desse estudo preconiza que a aproximação entre o
Brasil e o continente africano, especificamente com os países africanos de
língua portuguesa (PALOP1), tem contribuído para o redirecionamento política
externa brasileira no foco estratégico; como a prática diplomática em torno dos
preâmbulos da CPLP tem levado a uma maior inserção do Brasil no cenário
internacional; e como essa aproximação tem cooperado pela posição de
liderança do Brasil no âmbito das relações Sul-Sul. Muito além de uma

PALOP: Acrônimo para Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Grupo formado por
1

Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
10

diplomacia pautada no discurso sociocultural e em um sentimento de


solidariedade que nos aproxima, o objetivo central desse estudo é
compreender como o elemento integrador cultural tem se ampliado nos últimos
anos, vislumbrando contornos político-estratégicos frente às novas conjunturas
internas e externas do cenário internacional. Serão abordadas as condições
nas quais o Brasil promoveu a parceria com os países africanos de língua
portuguesa por meio CPLP, e quais os ganhos implícitos e explícitos na
retomada de uma diplomacia de interesses voltada não aos mais poderosos,
mas aos que em geral não figuram entre as nações mais rentáveis.
Buscaremos nos ampararmos metodologicamente na avaliação de
documentos e dados oficiais dos Ministérios das Relações Exteriores e da
Comunidade (Tratados, discursos, atos diplomáticos), bem como através de
análises bibliográficas de como a Comunidade redimensionou os contatos
entre o Brasil e o continente africanos. Para melhor compreensão do processo
de aproximação e aprofundamento das relações entre o Brasil e a África,
faremos uma construção histórica desde a chegada dos primeiros escravos
africanos em terras brasileiras até a abolição da escravatura. Posteriormente,
teremos uma análise comparativa das atuações dos governos brasileiros na
política externa africana, no intuito de identificar quais períodos marcaram os
processos de distanciamento e aproximações entre as duas margens do
atlântico. A despeito da retomada histórica da política externa africana,
focaremos na gestão Lula, marco da aproximação e cooperação do Brasil com
a África – momento em que as iniciativas diplomáticas do Brasil tornaram-se
mais intensas. Analisaremos também os mecanismos de funcionamento da
CPLP e como esse arcabouço institucional têm contribuído para a formação
nacional e afirmação internacional dos países membros por meio da estratégia
de cooperação. Por fim, buscaremos avaliar a importância da Comunidade no
estreitamento diplomático cultural entre o Brasil e o continente africano e como
sua eventual importância tem influenciado em derivativos para outras áreas da
agenda internacional de interesse da política externa brasileira.
11

CAPÍTULO 1 CONTEXTO HISTÓRICO

1.1. As relações entre o Brasil, Portugal e a África no Atlântico Sul até a


primeira metade do século XX

Segundo estudos geológicos, ha mais de 65 milhões de anos, na era


Mesozóica, havia um imenso continente denominado Pangeia, no qual o Brasil
e o continente Africano estavam atrelados. Embora separados pela ação
tectônica das placas terrestres, centenas de milhões de anos depois o Brasil e
África voltaram a ter elos no período colonial quando os colonizadores
portugueses ocuparam as duas margens do Oceano Atlântico Sul no século
XVI e deram início às interações que vieram a relacionar de modo íntimo a
História da África e a História do Brasil (PEREIRA; VISENTINI, 2008).
Ainda no século XV, Portugal iniciou um intenso processo expansionista
em busca de mercadorias para serem comercializadas no continente europeu,
com rotas de comércio na Ásia, África e América, onde iniciara não só a
expansão da economia européia, mas também a disseminação da cultura
portuguesa através dos processos de exploração e colonização. Logo, o
relacionamento entre Brasil e a maioria dos Países Africanos de Língua
Portuguesa (PALOP) remonta ao século XV e XVI, quando ambos integravam
o Império Português e as colônias africanas tinham por objetivo suprir a
demanda por escravos (RIZZI, 2008).
Com a solidificação do Império Português no século seguinte e, sendo o
Brasil sua principal colônia de exploração, Portugal passou a intensificar o
aprisionamento e o tráfico de escravos, não somente em Angola (até então
país de maior demanda por escravos), como também em todo o território
africano, visando assegurar à colônia brasileira a mão-de-obra necessária às
plantações de cana-de-açúcar, tabaco, e às minas de ouro. Assim, a chegada
dos primeiros escravos africanos em território brasileiro deu início a uma longa
fase de ligação entre o continente africano e o Brasil, fundamentada,
sobretudo, no tráfico negreiro (RIZZI, 2008).
12

A construção de engenhos de açúcar no Brasil, por exemplo, teve


incentivo da Coroa Portuguesa desde 1530; no entanto, a falta de capital e os
problemas com o recrutamento da mão-de-obra dificultaram a devida
implantação. A primeira mão-de-obra utilizada nas montagens dos engenhos
fora indígena, mas os índios não só se apresentavam arredios como também
não dominavam técnicas agrícolas, além de deterem de grande conhecimento
da região de modo a ocasionar fugas constantes e bem sucedidas. Com a
chegada dos escravos africanos, foi disponibilizada mão-de-obra para
atividades especializadas e com conhecimentos de práticas agrárias; com
resistência a salubridades e maior submissão que os indígenas. (MARQUESE,
2006).
Os colonos portugueses traziam os negros de suas colônias na África e
davam-lhes tratamento de mercadorias, comercializando-os como mão-de-obra
escrava nos engenhos de açúcar no Nordeste e, a partir do século XVIII,
também como força de trabalho para a atividade de mineração. Neste contexto,
houve fomento ao aprimoramento do tráfico negreiro, intensificado pelo ciclo
econômico de cana-de-açúcar, principalmente nas regiões da Bahia e de
Pernambuco, onde situavam os maiores engenhos de açúcar. Em 1559, o
tráfico negreiro foi legalizado pelo decreto de D. Sebastião2, que decretou lícita
a captura de negros na África para trabalhar no Brasil. Em 1625, cerca de 150
mil escravos já habitavam as terras brasileiras (STUART, 1988).

“O tráfico negreiro sustentou a economia brasileira até meados


do século XIX, e estima-se que pelo menos 3,6 milhões de
africanos entraram no Brasil neste período de escravidão”
(BUBLITZ, 2004, p. 2).

Na segunda metade do século XVII, com a mineração, e no século XVIII,


com o ciclo do ouro, o sistema escravista no Brasil fundamentou-se “em uma
estreita articulação entre tráfico transatlântico de escravos bastante volumoso
em relação ao número de alforrias 3 ” (MARQUESE, 2006, p. 109). Essa

Décimo sexto rei de Portugal, filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria, nasceu em
2

Lisboa a 20 de Janeiro de 1554, e morreu em Alcácer Quibir, a 4 de Agosto de 1578.


3
A carta de alforria era um documento que condicionava uma liberdade ao escravo, onde o
senhor anulava os seus direitos de propriedade sobre o escravo. As alforrias gratuitas
13

situação proporcionava a intensificação do tráfico de escravos, sem contrariar a


ordem social escravista imposta pela carta de alforria.
Já na metade do século XVIII o volume de escravos traficados para o
Brasil duplicou:

“Entre 1701 e 1720, desembarcaram nos portos brasileiros


cerca de 292 mil africanos escravizados, em sua maioria
destinados às minas de ouro. Entre 1720 e 1741, novo
aumento: 312,4 mil indivíduos” (MARQUESE, 2006, p. 114).

As rivalidades entre a Inglaterra e a França durante os séculos XVII e


XVIII acabaram por permitir a continuidade dos impérios ibéricos no continente
africano, uma vez que Portugal detinha do apoio da Inglaterra. Todavia, no final
do século XVIII, o agravamento dos conflitos entre essa duas potências
resultou na decadência das monarquias ibéricas e conduziu à desagregação
dos seus obsoletos impérios (RATO, 1981).
Com a França e a Inglaterra na posição de principais potências
mundiais, o cenário econômico mundial passou a dinamizar o Atlântico Norte e
a pressão européia pelo fim da escravidão tornou-se cada vez mais intensa.
Além dos interesses comerciais no Brasil, o mercado europeu em expansão
necessitava de novos consumidores, do qual os ingleses procuram extinguir as
conexões entre o Brasil e a África por meio de apoios aos processos de
abolição.
Aliado a este fato, a independência do Brasil, em 1822, gerou reflexos
negativos nas relações triangulares Brasil-Portugal-África: o fim do tráfico
negreiro coincidiu com o momento em que o Brasil iniciara o desenvolvimento
de novas culturas agrícolas, o que propiciou a chegada dos imigrantes para a
substituição da mão-de-obra escrava; o Brasil deixou para trás a condição de
colônia e voltou-se à resolução dos problemas fronteiriços com uma política
externa de regionalização (RIZZI, 2008); e Portugal, derrotado com o
reconhecimento da declaração da independência brasileira, viu-se obrigado a

costumavam ser dadas àqueles escravos considerados pelos senhores como fiéis e
obedientes, ou ainda como agradecimento a algum tipo de serviço prestado (Arquivo Judiciário.
Poder Judiciário do Estado de Sergipe).
14

acentuar a sua expansão territorial no interior da continente africano a fim de


manter ao menos parte de seu império frente às outras potências.

“Até a década de 1950, o Brasil privilegiou as relações com as


potências colonizadoras na África, em detrimento dos contatos
tanto com as colônias quanto com os países recém-
independentes daquele continente” (RIZZI, 2008, p. 2).

As relações entre o Brasil e a África passaram a ser de fins comerciais,


com presença praticamente nula das colônias portuguesas, a exemplo de que
praticamente noventa por cento do comércio do Brasil com o continente dava-
se exclusivamente com a África do Sul (RIZZI, 2008).
Compreende-se então que a somatória de fatores geopolíticos
culminou no retrocesso das relações e o afastamento entre a África e o Brasil,
principalmente em relação aos PALOP. Assim, na primeira metade do século
XX, o Brasil dedicou-se muito pouco a estreitar as relações com a África, salvo
questões comerciais.

1.2 Afastamentos e reaproximações: a retomada da África na pauta de


preferências do Brasil

O Brasil foi o último Estado soberano a proibir a escravidão. Embora


findo, o processo escravista deixou aprimoramentos e sequelas na identidade
nacional; visto toda contribuição cultural manifesta na alimentação, linguagem e
outras áreas; e todo vício incutido através do racismo e preconceitos
destinados aos afrodescendentes e manifestações como o candomblé. Pode-
se estimar que tal passado estabeleceu elos de irmandade entre nações que
perderam filhos, trazidos para uma terra desconhecida; e aquela que os
recebeu primeiramente de forma violenta e brutal para então aceitá-los em
meio a um amálgama cultural.
Desse modo, as relações brasileiras com os países africanos foram
marcadas por aproximações, distanciamentos e contradições. O Brasil voltou a
relacionar-se com Portugal, porém desta vez no âmbito de parcerias e
interesses, face à barganha pelo apoio eleitoral da comunidade de imigrantes
15

lusitanos; em troca do apoio brasileiro ao colonialismo português nos fóruns da


Organização das Nações Unidas (ONU) (LECHINI, 2008).
No primeiro período da Era Vargas (1930-1945), as relações do Brasil
com a África quase não existiram. Esse período foi caracterizado por uma
gestão com ênfase na formação da nacionalidade brasileira pautada na
industrialização e também devido ao fator econômico e comercial que a África
não poderia oferecer.

“A ausência de pauta efetiva nas relações do Brasil com a


África entre 1930 e 1945 esteve ligada ao próprio sistema
internacional. A política das potências coloniais na África
tornava o espaço africano diminuto para outras relações
internacionais que procurassem romper com o esquema
metropolitano de dominação no continente. A inserção da
África no contexto internacional se fizera sob as regras do jogo
ao longo do século XIX. Tal situação iria condicionar
plenamente as relações internacionais daquele continente no
século XX, em especial nas décadas de 1930 e 1940 deste
século” (SARAIVA, 1994, p. 263).

A partir da segunda metade do século XX, o Brasil começou a se


consolidar como potência regional através de um bem-sucedido processo de
industrialização via substituição de importações, sendo a política exterior um
dos instrumentos para dar impulso a esse modelo. A África então foi sendo
inclusa lentamente como um ponto estratégico para interesses da inserção
internacional do Brasil e sua afirmação no contexto do pós-guerra.

“O mais importante era, para o Brasil, afinar-se com os


Estados Unidos e potências vencedoras na guerra em
matérias de interesse comum. Daí o Brasil ter aceitado a
postulação do Estados Unidos para participar do comitê ad
hoc criado pelas Nações Unidas em 14 de dezembro de 1946,
para estudar e requerer informações às potências coloniais
sobre a situação em seus territórios” (SARAIVA, 1997, s/p).

O Brasil passou a encarar os assuntos relacionados à tese das


potências coloniais como a melhor forma de participação brasileira nos eventos
internacionais, tendo no Comitê das Nações Unidas, em 1946, a primeira
oportunidade de se pronunciar sobre o assunto colonial na África.
16

O governo de Gaspar Dutra (1946-1951) consolidou a posição de apoio


às potências com um discurso que procurava explicar o posicionamento do
Brasil perante o artigo 734 da Carta das Nações Unidas e uma política que não
ofendesse as potências coloniais que haviam apoiado as petições brasileiras,
ou seja, o Brasil curvava-se ao jogo colonial das metrópoles na África
(SARAIVA, 1997).
Entretanto, os anos de 1950 representaram uma década de
transformações radicais para o continente africano. As lutas nacionalistas pela
independência começavam a trazer resultados e os movimentos de libertação
tornaram-se objeto de preocupação e ação das potências coloniais, das
Nações Unidas e das potências mundiais. Diante de tal situação, Getúlio
Vargas (1951-1954) fez crítica ao ambiente internacional que congelava a
descolonização africana e imprimiu um ângulo mais autônomo para o
posicionamento do Brasil frente à questão:

“Getúlio Vargas criticou as desigualdades estruturais da


economia internacional e afirmou que o lugar da África para o
Brasil era o de observância das carências africanas,
especialmente a sua necessidade de se desenvolver como
condição indispensável para a expansão do comércio mundial”
(SARAIVA,1997, s/p).

Com a intensificação dos movimentos de libertação dos países


africanos, as dificuldades ficaram nítidas no cenário internacional, e tornou-se
perceptível uma evolução em relação ao isolamento da África. Nesse contexto,
as independências dos países africanos que iniciaram justamente no período
de mandato de Juscelino Kubitschek (1956-1961), foram praticamente
ignoradas (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2008).

Artigo 73 da Carta das Nações Unidas refere-se aos territórios não autônomos. Os membros
4

da Organização das Nações Unidas (ONU) que então assumiram ou assumam


responsabilidades pela administração de territórios que não possuam governo próprio; tem o
dever de promover o bem estar dos habitantes dos territórios, assegurando direito à cultura,
progresso político, socioeconômico, educacional, bem como promover o governo próprio para
auxiliá-los no desenvolvimento das instituições políticas; consolidar um cenário de paz e
segurança; estimular o desenvolvimento e transmitir ao Secretário Geral informações que
mostrem as condições econômicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são
responsáveis.
17

“Não obstante a reafirmação do princípio na XV Assembléia


Geral (1960), o fato é que o governo JK não deu atenção
maior ao movimento de independência das colônias africanas,
inclusive porque não se vislumbrava ainda as possibilidades
de mercado naquelas colônias recebedoras de manufaturados
que o Brasil ainda não dispunha em escala de exportação,
ingressado que estava, em cheio, no processo de substituição
de importações” (SARAIVA, 1994, p. 289).

Entretanto, à medida que o Brasil delineava seu perfil nacional em torno


da definição de seus interesses e consolidava-se na inserção regional, buscava
também avançar em âmbito global através de uma política externa de
parcerias, principalmente com países da África que intensificavam seu
processo de descolonização (LECHINI, 2008).
Assim, na década de 60, o Brasil começou efetivamente a ter relações
com o continente Africano, período em que “o Itamaraty foi lentamente
construindo uma política africana, com altos e baixos. Esse processo teve
oscilações, que fazem parte de uma linha histórica que combina oportunidades,
esquecimentos e relançamentos “(GLADYS, 2008).
Tal diplomacia mais engajada com o continente africano ocorreu através
da Política Externa Independente (PEI)5 de Jânio Quadros, em 1961, quando o
chanceler Afonso Arinos, lançou uma política africana em favor do direito à
autodeterminação dos povos coloniais, especialmente das colônias
portuguesas, que iniciavam lutas armadas rumo a independência. Outro
quesito para a aproximação do Brasil à África foi resultado de uma política
externa que estava sendo discutida desde os anos 1950, do qual se tornou
freqüente o número de visitas de presidentes africanos ao Brasil e de
presidentes brasileiros à África com o passar do tempo; “essa aproximação
multiplicou o comércio e os investimentos em projetos de desenvolvimento”
(SARAIVA, 1997). Ademais, a assinatura de diversos Acordos Culturais
propiciou o estabelecimento de um programa de bolsas de estudo para
estudantes africanos no Brasil, que mais tarde daria origem ao Programa de
Estudantes Convênio - PEC - (VISENTINI; PEREIRA, 2008).

5
A Política Externa Independente se baseava em três princípios, os quais foram conhecidos
por cadência: autonomia, independência e universalismo, cuja proposta pautava-se na fuga às
exigências de alinhamento preferencial com os Estados Unidos. Esta última se amparou na
diplomacia do Barão do Rio Branco para a conquista da autonomia frente aos dois pólos de
poder da Guerra Fria, de forma a restabelecer as relações diplomáticas com a URSS, rompidas
desde 1947.
18

Logo, antes de 1960 houveram apenas relações voltadas aos escravos;


A mudança de atitude adotada após essa década relaciona-se com o foco que
o Brasil adota no atual momento com a agenda mundial, e demonstra o
interesse brasileiro em estreitar estas relações com a África, principalmente
com aos países africanos de língua portuguesa. De acordo com Fernando
Albuquerque Mourão e Henrique Altemani de Oliveira:

“A reaproximação com o continente africano foi consequência


de um processo com alguns momentos emblemáticos. Iniciou-
se com os países africanos de língua inglesa e francesa para,
somente depois, alcançar os de língua portuguesa”
(OLIVEIRA; MOURÃO, s/d, apud, GLADYS, 2008).

Enquanto Juscelino Kubitschek assistiu a distância o desencadeamento


da independência africana, Jânio Quadros iniciou, de fato, a dimensão africana
da política externa brasileira, cujo apoio à descolonização dos países africanos
tornara-se sinônimo de um instrumento contra o colonialismo e o racismo.
“Sustentou que o Brasil tinha aspirações comuns com a África, como o
“desenvolvimento econômico, a defesa dos preços das matérias-primas, a
industrialização e o desejo de paz” (SARAIVA, 1997, s/p). Jânio argumentava
que a nova política africana do Brasil, seria uma “recompensa” pelo débito que
o Brasil tinha com a população africana.

“A dinâmica empreendida pelo Brasil nos primeiros meses de


1961 foi acompanhada por sinais positivos de vários países
africanos. A visita de políticos e funcionários dos Camarões, a
missão econômica da Nigéria e a visita do ministro das
finanças do Gabão foram as primeiras respostas positivas aos
acenos brasileiros” (SARAIVA; GALA, 2000, p. 7)

Este governo teve importância no incentivo ao aprofundamento das


relações entre Brasil e África. O embasamento vai além da afinidade de Jânio
com o continente africano, mas também compreende o contexto mundial –
havia igualmente um interesse por parte da África, uma vez que naquele
momento a maioria dos países estava ganhando sua independência e
buscando cooperações com outros países.
A África então voltou à agenda de política externa brasileira, desta vez
com um dimensionamento não só diplomático, mas também econômico. “O ano
19

de 1961 é chave para o reencontro do Brasil com o continente (...). A África


iniciou, assim, uma posição de destaque para o conjunto das opções
internacionais do Brasil” (SARAIVA, 1997, s/p).

“A política externa independente deu início ao africanismo na


política externa brasileira. Passando pelo pragmatismo
responsável e ecumênico do governo Geisel e pelo
universalismo de Figueiredo, a “autonomia pela distância” que
marcou boa parte do período que vai da PEI ao governo
Sarney no qual estreitou os laços brasileiros com o continente
africano” (LECHINI, 2008, s/p).

Todavia, o primeiro esboço de Cooperação Sul-Sul sofreu um revés


considerável com o golpe de 1964 e enfoques da geopolítica da Guerra Fria.

1.3 O Cooperação Sul-Sul no contexto militar e da Guerra Fria

Ao iniciar o contexto bipolar da Guerra Fria o tema da segurança coletiva


foi resgatado, tanto no que diz respeito às Américas (proposta de uma Força de
Defesa Interamericana) como do Atlântico Sul (proposta da formação da
Organização do Tratado do Atlântico Sul – OTAS). Essa última implicava na
cooperação com os regimes colonialista de Portugal e racista da África do Sul
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2008).
De acordo com Saraiva, temos no governo de Castelo Branco (1964-
1967) um vazio quanto ao estreitamento com a África, pautado na postura
moderada do governo antecessor (SARAIVA, 1997). Característica também
deste governo é o estreitamento de relações com países desenvolvidos dentro
de uma lógica desenvolvimentista, fundamentada em duas frentes: a corte às
delegações do Terceiro Mundo em órgãos multilaterais; e a busca de
ampliação de mercados (VIZENTINI, 2008).

“A Guerra Fria era algo suficiente para Castello Branco não se


sensibilizar com a sorte dos africanos lusófonos. Se o
processo de libertação nacional daqueles povos recebia apoio
de forças comunistas, então, o novo governo em Brasília,
preferiria marcar distância daquelas lutas pelo motivo de
serem vislumbradas pelo interesse internacional da União
Soviética” (HAGE, 2008, s/p)
20

Já no mandato de Costa e Silva (1967-1969), iniciou-se a


implementação de uma política Sul-Sul menos restrita às ideologias, mas com
a manutenção de um pragmatismo em âmbito universal. Não há a
intensificação, apenas a manutenção das relações.
Assim, as iniciativas de reaproximação com o continente africano
somente voltam a acontecer no período do chamado “milagre econômico” do
governo Médici (1969-1974), período em que o Brasil deteve de alta
concentração de renda e rápida expansão industrial, do qual necessitava de
matérias-primas para expandir seus mercados, especialmente o petróleo. É
neste cenário que Médici estreita relações com o continente africano, pautadas
no pragmatismo político que leva a África à posição não mais de uma área de
virtual interesse econômico e estratégico na política externa brasileira
(SARAIVA, 1997).
Médici inaugura uma nova linha de política externa para o continente
africano, fundamentada por laços culturais, pelo apoio nas iniciativas
internacionais para a estabilização dos preços dos produtos primários e por
serem ambos competidores nos mercados de produtos tropicais. A visita de
presidentes africanos ao Brasil e o intercâmbio de diplomatas e empresários no
Atlântico, por exemplo, aproximaram a África do Brasil de forma incontestante
(SARAIVA, 1997).
A crise do Petróleo, em 1973 (que levara a um grande endividamento
externo do Brasil e de alta inflação no âmbito doméstico) fez com que o
governo seguinte, Geisel (1974-1979), retomasse o processo de
industrialização por substituição de importações, visando tornar o país auto-
suficiente em insumos básicos e energia. A necessidade de o Brasil cooperar
em termos estratégicos ocasionou no aprofundamento da política africana: seis
novas embaixadas brasileiras foram abertas na África (PEREIRA; VISENTINI,
2008).
“A vulnerabilidade energética do Brasil nos anos 1970 e parte
da década de 1980 ocupou papel ponderável na
reaproximação ao continente africano. As duas crises do
petróleo, em 1973 e em 1979, aceleraram a busca de novas
parcerias internacionais. E isso viria explicar a superação
gradual do comércio quase exclusivo com a África do Sul pelo
21

intercâmbio crescente com outros dois novos parceiros


atlânticos: Nigéria e Angola.” (SARAIVA;GALA, 2001, p. 10)

Foi nesse período que ocorreram os movimentos de derrubada das


últimas ditaduras européias - Grécia, Portugal e Espanha -, e as lutas coloniais
de libertação ganharam força. Em 1974, ocorreu a Revolução dos Cravos,
movimento que derrubou a ditadura fascista portuguesa e propiciou a
assinatura do Acordo de Alvorn, marcando a libertação de Angola para 1975.
Houve também as independências de Guiné Bissau - declarada em 1973 e
reconhecida apenas em 1974 -, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo
Verde também em 1975 (BRANDÃO, 2004).
O Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo do Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), do qual se notou um importante
protagonismo, sendo que anteriormente havia já conferido à Luanda, capital de
Angola, uma representação (BRANDÃO, 2004). Ademais, a condenação firme
dos regimes racistas da Rodésia e da África do Sul marcou, igualmente, a
diplomacia do “Pragmatismo Responsável” de Geisel e do chanceler Azeredo
da Silveira, pautada em um forte discurso terceiro-mundista (PEREIRA;
VISENTINI, 2008).
Com Figueiredo, último governo militar (1979 -1985), o Brasil enfrentou
adversidades político-econômicas no contexto mundial, tais como o segundo
Choque do Petróleo e o fim da détente6 no final da década de 1970. Tais fatos
culminaram no estabelecimento de uma nova divisão internacional da produção
pautada na Revolução Científico-Tecnológica, culminando no distanciamento
entre os países capitalistas avançados e os em desenvolvimento; os Estados
Unidos da América assumiram um maior protagonismo nas relações
internacionais a fim de tentar restaurar a bipolaridade e enfraquecer a URSS; e
por último, na América Latina iniciara a crise da dívida no início da década de
1980, implicando de forma negativa nos avanços da diplomacia brasileira
quanto às iniciativas de aproximação com os países do “Terceiro Mundo”, entre
eles os da África. Mesmo o Brasil mantendo uma presença importante no

Détente: termo usado em política internacional desde a década de 1970 em referência à


6

redução geral de tensão entre a União Soviética e os Estados Unidos da América durante a
Guerra Fria, ocorrido no final da década de 1960 (após a Crise dos mísseis de Cuba) até o
início dos anos 1980
22

continente africano, a recessão da chamada “década perdida”, limitou


fortemente os resultados de cooperações entre ambos7.

“A política do Brasil para África voltou a constituir outro ponto


de discordância e de preocupação para os EUA quando
Reagan, ao iniciar sua administração, tomou um rumo ainda
mais a direita e , em pouco meses aqueceu a relação com a
África do Sul, congelou a ajuda a Moçambique e abraçou a
Unita. Igualmente, a transformação do Atlântico Sul em lago
brasileiro não lhes convinha e tal possibilidade preocupou o
governo de Washington em virtude de crescente presença do
Brasil sobre tudo em Angola, Guiné- Bissau e Cabo Verde,
onde apoiava regimes de esquerda, em tácita aliança a União
Soviética e Cuba. Em caso de emergência essa posição
aumentaria enormemente seu poder de barganha” . (CERVO,
1994, p.174).

Em suma, foi a partir da década de 60 até meados dos anos 80 que a


atuação da política externa brasileira contribuiu para a criação de um espaço
atlântico otimista e carregado de significado no relacionamento Brasil-África
(SARAIVA, 1997).

1.4 A reafirmação de uma política africana na agenda diplomática


brasileira

O período de transição entre o regime militar e a democracia marcou a


reafirmação da política africana do Brasil. Foi durante o governo Sarney (1985-
1989) que o estreitamento com o continente africano passou também a
vislumbrar a vertente da diplomacia cultural, período em que se iniciam as
negociações para criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a
CPLP8 (RIZZI, 2008).
Foi em 1989, na cidade de São Luís, onde se realizou o encontro dos
Chefes de Estados dos Países de Língua Português. Este fato foi considerado
o embrião do projeto de constituição da Comunidade dos Países de Língua

7
Artigo disponível em:<http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_02_10. htm>
Acesso em 22 ago.2009.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa compreende os seguintes países: Angola,
8

Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Brasil e Portugal, além do
Timor Leste (país localizado na Ásia) que, apesar de também ser integrante da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), não é objeto do presente estudo
.
23

Portuguesa. “Nessa reunião, os presentes Chefes de Estado de Portugal,


Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe,
aprovaram os objetivos comuns que integrariam tais países no Instituto
Internacional de Língua Portuguesa” (RIBEIRO, 2008, p. 41).
Notórios neste período foram os esforços no intuito de favorecer
aspectos de interdependência entre o Brasil e países africanos, em especial
com os que pertenciam ao PALOP, “por meio de uma política de valorização
das identidades culturais” (RIBEIRO, 2008, p. 41).
O governo Sarney, ainda que não tivesse uma política específica para o
continente Africano e mesmo com crescentes dificuldades e adversidades
econômicas no cenário internacional, realizou algumas visitas à África como
Cabo Verde, Angola e Moçambique, embora independentes, passavam por
período de guerra civil. Junto a ONU, buscou a aprovação da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico (ZOPACAS), um importante marco na política externa
de seu governo que reverteu ao Brasil uma posição favorável e estratégica no
Atlântico Sul (RIBEIRO, 2008). Sarney também promoveu a I Conferência do
Atlântico Sul, em 1988, na cidade do Rio de Janeiro, do qual contou com a
participação de 19 países africanos que clamavam pelo apoio à paz em Angola
e pela emancipação da Namíbia, além da crítica ao Apartheid, na África do Sul,
em pró ao desenvolvimento do continente (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA,
2008). Segundo Sarney,

“As dimensões de cooperação econômica viriam a se


alinhavar a postura política mediante a declaração de “nossa
total condenação ao apartheid e nosso apoio sem reservas à
emancipação imediata da Namíbia, sob a égide das Nações
Unidas”, na XL Sessão da Assembléia Geral da ONU”
(RIBEIRO,2008, p. 43).

Outros acontecimentos importantes aconteceram nas relações Brasil-


África no período, como o sistema de countertrade, que garantiu o intercâmbio
comercial entre os dois lados do Atlântico e a criação de uma convergência em
torno de questões bilaterais e internacionais com o objetivo de gerar
cooperação e intercâmbio. Tudo isso era pautado em uma preocupação de
manter e garantir os interesses políticos e econômicos do Brasil na África:
24

“Assim, em 1988 o Brasil alimentava três linhas de crédito com


Angola: a de curto prazo, para financiamento de bens de
consumo (180 dias), que variava de US$ 50 milhões a US$ 90
milhões; a de médio prazo, para os bens de capital (até 5
anos) que variava de 60 a 120 milhões de dólares; e a
terceira, específica para a construção da hidrelétrica Capanda
pela Odebrecht S.A., que absorveu recursos superiores a US$
1 bilhão” (RIBEIRO, 2008, p. 42).

Logo, as relações entre o Brasil e a África no governo Sarney,


representaram sob o ponto de vista econômico e diplomático, um importante
engajamento no projeto de cooperação entre os países do Sul, a começar pela
iniciativa de aproximação cultural (pautada então no acordo ortográfico) com os
países que pertenciam ao PALOP para o impulso à criação da CPLP que
passou a adquirir contornos cada vez mais concretos (SARAIVA, 2001).
Todavia, uma nova fase de distanciamento em relação à África ocorreu
no início da década de 1990, quando o Brasil adotou uma postura diplomática
pautada numa visão “de primeiro mundo” e neoliberal da globalização. Esta
política econômica adotada na presidência de Collor (1990-1992), somada ao
fim da Guerra Fria e à criação do MERCOSUL, ambos em 1991, fizeram com
que a África assumisse uma posição secundária na agenda diplomática
brasileira (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2008).

“O anterior entendimento do cenário internacional, baseado


nas relações Sul-Norte, foi trocado pela predileção pelas
relações multilaterais; isso ocasionou o progressivo
encolhimento das relações do Brasil com os demais países em
desenvolvimento, à exceção dos seus vizinhos da América do
Sul. Logo, a gestão do Chanceler Francisco Rezek, também
deu prioridade para acelerar o processo de formação do
MERCOSUL (criado em 15 de março de 1991, mediante o
Tratado de Assunção), quando foi modificada a sua estrutura
inicial (de cooperação), para os objetivos que se relacionavam
às premissas neoliberais” (RIZZI, 2008, p. 3).

O processo decisório no Brasil deixou-se então dominar-se pelo “afro-


pessimismo” e a Política Externa Brasileira (PEB) de Collor seguiu por outros
caminhos e prioridades que levaram o país a encerrar o ciclo da grande
participação no desenvolvimento africano, dentre eles, o congelamento em do
projeto CPLP (SARAIVA,1997).
25

Em contrapartida, o governo de Itamar Franco (1992-1995)


fundamentou-se na retomada do pragmatismo pautado no interesse nacional.

“(...) o principal objetivo da política externa do período foi o de


valorizar novamente a presença do Brasil no cenário
internacional, a partir de foros multilaterais (especialmente a
Organização das Nações Unidas), e, a partir, também, da
integração regional. O Itamaraty voltou a ocupar a centralidade
na formulação da nova estratégia de inserção internacional do
Brasil (...) No âmbito das relações com os EUA, o Brasil
buscou manter o relacionamento bilateral, sem deixar de
destacar, no entanto, a relevância da América Latina,
particularmente, a América do Sul. Nesse rumo, o
aprofundamento do MERCOSUL era prioritário, mesmo em
plena crise econômica enfrentada por seus membros.” (RIZZI,
2008, p. 3-4)

No entanto, as relações com o continente africano não foram


esquecidas. Itamar reativou a ZOPACAS em 1993, realizou o Encontro de
Chanceleres de Países de Língua Portuguesa em Brasília, bem como apoiou
processos de paz e reconstrução, especialmente em Angola, levando à
intensificação das relações entre os dois países, retomando assim as
discussões em torno da CPLP que a partir disso passou a estar cada vez mais
presente no discurso da diplomacia brasileira (VISENTINI; RIBEIRO;
PEREIRA, 2008).
Por sua vez, o Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003)
buscou retomar em seu mandato uma “junção” das políticas dos governos
antecessores, do qual acabou por oferecer à agenda externa brasileira um
caráter de diminuição da autonomia do país, pautado na diversificação das
relações bilaterais do Brasil com os países do Norte e a participação em
organismos multilaterais, desta vez, em especial, os econômicos (RIZZI, 2008).
Com o exercício da diplomacia presidencial a África nas relações internacionais
do Brasil na gestão FHC ganhou um espaço mais modesto. Como lembra
Flávio Saraiva: “o número de diplomatas brasileiros na África diminuía
constantemente: em 1973 era de 25, atingindo 34 em 1989 e caindo para 24
em 1996, já na gestão FHC” (SARAIVA, 1997, s/p).
Todavia, houve algumas iniciativas importantes ao longo do segundo
mandato FHC, tais como a participação do exército brasileiro de paz da ONU
em Angola em alguns outros países que passavam por guerras civis e diversos
26

atos firmados com países africanos, principalmente na área de cooperação


técnica e no campo de políticas públicas (iniciou-se uma luta por quebra de
direitos de patentes dos medicamentos para a AIDS), além da visita de Nelson
Mandela, presidente da África do Sul, ao Brasil (VISENTINI; RIBEIRO;
PEREIRA, 2008). Por fim, FHC também deu continuidade a CPLP, e iniciou
novas ações focadas no tema cooperação que seriam aprofundadas de forma
bastante efetiva no governo Lula.
27

CAPÍTULO 2 A CPLP

2.1 Uma nova possibilidade de cooperação no Atlântico Sul

A idéia da criação de uma Comunidade que reunisse os países de língua


portuguesa de afinidade histórico-cultural e pautados na visão compartilhada
de desenvolvimento, democracia e idioma comum remonta da década de 1950,
período em que o Brasil adotara uma política externa de parcerias com os
países africanos que intensificavam seu processo de descolonização, entre
eles, os países pertencentes ao PALOP. Contudo, foi na década seguinte, com
Jânio Quadros, que a proposta de criação de uma “Comunidade Luso-
Brasileira” ganhou força no intuito de levar o Governo brasileiro a rever
algumas das atitudes contra o colonialismo e reforçar as relações bilaterais.
Entretanto, nem o governo militar, muito menos o Itamaraty foram favoráveis a
idéia de uma política africana do Brasil para os países de língua portuguesa.
Somente no contexto de reorganização internacional do final dos anos
1980 e início dos anos 1990 que a intenção de instituir-se uma comunidade
lusófona voltou a ser tema de atenção, e as questões de cooperação intra-
sociedade civil ganharam força (RIZZI, 2008). Em 1983, no discurso de uma
visita oficial a Cabo Verde, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de
Portugal, Jaime Gama, referiu que:

"O processo mais adequado para tornar consistente e


descentralizar o diálogo tri continental dos sete países de
língua portuguesa espalhados por África, Europa e América
seria realizar cimeiras rotativas bienais de Chefes de Estado
ou Governo, promover encontros anuais de Ministros de
Negócios Estrangeiros, efetivar consultas políticas freqüentes
entre diretores políticos e encontros regulares de
representantes na ONU ou em outras organizações
internacionais, bem como avançar com a constituição de um
grupo de língua portuguesa no seio da União Interparlamentar”
9.

O exemplo do posicionamento do Ministro português acumulou-se na


década de 1980 sinais de um renovado interesse na institucionalização dos

Discurso disponível em: <http://www.cplp.org/Hist%C3%B3rico_-_Como_surgiu.aspx?ID=45>.


9

Acesso em 04 set.2009.
28

lusófonos. Notou-se, então, uma ênfase nos temas específicos da língua


portuguesa, como a discussão sobre o Acordo Ortográfico (SANTOS, s/d, p.6).
Mas foi a partir da presidência de José Sarney (1985-1990) que o projeto
adquiriu contornos cada vez mais concretos. Em novembro de 1989, na cidade
de São Luís do Maranhão, um importante passo foi dado para a criação da
CPLP com a primeira reunião de Chefes de Estado e de Governo dos Países
de Língua Portuguesa. Na ocasião, o Instituto Internacional de Língua
Portuguesa (IILP) selou o compromisso dos sete países para a formação da
Comunidade, cujos objetivos seriam o de defender e promover o idioma;
enriquecer a língua como veículo de cultura, educação, informação e de
acesso ao conhecimento científico e tecnológico; desenvolver as relações
culturais entre os lusófonos; incentivar a cooperação, pesquisa e intercâmbio
nos domínios da língua e da cultura; e difundir o Acordo Ortográfico (RIZZI,
2008).
O grande impulso à CPLP, contudo, aconteceu a partir de 1993, quando
o Presidente Itamar Franco (1992-1995) tornou essa iniciativa, até então
consideravelmente difusa, uma prioridade em seu governo. Além dos objetivos
que diziam respeito à promoção da língua portuguesa e das relações culturais
entre os Estados-membros, o processo de criação da CPLP passou a abrigar
nítidos interesses de ordem política para uma inserção internacional conjunta,
pautada na interseção entre vários processos de integração regional que
estariam em curso, tais como: a União Européia, o MERCOSUL, a Southern
Africa Development Comunnity (SADC) e a Commom Market of Eastern and
Southern Africa (COMESA) (RIZZI, 2008).
Em fevereiro de 1994, reunidos em Brasília, os Ministros dos Negócios
Estrangeiros e das Relações Exteriores dos sete países fundadores 10

decidiram recomendar aos seus governos a realização de uma Conferência de


Chefes de Estado e de Governo para fundar a CPLP. Tal Conferência foi
marcada para junho de 1994, mas acabou adiada devido à ausência do então
presidente do Brasil, Itamar Franco. A segunda tentativa naquele ano,
agendada para novembro, também foi frustrada, dessa vez pelo não

Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe,
10

foram os sete países que selaram o acordo para a criação da CPLP em 17 de Julho de 1996. O
Timor Leste se tornou o oitavo Estando-membro da CPLP em 2002, logo depois de conquistar
sua independência da Indonésia.
29

comparecimento do presidente angolano José Eduardo dos Santos (SANTOS,


p. 8. s/d).
Todavia, foi o Presidente Fernando Henrique Cardoso, sucessor de
Itamar Franco, que incorporou a proposta de criação da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa na agenda diplomática brasileira; e em 17 de
Julho de 1996, a CPLP finalmente foi constituída.
A década de 1990 é marcada pela revalorização do fenômeno cultural. A
iniciativa e a própria criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
se encaixam neste contexto, quando a cultura foi redimensionada, passando a
incorporar contornos políticos e econômicos:

“[...] a unificação da língua tem o papel de liame, aproximando


culturas, algumas de natureza tridimensional, como é o caso
da cultura brasileira, e dando substantividade a espaços
localizados em três continentes, para não falar de presenças
históricas; [...] Diante de um mundo onde se registram fortes
tendências à supranacionalidade, o uso do português, em
diferentes regiões do planeta, surge como um elemento
unificador das posições da cada Estado lusofalante nas suas
inserções, não excludentes, em outros espaços regionais”.
(MOURÃO, 2000, p. 100-103).

A CPLP assume-se como um novo projeto político, cujo fundamento é a


Língua Portuguesa dos países que constituem um espaço geograficamente
descontínuo, mas identificado pelo idioma comum. De acordo com José Flávio
Sombra Saraiva “a CPLP é um espaço privilegiado para a reafirmação da
África como um dos objetivos da Política Externa Brasileira” (SARAIVA, 2002).

2.2 A estrutura e os objetivos da CPLP

A declaração constitutiva de 1996 considera indispensável consolidar


uma realidade cultural nacional e plurinacional entre os países membros da
CPLP, de modo a ocasionar um relacionamento especial acumulado em anos
de profunda cooperação; afirma-se que a Língua Portuguesa constitui um
vínculo histórico comum resultante de uma convivência que deve ser valorizada
no intuito de colaborar para o reforço dos laços humanos, da solidariedade,
cidadania e fraternidade entre todos os povos, além de promover medidas que
30

facilitem a circulação dos cidadãos dos países membros no espaço da


Comunidade. Em suma, na declaração constitutiva é tratado o estímulo ao
desenvolvimento de ações cooperativas entre os países membros, do qual
estes devem desenvolver cooperações econômicas e empresariais e valorizar
as potencialidades existentes entre si. Ademais, a CPLP busca incentivar a
cooperação bilateral e multilateral entre os países membros para ações
conjuntas de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável11. Para o
Eng° Domingos Simões Pereira, Secretário Executivo da CPLP, esta

“[...] assume o compromisso de unir a sua voz e o seu voto à


causa da promoção do diálogo intercultural, com a consciência
de que as culturas do mundo constituem patrimônio comum da
humanidade e devem ser reconhecidas e consolidadas em
benefício das gerações (presentes e futuras)” 12.

Infere-se que a CPLP é constituída por princípios de promoção e de


desenvolvimento, de forma a estimular a cooperação e promover ações
democráticas entre os países membros, respeitando os Direitos Humanos e
cooperando nas áreas de saúde, tecnologia, agricultura, segurança pública,
justiça, ciência e comunicação social. Infere-se também que o Secretariado
Executivo é o órgão que tem como responsabilidade programar decisões do
Conselho de Ministros, da Conferência e do Comitê de Concertação
Permanente. Por fim, compreende-se que a Comunidade é constituída por
contribuições voluntárias.
Quanto à estrutura de atuação, a Comunidade apresenta três pilares
concretos13:

1. A Concertação político-diplomática que diz respeito à


coordenação de posições com vistas à promoção de interesses
comuns em instituições internacionais como a ONU ou em foros
especializados. Deve atender também a necessidade da adoção
de estratégias voltadas para a busca de objetivos da

Disponível em <www.cplp.org/Declaração_Constitutiva.aspx>. Acesso em 02 set.2009.


11

Discurso dísponivel em <http://www.cplp.org/Discursos.aspx?ID=482&PID=1229&Action


12

=1&NewsId=697&currentPage=4> . Acesso em 02 set. 2009


Disponível em <www.cplp.org/Declaração_Constitutiva.aspx>. Acesso em 02 set.2009.
13
31

Comunidade, como a promoção da paz, a consolidação da


democracia, a segurança regional, inclusive a solução negociada
de conflitos internos em países membros;
2. A cooperação para o desenvolvimento que inclui iniciativas nas
áreas econômica, comercial, empresarial, da ciência e da
tecnologia, da administração pública, do aperfeiçoamento
institucional, da valorização de recursos humanos e da promoção
social. A união propicia a criação de escala e facilita a
mobilização de financiamentos e esquemas de cooperação
triangular e multilateral;
3. Defesa e promoção da língua portuguesa em âmbito universal.
Falado por 200 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, o
idioma constitui base sólida para a projeção internacional. Em um
mundo globalizado, em processo de crescente homogeneidade, é
igualmente importante a defesa da língua para a preservação das
diferenças culturais e de costumes, diminuindo a ameaça de
empobrecimento cultural da humanidade.

A CPLP está próxima de inserir, em seus Estatutos, um quarto pilar de


sustentação, que seria a vertente da cidadania e da circulação de pessoas. As
decisões na CPLP são tomadas, em todos os níveis, por consenso
(MENDONÇA, s/a). Os órgãos que compõem a Comunidade são:

a) Conferência de Chefes de Estado e de Governo, órgão decisório


máximo da Comunidade, cujas competências básicas são definir e orientar a
política geral, adotar os instrumentos jurídicos e criar as instituições
necessárias ao bom funcionamento da CPLP, reúne-se a cada dois anos;
b) Conselho de Ministros de Negócios Estrangeiros e das Relações
Exteriores a quem cabe coordenar as atividades e supervisionar o
funcionamento da CPLP, reúne-se, em sessões ordinárias, um vez por ano;
c) Conselho de Concertação Permanente, constituído pelos
Representantes dos sete países membros, é o órgão de coordenação, tendo a
seu cargo orientar e acompanhar o cumprimento pelo Secretariado Executivo
32

das decisões emanadas dos órgãos superiores reúne-se, em sessões


ordinárias, uma vez por mês;
d) Secretariado Executivo, principal órgão executivo da CPLP que
implementa as decisões dos órgãos políticos, planifica e executa os programas
da Comunidade.

Por fim, há também as chamadas Reuniões Ministeriais Setoriais,


constituídas pelos ministros e secretários de Estado dos diferentes setores
governamentais de todos os Estados membros, cuja competência é coordenar,
ao nível ministerial ou equivalente, as ações de concertação e cooperação nos
respectivos setores governamentais; e a Reunião dos Pontos Focais de
Cooperação, do qual compete assessorar os demais órgãos da CPLP em todos
os assuntos relativos à cooperação para o desenvolvimento no âmbito da
Comunidade14.

2.3 Acordos firmados no âmbito da CPLP

Entre os países membros da Comunidade são assinados e revistos


diversos acordos e protocolos a fim de estreitar laços entre entidades intra-
comunitárias e internacionais. Tais documentos encontram-se separados em
três grupos: Acordos Intra CPLP; Acordos entre a CPLP e Entidades da
Sociedade Civil; Acordos entre CPLP e Organizações Internacionais. Abaixo,
citamos exemplos desses acordos:

2.3.1 Acordos Intra CPLP

 Acordo Geral de Cooperação no âmbito da CPLP

O Acordo Geral de Cooperação tem como principais objetivos a


implementação de programas e projetos de cooperação entre as partes

Os Pontos Focais da Cooperação reúnem-se, ordinariamente, duas vezes por ano e,


14

extraordinariamente, quando solicitado por 2/3 dos Estados membros. Disponível em: <
http://www.camaracpb-rs.com.br/rs/content.php?sec=33>. Acesso em 20 out.2009.
33

contratantes da CPLP, no qual para implementar tais programas serão


definidos diversos mecanismos e procedimentos. Os Estados membros que
aderirem aos programas posteriormente deverão indicar a forma da sua
participação técnico-financeira e criarão um ponto focal como órgão
coordenador nacional de programas e projetos a serem desenvolvidos no
âmbito do presente acordo. Nas reuniões dos pontos focais e do Secretariado
Executivo, as Partes envolvidas avaliarão periodicamente os resultados dos
projetos, no qual as dúvidas relacionadas com a interpretação e aplicação
deste Acordo serão esclarecidas ou dirimidas no Conselho de Ministros, após
consulta ao Comitê de Concertação Permanente. O acordo foi assinado na
cidade da Praia, em 17 de Julho de 1998, pelo governo da República de
Angola, República Federativa do Brasil, República de Cabo Verde, República
da Guiné-Bissau, República de Moçambique, República Portuguesa e
República Democrática de São Tomé e Príncipe. 15

 Acordo sobre o estabelecimento da Sede da CPLP em Portugal

A Sede da CPLP estabelecida em Portugal exerce funções que lhe são


atribuídas no quadro da Declaração Constitutiva de Chefes de Estado e de
Governo. A CPLP possui personalidade jurídica e goza de capacidade jurídica
necessária para exercer as suas funções e atingir os seus objetivos, em
particular contratar, adquirir e alienar bens móveis, e para ser parte em juízo.
As instalações e os arquivos da CPLP são invioláveis, comprometendo-se as
autoridades portuguesas a assegurar a sua proteção e segurança, bem como a
do pessoal do Secretariado Executivo. A CPLP está também isenta de
impostos sobre os rendimentos obtidos no exercício da sua atividade. Sem
prejuízo para os privilégios e imunidades concedidos por este acordo, todos os
integrantes devem respeitar as leis e regulamentos vigentes em Portugal.
Acordo assinado em 03 de Julho de 1998 pelo Governo da República
Portuguesa e Pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 16

Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/CPLP/acordo_geral_de_cooperacao.htm>.


15

Acesso em 02 out.2009.
16
Disponível em: <http://www.cplp.org/Acordo-Sede.aspx?ID=394>. Acesso em 02 out.2009.
34

 Acordo de Cooperação entre Instituições de Ensino Superior dos


Países-Membros da CPLP

Considerado a educação como um tema importante de discussão entre os


países membros e que o intercâmbio entre instituições de ensino superior é
uma maneira de estimular o desenvolvimento científico, conforme artigo dois,
esse acordo tem por objetivo aperfeiçoar docentes e pesquisadores, bem como
permitir um intercâmbio de informações e experiências e planejar e
desenvolver projetos comuns. Com o intuito de atingir esses objetivos os
países membros da CPLP estimularão a assinatura de convênios entre
instituições de nível superior e promoverão diversas atividades bem como,
intercâmbios, trocas de documentos, elaboração de projetos de pesquisa entre
outros. O Secretariado Executivo da CPLP será o depositário do Acordo, bem
como dos instrumentos de ratificação ou aprovação. Este acordo foi assinado
em 17 de julho de 1996 pela República de Angola, República Federativa do
Brasil, República de Cabo Verde, República da Guiné-Bissau, República de
Moçambique, República Portuguesa e da República Democrática de São Tomé
e Príncipe17.

2.3.2 Acordos entre a CPLP e Entidades da Sociedade Civil

 Protocolo de Cooperação entre a CPLP e o instituto Politécnico da


Guarda

O Instituto Politécnico da Guarda (IPG) “tem a finalidade de promover


ensino, formação e investigação conjunta, assim como de estabelecerem entre
si estreita cooperação e intercâmbio para melhor realização dos objetivos”. O
IPG em conjunto com a CPLP cooperam em projetos de desenvolvimento e em
programas específicos. O acordo foi assinado em 2 de Julho de 2009 pelo
Instituto Politécnico da Guarda e pela Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa.

Disponível em: < http://www.cplp.org/Acordos_Intra_CPLP.aspx?ID=391>. Acesso em 02


17

out.2009.
35

“O IPG e a CPLP comprometem-se entre si à prossecução dos


seguintes objectivos:
• Promover o intercâmbio de ideias e experiências com as
instituições de ensino superior dos Estados-membros;
• Promover a participação conjunta em projectos e estudos de
carácter cientíico e de investigação e desenvolvimento de
interesse comum e, ainda, a elaboração, execução ou
divulgação de publicações, estudos e material de investigação
e de ensino;
• Promover a difusão da língua portuguesa em suas várias
expressões, a saber: cultural, científica e institucional;
• Fomentar a mobilidade entre docentes de outras instituições
dos Estados-membros da CPLP para aprofundar e partilha dos
processos de ensino e investigação;
• Promover a mobilidade temporária de alunos entre
instituições” 18.

2.3.3 Acordos entre CPLP e Organizações Internacionais

 Protocolo de Cooperação entre a CPLP e Confederação das Nações


Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)

Com este protocolo ficou acordado uma prestação de assitência e ajuda


aos países africanos de língua portuguesa, os mesmos enfrentam diversas
dificuldades como problemas econômicos, instabilidade politica e falta de infra-
estrutura. Com uma integração econômica ajudaria essas deficiências
africanas. Inclui no acordo uma troca de informação e documentação sobre
assuntos de interesse comum, cooperação na área da formação em comércio
internacional, implementação de atividades conjuntas nas áreas: Promoção do
Investimento, diversificação e gestão de recursos naturais, marketing de
Produtos e Gestão de Riscos, desenvolvimento empresarial e temas
relacionados com o sistema multilateral de comércio. O acordo foi assinado e
aprovado em Lisboa aos 13 de Janeiro de 2000 pela Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e pela Comunidade

Disponível em:
18

<http://www.cplp.org/Acordos_entre_a_CPLP_e_Entidades_da_Sociedade_Civil.aspx?ID=392.
Acesso em 02 out.2009.
36

dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) Rafael Branco, Secretário Executivo-


Adjunto19.

 Acordo de Cooperação entre o Secretariado Executivo da Comunidade


de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Organização Internacional
para as Migrações (OIM)

O Secretariado Executivo da CPLP e a OIM cooperarão na formulação


de projetos de interesse comum e em particular em atividades destinadas a
fortalecer a coordenação e a cooperação no que se refere às políticas
migratórias dos Estados Membros da CPLP promoverão aspectos positivos da
relação migração e desenvolvimento sustentável, ações de cooperação e
iniciativas conjuntas no âmbito multilateral com o fim de assegurar o respeito
dos direitos e deveres humanos dos migrantes. O Secretariado Executivo da
CPLP e a OIM convidarão representantes de cada instituição a participarem
como observadores nas reuniões sobre temas de interesse mútuo e de acordo
com os regulamentos que regem o estatuto de observador. O acordo foi
assinado em Lisboa 5 de Dezembro de 1997 pela Comunidade de Países de
Língua Portuguesa (CPLP) e pela Organização Internacional para as
Migrações (OIM)20.
O gráfico que segue demonstra qual é a subdivisão mais dominante
entre os acordos firmados no âmbito da CPLP:

19
Disponível em:
<http://www.cplp.org/Acordos_entre_CPLP_e_Organizações_Internacionais.aspx?ID=393>.
Acesso em 02 out.2009.
Disponível em:
20

<http://www.cplp.org/Acordos_entre_CPLP_e_Organizações_Internacionais.aspx?ID=393>.
Acesso em 02 out.2009.
37

Fonte: Gráfico de autoria própria. Dados extraídos da Subdivisão de acordos no âmbito da CPLP.

Ademais, os países membros da CPLP buscam ajustar o processo de


preparação e aprovação de projetos de cooperação aos padrões das correntes
internacionais, para isso adotam um novo modelo padronizado de
enquadramento de projetos. Hoje existem reuniões e encontros regulares com
todos os setores governamentais\intergovernamentais tanto de nível técnico
quanto ministeriais e também com todos os países membros. Essas reuniões
identificam novas propostas para a cooperação multilateral, devendo obter
aprovação de empenho técnico, são chamados de Pontos Focais da
Cooperação da CPLP (CEOLIN, s.d).
Os Estados membros também têm produzido grande severidade e
transparência na gestão dos recursos do Fundo Especial da CPLP,
responsável pelo financiamento dos projetos de cooperação da Comunidade. O
regulamento deste Fundo foi aprovado em 1999 e até o momento recebeu
contribuições somente dos Estados membros, porém há uma esperança de
futuramente sensibilizar terceiras fontes doadoras, interessados em estimular
esta importante cooperação. Assim, já estão dados os instrumentos para que
os países membros e o Secretariado Executivo possam buscar parcerias fora
da própria organização (CEOLIN, s.d).
De acordo com o Eng°. Domingos Simões Pereira, Secretário Executivo
da CPLP, Portugal e Brasil são os países da Comunidade com mais tradição
na prestação de cooperação a países em desenvolvimento, mas essa
cooperação é através de transferência de conhecimento e experiências, nunca
38

através de doações ou transferência de capital. Domingos também destaca a


importância da CPLP para o mundo global:

“A CPLP assume o propósito de fortalecer-se e expandir-se a


partir do somatório das potencialidades e o vasto manancial
de riquezas que se encontram na diversidade dos oito Estados
membros que a constituem. (...) Assume um papel ativo na
defesa da diversidade, oferece um diálogo intercultural com a
consciência de que as culturas do mundo constituem
patrimônio comum da humanidade e devem ser reconhecidas
e consolidadas em benefício das gerações (presentes e
futuras). (...) A CPLP acredita ser possível incorporar
sistematicamente os assuntos relacionados com as migrações
internacionais nas estratégias de desenvolvimento nacionais,
regionais e globais, tanto no mundo desenvolvido como no em
desenvolvimento. (...) E trabalha para promover liberdade de
expressão, o pluralismo dos meios de comunicação social” 21.

Ao abranger os quatro continentes, a CPLP tem como fundamental


objetivo reverter tal quadro de impasse local, ampliando a dimensão cultural
para as áreas econômicas e política (RIZZI, 2008). Em suma, a CPLP vem
tornando-se cada vez mais influente e significativa em âmbito internacional.
Hoje a Comunidade é constituída por países de herança colonial comum,
valores culturais próximos e mesmo idioma, além do enorme potencial
econômico e geoestratégico dos países pertencentes ao PALOP,
principalmente Angola, que está vinculado ao patrimônio humano, natural e
econômico que possuem, destacando-se as reservas de gás e petróleo no
Atlântico Sul (VARGAS, 2007, s/p).

Discurso disponível em <http://www.cplp.org/Discursos.aspx?ID=482&PID=1229&Action=1&


21

NewsId=820&currentPage=4>. Acesso em 16 set. 2009


39

CAPÍTULO 3 A INTENSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE O BRASIL E O


CONTINENTE AFRICANO VIA CPLP

3.1 A importância do continente africano no atual contexto


internacional

O início do século XXI representa para o continente africano um novo


patamar de inserção na ordem internacional. A África não corresponde mais a
características como exótica, sem personalidade, problemática e carente de
ações humanitárias; hoje a África é muito mais complexa mais autônoma e tem
chamado a atenção do mundo para sua reinserção na política internacional. De
acordo com Saraiva, três conceitos centrais fundamentam essa hipótese:

“a) o avanço gradual dos processos de democratização dos


regimes políticos e a contenção dos conflitos armados; b) o
crescimento econômico associado à performances
macroeconômicas satisfatórias e alicerçadas na
responsabilidade fiscal e preocupação social; e c) a elevação
da autoconfiança das elites por meio de novas formas de
renascimentos culturais e políticos” (SARAIVA, 2007, s/p).

Embora a pobreza ainda assole e perdure sob a grande maioria dos


países africanos, o continente tem dado nos últimos anos sinais de
sustentabilidade e adaptação econômica frente à globalização, a exemplo da
África subsaariana (África negra), considerada a região mais pobre do mundo,
que cresce entre 5% e 6% ao ano desde 2003 22 . Reformas econômicas
liberalizantes e redução de vulnerabilidades externas geradas por saldos
exportadores e crescente atração de investimentos externos diretos são fatores
que moveram as economias de todo o continente para equilíbrios na área da
gestão dos negócios dos Estados (SARAIVA, 2008). Mesmo que tardios,
duvidosos e vezes inseridos em meio à corrupção, regimes políticos
democráticos também têm sido instaurados em vários países africanos nos
últimos anos, gerando o sentimento de que África pode e caminha-se para
superar o drama histórico das guerras civis e hostilidades internacionais. O

Relatório publicado pelo Fundo Monetário Internacional, em 2006. O crescimento da África foi
22

ao período mencionado, portanto, na média da América Latina e superior à média brasileira.


40

Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD de 2005 e 2006 demonstra


esse avanço:

“O número de países africanos com conflitos armados internos


caiu de 13 para 5, nos últimos anos. Os conflitos foram a mais
importante causa imediata da pobreza no continente. A redução
dramática dos mesmos faz pensar que os recursos, quase da
ordem de US$ 300 bilhões queimados nos conflitos entre 1990
e 2005, podem agora ser dirigidos às políticas de redução da
pobreza e da miséria” (SARAIVA, 2007, s/p).

A consolidação de instituições e governos na África com bases menos


autocráticas e com algum apelo às noções da democracia torna-se de fato
relevante para a elevação da confiança internacional (SARAIVA, 2007).
Há também a atenção dos setores financeiros em alguns países
africanos com a eventualidade de um novo ciclo de endividamento interno
advindo principalmente das políticas financeiras que tem interesse estratégico
no continente para compra de petróleo, commodities agrícolas e exploração de
recursos minerais. O ambiente anima a confiança dos mercados e tal fato faz
com que a África venha sendo escolhida como parte das prioridades para
novas áreas e carteiras de empréstimos do Banco Mundial23.
Além dos pilares políticos e econômicos, outro fator de desenvolvimento
do continente africano está pautado no campo social, que varia de país a país,
por meio de políticas de construção de metas de redução da pobreza e
combate à AIDS 24. Desse modo, há razões para o otimismo da África. Seu
desenvolvimento é visível desde 2002 e a tendência é continuar crescendo nos
próximos anos, mesmo diante da crise financeira que se desdobra no contexto
do capitalismo norte-americano (STETTER, 2009).
A Comunidade Internacional por meio de iniciativas políticas e culturais
compartilha esse renascimento africano, que coloca o continente no foco das
atenções no cenário internacional:

Africa Foreign Investment Survey 2006. Washington: IMF, 2007


23
24
Embora nesta última década vários países africanos tenham atingido certa estabilidade
política e econômica, ainda encaram a tragédia da AIDS como um enorme desafio ao
continente. De acordo com Fantu Cheru, especialista em dívida da ONU, mais de 36 milhões
de pessoas no mundo hoje estão infectadas por HIV/aids. Delas, cerca de 95% moram no
hemisfério sul, especificamente na África, onde todos os dias, mais de 5 mil pessoas morrem
de aids.
41

“A África é quase um quarto da superfície da terra (22,5% das


terras do globo), com 30 milhões de quilômetros quadrados,
do qual 10 % da população mundial está em seu território.
Ademais, a África é fonte de cobiça, pois possui cerca de 30
tipos de recursos minerais do mundo que guarda em seu
subsolo (exemplo: diamante, ouro, petróleo). No entanto a sua
participação no comércio mundial é de apenas 2% com 1% da
produção industrial global. Em vista deste cenário, ainda existe
um grande desafio pela frente para a elevação desses itens”
(SARAIVA, 2007, s/p).

Nos dias atuais, cada vez mais se diminui os interesses das organizações
não-governamentais humanitárias dos países ricos e aumenta os interesses
dos atores econômicos e estratégicos globais no continente africano, com o
objetivo de dividir balanços e projeções no centro dos institutos africanos e
mundiais . O foco agora é o continente africano, seja o Estado uma grande
potência ou um país subdesenvolvido, o mundo acompanha passo a passo
com muita atenção a reinserção africana na política internacional (SARAIVA,
2008). Logo, a África se tornou:

“(...) uma das últimas fronteiras do capitalismo global, com


riquezas naturais e humanas incomensuráveis. O mundo
precisa mais da África do que a África do mundo. Lá estão
fontes e recursos naturais necessários à sobrevivência do
planeta. E suas elites, embora ruins na média geral, estão
divididas (...)”25

Apesar de haver um aumento do status da África no contexto mundial


com inserção na sociedade internacional, no Brasil até o início da última
década ainda existia uma “baixa apreciação” em relação ao continente
(ALCÂNTARA, 2009 apud SARAIVA, 2008). O histórico social que o Brasil
possui, pode ser compreendido por uma instituição que dependeu
necessariamente do continente africano e com a chegada dos escravos negros
do próprio, “a escravidão que assombrou nossa história durante três séculos e
meio, e ainda hoje, permanece atual pela relação que estabelece a população
negra brasileira com a pobreza” (COUTO, 2009 apud COSTA e SILVA, s/d).
Todavia, a entrada do presidente Lula representou uma nova ênfase dada
pelo governo para as relações diplomáticas e de cooperação com a África.

Citação extraída da Entrevista de José Sombra Saraiva a Agência da FAPESP em fevereiro


25

de 2009.
42

Hoje a África evolui para um ator internacional confiável e importante pelas


políticas e avanços democráticos realizado por países como a Angola, e
demais membros africanos da CPLP. A história da África torna-se necessária
para o relacionamento do Brasil com este continente, e em pouco tempo irá
determinar a localização do Brasil em uma futura posição de prestígio no
cenário econômico internacional (COUTO, 2009 apud COSTA e SILVA, s/d).

3.2 Aproximações entre o Brasil e os PALOP via CPLP

Historicamente os PALOP sempre apresentaram fatos e evidências que


os situaram no nível de uma economia de subdesenvolvimento, pautado na
produção agrícola, com fraca produtividade e subemprego ou desemprego
persistentes. O processo de descolonização, as guerras e as políticas pós-
coloniais, até mesmo as características geográficas, climáticas e a pobreza em
recursos do meio rural, resultaram no aumento do número de indivíduos e de
famílias que fogem a contextos de mudança e instabilidade política e,
particularmente, a situações de guerra (SILVA, ABRANTES, DUARTE, s/d,
apud, MACHADO, 1997). Todavia, o fim do Estado Novo26 proporcionou um
cenário favorável para a independência das colônias portuguesas e instigou a
busca por aliados internacionais para maximizar a legitimidade bem como obter
maior ajuda na solução de conflitos alianças em meio àqueles que
compartilhassem da mesma história e cultura. Na década de 1970, situou-se o
processo de independência dos países africanos lusófonos (Guiné Bissau, em
1973; Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, em 1975).
Estava então aberta a oportunidade para novas parcerias, e o Brasil valeu-se
de seus preceitos humanistas para mostrar-se como um aliado, principalmente
através da implementação de postos diplomáticos e, desde então, as relações
Brasil–África passaram a um maior dinamismo.

“O fato de o Brasil ter sido o primeiro país a reconhecer, em


1975, a independência da República Popular de Angola, sob o
Governo do Movimento Popular de Libertação de Angola

Regime político autoritário português, iniciado em 1933 e encerrado em 1974 com a


26

Revolução dos Cravos.


43

(MPLA), concretizou e assinalou um dos marcos do


estabelecimento das relações do Brasil com o continente”
(FRANÇA, 2009, s/p).

Devido às guerras civis que se fizeram presentes face à ausência de


poder nos Estados então independentes de Portugal, a participação do Brasil
no continente africano até a década de 1990 foi mais focada na presença de
construtoras e prestadoras de serviço no auxílio aos processos de
reconstrução 27 . Apresentou-se então a África como uma oportunidade de
negócios para empresas de grande nível, visto a possibilidade de obter mão de
obra barata, porém qualificada por iniciativas brasileiras; concomitantemente
como um novo tópico para figurar na agenda externa brasileira (PEREIRA;
VISENTINI, 2008).
Como conseqüência desta aproximação no âmbito econômico, notou-se
o expressivo número de empresas brasileiras estabelecidas no continente
africano, especialmente em Angola e Moçambique, sendo possível apontar
como um dos motivos a influência mútua política, que por um lado promove
intercâmbio sociocultural e por outro lado diversifica e intensifica as relações
comerciais, onde as nações envolvidas podem ser beneficiadas. Tem-se em
um blog governamental a afirmação de que, desde o início do mandato Lula, o
crescimento do comércio Brasil – África foi de 414,5%; contemplando
inicialmente US$ 5,039 bilhões em 2002 e alçando US$ 25,926 bilhões em
200828.
Todavia, desde os primeiros esboços que levaram a essa interação, a
criação da CPLP foi de suma importância para o engajamento entre Brasil e
África. A dinâmica das relações históricas entre o Brasil e os PALOP deu-se
quase que exclusivamente após a criação da CPLP em 1996. Com o passar do
tempo, o elemento integrador cultural que deu inicio à CPLP ampliou-se para
uma vertente mais político-estratégica, principalmente para o Brasil (RIZZI,
2008).

As construtoras brasileiras Camargo Corrêa e Odebrecht iniciaram atividades com foco em


27

obras de infra-estrutura urbana, ao mesmo tempo em que então abriram caminho para outras
empresas.
Dísponivel em < http://blog.planalto.gov.br/brasil-africa-3/>. Acesso em 20 out.
28
44

“Se, de fato, há um relacionamento econômico ainda limitado


entre o Brasil e os PALOP, nota-se que as relações tendem a
se fortalecer gradativamente, adaptando-se às novas
conjunturas internas e externas” (RIZZI, 2006, p.19).

Com Angola, por exemplo, ainda no período em que a CPLP estava


somente no papel, houve a promulgação do Acordo de Cooperação Cultural e
Científica, em 05 de outubro de 1990, no intuito de fortalecer laços comuns
entre os povos e a promoção de relações culturais e científicas por meio do
comprometimento na promoção da cooperação, incentivo ao intercâmbio
acadêmico e científico, reconhecimento de diplomas e títulos, dentre outros
pontos. Em 1991, foi assinado o Protocolo de Intenções na Área de
Desenvolvimento Educacional, como meio de estabelecer o acolhimento de
estudantes angolanos nas universidades brasileiras. Desde então, amparados
pelo Programa de Estudantes de Convênio de Graduação e Pós-Graduação
(PEC-PG), algo em torno de 150 estudantes angolanos vêm ao Brasil
29
anualmente para concluir seus estudos ou elaborar pesquisas . Em
colaboração com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) brasileiro participou da
implementação do Centro de Formação Profissional Brasil-Angola, em
Cazenga, (região metropolitana de Luanda), no ano de 1999 e, em 2004,
houve, ainda, a instalação de um Centro Regional de Excelência em
Desenvolvimento Empresarial, em Luanda (RIZZI, 2008). Ainda na temática da
educação, pode-se tomar, por exemplo, a Universidade Agostinho Neto (UAN) -
Universidade pública de Angola, situada em Luanda, que muito tem contribuído
para intercâmbio através de convênios com dez Universidades brasileiras –
USP, UFRJ e UNB, a título de exemplo. Ademais, com o apoio da UNESCO, o
Brasil implantou o projeto “Portal do Livro”: um banco de dados com cerca de
30 mil publicações científicas, o qual está disponível a todos os Estados-
Membros, além do incentivo ao esporte, que busca a inserção social e o
estímulo à educação por meio da prática esportiva.
Com Cabo-Verde diversos acordos no âmbito sociocultural têm sido
selados desde a criação da Comunidade, seja na área da educação com
projeto de Alfabetização Solidária, seja no trabalho, com o Centro de Formação
29
Importante citar que além de Angola, o projeto é voltado para diversos países, e contempla
todos os países africanos da CPLP.
45

Profissional, e mesmo no que tange aos direitos humanos, com um protocolo


de intenções nesse sentido. De acordo com o MRE, de 2000 a 2008, foram
assinados diversos acordos ou ajustes entre os dois países, indo da
implantação de uma universidade pública à dessalinização de água de poços e
capacitação profissional; mostrando uma aceleração do relacionamento
bilateral (RIZZI, 2008).
Quanto à cooperação com a Guiné-Bissau, as iniciativas passaram a ser
mais intensa no governo Lula, especificamente a partir do ano de 2006.
Podemos citar como exemplo, o amplo Acordo de Cooperação, que abrange
projetos não mais distintos áreas da Defesa, com atuações na formação de
músicos para a organização de bandas militares, cooperação nas áreas de
pesquisa e desenvolvimento, apoio logístico e aquisição de produtos e serviços
de Defesa, compartilhamento de conhecimento nas áreas de ciência e
tecnologia, formação e treinamento de pilotos, cursos diversos, operações e
treinamento conjuntos30.
Nos atos em vigor entre Brasil e Guiné Bissau, temos protocolos de
intenções para energia, implementação de programas no âmbito do trabalho e
desenvolvimento profissional, além de acordos de cooperação técnica.

“Guiné Bissau é um país cuja guerra civil, findada em 1999,


deixou cicatrizes que o colocam na 173ª posição mundial no
IDH, com pouco avanço socioeconômico, o que leva a
permanência de atos como a mutilação feminina, e um PIB
que possui 80% de seu valor proveniente de doações
internacionais. Recentemente, o Brasil enviou uma nota
repudiando a violência em Guiné Bissau, visto o assassinato
do presidente João Bernado Vieira em aparente vingança pela
morte do comandante das forças armadas, Batiste na Wai.
Existem ainda, conforme a ABC, dois projetos-pilotos na área
agrícola, ambos com base nos Acordos supracitados, sendo
um sobre cultivo de arroz irrigado e outro sobre produção de
caju, pautados na transferência de tecnologia para
implementação de modernas técnicas de produção e
processamento industrial de caju no país. Ademais, os
projetos de cooperação técnica entre Brasil e Guiné-Bissau
receberam status prioritário no aprimoramento das relações
entre os dois países nos mais variados campos na visita
presidencial de Lula à República da Guiné-Bissau em abril de

Texto na íntegra em <http://www.areamilitar.net/imprensa/imprensa.aspx?nrnot=279>.


30

Acesso em 16 set. 2009.


46

2005, em especial a saúde, a agricultura e a formação


profissional” (RIZZI, 2008, p. 15).

Em relação a Moçambique, onde vivem atualmente cerca de 2,5 mil


brasileiros, três das maiores empresas brasileiras atuam em Maputo, capital e
a maior cidade do país, com pouco mais de um milhão de habitantes: a Vale
faz estudos para dar início a exploração de carvão; a Camargo Corrêa planeja
a construção de uma usina hidrelétrica; e a Odebrecht prepara obras de infra-
estrutura urbana - esse processo abre caminho para outras empresas.
Moçambique também tem se mostrado altamente comprometido com a idéia da
cooperação bilateral com o Brasil, com acordos de cooperação firmados em
diversas áreas da Saúde, Educação, Ações Sociais e Segurança Pública.
Diante do contexto abordado, vale citar o projeto Cooperação na área de
Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos que objetiva a avaliação final do
projeto Alfabetização Solidária em Moçambique, concluído em março de 2003.
Neste projeto, apresentam-se quatro novas perspectivas estratégicas de
trabalho, com a participação do Ministério da Educação do Brasil (RIZZI, 2008).

“Por ocasião da visita presidencial de Lula a Maputo, em 2003,


o projeto “Bolsa-Escola” em Moçambique teve continuidade
em 2004/2005 com o pagamento das bolsas, no valor de
US$20,00 (vinte dólares) a 100 famílias carentes
moçambicanas”.31

Há ainda uma série de acordos na área cultural, de ações de gênero e


de segurança pública que estão em andamento entre Brasil e Moçambique,
demonstrando que tais relações bilaterais tendem a ser as mais expressivas no
âmbito dos PALOP (RIZZI, 2008 ).
Quanto às relações entre as ilhas de São Tomé e Príncipe com o
Brasil, as mesmas eram embasadas no aspecto acadêmico e agrícola, sem
grande intensidade em âmbitos que não contemplassem única e
exclusivamente a cooperação educacional, havendo então apenas a inserção
da saúde na agenda, face ao programa de controle para HIV. A partir da
criação da CPLP, e principalmente com a presidência de Luís Inácio Lula da

Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.mre.gov.br>. Acesso em


31

02.set.09.
47

Silva e sua proposta de cooperação com os países lusófonos africanos, houve


uma maior interação entre ambos (RIZZI, 2008).
Hoje existem intercâmbios e dos mais diversos entre Brasil e os países
africanos por meio da CPLP. Recentemente, houve a confirmação de um
acordo internacional de cooperação técnica, na qual o Brasil irá apoiar e
assistir micro e pequenas empresas situadas nos países lusófonos. Tal
cooperação já toma lugar em Moçambique há cerca de um ano, restrita à
agricultura e manufatura, e estima-se que terá início em Cabo Verde ainda em
2009. De acordo com José Marcelo de Miranda, assessor internacional do
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. O
empreendedorismo não será explorado de forma restrita – haverá transferência
de conhecimento, e a prospecção de jovens empresários não só toma lugar em
Angola, mas também está prevista para ser realizada em Guiné Bissau no
primeiro semestre de 201032.
A maior presença da África na agenda externa brasileira motiva inclusive
seu retorno às pautas de debates universitários: há um maior número de
pesquisas e temos então centros culturais, como a Fundação Cultural
Palmares e as comunidades quilombolas, que também buscam intensificar as
relações entre Brasil e África embasados na história compartilhada, e no
conhecimento a ser ofertado33.
Fora iniciativas do gênero, recentemente ocorreu a aprovação do acordo
ortográfico da língua portuguesa. Por possuir duas ortografias consideradas
corretas – a brasileira e a portuguesa – deu-se a necessidade de que houvesse
uma unificação ortográfica para consolidar a dinâmica do idioma e eliminar
obstáculos - diferenças na grafia e na concepção de palavras. Visto que a
CPLP propõe uma maior integração cultural e fundamenta-se na partilha de um
idioma em comum, fez-se necessário acordar uma reforma ortográfica que
permitisse maior aproveitamento das vias escritas - literatura, jornais, internet,
contratos, propostas, entre outros. Assim, o conteúdo seria compartilhado com
uma grafia homogênea para permitir a assimilação independente da vertente
lusófona e haveria redução de custos com produção e adaptação de livros,

Dados disponíveis em http://hojelusofonia.universolusofono.org/2009/10/07/sebrae-ajuda-


32

lusofonos-na-criacao-de-pequenas-empresas.
Disponível em <http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=34&
33

id=403>. Acesso em 15 set.2009.


48

como entrevista de Luis Fonseca - Secretario Executivo da CPLP - ao Jornal


Mundo Lusíada, em 200734.
Com o idioma comum, e agora com o acordo ortográfico, tão logo
estaremos falando um único português. Um os maiores meios e comunicação,
a Televisão, ou melhor, as grandes corporações da rede televisiva brasileira já
perceberam o grande mercado que proporciona os países africanos devido a
afinidade e identificação com a nossa cultura. A Rede Globo de Televisão, uma
das maiores empresas do no nosso país, e a Record já estão bastante
difundidas no continente – o que nos leva a uma maior interação e possibilita
as pessoas a viajarem pelo Brasil e vivenciarem nossa cultura mesmo sem sair
de casa35. Além da forte penetração da televisão brasileira (especialmente as
telenovelas), vale ainda, mencionar que tem crescido na o número de igrejas
evangélicas brasileiras36. Também tem aumentado o estabelecimento de redes
de contrabando, tráfico de drogas, armas e lavagem de dinheiro (num fluxo de
duplo sentido entre Brasil e África), bem como o número de refugiados e
imigrantes que o Brasil tem recebido na última década também tem
aumentado. Aspectos culturais e de segurança, assim, se tornam agendas
comuns no relacionamento entre as duas margens do Atlântico (PEREIRA;
VISENTINI, 2008).
Contudo, há também algumas críticas quanto a CPLP. Surgem,
questionamentos quanto à opção por um foco no âmbito Sul-Sul, e manifestos
de que a CPLP seria um retrocesso ao período colonial, devido à participação
de Portugal e a existência de medidas como a reforma ortográfica. Há também
a problematização quanto à linguagem como meio cultural de exercer domínio
em outros povos. A segregação fica não somente ligada ao histórico de
Portugal, mas também seria notada ao se supor que o português há de ser o
idioma privilegiado nos países africanos, em detrimento de dialetos e
linguagens tribais – aspectos da diversidade cultural, patrimônio de uma nação,

Entrevista disponível em <http://www.mundolusiada.com.br/CPLP/cplp292_nov07.htm>


34

Informação disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2009/04/07/programa-doctv-cplp/>.


35

Acesso em 29. out.2009.


36
Somente na África do Sul já existe aproximadamente 300 templos da Igreja Universal do
Reino de Deus, sendo este fenômeno ainda mais intenso nos países de língua portuguesa,
além de uma crescente penetração da televisão brasileira (especialmente as telenovelas).
Festivais de músicas, danças, mostras de cinema e teatros brasileiros também vêm ganhando
força no continente, principalmente nos países pertencentes à CPLP (VARGEM, 2008).
49

seriam então negligenciados. Paralelo aos esforços linguísticos, há o contraste


quanto à disponibilidade de verbas para o Instituto Internacional da Língua
Portuguesa, escassa para a devida promoção do idioma.
Segundo Saraiva, uma das críticas à CPLP recai justamente no fato
desta possuir “limitada capacidade de ação no plano internacional, pela
ausência de meios persuasivos de pressão econômica eficaz” (SARAIVA,
2001, p. 53). Embora a CPLP seja definida em seus Estatutos como um ente
de personalidade jurídica e dotada de autonomia administrativa e financeira37,
muito da sua eficácia como Instituição no plano internacional depende do total
apoio de seus Estados-Membros, sendo que estes, muitas vezes desviam suas
atenções dos reais objetivos dessa cooperação, como em momentos de
eleições e sensibilidades econômicas e financeiras e frente a interesses alheios
que vão além do poder de persuasão e decisão da Comunidade.
O fato é que hoje, dos principais objetivos da fundação em 1996, apenas
o papel de mediador diplomático da CPLP tem sido plenamente garantido. A
igualdade pressuposta pela comunidade é então onerada conforme
acadêmicos visualizam aspectos neocolonialistas.
Todavia, não se pode negar que de fato houve uma aproximação entre
os países-membros no âmbito de cooperação e solidariedade nesses últimos
anos – e são esses laços que fortalecem a comunidade. Dentre as principais
atuações da CPLP nesse contexto, é possível citar38:

1. Incorporação do Timor-Leste à Comunidade após sua independência em


1999, quando o governo imperialista da Indonésia destruiu – literalmente
– suas instituições educacionais, sociais e governamentais, deixando o
país necessitado de intervenções humanitárias;
2. Criação do Fundo Especial, no qual milhões de Euros são destinados a
projetos que alavancam a economia e campo social dos seus países
menos favorecidos;

Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Disponível em: <


37

http://www.cplp.org >. Acesso em: 23 jun. 2009.


Informações disponíveis em: http://www.mundialistas.com.br/blog/?p=1024. Acesso em: 21
38

nov.2009.
50

3. Buscou, em países terceiros, através de acordos como o Japan-Brazilian


Partnership Programme e na Carta de Intensões entre a ABC e GTZ
(alemã), auxílios para a prestação de serviços para os PALOP;
4. E Mediação do conflito na Guiné-Bissau, através da criação e atuação
do Grupo Internacional de Contato sobre a Guiné-Bissau (GIC-GB).

Logo, ao abranger os quatro continentes, a CPLP tem como fundamental


objetivo reverter tal quadro de impasses locais, ampliando a dimensão cultural
para as áreas econômicas e política (RIZZI, 2008). A CPLP não pode nem
deve ser descartada pelo governo brasileiro, pois, pelos fatos culturais e
geopolíticos em que está inserida, ela se torna um campo a mais para a
atuação da PEB em consolidar sua opção pelo multilateralismo. Temos então o
continente africano como um ponto a ser desempenhado na agenda de política
externa brasileira não só econômica, mas social e político-estratégica. Longe
de ser o indivíduo explorado e dominado, há na figura da África um parceiro
que apresenta várias oportunidades de desenvolvimento mútuo, e que atrai
investidores. Em suma, a CPLP sem dúvidas está sendo favorável a agenda de
política externa brasileira quanto à aproximação com o continente africano, e
governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem se aproveitado desse fruto.

3.3 Brasil-África: a diplomacia sociocultural no governo Lula

A presidência de Lula, iniciada em 2003, abriu um novo capítulo nas


relações Brasil-África, combinando uma nova visão sobre a ordem internacional
com a transformação social interna. Desde o início do primeiro mandato, Lula
vem dando sinais de mudanças na política externa brasileira para o continente
africano. Em seus discursos iniciais, anunciou um Programa de “Renascimento
e Revalorização da África” que discorre sobre uma maior aproximação com
países de importância regional e sobre o retorno à política africana através da
exploração de laços étnicos e socioculturais na construção de novas relações
econômicas e comerciais para o desenvolvimento Sul-Sul (VISENTINI;
PEREIRA, 2008). Em 2003, Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores
do Brasil, declarou:
51

“O estreitamento das relações com a África constituí para o


Brasil uma obrigação política, moral, e histórica. Com 76
milhões de afro descendentes, somos a segunda maior Nação
negra do mundo, atrás da Nigéria, e o governo está
empenhado em refletir essa circunstância em sua atuação
externa” (AMORIM, 2003, p. A3).

Prova disso é o fato de uma das primeiras iniciativas de política externa


de Lula ter sido alterar a estrutura interna do Itamaraty em relação à África -
novas embaixadas foram implantadas e o número de diplomatas brasileiros nos
países africanos ampliado, além de viagens presidenciais mais freqüentes ao
continente (RIBEIRO, 2007).

“Embora o governo Lula tenha sucedido uma década de baixa


densidade na política do Brasil em relação à África, também
herdou a experiência e a estrutura necessárias para o
relançamento da política africana. Graças a uma extensa
história de vinculações, o Brasil tem 31 missões diplomáticas
em 53 países africanos e dispõe de 27 embaixadas africanas
em seu território. O Itamaraty possui um departamento
dedicado à África dividido em três áreas que incluem países e
instituições multilaterais regionais de cooperação e integração”
(LECHINI, 2008, p. 66-67).

Ademais, novos temas começaram a ganhar relevância na agenda


diplomática brasileira com a África, entre eles, o aprofundamento da diplomacia
sociocultural39, do qual a CPLP e aos países africanos de língua portuguesa
tem ganhado especial destaque.
Já no primeiro ano do governo Lula, São Tomé e Príncipe, Moçambique
e Angola receberam a visita do Presidente brasileiro. Na ocasião, foram
discutidas as possibilidades de investimentos em diversas áreas da indústria e
do comércio, onde o Brasil desenvolveu com os países da CPLP fortes
programas de cooperação bilateral, trazendo grande entusiasmo aos
integrantes da Comunidade (VISENTINI; PEREIRA, 2008).

“Com o presidente Lula viajou uma comitiva de 128


empresários interessados na expansão de exportações. Foram
negociadas fábricas de cimento e de remédio (principalmente

Entendemos por diplomacia sociocultural os esforços e iniciativas de um Estado em conduzir


39

sua política externa pautada nos campos culturais e sociais para reforçar a representatividade
das identidades nacionais e estreitar relações com outros países, visando benefícios mútuos
no cenário internacional.
52

medicamentos antiretrovirais), construção de ferrovias,


exploração de carvão, exportação de aparelhos celulares,
montagem de ônibus e venda de máquinas de coletar lixo,
entre outros. A estimativa do intercâmbio era a de mais de
US$ 1 bilhão” (VISENTINI; PEREIRA, s/p. 2008).

No campo sociocultural, ao mesmo tempo em que o combate à pobreza


no Brasil fundamentou-se em programas como a “Fome Zero”, o governo Lula
tem buscado integrar os afros descendentes aos avanços da sociedade
brasileira.
No campo educacional, Lula ampliou o Programa PEC (Programa de
Estudantes Convênio voltado à concessão de bolsas de estudo para
estudantes africanos no Brasil) com a extensão para a área de pós-graduação
e tem ampliado a cooperação no campo de pesquisas científicas e intercâmbio
de professores, além de avançar em parcerias de ensinos técnicos. São
também desenvolvidos movimentos de consciência negra no Brasil a partir da
realização de seminários e de novas legislações contra a discriminação racial
(VARGEM, 2008).
As relações com Angola, parceiro tradicional em diversas áreas, foi
ampliada. Lula fomenta uma discussão pautada na “revolução dos
bicombustíveis”. Segundo ele, os dois países – Angola como uma potência
petrolífera e segundo maior produtor africano de petróleo e o Brasil como auto-
suficiente na produção deste – poderiam juntos participar da próxima revolução
energética. Para tal, o Brasil ofereceria apoio técnico e profissionalização por
meio de trocas de conhecimentos, experiências, treinamentos, consultorias e
capacitação institucional na execução de projetos-piloto (VISENTINI;
PEREIRA, 2008).
O Brasil, na presidência da CPLP, desempenhou papel central nas
gestões diplomáticas que contribuíram para a retomada da democracia em São
Tomé e Príncipe 40 . Com Moçambique, estreitaram-se laços comerciais e
estabeleceu-se uma cooperação no setor agropecuário, entre outras áreas.
Com todos os países da Comunidade, tratou-se de cooperação em programas
na área de desenvolvimento agrário, do combate à AIDS e da luta contra a

Foi estabelecida uma cooperação com a Agência Nacional do Petróleo para ajudar o país a
40

desenvolver seu sistema de regulação e licitação da exploração do seu petróleo.


53

pobreza41. Além disso, o governo brasileiro tem favorecido significativamente


um crescente número de empresas brasileiras, principalmente as exportadoras
de serviços, que tem se dirigido ao continente africano para a realização de
projetos42 (VISENTINI; PEREIRA, 2008).
Assim, no contexto de aceleração do crescimento econômico que a
África vem experimentando na última década, Lula tem demonstrado enxergar
novas oportunidades de investimentos no continente, como por exemplo,
aproveitar o potencial da CPLP através de cooperação bilateral nas áreas de
segurança, negócios, saúde e educação (LECHINI, 2008). Desde 2003 até o
final de 2008, Lula celebrou 59 atos internacionais bilaterais com os países
africanos de língua portuguesa, 3,5 vezes mais do que o governo de FHC,
precursor da CPLP. O gráfico a seguir, realizado com bases nos dados do
Ministério das Relações Exteriores, demonstra tal afirmação:

Número total de Atos Celebrados entre Brasil e PALOP


70
59
60

50

40

30

17
20
13 12
8
10
1 4

0
Geisel Figueiredo Sarney Collor Itamar Franco FHC LULA
(1974-1979) (1979-1985) (1985-1990) (1990-1992) (1992-1995) (1995-2003) (2003-2008)

Fonte: Gráfico de autoria própria. Dados extraídos da Divisão de Atos Internacionais – DAÍ do Ministério das Relações
Exteriores. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1175>. Acesso em
02. ago.2009

41
Na passagem pela sede da CPLP, em Lisboa, o Presidente Lula destacou a responsabilidade
especial da Comunidade em reverter a situação de miséria de alguns povos e a necessidade
de mobilizar a Comunidade Internacional.
42
Como exemplo, cabe destacar o fato da Companhia do Vale do Rio Doce ter sido a
vencedora da concorrência para a exploração do complexo carbonífero de Moatize, ao norte de
Moçambique, estreitando as relações com o Brasil.
54

Embora o Brasil tenha efetivamente se reaproximado do continente


Africano na década de 1960, as relações do Brasil com os países africanos de
língua portuguesa por meio de celebração de atos internacionais aconteceu
somente no governo Geisel (1974-1979), cerca de vinte anos após a primeira
ideia de criação de uma Comunidade que reunisse os países de língua
portuguesa. Tal aproximação com o continente no período se deu através da
necessidade brasileira em cooperar com a África em termos estratégicos frente
aos reflexos da I Crise do Petróleo.
A década de 1980 voltou a protagonizar adversidades político-
econômicas no contexto mundial. Todavia, mesmo que a recessão da chamada
“década perdida” tenha limitado fortemente os resultados de cooperações entre
Brasil e África, Figueiredo tentou manter a presença brasileira no continente
Africano (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2008). Somente com os PALOP
foram celebrados 12 atos internacionais.
Conforme citamos anteriormente, o período de transição entre o regime
militar e a democracia marcou a reafirmação da política africana do Brasil. José
Sarney celebrou 8 atos com os PALOP e foi, de fato, em seu governo que
iniciaram-se as negociações para criação da CPLP.
Com base no gráfico notamos que Collor, com todos os entraves e
escândalos políticos do seu curto mandato, seguiu outra linha de pensamento
em relação à aproximação com a África. Collor com sua visão pautada em
países de “primeiro mundo” celebrou apenas um ato internacional com os
PALOP (especificamente no âmbito educacional com Angola), que assim como
todo o continente africano, deteve de posição secundária em seu governo
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2008).
Itamar Franco, apesar de ter retomado a lógica do pragmatismo pautado
no interesse nacional, celebrou 4 atos internacionais com os PALOP tentando
não intimidar as relações com esses países. Já o governo FHC, mesmo
buscando a diversificação das relações bilaterais do Brasil com os países do
Norte, iniciou novas ações focadas no tema cooperação via CPLP com a
celebração de 17 atos internacionais com os PALOP.
Contudo, ao alisarmos o gráfico acima, fica perceptível o enfoque dado
por Lula nas relações diplomáticas e de cooperação com os PALOP em seu
55

mandato. Abaixo, mostramos a divisão por temas e categorias dos 59 atos


celebrados com os PALOP pelo presidente Lula até 2008:

Divisão de Atos Internacionais Brasil-PALOP nas gestões Lula (2003-2008)

Cooperação técnica, científica e econômica 15

Outros (atos aleatórios) 12

Saúde 8

Educação 8

Profissionalização 7

Cooperação cultural/combate ao racismo 4

Meio ambiente 3

Esporte 1

Agricultura 1

0 2 4 6 8 10 12 14 16

Fonte: Gráfico de autoria própria. Dados extraídos da Divisão de Atos Internacionais – DAÍ do Ministério das Relações
Exteriores. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1175>. Acesso em
02. ago.2009

Observa-se um predomínio de atos firmados no âmbito sociocultural,


sobretudo nas áreas de Cooperação Técnica, Científica e Econômica (abrange
temáticas de desenvolvimento sustentável, tecnologia, segurança, saúde
pública e capacitação profissional), de Educação, Saúde, e Profissionalização,
demonstrando que a aproximação com o continente africano focada em temas
socioculturais tem se mostrado como um desdobramento importante da política
externa de Lula.
À medida que a construção diplomática com a África foi avançando, o
governo Lula passou cada vez mais a fazer uso do discurso sociocultural,
centrado na familiaridade e na história comum entre ambos os lados como
meio de aproximação (VARGEM, 2008). Nota-se que laços históricos, sociais e
culturais mostram-se mais presentes na visão da política externa brasileira nos
últimos anos sobre a necessidade de aproximação e cooperação com a África.
Todavia, a construção de alianças preferenciais com parceiros no âmbito das
relações Sul-Sul são também voltadas à elementos estratégicos e econômicos,
conforme veremos a seguir - fundamentais para a consolidação da almejada
56

posição de liderança do Brasil no cenário internacional (PEREIRA; VISENTINI,


2008).

3.4 A importância da CPLP frente aos interesses do Brasil

A nova ordem contemporânea, conhecida como globalização, confere


grande interdependência nas relações internacionais nos campos político,
econômico, cultural e social; reconhece a democracia, a boa governança e a
promoção e proteção dos diretos humanos como pressupostos do
desenvolvimento nacional e da convivência internacional (MENDONÇA, s/a).
Desse modo, observa-se a expansão dos movimentos de integração
regional e alinhamentos ideológicos de diferentes naturezas e contornos, pelo
qual grupos de países unem-se para promover ações que objetivam criar
melhores condições para sua inserção em um mundo cada vez mais
competitivo. A cooperação internacional, então, deixa gradualmente de referir-
se simplesmente à assistência para a superação do subdesenvolvimento,
pautada em um ponto de vista fundamentalmente econômico e de uma estrita
relação Norte-Sul, passando a incorporar o conceito amplo de desenvolvimento
social por meio de programas de cooperação. A assim, a cooperação Sul-Sul
vem ganhando cada vez mais espaço no cenário internacional, o que foi
possível também graças ao crescimento econômico e progressivo
fortalecimento das capacidades internas de parte dos países em
desenvolvimento (COELIN, s/a).
Em discurso, proferido por ocasião da XV Reunião de Diretores de
Cooperação Internacional da América Latina e Caribe (Montevidéu, Mar/02), o
ex-Diretor- Geral da ABC, Embaixador Marco César Meira Naslausky,
defendeu que:

“no século XXI a cooperação horizontal deverá crescer e se


tornar um dos principais itens da agenda diplomática bilateral
dos países em desenvolvimento, tendência que já começou a
ser percebida mais claramente nos últimos anos da década de
noventa. As potencialidades que a cooperação Sul-Sul oferece
para o estreitamento das relações internacionais entre países
em desenvolvimento, em praticamente todas as áreas do
57

conhecimento, têm sido objeto de grande atenção por parte


dos Governos dos mencionados países. Prova disso é o
surgimento, nos últimos anos, de diversos órgãos
especificamente concebidos para coordenar e promover essa
promissora vertente da cooperação. O trabalho desenvolvido
por essas instituições que atuam na promoção da cooperação
entre países em desenvolvimento tem superado as
expectativas iniciais e respondem, hoje, por parte substantiva
dos programas mantidos entre os referidos países, os quais,
sem substituir a cooperação vertical, mas ao complementá-la,
redimensionaram e enriqueceram a cooperação técnica
internacional” (COELIN, s/d, p. 29).

É nesse contexto que se insere um grande interesse do Brasil em


fortalecer o vínculo com os países africanos por meio da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa. Para um país de tamanha projeção internacional
como o Brasil, por suas dimensões e potencialidades, é importante atuar ao
mesmo tempo em múltiplos cenários. Gelson Fonseca Jr. observa que:

“(...) um dos "traços salientes da diplomacia brasileira é sua


capacidade de expandir e diversificar os laços que nos unem
ao mundo"; logo, o desenvolvimento das relações com a África
tem sido uma prioridade constante na política externa”
(MENDONÇA, s/d, p 13).

Além do fato de que o Brasil abraçou a CPLP porque esta partilha e


participa dos anseios e dos desafios dos povos lusófonos, o tema da
Cooperação Sul-Sul é hoje matéria de atenção privilegiada nos foros
internacionais (COELIN, s/a). A aproximação com o continente africano tem se
mostrado como um desdobramento importante da política externa brasileira; o
Brasil começa a tornar-se um exportador de capital e tecnologia, além de um
tradicional (e agora competitivo) exportador de produtos primários, serviços e
manufaturas; e a África tornou-se um dos territórios adequados aos
investimentos das empresas brasileiras, ainda que o continente seja marcado
por alguns regimes instáveis, conflitos armados e outras formas de violência e
imensa pobreza. Ao mesmo tempo é uma das poucas fronteiras naturais ainda
abertas para a expansão de negócios em setores como petróleo, gás e
mineração e palco de uma disputa global por acesso a matérias-primas cada
vez mais escassas e demandadas (PEREIRA; VISENTINI, 2008).
Logo, na aproximação com o continente africano, os aspectos
estratégicos e econômicos são, seguramente, de grande importância. Embora
58

a África seja um continente que ainda apresenta índices alarmantes de


pobreza, não está estagnado, e representa um elemento fundamental para a
inserção global do Brasil. O discurso e a prática diplomática do atual governo
convergem para a construção de alianças preferenciais com parceiros no
âmbito das relações Sul-Sul. Nessa perspectiva, o continente africano
representa uma das áreas de maior investimento em termos diplomáticos do
governo, só superada pela América do Sul (SARAIVA, 2008).
Nas reuniões do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), por exemplo, os países em desenvolvimento, e de forma particular o
Brasil, defendem sistematicamente a alocação de recursos da cooperação
internacional, em geral disponibilizados pelos países doadores tradicionais ou
mesmo pelos organismos internacionais para a expansão das ações de
cooperação face às deficiências financeiras dos mesmos. De acordo com
Coelin, as medidas de cooperação internacionais costumam aparecer
quantificadas em valores de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD),
mostrando que, em princípio, toda ação de cooperação internacional teria um
valor quantitativo, mesmo que não podendo ser avaliadas desta maneira -
exemplo disso são a capacitação e a transferência de tecnologia e
experiências, aspectos fundamentais da cooperação técnica prestada pelo
Brasil aos países africanos de língua portuguesa43.
Um segundo exemplo incide sob as perspectivas de relacionamento
mais intenso entre as economias da CPLP nas negociações na Organização
Mundial de Comércio (OMC). A questão do protecionismo, de forma geral, está
presente em toda a negociação da OMC, tanto em relação ao acesso de
economias emergentes aos mercados do Norte como às medidas de transição
para economias pobres, que fazem parte dos “países menos avançados”
conforme classificação da ONU, entre os quais se encontram os PALOP.
Desse modo, os níveis de protecionismo econômico e os critérios da produção
com amplos efeitos sociais (caso das indústrias farmacêuticas ou alimentares)

De acordo com Coelin, um caso emblemático que exemplifica essa afirmação é a oferta
43

brasileira aos países africanos, a custo zero, da tecnologia para produção de medicamentos
antiretrovirais. O custo dessa tecnologia, desenvolvida por laboratórios públicos nacionais, não
aparece de fato quantificada nos valores da cooperação brasileira com os países africanos, até
mesmo porque seu valor estratégico para eventuais países beneficiários também seria de difícil
quantificação.
59

surgem como temas de interesse estratégico capazes de suscitar consultas e


até articulações em debates na CPLP - num momento em que se redefinem
regras para a economia mundial, tais articulações podem assumir, no curto
prazo, mais importância que as trocas comerciais em si (GONÇALVES, s/a).
Sob o pilar político-diplomático, o diálogo mais estreito propiciado pela
CPLP consiste no fortalecimento da posição negociadora dos países do
Hemisfério Sul, onde o Brasil tem assumido um papel destacado, inclusive em
função da complexidade de seus interesses (GALA, s/a). Sobretudo, esse
diálogo tem propiciado ao Brasil muitos votos e apoio para os inúmeros cargos
para os quais tem apresentado-se como candidato no sistema das Nações
Unidas, a exemplo de pleitear um assento permanente no Conselho de
Segurança.
Ademais, o Brasil visa tornar-se a potência regional dominante no
Atlântico Sul, posições portuguesas relativas aos países lusófonos, embora
sejam seus concorrentes nas áreas econômicas, onde procura mercados para
os seus produtos industriais. Celso Lafer, ex- ministro das Relações Exteriores
do Brasil afirmou, em 2002, que:

“a CPLP é uma orientação estratégica da política externa


brasileira em sua dimensão mais universal e positiva. Ninguém
constrói uma política internacional sem parcerias. E as
parcerias, como as que estamos construindo na CPLP,
demonstram nossa vocação, enquanto país, para a promoção
dos ideais do desenvolvimento, do avanço da democracia e da
garantia da paz” (GALA, s/d, p. 21).

De forma mais geral, portanto, a CPLP, de acordo com as palavras do


Ministro Lafer, atende ao interesse brasileiro de promover valores que pautam
a inserção internacional do país. No particular, cada um dos pilares de atuação
da CPLP, da cooperação ao político-estratégico, oferece oportunidades
específicas para o Brasil e para a consecução do interesse nacional.
A inserção do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
dá-se justamente sob o duplo signo da avaliação político-estratégica do
interesse nacional e do sentimento de solidariedade que nos aproxima de
países e povos com os quais compartilhamos elementos históricos e culturais,
bem como projetos comuns de desenvolvimento e paz, mas claro, sem
60

esquecer de que o mundo inteiro esta de olho no continente africano, todos


com as mesmas cobiças, a participação de uma expansão econômica que hoje
se encontra próxima de desabrochar (COUTO, 2009 apud COSTA e SILVA,
s/d). Mesmo com os índices alarmantes de miséria, o continente africano não
está mais em ponto de estagnação; o Brasil por sua vez busca se fortalecer no
cenário internacional por meio de parcerias com os demais países em
desenvolvimento. Logo, os aspectos políticos e socioculturais também se
tornam úteis ao Brasil em busca da “lógica de liderança mundial” no cone Sul e
para uma maior visibilidade nas tomadas de decisões no cenário internacional;
e a África é um excelente parceiro para isso (PEREIRA; VISENTINI, 2008).

.
61

CONCLUSÃO

A dinâmica das relações históricas entre o Brasil e os PALOP foi


marcada por períodos de aproximações mais intensas ou por profundos
distanciamentos. Inicialmente baseadas em ligações histórico-culturais entre os
países; as relações entre o Brasil e os países africanos lusófonos se apoiaram
na língua portuguesa como um elemento cultural de aproximação que,
posteriormente, levou à criação da CPLP.
Logo, a constituição da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
marcou a primeira tentativa concreta de redirecionar e estreitar o contato entre
esses países. Embora os primeiros anos da Comunidade tenham sido
direcionados ao fortalecimento da própria instituição no cenário internacional, a
CPLP se concretiza como um instrumento de aproximação e cooperação entre
os países membros, do qual permitiu que o viés cultural fosse ampliado,
vislumbrando também aspectos político-estratégicos na aproximação entre
esses países.
Assim, contradizendo a predisposição para crises e dificuldades
socioeconômicas, há o fim de uma política marcada por um estereótipo de
caridade, conforme se tem uma visão empreendedora que vê na África não
apenas um mercado consumidor em potencial, mas um parceiro que faz a
retomada de aspectos mercadológicos e estratégicos aliados a
responsabilidade social e projeção internacional.
Surgem, então, questionamentos quanto à opção por um foco no âmbito
Sul-Sul, e manifestos de que a CPLP seria um retrocesso ao período colonial,
devido à participação de Portugal e existência de medidas como a reforma
ortográfica. Após estudos, porém, propomos o pioneirismo como algo mais
íntegro que a manutenção de uma política externa submissa às eventuais
hegemonias, que dificilmente contemplam o desenvolvimento interno e se
focam apenas em aspectos econômicos clássicos, sem proporcionar aos
nacionais as ditas benesses, tampouco ofertar ao Brasil uma visibilidade
positiva. O posicionamento do Brasil como protagonista em uma nova área de
negociações permite não apenas uma maior cobrança por transparência
política, mas também fortalece a imagem nacional e torna o país mais atraente
62

não somente ao capital especulativo, mas também aos investimentos mais


sólidos que se façam permanentes junto ao empresariado nacional.
Contrastando com as mazelas sociais, temos internamente a retomada
de discussões quanto ao racismo e a instituição do ensino da história africana
aos jovens, enquanto internacionalmente a agenda é revista e ocorre a
mudança das relações focadas numa política Norte-Sul. Novas embaixadas,
mais diplomatas, mais vôos internacionais prestigiando países africanos e vice-
versa, além da adoção de estímulos para intercâmbio entre acadêmicos,
promoção do esporte e da prática da diplomacia sociocultural - há de se
reconhecer a estratégia que possibilitará influência em demais países.
Diante dos elementos apresentados, o estudo revela a CPLP não
somente um conjunto de projetos que irão beneficiar ambos os lados, mas um
novo espaço para negociações e estabelecimento de alianças em face de
questões que necessitem de apoio de outros Estados; e o Brasil tem se
apoiado nessa condição, seja na busca da “lógica de liderança mundial” no
cone Sul, nos painéis da OMC ou eventual apoio no Conselho de Segurança
da ONU.
Em suma, a CPLP se projeta como uma nova proposta política para os
países que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas
identificado pelo idioma comum - um espaço privilegiado para a reafirmação da
África como um dos objetivos da Política Externa Brasileira. Embora, encontra-
se em diferentes estágios de desenvolvimento perante a atual globalização, a
CPLP é de indiscutível importância para o Brasil que busca fortalecer seus
laços culturais, diplomáticos, econômicos e, principalmente, estratégicos; assim
ratificando a horizontalidade presente na diplomacia nacional, ressaltada ao
longo do governo Lula.
63

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