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SÃO

ÃO PAULO EM PERSPECTIVA
AULO EM ERSPECTIVA, 18(1): 168-176, 2004
18(1) 2004

CONTROLE SOCIAL
notas em torno de uma noção polêmica

MARCOS CÉSAR ALVAREZ

Resumo: O artigo recupera aspectos da trajetória da noção de controle social, desde suas raízes nas discussões
clássicas de Émile Durkheim sobre a integração social, passando pela criação e utilização do termo na Socio-
logia norte-americana até chegar à contraposição com as reflexões de Michel Foucault acerca do poder e na
indicação da situação atual desse debate no interior do pensamento social contemporâneo.
Palavras-chave: controle social; pensamento social; Michel Foucault.

Abstract: This article summarizes the history of the notion of social control, from its roots in the classical
discourse of Émile Durkheim on social integration to the creation and use of the term in American sociology.
It also examines the juxtaposition between Michel Foucault’s reflections on power and the current state of this
debate within the sphere of contemporary social thought.
Key words: social control; social thought; Michel Foucault.

N
ão é uma tarefa promissora, no campo das Ciên- Sociais é, com freqüência, uma tarefa metodológica es-
cias Sociais, tentar estabelecer um significado sencial nos momentos em que se busca avançar na produ-
unívoco para determinados conceitos ou noções. ção de conhecimento acerca de determinado aspecto do
Em primeiro lugar, porque com freqüência conceitos ori- mundo social. Ao recuperar os usos permanentemente
ginalmente elaborados no interior de uma tradição teóri- cambiantes dos conceitos, torna-se possível perceber quais
ca são depois apropriados por outras tradições e recon- as questões que estão em jogo em determinado campo de
figurados de tal modo que o significado original se perde pesquisa e quais as opções teóricas e metodológicas que
e novas e inesperadas questões surgem sob a mesma de- se escondem por trás de denominações aparentemente
nominação. Em segundo lugar, porque a relação entre as homogêneas.
Ciências Sociais e seu objeto é marcada por uma “herme- As considerações anteriores aplicam-se perfeitamen-
nêutica dupla”, pois tanto o desenvolvimento do pensa- te à discussão do significado da noção de “controle so-
mento social é influenciado pelas noções produzidas pe- cial” no pensamento social. Esta noção é com freqüên-
los agentes sociais quanto as “noções cunhadas nas cia utilizada pelos mais diversos autores e em contextos
metalinguagens das Ciências Sociais retornam rotineira- teóricos e metodológicos igualmente heterogêneos.1 Sua
mente ao universo das ações onde foram inicialmente for- utilização extrapolou mesmo o âmbito das discussões aca-
muladas para descrevê-lo ou explicá-lo” (Giddens, dêmicas especializadas, de tal modo que não é incomum
1991:24). que a expressão seja empregada em debates públicos
Diante deste quadro complexo, qualquer tentativa de acerca de temas como da violência, do funcionamento
encontrar o significado unívoco e original de conceitos e da justiça criminal, das políticas de segurança, etc. A
noções está previamente condenado ao fracasso ou ao própria vulgarização do termo parece conspirar para que
exercício acadêmico estéril. Em contrapartida, recuperar seja abandonado como instrumental analítico rigoroso e
as trajetórias das idéias ao longo dos debates realizados substituído por noções mais precisas. Mas para quais
no interior das disciplinas que constituem as Ciências questões no interior do pensamento social aponta essa

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expressão? Em que contextos teóricos e metodológicos Nestas e em outras reflexões, já se percebe que
ela tem sido utilizada? Qual sua pertinência no debate Durkheim aponta tanto para os mecanismos gerais de
atual das Ciências Sociais? Ao buscar recuperar aspec- manutenção da ordem social quanto para fenômenos ou
tos da história da noção no âmbito do pensamento so- instituições específicas que buscam fortalecer a integra-
cial,2 pretende-se neste artigo contribuir justamente para ção e reafirmar a ordem social quando esta se encontra
que a avaliação teórica e metodológica das questões aí ameaçada. Mas a unidade de análise nas discussões de
envolvidas seja mais conseqüente, de modo a que não se Durkheim e de outros autores do século XIX era o con-
proclame a morte precipitada de idéias e questões que junto da sociedade, e o problema principal consistia, de
ainda possam ser atuais. modo mais geral, em como estabelecer um grau necessá-
rio de organização e de regulação da sociedade de acordo
DO PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO SOCIAL À com determinados princípios morais, mas sem o emprego
NOÇÃO DE CONTROLE SOCIAL excessivo da pura coerção (Cohen; Scull, 1985:5). Mais
especificamente, as reflexões do próprio Durkheim, por
No âmbito da Sociologia, a expressão “controle social” sua vez, inscreviam-se no contexto histórico da constru-
geralmente é caracterizada nos dicionários como circuns- ção da Terceira República, que buscava justamente
crevendo uma temática relativamente autônoma de pes- rearticular um consenso na sociedade francesa num pe-
quisa, voltada para o estudo do “conjunto dos recursos ríodo social e politicamente bastante conturbado (Ortiz,
materiais e simbólicos de que uma sociedade dispõe para 1989).
assegurar a conformidade do comportamento de seus Se as reflexões de Durkheim antecipam as questões
membros a um conjunto de regras e princípios prescritos relativas ao controle social, a expressão propriamente dita
e sancionados” (Boudon; Bourricaud, 1993:101).3 Tal de- será cunhada e posteriormente desenvolvida pela Socio-
finição sintética, no entanto, pouco avança na caracteri- logia norte-americana, sobretudo no século XX. Em au-
zação precisa das questões que estariam envolvidas nessa tores como George Herbert Mead (1863-1931) e Edward
discussão, inclusive porque a noção parece sobrepor-se a Alsworth Ross (1866-1951) – que geralmente é indicado
outras, como as de poder ou de autoridade. Deste modo, como o primeiro a utilizar a expressão em inglês para
mesmo nos dicionários busca-se com freqüência precisar definir um campo específico de estudos (Lapiere, 1954;
melhor a noção a partir de uma recuperação de sua histó- Chunn; Gavigan, 1988) –, o termo passa a ser utilizado
ria, cujas raízes mais remotas podem ser encontradas nas para apreender sobretudo os mecanismos de cooperação
formulações clássicas de Émile Durkheim (1858-1917) e de coesão voluntária da sociedade norte-americana
acerca do problema da ordem e da integração social. (Rothman, 1981). Ao invés de pensar a ordem social como
Não é novidade afirmar que a Sociologia de Durkheim regulada pelo Estado, os pioneiros do tema na Sociologia
privilegia os problemas relativos à manutenção da ordem norte-americana estavam mais interessados em encontrar
social. Esta preocupação está presente tanto nas formula- na própria sociedade as raízes da coesão social. O acento
ções metodológicas mais gerais, como no livro As Regras conservador desta perspectiva – e que também já estava
do Método Sociológico (Durkheim, 1978), quanto em presente nas idéias de Durkheim – torna-se evidente: de-
conceitos que desenham um diagnóstico acerca da socie- sejava-se entender muito mais as raízes da ordem e da har-
dade moderna, como por exemplo o conceito de “anomia”. monia social do que as condições da transformação e da
No entanto, Durkheim se detém igualmente em fenôme- mudança social. Apesar da continuidade, a análise deslo-
nos como o crime e a pena, que dizem respeito aos meca- ca-se mais para o plano das questões “micro” do que
nismos empregados pela sociedade no momento em que “macrossociológicas”, ao prevalecer a perspectiva – quer
alguém desobedece as normas sociais e ameaça a ordem em termos funcionalistas, quer em termos interacionistas
social. Se o crime “ofende certos sentimentos coletivos – da psicologia social que permanece dominante nos anos
dotados de uma energia e de uma clareza particulares” seguintes na assim chamada Escola de Chicago.
(Durkheim, 1978:120), a pena é a reação coletiva que, Após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, a
embora aparentemente voltada para o criminoso, visa na expressão começa a apontar para uma direção oposta.
realidade reforçar a solidariedade social entre os demais Sobretudo estudos no campo da Sociologia e da História
membros da sociedade e, conseqüentemente, garantir a in- do crime e do desvio recuperam, por um lado, questões
tegração social.4 macrossociológicas, como a da relação do Estado com os

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mecanismos de controle social. Por outro lado, a coesão por caminhos curiosamente tortuosos, uma vulgata do diag-
social não será mais vista como resultado da solidariedade nóstico de Max Weber (1864-1920) acerca do processo
e da integração social, mas sim como resultado de práticas de racionalização da modernidade como desenvolvimen-
de dominação organizadas pelo Estado ou pelas “classes to incontornável da “férrea prisão”.6
dominantes”. Será esta orientação negativa da temática do Assim, já no final do século XX a noção encontrará
controle social que ganhará cada vez mais importância amplo descrédito. Por exemplo, Cohen (1989), ao reali-
tanto na Sociologia quanto na História5 a partir dos anos zar um dos muitos balanços críticos sobre a temática, apon-
60 do século XX, ao voltar-se para pesquisas empíricas ta que mesmo a abordagem revisionista do controle so-
sobre prisões, asilos, hospitais, etc. Uma história “revisio- cial acabou por tomá-lo como uma força nefasta e
nista” das práticas penais, por exemplo, inverte o sentido coerentemente organizada, que faz total tábula rasa da-
das mudanças ocorridas nesse campo desde a emergência queles que estão submetidos a seu controle, privilegian-
da modernidade, que não serão mais vistas como ineren- do-se também o papel do Estado e das práticas formaliza-
temente progressistas, mas sim como constitutivas de novas das de controle social em detrimento das práticas
formas de manutenção da ordem social. Nesta nova “informais”, mais próximas dos grupos sociais específi-
perspectiva, entrecruzam-se novamente tanto autores de cos. Ainda segundo Cohen, a noção só voltaria a ser útil
língua inglesa quanto autores franceses – como Edward caso, entre outros aspectos, fosse capaz de:
Palmer Thompson (1924-1993) e Michel Foucault (1926- - indicar a que práticas sociais específicas corresponde;
1984) – e distintas tradições teóricas, tais como as do - recuperar as diferentes respostas dos agentes submeti-
marxismo e do pós-estruturalismo. dos aos mecanismos de controle;
Sem dúvida, essa perspectiva mais crítica acerca dos - mostrar que essas práticas podem ser produtivas e não
mecanismos de controle social presentes na sociedade apenas repressivas, já que podem produzir comportamen-
moderna estimulará um rico conjunto de trabalhos volta- tos em indivíduos e grupos sociais e não somente restrin-
dos tanto para as instituições diretamente envolvidas com gir e controlar as ações;
a questão do desvio, do crime e da criminalidade – polí- - evitar a dicotomia Estado/sociedade e pensar as práticas
cia, justiça criminal, prisão – quanto para aquelas só indi- de controle social constituindo-se na relação entre as di-
retamente envolvidas com o problema – hospital, asilo, versas dimensões institucionais da modernidade;
escola, família, etc. A partir dos anos 80 do século XX, - não cair numa visão por demais finalista da racionalida-
no entanto, também essa abordagem revisionista dos me- de dos mecanismos de controle social.
canismos de controle social sofre um novo conjunto de Essa parece ser a situação atual das pesquisas desen-
críticas. Na verdade, a mudança da valorização do pro- volvidas sob o rótulo da expressão controle social: deve-
blema ao longo do século XX – ou seja, que a temática do se ultrapassar uma visão por demais instrumentalista e
controle social deveria ser vista em termos de dominação funcionalista do controle social como uma misteriosa ra-
e não de cooperação – não alterou o núcleo original da cionalidade voltada para a manutenção da ordem social e
discussão, que permaneceu quase sempre dependente da buscar, em contrapartida, formas mais multidimensionais
tradição inaugurada por Durkheim, que consiste em pen- de pensar o problema, capazes de dar conta dos comple-
sar as instituições sociais a partir de uma concepção rela- xos mecanismos que não propriamente controlam mas
tivamente unificada da sociedade, ou seja, tendo ainda sobretudo produzem comportamentos considerados ade-
como pano de fundo a questão da integração social quados ou inadequados com relação a determinadas nor-
(Castell, 1988). mas e instituições sociais.
De forma paradoxal, portanto, ao longo das discussões Analisar de modo mais aprofundado o pensamento de
em torno da noção de controle social desde o final do sé- um dos autores que mais influenciou esses debates recen-
culo XIX até o final do século XX, a teoria social parece tes em torno da temática do controle social – Michel
ter se limitado, neste aspecto, a simplesmente inverter os Foucault – pode ajudar a perceber melhor o que se encon-
pólos de uma mesma equação – a onipresença de uma in- tra atualmente em jogo nessa discussão. Acima de tudo
tegração social que garantiria a ordem social para além porque, embora tenha sido tomado por diversas vezes como
de todos os conflitos da modernidade foi simplesmente autor por excelência dos estudos sobre os mecanismos de
substituída pela onipresença de uma dominação que sub- controle social na modernidade, Foucault na verdade não
meteria qualquer forma de resistência – ou a reproduzir, utiliza essa expressão de modo significativo, mas busca

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uma perspectiva mais complexa, que visa justamente pen- Em virtude desta perspectiva, Foucault, ao analisar as
sar as práticas de poder – que não se reduzem às formas práticas punitivas na modernidade, não partirá nem das
instrumentais e funcionais de controle social (Lacombe, teorias penais existentes no período, nem apenas da for-
1996) – como produtoras de comportamentos, de formas ma estatal dominante, nem mesmo de uma genérica domi-
de saber e de formas de subjetividade. nação de classe, mas sim da instituição que melhor
corporifica a tecnologia de poder específica da moderni-
CONTROLE SOCIAL OU PRÁTICAS DE PODER? dade: essa instituição é a prisão e a tecnologia de poder
que aí tão bem se aplica é a disciplina.
Como já foi mencionado, Michel Foucault foi um au- Assim, em Vigiar e Punir, Michel Foucault estuda as
tor de fundamental importância para a construção de no- transformações das práticas penais na França, da Época
vas formas críticas de pensar a questão do controle so- Clássica ao século XIX. E no interior destas transforma-
cial no âmbito do pensamento social contemporâneo. ções, um problema se destaca: o papel central que a pri-
Desde o início dos anos 60, em trabalhos como História são passa a desempenhar na penalidade moderna. O autor
da Loucura, os estudos de Foucault já se voltavam, em pergunta por que a prisão se tornou a pena por excelên-
grande medida, para as práticas e instituições sociais que, cia, pena esta não mais voltada para o suplício ou o casti-
na aurora da modernidade, configuraram novos espaços go simbólico e exemplar, mas sim para a disciplina do
de exclusão ou de normalização de determinadas formas corpo e da “alma” do detento. Na verdade, a análise pro-
de comportamento e de subjetividade. Ao estudar a for- cura mostrar que as práticas disciplinares próprias da pri-
mação de saberes como a psiquiatria, a clínica moderna, são têm um alcance que irá muito além dos muros da ins-
as Ciências Humanas e seus respectivos âmbitos institu- tituição, ao constituírem tecnologias de poder que, partindo
cionais, Foucault perseguia justamente aspectos da vida das práticas prisionais, espalham-se por toda a socieda-
social que o processo de racionalização da modernidade de, em instituições como fábricas, hospitais, escolas, etc.
ou excluía ou tomava como desvios a serem norma- Ao contrapor o suplício – pena utilizada no Antigo
lizados. Mas é sobretudo no assim chamado segundo Regime – e a prisão moderna, com sua rígida organização
momento de sua trajetória, nos estudos convencionalmen- do tempo e distribuição dos corpos, Foucault busca argu-
te circunscritos ao que Foucault chamará de “genealogia mentar que ambos definem diferentes estilos penais, pró-
do poder”, que a vizinhança de suas pesquisas com as prios de cada período. A análise se voltará, deste modo,
temáticas reunidas em torno da noção de controle social para a especificidade destes diferentes estilos penais. As
torna-se mais evidente. Sem nenhuma dúvida, a obra práticas do suplício, longe de serem apenas atos selva-
dessa fase que terá maior impacto no âmbito do pensa- gens, revelam uma lógica específica: o suplício é, ao mes-
mento social contemporâneo será Vigiar e Punir, publi- mo tempo, um procedimento técnico e um ritual. Como
cada em 1975. procedimento técnico, o suplício pretende produzir uma
Embora Foucault admita em Vigiar e Punir seu débito quantidade de sofrimento que possa ser apreciada, com-
para com o estudo pioneiro de orientação marxista elabo- parada, hierarquizada, modulada de acordo com o crime
rado por Rusche e Kirchheimer – Punishment and social cometido. Como ritual, visa marcar o corpo da vítima,
structure, publicado em 1939 –, sua análise acerca do sen- tornar infame o criminoso, ao mesmo tempo em que esta
tido da punição na modernidade irá desconstruir tanto a violência que marca é ostensiva, caracterizada pela de-
concepção liberal, que vê no nascimento da prisão mo- monstração excessiva do poder daquele que pune, pois no
derna um avanço em termos de humanização das práticas suplício o que está em jogo é o poder do soberano.
penais em relação às formas brutais de punição da era pré- Em contrapartida, as disciplinas são novas técnicas de
moderna, quanto à concepção marxista, que vê as trans- controle minucioso das operações do corpo, que realizam
formações nas penalidades apenas como um mero epi- a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
fenômeno do modo de produção (Lacombe, 1996). Em relação de docilidade-utilidade. As práticas disciplinares
contrapartida, ao abordar as práticas de punição como “tec- caracterizam-se por distribuir os indivíduos em espaços
nologias de poder” complexamente articuladas às demais fechados e heterogêneos, onde cada indivíduo tem um lugar
práticas sociais, Foucault abre espaço para interpretações especificado, ao desempenhar também aí uma função útil.
mais multidimensionais acerca das transformações da Estes locais são ainda intercambiáveis e hierarquizados.
punição na sociedade moderna. Em termos espaciais, portanto, cada indivíduo ocupa um

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lugar ao mesmo tempo funcional e hierarquizado, forman- prisão, que se torna rapidamente hegemônica e de certo
do um quadro espacial onde se distribui a multiplicidade modo incontestável, já que Foucault mostra que as críticas
de indivíduos para deles tirar o maior número de efeitos às práticas prisionais modernas são contemporâneas de sua
possíveis. As disciplinas implicam também um controle própria ascensão, mas que nunca colocam em causa a
das atividades dos indivíduos, estritamente coordenadas própria existência da prisão como a pena por excelência.
em relação aos horários, ao conjunto dos demais movi- De acordo com Foucault, se a prisão permanece é porque
mentos corporais e aos objetos a serem manipulados, ao apesar das críticas que lhe são dirigidas desde o início (não
buscar obter assim uma utilização crescente de todas ati- diminui a taxa de criminalidade, provoca a reincidência,
vidades ao longo do tempo. Distribuídos espacialmente e fabrica delinqüentes), ela desempenha funções importantes
controlados temporalmente os indivíduos, as disciplinas na manutenção das relações de poder na sociedade
ainda os combinam de modo a obter um funcionamento moderna – na verdade, a principal função desempenhada
eficiente do conjunto através da composição das forças pela prisão é que ela permite gerir as ilegalidades das
individuais. classes dominadas, criando um meio delinqüente fechado,
O novo poder disciplinar será, deste modo, um poder separado e útil em termos políticos. Muito simpli-
voltado para o “adestramento” dos indivíduos. E, para isso, ficadamente, a prisão transformaria a criminalidade em
esse poder utilizará alguns mecanismos simples: o olhar uma das engrenagens essenciais da maquinaria de poder
hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. A vigi- disciplinar que permearia a sociedade moderna. Interligada
lância hierárquica induz, através do olhar, efeitos de po- a toda a série de outras instituições disciplinares além das
der: o indivíduo adestrado deve se sentir permanentemente fronteiras do direito penal, toda uma rede carcerária sutil
vigiado. A sanção normalizadora implica toda uma envolveria o corpo social, suporte do tipo de poder próprio
micropenalidade do tempo, da atividade, da maneira de do mundo moderno, poder produtivo e múltiplo, imanente
ser, do corpo, da sexualidade visando os comportamentos às práticas sociais da sociedade disciplinar.
desviantes. O exame, por fim, indica uma técnica de con- O estudo realizado por Foucault em Vigiar e Punir teve
trole normalizante que permite qualificar, classificar e um enorme impacto no campo de análise das práticas de
punir ininterruptamente os indivíduos que são alvos do punição e das políticas criminais, tornando-se paulatina-
poder disciplinar. mente, como já foi dito, um paradigma de abordagem al-
Ao definir as práticas como tecnologias de poder, por ternativo em relação às concepções mais ortodoxas do
sua vez, Foucault mostrará que são aplicáveis não apenas Liberalismo e do Marxismo. Tanto as formas de punição
no interior do sistema penal, mas igualmente em contex- serão analisadas, de modo até então inédito, como verda-
tos os mais diversos: tanto em instituições especializadas deiras tecnologias em ação quanto à relação destas tecno-
(penitenciárias, escolas, hospitais) quanto em instituições logias com o conjunto da sociedade mostrar-se-á muito
de “socialização” (como a família), etc. Foucault esclare- mais complexa do que em outros tipos de análise. E, mui-
ce ainda que uma série de processos históricos mais am- to mais além, a partir de seus trabalhos, um olhar nuançado
plos estão articulados de maneira complexa à emergência permitirá perceber como as práticas penais têm um alcan-
das disciplinas a partir do século XVIII: explosão demo- ce que ultrapassa o campo da lei e do Estado, ao consti-
gráfica, crescimento do aparelho de produção, mudanças tuírem formas de regulação dos comportamentos, de pro-
nas estruturas jurídico-políticas da sociedade, etc. Mas dução de conhecimento e de formas de subjetividade na
tanto o poder disciplinar não é mero reflexo desses pro- modernidade.
cessos como também é a partir de sua caracterização que No entanto, a vulgarização das idéias de Foucault tanto
é possível perceber certa coerência nas muitas transfor- pelos críticos quanto por muito seguidores acabou por
mações que ocorreram no período. reinscrever a análise do poder disciplinar a um registro
Deste modo, a forma-prisão, que pré-existia ao processo puramente funcionalista (Lacombe, 1996). A “perspectiva
de generalização das disciplinas e que nem ao menos era do poder” (Garland, 1993), tão ricamente empregada por
a forma básica de penalidade no Antigo Regime, tornar- Foucault, torna-se, deste modo, apenas mais uma nova
se-á peça-chave das novas práticas penais, ao colonizar versão do diagnóstico unidimensional acerca do avanço
as instituições judiciárias já no princípio do século XIX e irresistível das formas de controle social da modernidade.
ao relegar ao esquecimento outros tipos de punições. Com Foucault buscou, entretanto, contornar esse equívoco
isso, compreende-se também a “naturalidade” da pena ao enfatizar, por diversas vezes, que sua análise implica-

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va uma postura metodológica que se afastava das formas visão do poder como unidimensionalmente repressivo pois,
tradicionais de pensar o poder e o controle social. No pri- embora o poder produza certamente controle, ele produz
meiro volume de sua História da Sexualidade, publicada igualmente outras coisas (Lacombe, 1996:337). Ao enfa-
posteriormente a Vigiar e Punir, Foucault explicita as tizar o poder como rede de relações de força, como meca-
proposições metodológicas necessárias para analisar os nismo que tanto obriga quanto habilita para a ação, ao
mecanismos na sociedade. Em primeiro lugar, o poder não colocar igualmente a resistência no cerne das práticas de
é algo que se adquira ou detenha, mas algo que se exerce poder, ao negar que os efeitos do poder sejam unifor-
em contextos sempre cambiantes. Em segundo lugar, o mizadores ou unitários, Foucault distancia-se das teses
poder não se encontra em posição de exterioridade a ou- simplistas acerca da intensificação crescente do controle
tros tipos de relações, mas é imanente às relações econô- social (Lacombe, 1996:342).
micas, de conhecimento, sexuais, etc. Ou seja, o poder não A partir de uma leitura mais rigorosa de seus trabalhos,
é superestrutura, mas possui um papel produtor. Também portanto, torna-se possível perceber como as reflexões e
as relações de poder não podem ser reduzidas a uma opo- pesquisas empreendidas por Foucault podem fornecer saí-
sição binária entre dominadores e dominados pois são das aos impasses anteriormente diagnosticados no campo
muito mais heterogêneas, convergências sempre provisó- de estudos recoberto pela noção de controle social.7 O
rias produzidas pelos muitos enfrentamentos locais. Ao futuro das pesquisas neste campo de estudos depende da
mesmo tempo que intencionais, as relações de poder não reavaliação dos trabalhos deste autor e de uma série de
são subjetivas, ou seja, embora o poder se exerça por meio outros que atualmente trilham os caminhos abertos pelos
de uma série de miras e objetivos, não resulta da escolha debates até aqui recuperados. Alguns destes autores e
de um sujeito individual ou coletivo. Finalmente, “lá onde perspectivas serão mencionados a seguir.
há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso
mesmo), esta nunca se encontra em posição de exterio- UM BALANÇO PROVISÓRIO
ridade em relação ao poder” (Foucault, 1999:91).
Na verdade, essa mudança de perspectiva proposta por A partir do que foi discutido até aqui, pode-se especular
Foucault é necessária pois as formas de poder e controle que a noção de controle social parece assemelhar-se mais
social da modernidade são efetivamente muito mais pro- a uma espécie de andaime – que permite o acesso a um
dutivas, multidimensionais e complexas que as formas lugar determinado mas que depois é descartado quando
anteriores. Longe do modelo da lei soberana, que se ba- novas fundações já estão construídas – do que a um
seava no direito de morte ou de deixar viver, as práticas verdadeiro conceito analítico. Mas, sem nenhuma dúvida,
de poder na modernidade caminham na direção de formas as questões levantadas pela polêmica em torno da
de poder que buscam gerir a vida, “poder destinado a pro- utilização da noção apontam para discussões que perma-
duzir forças, a fazê-las crescer e a ordená-las mais do que necem atuais no interior do pensamento social con-
a barrá-las, dobrá-las ou destruí-las” (Foucault, 1977:128). temporâneo.
Ao desenvolver novas noções, como a de biopoder – “po- Assim, a despeito da precariedade analítica da noção,
der que se exerce, positivamente, sobre a vida, que em- muitos pesquisadores contemporâneos buscam desenvol-
preende sua gestão, sua majoração, sua multiplicação” ver as questões abertas pelos debates em torno das suas
(Foucault, 1999:129) – e ao enfatizar, em seus últimos possibilidades e insuficiências. Permanece, deste modo,
escritos, o problema da subjetividade, Foucault mostrou- a discussão sobre os mecanismos mais gerais de regula-
se coerente na busca de alternativas teóricas e metodoló- ção e controle dos comportamentos na sociedade contem-
gicas capazes de dar conta das complexas inter-relações porânea.
entre práticas de poder, de saber e de subjetivação na so- Anthony Giddens, por exemplo, chama a atenção para
ciedade moderna. os mecanismos de vigilância como uma das principais
Deste modo, a partir das discussões travadas por dimensões institucionais da modernidade. Para esse au-
Foucault em Vigiar e Punir, mas também nos estudos tor, a concentração administrativa que caracteriza os es-
posteriores sobre temáticas como as do biopoder ou da tados modernos em geral depende do desenvolvimento de
governamentalidade, fica evidente que a noção de poder condições de vigilância voltadas para a supervisão das
em Foucault não pode ser reduzida nem a um simples diag- atividades da população súdita, quer por meio da super-
nóstico da intensificação do controle social nem a uma visão direta – em instituições como as prisões, as escolas,

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os locais de trabalho, etc. – quer por meio indireto, sobre- vido até aqui, ainda está por ser feito. É possível apontar,
tudo a partir do controle da informação (Giddens, no entanto, que as concepções críticas acerca do problema
1991:63). do controle social – influenciadas por Foucault, mas não
Gilles Deleuze, por sua vez, apontava para uma ruptu- somente – penetram nos debates do pensamento social
ra dos mecanismos de regulação dos comportamentos na no Brasil já no final dos anos 70 do século XX. Por
atualidade, ao considerar que as sociedades contemporâ- exemplo, diversas pesquisas históricas voltaram-se para
neas não seriam mais “sociedades disciplinares”, tal como o período específico da Primeira República como um
pensadas por Foucault, mas sim “sociedades de contro- momento privilegiado para o estudo da emergência de
le”, nas quais os mecanismos de confinamento estariam estratégias de controle social dirigidas à classe operária
sendo substituídos por novas tecnologias eletrônicas e ou à população pobre em geral, sobretudo nos dois mais
informacionais de supervisão e controle dos indivíduos e destacados centros urbanos do período, Rio de Janeiro e
das populações (Deleuze, 1992).8 São Paulo. Surgiram, assim, trabalhos sobre o controle
Já o filósofo italiano Giorgio Agamben (2002) busca social dos trabalhadores urbanos no Rio de Janeiro e São
explicar essas transformações da sociedade contemporâ- Paulo no período (Chalhoub, 1986; Rago, 1985), a
nea a partir de outra noção desenvolvida por Foucault, a respeito da regulação dos padrões femininos de conduta
noção de biopoder. Para Agamben, o que caracteriza o (Soihet, 1989), sobre o tratamento jurídico e institucional
poder soberano no Ocidente é a politização crescente da da infância pobre (Alvarez, 1989; Londoño, 1991), acerca
“vida nua”, da vida natural ou biológica tanto do corpo da institucionalização da doença mental (Cunha, 1986;
individual quanto da própria espécie. O poder estatal di- Barbosa, 1992), sobre a organização e controle dos
rige-se cada vez mais ao gerenciamento da vida em todos espaços urbanos e da pobreza urbana (Sevcenko, 1984;
os seus aspectos, intensificando assim seu aspecto “pro- Adorno, 1990; Adorno; Castro, 1987; Schindler, 1992),
dutivo”, já enfatizado anteriormente por Foucault. entre muitos outros.
Algumas discussões ensaiam mesmo explicar a própria Se essas abordagens inovaram ao desvelar novos cam-
crise da noção de controle social a partir das transforma- pos de pesquisa, seus desdobramentos apontaram para
ções nas formas de regulação social ocorridas entre o fi- obstáculos metodológicos idênticos ao já discutidos com
nal do século XX e início do XXI. Robert Castel, por exem- respeito à vulgarização da noção de controle social na
plo, já identificava na crise da noção de controle social o discussão internacional. Assim, percebeu-se que a ênfase
sintoma de uma crise mais geral das correntes da Sociolo- exagerada no caráter unidirecional das práticas de con-
gia que desde Durkheim pensaram o problema da integra- trole social impedia que fossem analisadas as formas por
ção social. Para Castel, o próprio social, como conjunto meio das quais aqueles que eram sujeitados por essas prá-
de dispositivos assistenciais voltados para restabelecer uma ticas resistiam, negociavam ou mesmo compactuavam com
certa solidariedade entre os diferentes grupos da socieda- elas. Trabalhos mais sensíveis a esses problemas metodo-
de moderna, e o Estado Providência a ele associado é que lógicos passaram a buscar a outra face destas transforma-
estariam efetivamente em crise. A mudança de valoriza- ções, ou seja, as formas como os diversos grupos
ção pela qual passou a noção de controle social no final assujeitados se posicionavam diante dos códigos de com-
do século XX – do papel positivo em termos de integra- portamento impostos pelas elites dominantes, como os
ção social para o papel negativo em termos de dominação trabalhos de Esteves (1989), em que a autora confrontou
– mostraria justamente a avaliação crítica crescente dos o discurso jurídico e o cotidiano das relações amorosas
custos dos dispositivos montados pelo Estado Providên- no Rio de Janeiro da Belle Époque, e o trabalho de Rago
cia. Outros autores contemporâneos têm seguido, por ca- (1991), no qual foi estudado o modo como as prostitutas
minhos diversos, a direção dessas reflexões ao discutirem, se constituíram como sujeitos morais diante dos discur-
mais especificamente, as mudanças nas políticas criminais sos disciplinadores da Medicina e do Direito na cidade de
e de segurança na modernidade tardia, na qual estaria ocor- São Paulo entre os anos de 1890 e 1930. Ainda permane-
rendo a substituição do projeto de um Estado Social pelo ce aberto um vasto campo de pesquisa sócio-histórica
projeto de um Estado Penal (Garland, 2001; Wacquant, envolvendo as complexas relações entre estratégias de
2002a e 2002b, Christie, 1999). controle social das elites, modos de vida das populações
No Brasil, um balanço mais aprofundado das dis- pobres, campos de saber voltados para o estudo da crimi-
cussões relativas ao controle social, tal como desenvol- nalidade e do desvio,9 etc.

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CONTROLE SOCIAL: NOTAS EM TORNO DE UMA NOÇÃO POLÊMICA

Também devem ser destacados os inúmeros estudos10 dia permaneceria por demais unidirecional, ao apontar exclusivamen-
te para um crescimento contínuo e mais restritivo das formas de regu-
realizados no campo das Ciências Sociais que, voltados lação dos comportamentos na atualidade.
para o sistema penal no Brasil, analisam criticamente seu 8. Para uma interessante discussão acerca das tendências contemporâ-
funcionamento nos mais diversos âmbitos – polícia, justi- neas nos campos da segurança pública e da polícia, inspirada na idéia
de “sociedade de controle”, consultar Souza (2000).
ça criminal, prisões, políticas de segurança pública, etc. –
9. Entre outros exemplos, a história da Criminologia no Brasil e de
o que mostra ser esse um campo igualmente promissor de sua influência no estabelecimento de estratégias de controle social tem
pesquisa.11 sido explorada em alguns trabalhos, como os de Corrêa (1998), Carrara
(1998) e Alvarez (2003).
10. A produção neste campo já é consideravelmente vasta no Brasil e
não haveria espaço para uma discussão mais detalhada a esse respeito
NOTAS
ainda neste artigo. As resenhas bibliográficas realizadas por Adorno
(1993), Zaluar (1999) e Misse et al. (2000) fornecem boas caracteri-
1. Como afirmam Chunn e Gavigan (1988:149), num balanço crítico zações dos atuais desafios teóricos e metodológicos deste campo de
sobre o tema, a noção de controle social tem sido utilizada de maneira pesquisa.
freqüentemente acrítica tanto por funcionalistas quanto por intera-
11. Agradeço a Fernando Salla e a Luis Antônio Francisco de Souza
cionistas, tanto por marxistas quanto por não-marxistas.
pelas sugestões dadas durante a elaboração deste texto.
2. Dada a diversidade de usos da expressão pelos mais diversos auto-
res no interior do pensamento social, é praticamente impossível reali-
zar uma revisão detalhada dos inúmeros trabalhos que a empregaram.
Por isso, reconstruímos apenas parte do contexto de utilização da no- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ção, ao tomar por base uma série de balanços sobre o tema publicados
nos últimos anos, sobretudo os de Rothman (1981), Cohen e Scull
(1985), Castel (1988), Chunn e Gavigan (1988), Cohen (1989), ADORNO, S. A gestão filantrópica da pobreza urbana. São Paulo em
Lacombe (1996), Lianos (2003). Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.4, n.2, p.8-17, abr./
jun. 1990.
3. Outra definição: “esse conceito descreve a capacidade da sociedade
de se auto-regular, bem como os meios que ela utiliza para induzir a ________ . A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte te-
submissão a seus próprios padrões” (Zedner, 1996:138). mático. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais,
n.35, p.3-24, 1. sem. 1993.
4. Para uma análise mais aprofundada do pensamento de Durkheim no
âmbito da Sociologia da punição, consultar Garland (1990). ADORNO, S.; CASTRO, M.M.P. A arte de administrar a pobreza: as-
sistência social institucionalizada em São Paulo no século XIX. In:
5. Para uma exposição mais específica das discussões críticas aqui apre- TRONCA, I. Foucault vivo. Campinas: Pontes, 1987. p.101-109.
sentadas no campo da História, consultar Ignatieff (1987) e Cohen e
Scull (1985). AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo
Horizonte: UFMG, 2002. 207p.
6. Na verdade, em Weber o processo de racionalização que caracte-
ALVAREZ, M.C. A emergência do Código de Menores de 1927: uma
riza a modernidade não se confunde de modo nenhum com a expan-
análise do discurso jurídico e institucional da assistência e prote-
são de um controle social que, a partir de um centro, dominaria toda
ção aos menores. 1989. 228p. Dissertação (Mestrado em Sociolo-
a sociedade. Ao contrário, a racionalização seria muito mais uma gia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
lógica das ações sociais na modernidade que, ao paulatinamente pre- versidade de São Paulo, São Paulo, 1989.
sidir os mais diversos âmbitos da experiência, levaria à autonomia e
à tensão crescente entre as diversas esferas da vida social. Sua análi- ________ . Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e
se das disciplinas, por sua vez, está muito mais próxima das discus- nova escola penal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2003. 267p.
sões feitas por Michel Foucault, que veremos mais adiante, o que BARBOSA, R.M. Uma instituição modelar: o Hospício do Juquery.
tem levado alguns comentadores a aproximá-los no que diz respeito São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.6, n.4,
à análise das transformações da punição na modernidade (Garland, p.92-103, out./dez. 1992.
1990).
BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia.
7. Mesmo um autor como David Garland, que valoriza a contribuição São Paulo: Ática, 1993. 653p.
dada pela perspectiva do poder no âmbito da Sociologia da punição,
atribui a Foucault uma concepção por demais instrumental e funcio- CARRARA, S. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judi-
nalista, a partir da qual as práticas penais apareceriam exclusivamente ciário na passagem do século. Rio de Janeiro: Eduerj; São Paulo:
como formas de controle social, uma vez que ao identificar punição e Edusp, 1998. 227p.
poder Foucault perderia de vista, ainda segundo Garland, outras di- CASTELL, R. De l’integration sociale à l’éclatement du social:
mensões das práticas penais já exploradas anteriormente por autores l’émergence, l’apogée et le départ à la retraite du contrôle social.
como Durkheim. A crítica de Garland, no entanto, baseia-se igualmente Revue Internationale d’Action Communautaire, v.20, n.60, p.67-
na idéia de que Foucault pensaria o poder exclusivamente como forma 78, automne 1988.
de controle e administração dos corpos individuais, posição essa difi-
CHALHOUB, S. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalha-
cilmente defensável já que, como foi visto, o próprio Foucault por di- dores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense,
versas vezes enfatizará a necessidade de uma concepção mais multidi- 1986. 249p.
mensional do poder e, sobretudo nos seus últimos trabalhos, colocará
em relevo as práticas de subjetivação como indissociáveis da temática CHRISTIE, N. Elementos para uma Geografia penal. Revista de So-
mais vulgarizada acerca da relação poder-saber. Ironicamente, Matthews ciologia e Política, n.13, p.51-57, nov. 1999.
(2002) faz uma crítica similar ao último trabalho do próprio Garland CHUNN, D.E.; GAVIGAN, S.A.M. Social Control: analytical tool or
(2001), ao afirmar que o diagnóstico que este realiza a respeito das analytical quagmire? Contemporary Crises, v.12, n.2, p.107-124,
transformações da natureza do controle do crime na modernidade tar- 1988.

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