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Dedicatórias
Quero dedicar esta história as pessoas que me apoiaram, me deram uma segunda opinião
quando precisava e me ajudaram a fazer com que esse fosse um bom livro.
À Eliana: que me ajudou a corrigir os erros.
A Érika: que se tornou uma leitora fiel desde a primeira página até a última.
E também às pessoas que me influenciaram, directa e indirectamente.

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Resumo
Kera Gregory era uma mulher reservada, secretária de um dos maiores empresários do
país. Tudo seria perfeito se não fosse o seu pequeno segredo que fazia com que ela não se
envolvesse com ninguém, principalmente um certo homem... Tylor Ford, o seu chefe.
Mas o que ela não sabia e estava longe de imaginar era que Tylor sabia do seu segredo e
estava disposto a fazer com que Kera o revelasse... nem que para isso ele tivesse que
revelar o seu.

Um animal sempre reconhece o outro. É instinto

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Perfil de Kera

Nome Completo: Kera Layla Gregory.


Pseudónimo: Ker para os amigos e Kery para uma pessoa especial.
Data de Nascimento: 9 de Abril de 1986.
Lugar de Nascimento: Phoenix.
Altura: 1,72 cm.
Aparência: Uma pequena cicatriz na barriga... e nem queiram saber como a arranjei.
Canção Favorita: No Bravery de James Blunt.
Humor: Na maior parte do tempo sou uma pessoa reservada, a outra parte...nem
queiram saber.
Lema: Se me encontram vestida de preto, é bom nem se aproximar a não ser que
queiram um olho roxo e uma lembrancinha adicional.
Passatempo: Trabalhar.
Espécie: Shifter.
História: Instinto Animal.
Companheiro: Tylor.

Perfil de Tylor
Nome Completo: Tylor James Ford.
Pseudónimo: Ty.
Data de Nascimento: 13 de Maio de 1984.
Lugar de Nascimento: New Jersey.
Altura: 1,93 cm.
Aparência: Nada de anormal, eu acho.
Canção Favorita: I belong to you de Muse.
Humor: Geralmente sou uma pessoa alegre, mas quando me stresso gravemente, o dr.
Jenkyl vira o Mr. Hide.
Lema: Cuidado com o cão.
Passatempo: Observar a minha secretária.
Espécie: O que vocês acham?

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História: Instinto Animal.
Companheira: Kera.

“Kera escondia um segredo escuro que a impedia de se entregar


ao amor. O que ela diria se descobrisse que ele fazia o mesmo?”

Kera Layla Gregory (Kera Gregory)


Kera sempre se considerou uma pessoa responsável: nunca arranjou problemas na escola,
sempre foi a melhor da turma, só começou a namorar com 17 anos e perdeu a virgindade
com 19. Começou a trabalhar como estagiária na Computer Enteprises, uma empresa que
fazia fusão de vários componentes e os renovava, para depois os revender no mercado de
informática. Mas, para além do trabalho e salário recheado, acabou por receber um bónus
não muito desejado: paixão descontrolada pelo seu chefe.

Tylor James Ford (Tylor Ford)


Tylor sempre cresceu com o sonho de ser dono de uma grande empresa. Com sorte,
conseguiu o apoio dos seus pais entrou na universidade de contabilidade. Quando se
formou, pegou todo o dinheiro que tinha guardado durante um emprego de Verão e
começou a construir uma empresa que viria a ser uma das mais reconhecidas no país.
Depois de tanto trabalho, a melhor recompensa apareceu em forma de uma estagiária de
1.72. Mas o que não esperava era ter mais trabalho. Só que daquela vez, para conquistar a
sua companheira.

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Capitulo 1
Quinze minutos.

Kera xingou em voz baixa enquanto se arrumava pra ir trabalhar. Estava atrasada...como
sempre. Ela nunca percebeu porquê ainda não havia sido demitida. Pura sorte, disse pra
si mesma, até os mais miseráveis a merecem. Suspirou. Miserável era uma boa palavra
pra definir a vida dela. Pensando melhor, era boa demais para o gosto dela. Xingando
mais uma vez quando a meia se rasgou, ela foi em direcção a sua gaveta onde estavam as
meias e quando a abriu qual não foi a sua surpresa ao descobrir que ela estava vazia.
Franziu a sobrancelha, enquanto tentava perceber a situação até que ela se lembrou e
bateu com o punho na testa. Havia se esquecido de que tinha ido a lavandaria na sexta-
feira e ainda não tinha ido buscar a roupa. E por um azar do inferno, era segunda-feira!
- Nem posso pensar em ir lá agora – olhou para relógio e viu que os quinze minutos de
atraso haviam criado filhotes e se transformando em trinta. – E acho melhor me apressar
antes que seja demitida.
“Eu cá pessoalmente acho que dessa vez você não escapa”, disse uma voz bem
conhecida de Kera, a parte que ela mais odiava em si. O seu lado escuro.
“Não seja tão dramática”.
- Não ser dramática. Não sei se você se esqueceu, mas corro o risco de ser demitida –
disse antes de olhar de novo o relógio e soltar uma maldição. – Assim vou ser demitida
sem aviso prévio.
Saiu do quarto tentando pôr bem o casaco quando a “Kera Selvagem” (como ela gostava
de ser chamada) falou com a sua vozinha irritante.
“Não está esquecendo de nada querida?”
Kera ficou um tempo parada em frente a porta, enquanto tentava entender o que aquela
pergunta significava.
- Não – respondeu indecisa.
“Tem a certeza?”, a outra ronronou, “Não existe uma certa parte de seu vestuário que
precisa de alguns arranjos?”
Evitando a todo o custo soltar o rugido de frustração que tinha acumulado na garganta,
ignorou (ou foi isso que tentou fazer) a ideia de que tinha um meia rasgada até o joelho,
abriu a porta de casa e saiu.
“Tens a certeza de que vais assim?”
- Sim. E se você não calar agora, eu juro que tiro a roupa no meio da rua – Kera ameaçou,
tentando parecer convincente mas deve ter falhado porque ouviu o riso da outra.
“Não terias coragem.”
Ela pegou no fecho do casaco e abriu o primeiro botão. – Queres apostar?
Silêncio.
Aproveitando esse raro momento de silêncio (muito raro mesmo), esperou pelo táxi e
agradeceu fervorosamente por não ter demorado e rezou o resto do caminho para que
naquele momento seu chefe não estivesse contratando outra pessoa para pôr no seu lugar.
Quando o táxi parou, saiu com tanta pressa do carro que acabou rasgando a outra meia, só
que dessa vez até a coxa. Com o rosto vermelho (o que era uma grande festa. Outro
momento raro), pagou e fechou a porta.
Parou em frente a porta da empresa e respirou fundo antes de entrar.

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Computer Enterprises era uma empresa que fazia fusão de vários componentes
informáticos e os renovava. Apesar de ser recente, já era reconhecida em quase todos os
países da Europa.
Esse era um dos motivos pelos quais Kera estava preocupada. Ela conhecia o seu chefe e
sabia que ele odiava atrasos (mais que os outros chefes), como os que ela estava a
cometer há uma semana.
Enquanto percorria o corredor que levava ao seu escritório, pensava nas desculpas que
poderia dar para justificar os seus atrasos. Como um “esses dias ando cansada, porque
sempre que fecho os olhos, sonho contigo” ou “estive pensando e antes que me despeça
(injustamente. Ela esperava fazer alusão a essa palavra várias vezes) acho melhor dizer
que não acho ético ou mesmo boa ideia trabalhar com um homem que desejo
desesperadamente” ou ainda “desejo e trabalho não combinam, mas mesmo assim, antes
que me despeça, que tal fazermos algumas coisas em atraso. Em cima da secretária serve,
não achas?”, entre outras coisas que ela queria dizer (que nada tinham a ver com
trabalho) sempre que estava perto dele. Apareciam pensamentos indecentes, lascivos,
perigosos pra uma mulher como ela e um homem como ele.
“Certamente isso não é nada. O que você realmente quer é atar esse homem a uma cama
e fazer tudo o que ainda não fizeram contigo”
- Um dia desses vou ter uma conversa séria contigo – Kera resmungou entre os dentes. -
Uma conversa que, provavelmente, acabará com você calada durante o resto da vida.
Uma risada demoníaca.
Enquanto se aproximava de seu escritório, rezava para que não fosse chamada, porque se
isso acontecesse, seria pra receber seu último ordenado. Quando estava a dois passos da
porta, respirou de alívio mas o seu nome sendo chamado a fez se congelar com a mão na
maçaneta.
- Sim? – ela perguntou, se virou e ficou cara a cara com a vice-directora da empresa,
Trace Lorcan, que olhava pra ela com uma cara estanha. “Desgraçada” a outra
resmungou entre dentes e pela primeira vez em dez anos, Kera concordou.
- Tylor quer falar com você no escritório dele.
Kera engoliu em seco e o coração começou a bater mais forte.
- Claro - tentou falar com naturalidade – irei daqui a...
- Agora – o tom dela não admitia discussões.
Com os dentes trancados, para evitar exteriorizar os palavrões que passavam pela sua
cabeça, Kera largou a maçaneta e se preparou para o que sabia que estava por vir. Ainda
assim podia sentir os olhos da “Não-tenho-tempo-pra-subordinados” focados nas suas
costas. Parou de pensar nisso no momento em que parou em frente a porta, abriu e entrou.
Tylor estava concentrado em um monte de papéis mas levantou o olhar quando ouviu a
porta se abrir e Kera tremeu. Ao invés de ver um olhar furioso, sentia um olhar diferente,
que levava sensações proibidas para certas partes de sua anatomia que ela preferia
esquecer.
- Sente – ele disse sem desviar o olhar dela.
Engolindo em seco, ela fechou a porta e se sentou na cadeira que ele indicou.
- Chegou atrasada – ele disse e não parecia furioso, mas sim chateado. Com o quê?
Kera abriu a boca pra se justificar mas viu que não tinha nada plausível pra dizer, assim
optou pela verdade mas com um pouco de omissão.
- Tive uns imprevistos.

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- Claro que sim – ele disse e Kera notou que estava olhando sua meia rasgada até a coxa,
já que a saia era “meio” curta e ela corou. – Mas isso não vem ao caso – disse. – Eu
queria você aqui porque queria lhe comunicar uma coisa.
Kera ficou congelada na cadeira. Havia chegado o momento. Ela havia se preparado pra
aquilo mas sentia várias «mariposas» no estômago. Seria demitida e não podia fazer
nada...excepto admirar Tylor.
Ele estava vestido com um casaco pólo-esporte azul-marinho e por dentro tinha uma
camisa branca de linho, com dois botões abertos revelando o pedaço de pele que existia
por baixo. O cabelo dele, preto como a noite, dava a ele um aspecto perigoso e ao mesmo
tempo sensual, fazendo com que suas mãos queimassem com vontade de pegar ou enfiar
os dedos entre ele enquanto se enroscavam um no outro. Garota má.
- Kery? – a voz de Tylor a trouxe de volta ao presente.
- Sim? – perguntou com um sobressalto.
- Parecia estar no mundo da lua.
- Estava mais perto que isso – resmungou entre dentes e jurou que ouviu ele rir.
- Agora voltando ao assunto principal – ele disse fazendo com que seu coração batesse
tão forte que podia sentir o martelar nas suas costelas – tenho um comunicado a fazer.
Kera respirou fundo.
“É agora.”
- Arrume suas malas ainda hoje. Você vem morar comigo.

Tylor ficou parado, enquanto esperava a reacção de Kera. E ela não o decepcionou. Ficou
de boca aberta durante um bom tempo e depois franziu a sobrancelha, como se não
acreditasse no que havia escutado. Pela forma que o seu coração havia batido, ela não
devia acreditar mesmo.
- Você... – ela disse, sua voz parecendo um chiado e então começou de novo – Você disse
que eu vou morar contigo?
Ele sorriu e levantou as mãos.
- Você não entendeu. Eu quis dizer que você viria comigo.
Kera se levantou e a saia que estava usando subiu alguns centímetros e ele sentiu vontade
de a agarrar entre os seus braços e a beijar até os dois perderem os sentidos. Ou então,
afundar os seus dentes nela enquanto se enroscavam um no outro. Não, era muito
perigoso. Abanou a cabeça e afastou a besta.
- Não. Você disse “Arrume suas malas ainda hoje. Você vem morar comigo”. Isso
claramente mostra que você disse que eu iria morar contigo.
Tylor apertou os lábios para não sorrir.
- Desculpa. Acredito ter cometido um erro de comunicação.
- Pois então corrija – ela disse com uma careta.
- O que eu queria dizer... – fez uma pausa, enquanto se perguntava como dizer. – Você
sabe daquele contrato com a Link Corporativo?
Kera assentiu com uma careta.

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- Claro que eu lembro. Eu sou sua secretária – estreitou os olhos. – Mas não entendo o
que isso tem a ver com a tua... - ela gaguejou – proposta.
- É exactamente isso que eu quero explicar. O contrato tem que ser entregue daqui a um
mês e exige que me dedique totalmente a ele.
- Mas...
- E para isso, preciso da tua ajuda pra organizar tudo. Por isso eu disse que você viria
morar comigo - passou a mão pelo cabelo. – Por um mês.
Kera ficou tanto tempo quieta que Taylor chegou a pensar que não estava respirando. Ela
descongelou e suspirou.
- Suponho que não tenha escolha.
Ele sorriu.
- Escolha tens – piscou o olho - mas não acho que seja a certa.
Kera franziu os lábios e depois de uma pausa tensa, respondeu:
- Eu vou.

Kera não sabia se se adulava pela sua sorte ou se insultava pela sua estupidez. Onde tinha
estado sua prudência quando mais precisava dela?
Quando Tylor havia dito que iria morar com ele, quase havia tido um ataque. Aquilo seria
a realização dos seus sonhos mais profundos, se não fosse um pequeno detalhe.
O seu segredo.
Se não fosse por aquilo, ela teria feito uma dança selvagem naquele momento mas
haviam coisas em jogo. Seus sentimentos estavam em jogo.
Oh sim, ela havia se apaixonado por ele no primeiro momento que o tinha visto e sentido
seu aroma, um aroma misterioso e convidativo, que a fazia imaginar e sentir coisas
proibidas. Porque não havia ser humano no mundo capaz de aceitar um lobisomem como
companheiro. E nesse caso, ela duvidava que Tylor iria querer ficar com ela se soubesse
que ela não era humana. Que vida desgraçada.
- Nervosa? – Tylor perguntou dentro do carro, a caminho da casa dela.
- Porque eu estaria nervosa?
- Não sei – ele olhou para ela. – Você está a agir como se estivesse com medo de
algo...ou alguém.
“Claro que está com medo. Ela é uma medrosa autêntica”.
“Se você não parar...”
“Vais fazer o quê? Discutir comigo até que me redima?”
“Não me tente.”
Uma risada zombadora.
- Kery? – Tylor a tirou do seu alheamento.
- Sim?
- A minha resposta – lhe recordou ele.
Resposta? Ah, sim, o seu nervosismo injustificado. Ela respirou fundo.
-Eu não estou nervosa – mentiu. – É só preocupação pelo contrato. Reacção normal de
qualquer secretária numa situação dessas.
Ela podia jurar que ouviu ele rir.

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O resto do trajecto até sua casa foi silencioso e tranquilo, apesar das sensações que
passavam por ela. Ela não podia deixar de olhar para Tylor, que conduzia com um sorriso
infantil, como se estivesse indo buscar algo tipo um brinquedo novo.
Só espero que seja eu.
Quando chegaram, ele foi o primeiro a descer e correu para abrir a porta para ela. Com
um sorriso, ela agradeceu e saiu do carro.
Abriu a porta de casa e vendo interior escuro, acendeu a luz da sala e atirou a chave para
o sofá. Passou o olhar pela sala e ouviu passos quando um porta-retratos com a foto de
Tylor chamou a sua atenção. Soltando um resmungo, correu para o outro canto da sala e o
pôs de cabeça pra baixo. Quando se virou, Tylor já estava dentro e tinha fechado a porta.
- Porquê estás a ofegar? – ele perguntou com a testa franzida.
Kera se deu conta que estava realmente a ofegar e fez um esforço para controlar a
respiração.
- Por nada – respondeu antes de se dirigir ao quarto. Quando chegou lá, pegou na sua
única mala e foi metendo as roupas que lhe apareciam na frente. Não tinha vontade de
fazer combinações.
Quando acabou, saiu do quarto e encontrou Tylor com uma cara de preocupação mas
quando a viu, seus traços se suavizaram e ele sorriu. Ela quase caiu. Aquele sorriso não
era como os outros, era um sorriso carregado de promessas. Todas sensuais.
Ela pigarreou e ele desviou o olhar.
- Então? Pronta? – ele perguntou com um olhar estranho.
- Sim.
Saíram da casa dela e entraram no carro.
O trajecto até a casa de Tylor foi diferente. Eles conversaram sobre várias coisas, menos
sobre o motivo da repentina tensão entre eles. Eles sempre haviam se sentido bem perto
um do outro. O que raios estava acontecendo naquele momento?
Quando chegaram em uma estrada de terra, as perguntas começaram a se acumular na
cabeça de Kera e apenas uma não a deixava em paz. Porquê Tylor a queria em sua casa?
Duvidava que era só pelo contrato, havia algo mais. E era esse «algo mais» que ela queria
saber o que era.
Quando eles chegaram, o cenário foi o mesmo: ele abriu a porta do carro para ela e disse
que poderia ir na frente, que ele ia levar as malas.
Como ela já conhecia a casa, entrou e sentou no sofá, enquanto esperava ele aparecer. A
casa continuava a mesma, do mesmo jeito que ela havia decorado há cinco anos. Mas o
que mais a surpreendeu foi uma foto dela, que estava em uma moldura, pendurada. Uma
foto que ela havia tirado no dia da sua formatura.
- Muito bonita – Tylor disse.
Ela se virou e viu ele encostado na porta.
- O quê?
Ele bateu com o punho na testa.
- Duh. A foto, é claro. O que pensavas que era?
Ela encolheu os ombros.
- Nada. Mas porquê você guardou? Nem lembrava mais dela.
Ele fez uma cara estranha e murmurou algo parecido como “Nunca a esqueci”. Ela
ignorou.
Ficaram assim, calados, o silêncio se estendendo entre eles, até se tornar insuportável.

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Kera tamborilou os dedos no braço do sofá.
Tylor pigarreou.
- Eu acho melhor você escolher um quarto – Tylor disse, depois de alguns minutos.
- Oh, claro. Eu também acho melhor – ela pigarreou e foi pegar nas malas dela que
estavam ao pé de Tylor. Quando ela se virou em direcção as escadas, ele disse:
- Se prepare, porque temos coisas importantes pra resolver depois.
Kera se virou e o olhar dele dizia algo diferente que as palavras que saíram de sua boca.
Os seus olhos estavam pretos e ela nem queria saber o motivo. Foi então que ela se
perguntou quanto tempo iria demorar até que se arrependesse de ter aceitado a proposta
dele.

Capitulo 2
Depois de instalar, Kera começou a trabalhar, enquanto tentava ignorar Tylor. Claro que
isso não adiantou nada, porque na hora do jantar (Sim, almoço. Ela havia evitado a hora
do café da manhã e do almoço), ele a puxou do escritório, enquanto dizia que ela tinha
que deixar de trabalhar muito.
- Mas foi pra isso que eu vim aqui – ela disse.
- Você veio pra me ajudar a fazer um contrato, não pra ter uma overdose de trabalho – ele
sorriu.
Diante daquele sorriso, ela desistiu e foi com ele. Durante o jantar, Tylor conversou
animadamente, destruindo a tensão que havia se instalado entre eles horas antes. Depois
do jantar, ela o ajudou a lavar a louça e quando disse que iria voltar a trabalhar, ele disse
que iria continuar no dia seguinte.
- É o meu trabalho.
- Será que esse trabalho não pode esperar?
- Não.
- Ainda faltam vinte e nove dias – ele a lembrou.
- Exactamente por isso. Eu preciso de tempo para ver as melhores opções para fazer o
contrato. E. Isso. Leva. Tempo.
- Você não pode fazer isso em vinte e oito dias?
- Não.
- Oh, vamos. Eu sei que você não trabalha tanto assim no escritório.
Ela o olhou com surpresa.
- Como você sabe?
- Eu vigio todos os seus passos querida – ele piscou o olho.
Kera ficou imóvel perante aquela revelação que Tylor havia lhe feito. Ele havia falado
com naturalidade, mas ela sabia que existia algo mais por detrás daquela confissão. Mas o
quê?
- Então? Vamos ficar aqui a discutir ou vais desistir dessa ideia de voltar a trabalhar?
Além do mais, já passam das onze da noite – ele apontou para o relógio pendurado na
parede.
Kera fez uma careta mas não argumentou mais, porque Tylor lançou aquele sorriso que
destruía as suas defesas.

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- Então, se eu for subir agora e não escapulir para o escritório agora, amanhã você vai me
deixar trabalhar em paz?
Ele levantou a mão esquerda.
- Prometo.
- Então, até amanhã – ela disse e se virou em direcção as escadas e antes que ela atingisse
o patamar, ouviu ele dizer:
- Boa noite querida.

Ele abriu a porta e entrou silenciosamente, observando os movimentos da mulher que


dormia. O seu peito subia e descia calmamente e o seu cabelo escuro estava espalhado
pela almofada, formando um leque. Se aproximou e sentou na beira da cama, inspirando
o cheiro daquela mulher que havia virado sua vida de pernas para o ar. Com cuidado,
ele a acordou e ela abriu os olhos e durante alguns segundos eles se encheram de medo
e depois se escureceram de desejo. Ele baixou a sua boca na sua e seu mundo
desapareceu, deixando eles presos em um lugar onde só eles e as sensações que os
dominavam existiam. Com um gemido desesperado, ela o puxou e ele ficou em cima dela,
moldando seus corpos, que se encaixavam na perfeição. Ele subiu sua camisola,
deixando seu corpo descoberto e seus olhos queimaram com luxúria e voltou a beijá-la,
enquanto ela tirava seu roupão, e admirava seu corpo, seus músculos fracamente
banhados pela luz da lua. As mãos dele passeavam por todo seu corpo e a atormentaram
até que ela implorou pela rendição e ele a deu. O mundo deles explodiu, os levando a
lugares que eles nem sabiam que existiam, um mundo onde a magia existia e os
transformava em dois seres que procuravam atingir o pico da satisfação. Eles rolavam
pelos lençóis, banhados em suor, se agarrando um ao outro, tirando o máximo proveito
de tudo que o outro dava, sabendo, sentindo que a culminação estava a poucos passos.
Quando eles viram isso, voltaram a se beijar e subiram juntos aquela montanha de
prazer, fazendo ela ver fogos de artifício pelas pálpebras fechadas, enquanto ele gritava
seu nome.

Kera acordou com um gemido estrangulado, sentindo seu corpo arder pelo sonho que
acabava de ter. Não era a primeira vez que isso acontecia, mas a primeira que o sonho
parecia ter um pingo de realidade. Suspirando, passou a mão pelo cabelo e saiu da cama,
olhando para o relógio no processo. Ainda eram duas da manhã.
Se dirigiu ao banheiro e passou água pela cara, sentindo ela refrescar sua pele. Saiu do
quarto e foi ao escritório e aproveitou a sua falta de sono (forçada) para trabalhar e quem
sabe se, despachasse o contrato, antes do fim do mês estaria fora dali. Só de pensar nisso,
seu coração deu um salto, mas ela o ignorou. Esse sentimento não era bom para o seu
trabalho e muito menos para a sua saúde mental. Ficou a revisar ideias até que pegou no
sono e dormiu.
E foi lá que Tylor a encontrou, encurvada na cadeira, com olheiras e a cara pálida. Com
um sorriso, ele se aproximou dela e a acordou. Com um sobressalto, ela se endireitou na
cadeira.
- Já está quase tudo pronto – disse, enquanto remexia os papéis desorientada – só faltam
algumas coisas... - calou-se quando o seu olhar pousou em Tylor e passou a mão pela cara
– Desculpa, eu não te vi aí.
- Você ficou a noite inteira aqui, a trabalhar? – ele perguntou com uma careta.

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- Não. Quer dizer, sim. Mais ou menos – suspirou – Eu fiquei sem sono por causa... – fez
uma pausa e ficou vermelha.
- Coraste – ele disse. – Isso por causa do sonho?
- Por causa do calor.
- Aqui está frio.
Kera olhou para ele fixamente.
- Para mim está calor.
- Você não corou por causa do calor – passou um dedo pelo lábio inferior dela. – Coraste
quando falaste do sonho que tiveste. O que tinha de tão interessante no sonho ao ponto de
você corar, Kery? – perguntou e usou o apelido que havia dado pra ela anos antes.
- Nada – ela respondeu ofegante.
- Não acredito nisso. Você não iria ficar vermelha que nem tomate na frente de uma
pessoa por nada. Eu sei disso.
Kera fez uma careta quando Tylor disse aquilo. Por incrível que parecesse, ele sabia
demais sobre os seus gostos, manias, defeitos (algo estranho em um chefe, não acham?).
- Eu já falei que... – as palavras morreram na sua garganta quando Tylor se inclinou e
encostou suavemente a boca dele na sua e ela tremeu. - O que estás a fazer?
Ele sorriu.
- Será que é tão difícil de adivinhar o que estou a fazer?
- Claro que eu sei o que estás a fazer. Eu só quero saber porquê.
- Porque eu preciso tirar uma dúvida da minha cabeça.
- Que dúvida?
- Se o seu gosto é tão bom quanto parece – disse antes de tragar a boca dela.

Deus santo.
“Como pude viver sem isto?”.
Tylor se aproximou mais de Kera e enredou os dedos no cabelo dela, o mesmo que ela
fez com ele, enquanto se a levantava e a punha deitada no sofá que havia no fundo de
escritório e se esfregou contra ela. O sabor dela era algo aditivo, uma droga para os seus
sentidos. Quando ficou sem respiração, levantou a cabeça.
- Já acabou? – Kera perguntou, ofegante.
- Não minha querida. Isso foi só o começo.
- Vai ficar ai a me observar ou vais continuar com o que estavas a fazer?
Ele riu e o som retumbou nas paredes no escritório. Ele adorava quando ela tinha aqueles
ataques de valentia.
- Então?
- Claro que sim, carinho – disse antes de baixar a cabeça.
Oh, por Deus, aquilo era melhor que qualquer coisa que já tivesse provado em sua vida.
Sua boca tinha gosto de morango com natas. Um sabor estranho, na opinião dele e ele
nunca havia gostado daquilo, mas agora comeria todos os dias se fosse pra estar ao lado
dela.
Seguiram se agarrando e Tylor desejou que eles estivessem em um lugar, mas
precisamente no seu quarto e particularmente em sua cama, se retorcendo, nus e suados.
Não, isso provavelmente era má ideia. Esse pensamento abriu caminho entre a neblina de
luxúria que tinha em sua mente e o fez afastar-se dela. Ela o agarrou pela cintura.
- O que foi?

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- Nós temos que parar – ele disse com a voz tensa.
Ela o olhou estranhamente.
- Porquê?
- Não é seguro – ele murmurou
- O que não é seguro?
Ele respirou fundo e segurou a respiração.
- O que nós estávamos a fazer – disse entre dentes.
Ela arqueou uma sobrancelha e o soltou.
Tylor se levantou e ficou de pé, com um brilho estranho nos olhos e os lábios apertados,
um sinal que Kera reconheceu como sendo uma forma dele esconder seus sentimentos.
- Vamos, está na hora do café da manhã.
- Vai na frente, já te alcanço – ela disse e quando ela saiu do escritório, ela desabou no
sofá e passou a mão pelo cabelo.
Ainda podia sentir as carícias dele pelo corpo, seu beijo, um gosto electrizante, uma
droga que podia fazer qualquer uma perder a cabeça, mas ela não. Se ela perdesse,
acabaria por revelar seu segredo. Uma coisa que ela não estava preparada pra contar pra
ninguém.
Ficou imersa em pensamentos até que ouviu a voz de Tylor chamando seu nome. Um
pouco mais calma, saiu do escritório e foi até a cozinha, de onde saia um cheiro de bacon
frito e torradas. Quando entrou, o olhar de Tylor pousou nela e ela prendeu a respiração,
esperando a reacção dele, mas ele só sorriu para ela, como se os momentos de paixão
entre eles não tivessem acontecido.
- Sente-se. Pode pegar o que quiser – disse enquanto punha um prato a sua frente.
Ela se sentou e ficou a olhar Tylor se mover pela cozinha, com a testa franzida, como se
estivesse preocupado com alguma coisa, mas ela sabia que ele não haveria de dizer.
- Então, Kery? Vai ficar ai a me admirar ao invés de comer? – ele perguntou, a sua frente.
Ela se sobressaltou, e se perguntou como é que ele havia chegado tão rápido perto da
mesa.
- Meu Deus, Ty. Será que podes parar com isso?
Ele riu.
- É a primeira vez em cinco anos que você me chama de Ty – ele apontou.
Ela corou.
- Realmente? – provocou.
- Querida, tua memória é fraca – ele brincou.
Ela fez uma cara patética e abriu muito os olhos.
- Coitada de mim. O que farei com um cérebro sem utilidade?
- Peça outro emprestado – os dois riram.
O café da manhã foi cheio de conversa sobre várias coisas, desde a fome até o fim do
mundo.
- Eu sinceramente acho que isso é uma ideia sem fundamento – Kera estava a dizer. -
Eles só estão a fazer isso para ganhar mais dinheiro. Para mim é uma ideia
completamente impossível.
- Você não acredita no impossível? – Tylor perguntou com uma voz tão baixa que Kera
se perguntou se ele estava a falar do mesmo assunto.
- Depende do impossível que você esteja a falar. Existem dois tipos de impossível: o
impossível de se concretizar e o impossível de se acreditar.

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- E em que tipo esse assunto se encaixa?
- Podemos dizer...nos dois.
- Você não tem jeito mesmo – ele fez uma pausa tensa e depois perguntou: - Quando eu
te acordei, você disse que já estava quase tudo pronto – fez uma cara estranha. – O que
quiseste dizer com aquilo? Não estás a pensar em despachar tudo só pra sair daqui, não?
Kera se moveu na cadeira, enquanto tentava não transparecer o nervosismo que se
apoderara dela.
- Claro que não – respondeu depois de tragar saliva. – Uma boa secretária tem que ser
rápida e eficiente.
Tylor olhou para ela fixamente, levantou-se da cadeira e se aproximou lentamente.
- Eu sei que queres ir embora daqui. Mas porquê?
Porquê? Ele ainda tinha coragem de perguntar porquê? Ele quase havia feito amor com
ela no escritório, e só Deus sabia porquê é que não o tinha feito, havia despertado
sentimentos que há muito tempo havia enterrado e que pretendia que ficasse nessa
condição durante um bom tempo. Quem sabe por toda vida.
- Kery?
- O quê?
- Porquê você quer ir embora?
Kera se levantou e contornou a mesa até que ela e Tylor estavam separados pela extensa
mesa.
- Quer realmente saber? – explodiu. – Eu quero ir embora porque você me faz sentir
coisas que eu não estou preparada pra sentir.
Ele a olhou confuso.
- O que eu te faço sentir, Kery?
Ela baixou o olhar e voltou a levantar quando ouviu um grunhido.
- Responde – exigiu Tylor.
- Desejo – ela soltou. – É isso que você me faz sentir. Desejo.
- E isso é problema?
- Não é um problema – respondeu. – São vários problemas.
Tylor cruzou os braços.
- Problemas porquê?
Essa era uma pergunta que ela não podia responder. Ou não queria responder.
- É perigoso - disse, parafraseando o que ele havia dito no escritório.
Tylor voltou a se aproximar dela e a agarrou pela cintura.
- O que é perigoso, Kery?
Ela agarrou as mãos dele mas não as tirou da sua cintura.
- Tudo.
Com um sorriso malicioso, ele baixou a boca dele na dela.

Capitulo 3
O cérebro de Kera não tinha registado como é que eles tinham saído da cozinha mas sabia
que o que tinha debaixo de si não era o chão propriamente dito mas sim uma cama (a dele
por sinal) com ela e Tylor dentro, envoltos em lençóis de seda preta. Ele respirava

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silenciosamente e estava tão quieto, que diversas vezes ela teve que pôr o ouvido no seu
peito pra ver se o seu coração ainda batia.
Tentando não fazer nenhum movimento brusco, ela tentou se levantar mas o braço de
Tylor a impediu.
- Para onde vais? – perguntou com voz sonolenta.
Ela se virou e olhou para ele.
- Ao banheiro – mentiu.
Tylor se endireitou e olhou fixamente para ela.
- Mentira – disse depois de algum tempo. – Querias fugir.
- Claro que não – disse enquanto tentava se soltar do braço de Tylor. Apesar de ela ser
uma Shifter1, ele era mais forte, enquanto devia ser o contrário. Que estranho. – Será que
dá para fazeres o favor de me soltar? – fez uma pausa e esperou ele a soltar. Quando o
fez, saiu da cama e levou o lençol com ela, envolto no corpo. Grande erro. Ao ver o corpo
de Tylor, a expressão favorita de sua irmã “Dizzy up the girl 2” ganhou sentido. Ele era
capaz de a fazer ficar sem palavras sem dizer e nem fazer nada.
- Kery? – ele agitou o braço na cara dela.
- O quê?
Ele se levantou e ela retrocedeu um passo.
- Por favor...
- Por favor o quê? – Tylor se aproximou tão rápido que não lhe deu tempo de reacção.
Pegou o seu queixo e a fez olhar para ele. - Porquê querias fugir?
Kera tirou a mão de seu queixo e deu dois passos antes de se sentar na beira da cama.
- Isso não foi boa ideia.
- O melhor da vida não é – ele se ajoelhou ao seu lado. – Mas porquê?
- Simplesmente não foi boa ideia.
Tylor pôs as mãos dela entre as suas.
- O que está a te manter afastada de mim? Me conte, por favor. Eu preciso saber.
“Isso nunca” Kera Selvagem grunhiu em sua mente “Se contares tudo ou alguma coisa,
sei lá, corres o risco de jamais teres a chance de repetir o que aconteceu hoje”.
“Achas que não sei? O que eu faço?”
Kera ouviu um bufo de desdém.
“Agora precisas da minha ajuda? Quando estava disposta a ajudar, me ignoravas
completamente. Às vezes fingias que eu nem existia”.
Kera soltou um grunhido mental.
“Então, de que serviu a sua intervenção?”
Silêncio.
- Eu não... – posso te dizer -...não tenho nada pra te dizer... – excepto que isto foi má
ideia -...excepto que isto não devia ter acontecido.
- Porquê não? – ele perguntou, claramente desiludido. – Vi como ardia em meus braços,
como pedia que te levasse ao outro lado...
- Pare, por favor – disse pondo as mãos nas orelhas.
- Porquê? Porquê não queres ouvir – ele baixou as mãos dela pelos pulsos. - Você gritou
meu nome...

1
Shifter é um ser que pode mudar de forma a qualquer momento. Neste caso, é um tipo de lobisomem,
mais designado Skin Walker ou simplesmente Homem-Lobo.
2
Expressão que em português tem um significado parecido com “Deslumbrar a garota”.

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- Pare – abanou a cabeça.
- ... pediu que te levasse ao outro lado porque não aguentava mais – grunhiu. – O que
aconteceu para que, de um momento para o outro, te tornasses tão fria?
- Olha – temos que parar antes que me ponha a dançar na tua frente. Nua. – O que
aconteceu aqui não deveria ter acontecido.
- Pelo amor de Deus. Kery – ele gritou. - Porquê? Só me responde. Porquê. É a única
coisa que eu peço pra poder entender: porquê é má ideia, porquê não deveria ter
acontecido, porquê...
- Eu sou sua secretária – ela gritou – e você meu chefe. Isso não é boa ideia porque não é
ético. Que ambiente de trabalho teríamos se terminássemos o que começamos neste
quarto – girou o braço – naquela cama? – apontou para a cama king size que tinha os
lençóis revoltos. Ela interpretou o silêncio dele como uma resposta.
- Agora, eu vou sair daqui, ir para meu quarto, me vestir e ir trabalhar pra esquecer esse
assunto – ela começou a caminhar e quando chegou na porta, se virou. – E sim, tinhas
razão. Eu quero sair daqui o mais rápido possível. E se pra isso tiver que despachar o
contrato, o farei – se virou e bateu a porta.

“Estou tramado”
Tylor ficou de pé, no meio do quarto, nu, a ouvir o eco das últimas palavras de Kera.
Ouvi-lo doeu ainda mais que pensar na possibilidade. Ele sabia que aquele momento
chegaria, mas não imaginava que fosse tão cedo.
O celular que estava no bolso das suas calças tocou e ele foi até elas.
- Alô?
- Aconteceu algo. Eu senti – a voz de seu irmão se ouvia preocupada do outro lado da
linha.
- Boa noite para ti também – deu uma olhada no relógio da mesinha de cabeceira. – Boa
madrugada, por assim dizer. E não, bambi, não aconteceu nada.
- Virou mentiroso agora? Não se esqueça que temos uma forte ligação e tudo de mau que
acontece, eu sinto – Adrian pareceu deprimido. – Foi ela, não foi?
Tylor soltou um forte suspiro e desabou na cama.
- Sim, bambi, foi ela.
- O que ela fez?
- Ela está a fazer. Está a me matar aos poucos. A destruir o último pingo de esperança que
existe dentro de mim. Ela está a desistir e a levar meu futuro com ela -fez uma longa
pausa. - Ela está a desitir de ser minha companheira.

“Estou tramada”
Kera entrou no quarto, com vários sentimentos a passar por si ao mesmo tempo: dor,
medo, tristeza. Tudo isso causado pela expressão que tinha visto na cara antes de sair do
quarto.
As palavras dele haviam despertado um sentimento (que não era luxúria nessa caso) que
ela não queria enfrentar. Por isso havia sido tão brusca com ele. Porque, se não tomasse
cuidado, ofereceria a ele sua vida, coração e alma em uma bandeja de ouro, com serviços
de habitações vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trinta dias por mês e

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trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Apesar de isso já ter acontecido há muito
tempo, porque seu coração, sua alma e principalmente sua vida já eram dele. Uma coisa
que ela não tinha planejado.
Deixando o lençol pelo caminho, entrou no banheiro, e quando ficou debaixo do
chuveiro, começou a chorar.
A Kera Selvagem devia ter um pouco de compaixão porque não falou nada enquanto
Kera soluçava no chuveiro.
Depois de uma hora, Kera saiu e vestiu a única roupa de cor preta que tinha na mala e
sem se preocupar em pôr sapatos, foi para o escritório.
Quando chegou lá, a primeira coisa que viu foi o sofá que estava no fundo do escritório e
as imagens do acontecimento da tarde lhe vieram à cabeça, juntamente com o cheiro dele
e sentiu vontade de sair de lá, arrumar as malas e voltar pra casa.
“Se fizeres isso, será porque és uma cobarde”
Kera pensou nas palavras da outra e viu que não poderia sair dali como um rato e deixar
os problemas para trás. Iria enfrentá-los, nem que para isso tivesse que sentir o aroma de
Tylor até ser imune a ele.
Decidida, se sentou em uma cadeira e pegou nas ideias que havia reunido. Minutos
depois, estava completamente focada no trabalho.
Kera só se apercebeu que tinha alguém ao seu lado quando sentiu um odor diferente no
ar. Com um olhar rápido, viu que a cara de Tylor estava fechada e tinha os olhos frios e
distantes. Sem nenhuma palavra, voltou a focar-se no trabalho.
Ficaram assim, sem se falar durante horas, até que às 9h, ele se levantou e saiu. O tempo
que ele demorou, a fez deduzir que ele estava a fazer o café da manhã e a dor que tinha
em seu coração aumentou. Sabia que havia sido dura com ele mas não merecia um
tratamento tão injusto (na opinião dela). Com lágrimas nos olhos, saiu do escritório e foi
até a cozinha.
Quando chegou lá, Tylor estava sentado na mesa, com o prato e a chávena de café
intocados na sua frente e tinha o rosto vazio. Quando a viu, levantou-se da cadeira e sem
voltar a olhar pra ela, saiu da cozinha com a cabeça baixa e foi-se trancar no quarto.
Chorou durante horas e não saiu do quarto na hora do almoço. No fim da tarde, com a
cabeça a doer e os olhos vermelhos, saiu do quarto, depois de se certificar de que Tylor
não andava pela casa e foi para a cozinha procurar o armário onde ele guardava os
medicamentos e se deparou com um prato no centro da mesa e um copo com sumo de
manga (seu preferido na verdade).
Poderia estar magoado (ou zangado) com ela, mas pelo menos se preocupava um pouco
com ela. Triste demais pra conseguir sequer sorrir, pegou uma aspirina e se sentou na
mesa. Pôs a aspirina na boca e a engoliu, acompanhada pelo sumo, e pegou no garfo antes
de desistir da ideia de tentar comer e saiu da cozinha.

A rotina se repetiu durante aquela semana (excepto a parte de não comer). Kera e Tylor
não se falavam e evitavam se encontrar ao acaso pela casa e quando se encontravam, se
ignoravam completamente, apesar de estarem cientes um do outro.

18
Na sexta-feira, uma tempestade se abateu sobre a zona. E enquanto os trovões soavam
dentro e fora da casa, Tylor se remexia na cama.

Ela entrou no seu quarto, apenas vestida com uma camisola de seda transparente, que
mostrava que não tinha nada por baixo. Se aproximou lentamente da cama e ficou
parada na frente dele, enquanto baixava as alças de sua camisola. Quando esta caiu, um
relâmpago iluminou o quarto e o seu corpo bem formado, suas belas curvas e o
resplendor de sua pele.
Quando ela estendeu os braços, ele, com o coração cheio de júbilo, se levantou da cama
e, depois de a pôr em seus braços, a beijou.
Feliz como nunca, a pôs na sua cama, percorreu seu corpo com suas mãos, a fez se
arquear e implorar por suas carícias, até que ela implorou e ele a fez sua.
O mundo ao redor deles se esfumou e os isolou em um lugar onde nada mais importava a
não ser o prazer um do outro. E quando chegaram lá, gritaram juntos enquanto caíam
naquele precipício de prazer.

Com um gemido, Tylor se levantou da cama, com o corpo a suar e a tremer (de uma coisa
que ele tentava não pensar). Ele sabia que aquilo se devia a linda mulher que dormia no
quarto ao lado (Sim! Ele a havia posto lá, não só para ficar mais perto dela, mas também
para facilitar um pouco as coisas com ela). Se o arrependimento matasse, teria morrido
naquele preciso momento.
Com um grunhido de frustração, saiu do quarto e foi até a sala. Quando chegou lá, ficou
em frente a janela, a observando a tempestade. Sempre adorou aquelas demonstrações de
poder, que o faziam esquecer das coisas que não queria lembrar. Apesar de elas estarem a
piscar em sua mente como letreiros de néon.
Quando um relâmpago iluminou a sala, viu o reflexo de Kera no vidro da janela. Ficou
parado, enquanto sentia seu corpo se esticar ao sentir o cheiro dela, a envolver a sala.
Ouviu os passos dela se aproximarem dele até que se detiveram.
- Tylor.
Ele se virou quando ouviu seu nome e desejou não tê-lo feito. Kera, como no sonho,
estava vestida com uma camisola de seda transparente, que chegava ao meio das coxas.
Ela tinha sorte pelo facto dele estar magoado com ela, senão já teria saltado em cima dela
e a devorado. Literalmente.
- O que foi? – a voz dele saiu mais dura do que pretendia. Quem mandou ela sair do
quarto, no meio da tempestade, quando os sentidos dele estavam altos e ainda por cima
usando uma camisola de seda transparente. TRANSPARENTE, pelo amor de Deus. – O
que foi? – repetiu a pergunta quando percebeu que ela não havia respondido.
Kera estufou o peito e fez uma pálida imitação da expressão “Vou te devorar inteiro”.
- Sonhei contigo.
Ele teve vontade de dizer que...Espere. O quê?
- Sonhou comigo?
- Sim.
- E?
- Esse sonho me fez ver uma coisa - disse enquanto se aproximava dele.

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- O quê? – ele perguntou e naquele momento, umas das janelas abriu-se e a rajada de
vento que entrou, levantou o cabelo dela e levou até a ele o seu cheiro e a fez parecer uma
deusa. Oh, Deus...
- Ver o quê? – ele tragou saliva e começou transpirar.
- Que tenho que fazer algo em atraso – ela parou na frente dele e passou as mãos pelo
peito dele e Tylor quase gemeu em voz alta. Oh, que sensação maravilhosa.
- Que seria? – começava a suar a mares.
- O que você acha?
Brandamente, tão brandamente como nunca, envolveu-a em seus braços e cobriu a boca
dela com a sua. A magia se moveu entre só eles os dois, um mundo que não havia a noite
nem dia, nem engano nem acerto, só um homem e uma mulher que se desejavam. E
secretamente se amavam.
Quando ficaram sem respiração, se afastaram um do outro mas sem desviar o olhar.
Naquele momento, ambos dominavam a expressão “Vou te devorar inteiro”

Capitulo 4
“É hora”
Kera sabia que, no momento em que saísse do quarto, estaria perdida. Mas não sabia que
a perdição seria tão doce.
Depois do beijo, ele havia olhado para ela, a cara deformada pelo desejo, seu peito descia,
certamente pela falta de ar. Mas o que se sobressaía a isso, era que seu aroma estava mais
forte.
O sonho que havia tido a havia feito ver que fugir dele não era uma boa coisa, porque
cada vez que fechava os olhos, era a ele que via, sentia, ouvia. Ele era tudo para ela. Era
seu amor.
Amor.
Essa revelação abanou seu mundo, abrindo os seus olhos a uma verdade que ela não
queria ver. Não era movida somente pelo desejo, pela paixão. Era também movida pelo
amor.
O clique da porta a tirou dos seus pensamentos. Tylor estava atrás de si, a segurando pela
cintura. Ele depositava beijos pela sua nuca, seu pescoço, passava o nariz pelo seu cabelo,
passava as mãos pela sua cintura, seus quadris, seus seios. Se ele não a estivesse
segurando, certamente teria caído. As mãos daquele homem eram um perigo ambulante.
Sorte que eram o seu perigo ambulante.
Ele a levou pra cama (em seu quarto de novo) e a deixou lá deitada. Quando ela se
endireitou, ele estava a tirar as calças de pijama. As calças deslizaram pela sua cintura e
quando chegaram ao chão, Kera prendeu a respiração. Mesmo a ténue luz do candeeiro,
ele irradiava perigo e poder. Seus quadris eram estreitos, seus ombros imponentes, sua
pele bronzeada, seu cabelo o dava um aspecto de forasteiro. E estava muito excitado.
Sim, a queria em sua cama. Sim, a desejava. E sim, era dela.
- Linda – disse enquanto olhava fixamente para ela.
- Obrigada.
- Mas o que tem debaixo dessa camisola é bem melhor – ele disse com voz grave.
Gotejava desejo, necessidade.

20
Ela tragou saliva.
Tylor se aproximou da cama lentamente e quando subiu em cima desta, endireitou Kera
até seus olhos ficarem na mesma altura.
- Acho que as coisas estão um pouco desequilibradas. Me permite?
Ela assentiu.
Lentamente, Oh mas tão lentamente, ele baixou as alças da camisola dela e deixou os
seios dela descobertos, perfeitos e rosados como bagos. Perfeitos para as suas mãos.
Com um grunhido, a pôs em baixo de si e começou a tortura. Passou os lábios pelo seu
pescoço, pela sua barriga, quadris, coxas até às panturilhas e voltou a fazer o caminho,
acrescentando algumas mordidas. Se ela pudesse morrer, gostaria que fosse naquele
momento. Nunca havia se sentido algo tão bom em toda a sua vida. Nunca mesmo.
Depois de algum tempo – não sabia se foram minutos, horas ou dias depois – ele deixou
de beijá-la e a olhou. A emoção que viu no fundo dos seus olhos a deixou imóvel. Não
era possível.
- Kery?
- Sim?
Tylor entre cerrou os olhos por alguns segundos e quando os abriu, baixou a cabeça e
disse no ouvido dela:
- Amo-te – e a fez dele.
O grito que ela deu foi um misto de emoções: felicidade, desejo. Amor. Na sua garganta,
apareceram palavras que lutavam para serem exteriorizadas.
- Amo-te, amo-te, amo-te – repetiu enquanto ele entrava e saia dela.
O êxtase foi mais do que ela poderia imaginar. Pediu que ele parasse. Pediu que ele
continuasse. Tylor negou o primeiro e deu o segundo, aumentando a intensidade de seus
impulsos. O desejo explodiu entre eles, os fazendo se transformar em dois seres que só
queriam atingir o ponto máximo da culminação. Se retorciam pela cama, nus e suados,
não só a satisfazer seus corpos mas também seus corações.

O dia amanheceu sem a humidade sufocante que normalmente se seguia depois de uma
tempestade. E dentro do quarto, Tylor e Kera dormiam. Juntos. Kera se sentia presa em
um estado de entorpescência, mas boa, que a fazia relaxar nos braços de Tylor. Sentia
uma enorme felicidade, porque sabia que o sentimento que tinha dentro de si era
correspondido.
“Claro, isso até ele descobrir que você não é humana.”
Lá estava ela, sua inimiga ambulante. Kera sabia que nunca confessaria que durante a
semana em que ela e Tylor não se falavam, o silêncio repentino de Kera Selvagem a
havia feito se sentir sozinha, quase abandonada. Mas depois daquele comentário,
definitivamente preferia o silêncio.
“Você é chata sabe?”
“Eu posso interpretar isso como um “Senti saudades tuas”. Claro que sentiste. Por mais
que me odeies, não vives sem mim.”
“Convencida”
“Vou tomar isso como um elogio”

21
“Não disse para o fazeres”
“Agora chega. A conversa estava óptima e adorei os teus elogios, mas poderia fazer o
favor de calar a boca? Estou a tentar curtir o meu prazer aqui”
“O que raios...?”
A outra grunhiu.
“Eu disse para calares a boca. Meu Deus, será que nem em um momento tão
maravilhoso como este, você deixa de ser chata?”
“Foi você que começou”
“E agora estou a terminar”
“Idiota”
Silêncio.
Um movimento na cama tirou Kera de sua conversa privada e a fez virar-se. Tylor estava
se a esticar, fazendo com que os seus bíceps se fizessem mais presentes. Por Nemesis,
aquele homem era cem por cento comestível.
- Bom dia – Kera disse.
Tylor, sem abrir os olhos, a pôs rapidamente em baixo de si e passou o nariz pelo seu
pescoço. O simples contacto a fez estremecer.
- Bom dia – ele respodeu. - Não fugiste.
Kera estreitou os olhos.
- Não.
- Porquê?
- Porque, aparentemente, me amarraste na cama com uma corda invisível.
- Jura? E que corda seria essa?
- Amor.
Tylor estreitou os olhos sensualmente, o que fez Kera tremer por dentro.
- Será que essa corda chamada “Amor” – pôs a palavra entre aspas – pode te prender pra
fazer outro tipo de coisa?
- Que coisa?
Ele somente arqueou uma sobrancelha e sorriu diabolicamente.
- Ah! E o que eu tenho a ver com isso? – ela provocou.
- Muita coisa – disse antes de beijá-la.
Kera enfiou os dedos no cabelo dele e roçou as suas unhas no couro cabeludo dele. O
grunhido dele fez seu sangue aumentar de temperatura.
O estremecimento de seu estômago fez ela parar o beijo. Tylor olhou para ela.
- O que foi?
Para responder a pergunta dela, ouviu-se um barulho parecido com “ronco” de motor de
carro. Eles gargalharam.
- Isso responde a tua pergunta?
Ele suspirou.
- Que oportuno - disse secamente enquanto Kera se levantava e ia ao banheiro.
- Não tenho culpa se as minhas necessidades humanas me perseguem – disse enquanto
fechava e ficou imóvel quando o eco das suas palavras entrou na sua mente. Houve um
silêncio pesado, onde a única coisa que se ouvia era o passar do vento do lado de fora.
Este se estendeu até que Kera ouviu o ranger da cama e alguns passos. O coração dela
começou a bater mais forte.
- Então é melhor fechar a porta antes que as minhas necessidades animais me dominem.

22
Kera fechou a porta antes que seu cérebro conseguisse registar as palavras. Quando Tylor
forçou a porta, trancou e se encostou nela. Seu coração continuava a bater feito um louco,
mas não era por causa de Tylor mas sim por alívio. Alívio por ele não ter entendido o
duplo sentido das suas palavras. Nunca havia cometido um deslize como aquele, excepto
há cinco anos. Uma situação que preferia esquecer.
“Você não pode. Esse deslize serve como aviso. Se não tomares cuidado, nossas vidas
estarão acabadas”
Kera piscou de surpresa. Aquela era a primeira vez que Kera Selvagem usava plural em
uma frase. Geralmente dizia “tu”,”você” ou “eu” mas nunca as pôs juntas em uma frase.
Então aquilo significava que a ideia de Tylor descobrir a verdade a aterrorizava, apesar de
a sua frase ter tido uma pitada de ácido. Afinal, não era tão insensível quanto aparentava
ser. Era uma boa coisa pra usar um dia no futuro. Agora ela ia se preocupar em tomar um
banho bem demorado, porque o dia prometia ser longo.

Necessidades humanas.

Tylor repetia essa frase várias vezes na sua cabeça, a se perguntar o que teria acontecido
se Kera tivesse revelado seu segredo a ele. Era algo em estremecia só de pensar.
Enquanto vestia as calças, pensava no que fazer para a obrigar a revelar seus segredos. O
que estava a se tornar, praticamente, uma missão impossível.
Ao ouvir o barulho do chuveiro, saiu rapidamente do quarto, e se transformou em um
borrão para quem estivesse a ver. A velocidade era uma das vantagens do seu tipo.
Passou pela cozinha, pegou um copo com sumo e foi para o escritório.
Se sentou e pegou no contrato que estava dentro de uma pasta. Depois de algum tempo,
como se fosse movido por cordas, desviou a vista do contrato e viu Kera descer as
escadas e para no último degrau e pôde ouvir a respiração entrecortada dela. Olhou para
os lados e quando viu que ela olharia para o escritório, baixou o olhar. A ouviu pôr o pé
no chão e levantou o olhar a tempo de ver ela “correr” para a cozinha. Ela se
movimentava pela cozinha, usando os encantos de ser uma Shifter. Ver ela se mover
provocava certas sensações que passavam por certas partes de sua anatomia que faziam
mais difícil resistir a ela. Dito e feito, saiu do escritório e foi até a cozinha. Ficou parado
na porta, observando ela balançar os quadris, e quando ela se esticou pra pegar um prato
na estante, a parte de baixo de sua blusa levantou-se e ao ver uma parte de pele, apertou
as mãos em punhos. Maldição de mulher.
Fazendo barulho para que ela notasse a sua presença, entrou na cozinha e a agarrou por
trás. Kera se sobressaltou.
- Bom dia de novo, carinho – deu um beijo no pescoço dela.
- Bom dia – ela respondeu com um sorriso.
- Então, o que há pra comer?
Kera se virou e pôs um prato na frente dele.
- Bacon com torradas – apontou para a mesa – e sumo de manga.
- O teu preferido – ele disse.
- É verdade, eu sempre quis te perguntar isso desde…- parou no meio da frase, enquanto
se lembrava da semana em que havia discutido com ele.

23
Tylor pegou na cintura de Kera, tirou o prato da sua mão e deixou em cima da mesa, e em
seguida a apoiou entre ele e a bancada.
- Se falar desse assunto te faz infeliz - um músculo se moveu em sua mandíbula – não
fale.
- Ok.
- Então, voltando à tua pergunta – deu um sorriso alegre demais, talvez forçado – eu sei
que gostas de sumo de manga porque, na empresa, te via todos os dias, sentada no teu
escritório com, no mínimo, três copos de sumo de manga, na hora do almoço.
Kera corou.
- Como é que…?
- Dava pra ver do meu escritório.
Isso significava que ele a observava. Corou ainda mais.
- Você sabia que fica sexy quando cora? – ele perguntou pegando o queixo dela.
- Obrigada – corou mais ainda, ao ponto de parecer um incêndio em pessoa.
- Droga. Um dia ainda vais me matar – grunhiu antes de a inclinar na bancada e beijá-la.
O sabor era dotado de um sistema estranho: variava de sabor de acordo com o estado de
espírito. Não que ele tivesse experiência nessa tese, mas dado o estado de humor dela
naquele momento, não tinha nem tempo de testar. Ela estava feliz e o sabor…muito doce.
Ela devia estar a ficar cada vez mais feliz, porque o sabor dela ia ficando cada vez mais
doce até que ele não pensava em mais nada a não ser dar uma olhadela ao quarto dela,
mas precisamente em cima de sua cama ou no quarto dele, em cima de sua cama. Aquela
mulher era um perigo ambulante.
Ela deveria estar a sentir o mesmo mas talvez não tinha clima suficiente para fazer porque
pôs as mãos no seu peito e o empurrou.
- Acho que devíamos parar – disse ofegante.
- Devíamos mas não vamos – se inclinou para voltar a beijá-la mas ela desviou o rosto.
- Temos um bom motivo pra não fazer o que se passa pela tua cabeça.
- Qual?
Ela apontou pra mesa.
- O pequeno-almoço.
- Pode esperar.
- Mas as minhas necessidades humanas não – ela fez uma cara de horror que durou no
máximo meio segundo e depois o rosto ficou vazio. Tylor sabia que ela sempre ficava
assim quando queria revelar algum segredo. Ficaram em silêncio durante um bom tempo
até que, ao ver que a teimosia dela persistia, desistiu.
- Está bem.
Escondeu o sorriso ante o evidente alívio que cruzou a cara dela. Algo lhe dizia que ela
ainda não estava pronta. Só esperava que não ficasse pronta tarde de mais.
- Você desistiu – fez uma careta. – Porquê?
Tylor lançou um olhar torto e a olhou de baixo pra cima.
- Porque vais me pagar por isto.

E Tylor tinha razão. Depois do pequeno-almoço, ele deixou Kera vaguear pela casa,
dando a ela um tempo solitário pra pôr as ideias, quaisquer que fossem elas, no lugar.
Tinha que esperar ela ficar distraída e, então aí, poderia atacar. Antes do almoço, a viu

24
sentada na varanda, curvada em uma bola com um copo com sumo de manga na mão e
outro na mesinha de madeira. E estava distraída.
Tentando fazer o mínimo de barulho, foi até a porta da varanda, imóvel, um hábito dos
Shifters. Quando Kera ficou na posição que queria, aplicou o máximo de pressão no pé
esquerdo e saltou. Ao ouvir o barulho que a madeira fez quando rangeu, ela deixou o
copo em cima da mesa. Bom, porque ele não queria fazer uma bagunça que não teria
tempo pra limpar depois.
Quando chegou perto dela, a agarrou pelos pulsos e “voou” com ela pelo soalho e ficou
debaixo dela para absorver o impacto. Quando sentiu suas costas tocarem o chão, rolou e
a ficou em cima dela.
- Seu rato – ela vociferou. – Seu animal selvagem. Que direitos te deram pra você me
atacar desse jeito como se eu fosse um tipo de presa?
- Mas tu és – respondeu em tom de brincadeira mas era verdade. Sabia que a perseguiria
até o fim do mundo se fosse preciso.
- Eu não sou uma presa – ela se revolveu para tentar se soltar mas não conseguiu. – E a
propósito, a quê se deve esse ataque?
- Eu te disse no pequeno-almoço que irias me pagar.
- E o teu maldito cérebro te disse para você me atacar enquanto eu curtia uma paz
monumental?
- O meu objectivo era te apanhar desprevenida. E consegui – ele riu.
- Você tem sorte de eu estar fisicamente incapacitada, porque irias precisar de um bom
cirurgião plástico depois da surra que eu iria te dar – ela disse, claramente furiosa. De
facto, estava tão vermelha que parecia que iria explodir a qualquer momento se ele a
pressionasse.
- Calma céu. Você anda muito stressada esses dias. Eu posso te ajudar a relaxar.
Ela lhe lançou um olhar fulminante.
- Eu não estou stressada e não quero que… - um suspiro profundo interrompeu a sua
frase. Tylor estava a passar sua boca pelo seu pescoço e fazia tão lentamente que o seu
sangue subiu de temperatura.
- O que você estava dizendo? – Tylor perguntou no seu pescoço.
- Você é um ser terrivelmente diabólico.
- Eu posso ser diabólico em vários aspectos, mas há um que supera a todos.
- Que seria?
Ao invés de dizer – levantou a sobrancelha sugestivamente – que tal uma demonstração?

Capitulo 5

O resto do mês foi quase igual. Kera e Tylor passavam o dia no escritório, a rever vezes e
vezes sem conta o contrato já terminado. De facto, esse foi o tema da conversa que
aconteceu na última semana do mês.
- Você tem sorte de eu ter terminado o contrato logo na primeira semana – Kera disse
enquanto Tylor a arrastava para o quarto – senão terias um grande prejuízo.
Tylor a encostou na porta.

25
- Você acha que eu não sabia disso? – perguntou enquanto beijava o seu pescoço. – Te
conhecendo do jeito que eu conheço, sabia que você só iria “brincar” depois que tivesse
acabado o contrato.
- Quer dizer que eu fui manipulada?
- Depende do tipo de “manipulação” que estejas falando.
- Tylor – ela avisou.
- O quê?
Ela abanou a cabeça e sorriu.
- Sabe, você ainda não pagou pelo ataque na varanda.
Tylor sorriu.
- Então porquê não me fazes pagar agora?
Kera deu um soco do braço de Tylor justo antes de soar a campainha.
- Quem será? - Tylor perguntou.
- Estás a espera de alguém?
- Não.
Kera fez uma careta.
- Então, vá abrir e despache quem quer que seja.
- Você está muito interessada em brincar, não?
Kera o empurrou em direcção as escadas.
- Somente vai.
Tylor esperou Kera entrar no quarto para descer as escadas. Mesmo que a interrupção
fosse inoportuna, faria o que Kera havia dito e iria despachar quem quer que fosse, e
rapidamente, porque tinha um assunto inacabado no andar de cima.
Quando chegou na porta, congelou. A pessoa que estava do outro lado da porta era a
última que queria ver. De repente, o dia parecia ter descido literalmente, ao inferno.
- Trace - disse secamente.
- Tylor – ela disse com uma cara estranha. – Posso entrar? Preciso falar contigo.
Tylor hesitou mas abriu. Ela olhou para os lados antes de entrar e Tylor foi atrás dela.
Realmente, o dia havia descido ao inferno.
Trace parou no meio da sala.
- O que você quer?
- Falar contigo.
- Isso eu percebi. O que quero saber é qual é o assunto.
- Quero falar sobre ela – os olhos ficaram frios. – A tua secretária.

“Não gosto nada disso”

Kera começava a ficar inquieta com a demora de Tylor. Ele havia descido há minutos
para abrir a porta e ainda não havia voltado. Será que havia acontecido alguma coisa com
ele? Aquilo não era nada bom. Nada mesmo.
Estava a se preparar para sair quando uma voz conhecida chegou aos seus ouvidos e
gemeu. Porque é que existiam pessoas tão chatas?

26
Saiu do quarto, decidida a expulsar ela dali caso Tylor não tivesse coragem e estava a
descer as escadas quando ouviu seu nome. Estariam a falar dela?
- …Kera não é uma pessoa propriamente compreensível – Trace estava a dizer.
Kera apertou as mãos em punhos e reprimiu a vontade de estragar a bonita cara dela.
- Isso não é da tua maldita conta – Tylor grunhiu.
Kera desceu os últimos degraus e os dois, ou não a viram ou a ignoraram.
- Claro que é. Se ela descobrir por acaso o teu segredo, o que achas que ela vai fazer?
Bater palmas e dizer “Graças a Deus”?
- Ela não vai descobrir por “acaso” o meu segredo, a não ser que alguém conte – lançou
um olhar significativo a Trace.
Ela fez um esgar de indignação.
- Eu nunca diria nada a ela. Nem sequer propositadamente.
Kera duvidava muito dessa declaração e pelos vistos Tylor também, porque disse:
- Claro que não. Então, a que se deve essa conversa?
Kera ficou bem atenta, porque queria entender o que ela e esse segredo tinham em
comum.
- Porque existe uma grande diferença entre vocês os dois que pode dificultar essa coisa de
“laços de companheiros”.
- Que seria?
- Tu sabes do segredo dela mas ela não sabe do teu.
Mas que maldito segredo era aquele que eles tanto falavam?
- Mas irá saber.
- Quando? – Trace cruzou os braços.
- No momento certo.
- Momento certo? – ela parecia indignada. – Tylor, você acha que existe momento certo
pra se dizer “Eu sou um Shifter”?

English Wolf, Regent Ville, Wyoming


Adrian andava de um lado para o outro desde que uma sensação estranha se apoderou
dele. Mas o que mais o preocupava era que Tylor ainda não havia ligado, o que
significava que a tal sensação era de algo que iria acontecer.
- Seth, eu já disse para me deixares em paz – ele ouviu a voz da sua mãe se aproximar da
sala.
- Pelo amor de Deus, Milaya. Porquê você não me escuta? – seu pai disse, claramente
frustrado.
- Porque eu…- a voz de Milaya parou abruptamente quando entrou na sala e viu a cara de
Adrian. – O que foi Adrian? – sentiu sua mãe entrar em pânico. Seu pai também.
- Tylor – respondeu.
- Aconteceu alguma coisa com ele?
- Não – ficou rígido – mas vai.

Shifter.

27
A palavra ecoou no cérebro de Kera enquanto ela tentava se recuperar do choque inicial.
Sua mente registou as palavras mas se recusou a acreditar nela. Ela não podia acreditar.
Deve ter feito algum barulho porque eles ficaram imóveis e olharam para ela, a observar
qualquer que fosse a expressão congelada na sua cara.
Tylor deu um passo na direcção dela mas Kera levantou a mão para o parar. Trace ficou a
olhar para ela.
- Kery, estás aí há muito tempo? – Tylor perguntou.
- Claro que sim – respondeu friamente. – Estou aqui há tanto tempo que até ouvi a última
parte.
Tylor ficou branco.
- Kery, me deixe explicar…
- Explicar o quê? – Kera se aproximou dele mas manteve uma boa distância. Por
prudência. Ou sanidade mental. – Tudo o que tinha para se dizer já foi dito.
- Claro que…
- Não há nada – grunhiu friamente. – Como ela mesmo disse – apontou pra Trace que
continuava imóvel no meio da sala – há muito tempo que você deveria ter dito a mim que
eras um Shifter – deu um sorriso amargo. – Devias estar feliz. Afinal, somos da mesma
espécie.
Trace pigarreou e deu a volta para sair.
- Você fica – Kera vociferou para ela.
- Eu não tenho nada a ver com isso.
- Claro que não. Afinal, não foste tu que trouxe esse assunto pra cá.
Trace ignorou o sarcasmo.
- Kery, pelo amor de Deus.
- Pelo amor de Deus, o quê, Tylor? – Kera pôs as mãos na cintura. – é como eu. Motivo
pra comemorar. Não há motivos pra tanto nervosismo.
- Eu não estou nervoso – ele grunhiu.
- Óbvio. Agora, se me dão licença, preciso arrumar as minhas malas – disse antes de dar
meia volta e subir as escadas. Em um piscar de olhos, já estava dentro do quarto. Já que
eram da mesma “espécie”, que motivo teria pra agir como humana?
Kera fechou a porta e foi até ao armário justo no momento em que Tylor estava lá.
Ouviu-se o estrondo da porta ao bater na parede, enquanto entrava no quarto.
- O que raios pensas que estás a fazer? – Tylor gritou.
- Estou a ir embora – disse enquanto punha as roupas na mala. – Agora.
Tylor ia pegar o braço de Kera quando ela entrou no banheiro e fechou a porta.
- Você não tem o direito de sair da minha casa.
Kera acabou de pegar o seu último pertence e saiu do banheiro, num piscar de olhos já
estava na cómoda, para pegar os restos das roupas e só depois que acabou, virou-se para
Tylor.
- Primeiro, eu estou cheia de direitos – se abaixou para pegar seus sapatos debaixo da
cama. – Segundo, como tu mesmo disseste, esta é a tua casa e eu deveria ter saído daqui
logo depois de ter terminado o contrato – pegou na mala e saiu do quarto.
Era consciente de Tylor atrás de si, mas não quis se virar, porque seria capaz de cometer
uma atrocidade.
Quando chegou na sala, viu Trace a olhar para a janela e se virar quando ouviu passos.

28
- Eu bem que gostaria de continuar a nossa conversa mas felizmente estou de saída -
olhou pra Tylor e disse pra Trace. – Mas ele pode te fazer companhia.
Pegou na chave do carro de Tylor que estava dentro de um cinzeiro e se dirigiu a porta.
Passou pela varanda e quando viu o carro foi até ele. Entrou e abriu a janela pra gritar:
- Tylor, o teu carro vai estar na garagem da empresa.
Ligou o carro e olhou por cima do obro para fazer marcha-atrás. Quando estava no
portão, olhou pra trás e o rosto inexpressivo de Tylor foi a última coisa que viu antes de
olhar pra frente e começar a chorar.

Tylor ficou parado na porta da varanda, observando Kera ir embora. A dor que sentia
naquele momento era tão forte que só sentia vontade de se enfiar na cama e nunca mais
sair. Com passos lentos, entrou na sala e viu Trace com uma expressão de culpa no rosto.
Óptimo. Uma parte da culpa era dela, apesar de ter razão em um aspecto: não existia
tempo certo pra se contar um segredo como o dele. E por causa daquilo, havia perdido a
chance de ser feliz.
- Tylor eu…
- Trace, por favor saia.
- Mas Tylor…
- Saia – ele gritou e depois suspirou. – Por favor.
Ao ver a dor na cara de Tylor, Trace não fez mais nada a não ser sair. Abriu a porta e
saiu, mas antes de fechá-la, sussurrou:
- Sinto muito.
Depois daquilo, Tylor subiu as escadas e pensou em se dirigir ao seu quarto mas mudou
de ideia e foi para o quarto de Kera. Ao entrar, o cheiro dela o assaltou e ele sentiu seus
olhos arderem por causa das lágrimas. Se aproximou da cama e se jogou nela. Com as
lágrimas a cair pelo seu rosto, ele sussurrou o nome de Kera, na casa silenciosa que
abrigaria pra sempre as lembranças dela.

Kera segurava com força as mãos no volante enquanto as lágrimas caíam pelo seu rosto e
espasmos passavam por todo o corpo. Sentia como se sua vida tivesse sido coberta por
um grande pano preto, a fazendo sentir-se sozinha. Na verdade, nunca havia se sentido
tão sozinha como naquele momento.
As lágrimas eram tantas que, quando passou a mão pelo rosto para limpá-las, não viu uma
curva e foi obrigada a parar na berma da estrada para evitar um acidente.
Passou a mão pelo cabelo e encostou a cabeça no volante. Sabendo que não estaria em
condições de voltar a conduzir, pegou no telefone.
- Alô? – uma voz preguiçosa respondeu.
- Bianka?
- Ker, o que foi que aconteceu? – sentiu a preocupação se apoderar da sua irmã.
- Será que podes vir me buscar?
- Porquê? O que aconteceu?
- Somente venha me buscar.
- Me diga onde você está.

29
Kera deu a direcção e quando Bianka disse que já estava a caminho, agradeceu. Ficou
dentro do carro, tentando conter as lágrimas e os espasmos que a dominavam. Depois de
quinze minutos, viu Bianka descer de um táxi e em um piscar de olhos já estava dentro do
carro.
Durante o trajecto, Bianka deixou Kera chorar sem fazer nenhum comentário e Kera
agradeceu silenciosamente por isso. Quando chegaram em casa, Bianka acompanhou
Kera até o quarto e Kera pediu que ela fosse deixar o carro no trabalho dela.
Quando Bianka saiu, Kera voltou a chorar e se surpreendeu quando ouviu o choro de uma
outra pessoa.
“Estás a chorando?”
“Claro que sim. Você queria que eu estivesse a fazer o quê? Rir?”
Por mais que sentisse dor, Kera não conseguiu evitar e sorriu.
“Não”
“Então me deixa sofrer em paz”
“Precisas de companhia?”
Kera sentiu uma pontada de dúvida na outra até que Kera Selvagem assentiu.
“Se quiseres”
Kera ficou deitada na cama como uma bola, até que Bianka entrou no quarto e deitou ao
seu lado e pôs sua cabeça no ombro dela, a sussurrar palavras de consolo.
- Obrigada.
- Não tem de quê. Considere isto como uma retribuição pelas noites que passaste no meu
quarto, a me consolar quando algum idiota me deixava.
Kera riu brevemente.
- Só estava a fazer meu trabalho de irmã mais velha.
Bianka deu um beijo na testa dela.
- Agora é minha vez de ser a irmã mais velha.
Ficaram as duas deitadas até que pegaram no sono.

Duas semanas depois


Tylor estava sentado no seu escritório, alheio a tudo que o rodeava. Sentia vontade de
voltar pra casa e se enfiar na cama, para nunca mais sair. Mas seu adorável irmão havia
confiscado as suas chaves de casa, dizendo que só as devolveria quando acabasse a hora
do expediente.
Naquele momento, Trace entrou no escritório com um monte de pastas na mão. Suspirou.
Mais pastas significavam mais trabalho, que dava em mais distracção, que parecia ter
saído de uma certa mente diabólica. Adrian.
- Estas pastas são propostas feitas por várias empresas que pretendem fazer um contrato
com a Computer Enterprises – disse com o olhar baixo.
- Pode deixar aí. Depois vejo – Se não me suicidar antes.
- Está bem – Trace deu a volta e saiu.
Tylor sabia que a atitude dela se devia a vergonha que devia estar a sentir. Não a culpava
mas também não a condenava. Porque para além de ter destruído sua felicidade, também
havia adiado algo que teria sido bem pior se Kera tivesse descoberto por si só.

30
Mas nem isso o consolava, porque sabia que não havia maneira de recuperar sua
felicidade.

Trace entrou no escritório, a sentir uma enorme carga de culpa. A imagem do rosto de
Tylor coberto de dor a perseguia dia e noite e piscava na sua mente a cada cinco minutos,
como se um alarme tivesse sido instalado no seu cérebro e programado com aquela
imagem. Uma coisa que não aguentava mais.
Se pudesse, iria consertar tudo o que havia feito, talvez tivesse um momento de paz. Mas
faria o quê?
Ficou pensativa durante um bom tempo até que uma ideia cruzou a sua mente e ela sorriu
pela primeira vez em duas semanas. Pegou na sua bolsa e saiu a correr da sua sala.
Talvez houvesse uma forma de remediar a situação.

Capitulo 6

Kera estava sentada na cozinha quando ouviu a campainha. Com lentidão, foi até a sala e
quando olhou pelo olho mágico, ficou tensa. A pessoa que estava do outro lado era a
última que esperava ver. Abriu a porta raivosamente.
- Posso falar contigo?
Kera ficou apoiada no vão da porta, enquanto decidia se a deixava entrar ou não. Depois
de alguns segundos, afastou-se e deu espaço para a outra entrar.
Quando se virou, Trace já estava sentada.
- Sobre o quê queres falar comigo?
- Tylor.
Kera ficou mais tensa ao ouvir aquele nome que tentava esquecer há duas semanas.
- Eu pensei que tivesses dito tudo na casa dele.
- É sobre isso que eu quero falar.
Kera ficou confusa.
- Você veio falar sobre Tylor ou sobre o que disse na casa dele?
- Sobre as duas coisas.
- Mas como…
- Pare, por favor. Somente escuta – Trace parecia terrivelmente nervosa. – Oh Deus, isto
está a ser mais difícil do que eu imaginava – murmurou e respirou fundo. – Para
entenderes o que eu vim fazer aqui, preciso te contar primeiro uma pequena história:
- Quando eu era criança, meus pais me apresentavam rapazes, a espera de que eu
encontrasse o meu companheiro. Pois bem, depois de várias tentativas frustradas, já havia
desistido quando conheci Tylor, pensei que já havia encontrado. Me apresentei a ele,
aparentemente gostamos um do outro e começamos a namorar.
- Ainda não entendi onde você quer chegar.
- Há cinco anos, quando te candidataste para o posto de estagiária na empresa, Tylor veio
falar que já não podia mais ficar comigo porque havia encontrado a companheira dele.
Você.

31
Kera abriu os olhos espantada.
- Ele disse isso a você?
- Oh sim, ele disse. Mas naquele momento não queria acreditar nas palavras dele porque
pensava que eu era a companheira dele. Mas como queria que ele visse aquilo, disse que
não havia problema nenhum. Mas no fundo, me sentia traída de alguma forma. E quando
você foi trabalhar na empresa, as coisas pioraram.
- Então aquela antipatia toda…?
- Se devia ao ciúme.
- Ciúme? Mas isso é ridículo.
- Ridículo? – Trace riu. – Se estivesses no meu lugar, também terias sentido isso.
Kera cruzou os braços e olhou fixamente para Trace.
- Eu não consigo acreditar nisso.
- Dá pra ver pela sua cara. Mas foi algo que eu fiz. E me arrependo amargamente. Pior
ainda pelo que fiz na casa dele.
Kera ficou tensa.
- O que você fez foi abrir os meus olhos e evitou que a nossa relação se tornasse mais
séria.
Trace se levantou e foi até ao lado de Kera.
- Mas é isso que me incomoda. As razões que me levaram a fazer aquilo são
insignificantes. Eu fiz algo que ele deveria ter feito, e se o fiz, foi porque queria te separar
dele.
- E conseguiste.
- Mas a alegria que eu senti naquele momento… - a sua cara se contorceu de dor e ela
abanou a cabeça. – Eu vi a dor na cara dele. Eu vi – ela riu amargamente e as lágrimas
caíram dos seus olhos – e aquela dor me fez ver que você – pegou as mãos de Kera - é a
companheira dele.
Kera se soltou e se sentou na cadeira que estava na frente de Trace.
- Mas ele mentiu para mim.
Trace a surpreendeu com um sorriso.
- Kera, ele pode ter mentido para ti, mas você esquece que também mentiu para ele.
Kera não discutiu ante a frase lógica.
- Mas eu tive meus motivos – ela se defendeu.
- Ele também teve – fez uma pausa como se pensasse em algo – mas isso só ele pode te
dizer.
- Eu não sei o que dizer.
- Você não tem que dizer nada. Só faça.
- O quê?
- Lutar por ele. Tylor não sabe, mas Adrian ligou para mim, ao meu pedido e me disse
que Tylor é uma sombra de si mesmo. Passa dia e noite trancado no teu antigo quarto.
Não come direito, no trabalho está sempre a olhar para o teu escritório pela janela. Não ri,
não brinca mais com os funcionários. Ele está a se transformar na própria amorfinação.
Adrian sente que ele está… a desistir.
Kera sentiu lágrimas nos olhos.
- Desistir do quê?
- Desistir de ti.
Kera pôs a cabeça entre as mãos.

32
- Eu não consigo fazer isso.
Trace levantou a cabeça de Kera e pegou a cara dela pelas bochechas.
- Você precisa fazer isso, se não quiseres ser infeliz para o resto da vida.
Kera tirou as mãos de Trace da sua cara e pôs as suas sobre as dela.
- Obrigada.
- De nada. Precisava fazer isso pra me sentir melhor. Me redimir por aquilo que fiz.
- E se ele não me aceitar de volta? – Kera perguntou insegura.
Trace riu, se levantou e foi até a porta.
- Quer um conselho? – perguntou enquanto abria a porta. - Vá antes que ele desista,
porque quando ele desistir, aí sim não te aceitará de volta – disse e fechou a porta.
Kera ficou a olhar para a porta, enquanto as palavras de Trace ecoavam na sua cabeça.
No fundo, sabia que o que a outra havia dito era verdade, mas tinha medo de arriscar, de
dar um passo para o desconhecido. O que queria naquele momento era ir até Tylor e o
abraçar até ambos ficarem com falta de ar. Mas o que a travava era a dor que a traição de
Tylor causou. O que naquele momento não importava.
Ficou a lembrar da conversa entre ela e Trace, enquanto pensava nas opções de ir atrás de
Tylor ou ficar e ser infeliz a vida inteira. Queria muito fazer a primeira, tinha medo da
segunda e tentava achar uma terceira opção quando lembrou da última frase que Trace
disse antes de ir embora.
“Vá antes que ele desista, porque quando ele desistir, aí sim não te aceitará de volta”
Essa frase anulou as suas dúvidas, porque se antes tinha alguma, não tinha mais validade.
Foi até o seu quarto e pegou a sua bolsa, no momento que um trovão estalou longe e uma
chuva que mais parecia um dilúvio começou a cair. Mas nem que o céu caísse, ela iria
desistir de ser feliz.
“Está nas tuas mãos”
Saiu do quarto com um sorriso.
Agora sim, estava pronta

Tylor estava sentado na varanda, sem se importar se estava sentado justamente debaixo
da chuva. Na verdade, nada importava.
Estava mais aborrecido do que nas últimas duas semanas. Perdera a mulher que amava,
era vigiado noite e dia como se fosse um ladrão e havia sido expulso do seu próprio
escritório por uma decidida Trace, que ainda teve o desplante de o ameaçar, a dizer que
seria capaz de usar a força bruta para o tirar de lá. E sua família estava metida naquilo,
sabia. Suspirou. Ninguém parecia disposto a colaborar com ele.
Mas o que o aborrecia mais era a frase que Trace havia dito enquanto o expulsava da
empresa. Você vai me agradecer por isso Tylor. Pode não ser hoje, mas um dia, havia
dito com um sorriso. Um sorriso que teria tido prazer em apagar do rosto dela.
Estava tão absorto em pensamentos (deprimentes na sua maioria) que só percebeu que
não estava sozinho quando um relâmpago iluminou a rua e viu um vulto, que pela altura
era uma mulher e pelo cheiro…
Se levantou e foi até ela, apesar de ter ficado a alguns metros de distância.
- Tylor.

33
- Kera – forçou o nome a sair. Dizê-lo em voz alta era mais doloroso que pensar nele.
Mas ela estava tão perto que podia jurar que conseguiria sentir a suavidade de sua pele
nas palmas das mãos. Reprimiu um gemido. Aquela mulher era um perigo mesmo à
distância.
- O que você quer? – apertou os lábios.
Kera franziu a testa como se estivesse concentrada em alguma coisa.
- Falar contigo.
- Sobre o quê?
- Eu. Tu – levantou os ombros. – Nós.
O coração de Tylor começou a bater tão forte que se o barulho dos trovões não fosse tão
forte, Kera seria capaz de ouvir.
- O que queres falar que ainda não foi dito?
Kera, em um piscar de olhos já estava a alguns centímetros de distância.
- Tudo.
Tylor retrocedeu um passo.
- Tudo o que tinha que ser dito já foi esclarecido. Não, me deixe terminar – disse quando
Kera tentou falar. – Deste como esquecido o assunto quando saíste de casa – disse com
voz trémula.
Kera o surpreendeu com um sorriso.
- É por isso que eu estou aqui – abriu os braços. – Aqui pra ser tua. Para sempre.
Tylor retrocedeu outro passo.
- Por favor Kery, não faça isso.
- Fazer o quê? – mesmo com a forte chuva, ele podia perceber que ela estava a chorar.
- Chegar aqui, dizer essas coisas.
- Porquê?
- Porque elas machucam. Abrem ainda mais o buraco que tenho no meu peito – ele
gritou. - Porque não aguento mais dor, mais sofrimento.
- Sabes? – Kera perguntou enquanto se aproximava dele. – Há cinco anos, quando
comecei a trabalhar, logo no primeiro dia, um certo homem me disse que eu deveria lutar
pelo que queria e nunca desistir, mesmo que parecesse um caso perdido – se afastou e
voltou a abrir os braços. – E aqui estou eu, lutando por algo que, mesmo que pareça um
caso perdido, existe ainda um pingo de esperança pra mudar.
Tylor apertou as mãos em punhos. Queria tanto acreditar…
- Nessas últimas duas semanas – continuou ela depois de baixar as mãos – não pensava
em mais nada que não fosse você, não via mais nada que não fosse você, não sentia mais
nada que não fosse você. Eu só…minha existência era você. Mas eu não quero mais isso,
viver sem você. Eu não quero mais ficar fugitiva do trabalho só porque você vai estar lá.
Essa não é vida para mim. Para mudar isso estou aqui, a abdicar do meu orgulho perante
você, pedindo, a rogar para você me aceitar de volta – deu um passo pra frente. – Me
aceitar de volta porque sem ti eu não sou ninguém.
Tylor estreitou os olhos, deu um passo vacilante e depois outro até que estava cara a cara
com Kera e passou as mãos pela cara dela, molhada pela chuva.
- Você nunca precisaria rogar nada, carinho, porque mesmo que tivesses saído da minha
vida definitivamente, eu viajaria meio mundo só pra te dizer – deu um beijo na bochecha
dela – que eu pertenço a você. Para sempre. Desde o primeiro minuto que você entrou na
minha vida, és tudo para mim.

34
Kera riu.
- Você também é tudo para mim. Eu nunca, nunca, seria feliz sem você.
Tylor a agarrou pela cintura e a beijou quando um raio atingiu uma árvore que estava a
alguns metros deles. Mas nenhum deles se importou, porque estavam onde queriam estar:
nos braços um do outro.
Quando ficaram sem oxigénio, separaram suas bocas e quando Tylor passou o nariz pelo
pescoço de Kera, gemeu.
- O que foi? – Kera passou os dedos pelo cabelo dele.
Ele levantou a cabeça.
- Você cheira tão bem na chuva.
Kera riu.
- O quê?
- Estava pensando o mesmo sobre ti agora mesmo.
Eles riram e um outro raio caiu.
- Agora que estamos felizes, será que podemos entrar? Pode ser que você não mas eu
estou a me afogar aqui.
Tylor a pegou no colo.
- Claro que sim. Mas só porque a ideia de entrar me pareceu interessante.
Kera deu um soco no braço dele.
Foram a andar (ele pelo menos) até que chegaram na varanda e Tylor a pôs no chão, para
depois a encostar contra a parede e voltar a beijá-la. Entraram assim mesmo em casa e
antes de Kera falar alguma coisa, Tylor perguntou:
- Queres casar comigo?
Kera piscou.
- Você quer casar comigo?
- Claro que sim. Que outra maneira existe pra consumar o que há entre nós?
Kera se esfregou contra ele.
- Eu conheço uma – disse inocentemente.
Tylor riu.
- Estou tentando não pensar nessa. Agora não é hora de brincadeiras, embora desfrute
muitíssimo brincar contigo – olhou pra Kera que passava um dedo pelo colarinho da sua
camiseta. – Estamos a tratar de um assunto importante e sério.
Kera se afastou dele e foi até as escadas.
- Já que estamos tratando de um assunto sério – piscou um olho e sorriu diabolicamente –
não queres ouvir a minha resposta lá em cima?

Epílogo

Seis meses depois


O casamento estava uma maravilha. Desde amigos íntimos (Shifters também. Ninguém
podia se dar ao luxo de perder uma legítima festa feita por outros de sua espécie) até
conhecidos casuais, todos foram convidados.

35
O casamento foi meio feito às pressas, já que nenhum dos dois queria esperar mais, e
além do mais havia outro motivo para casarem (preciso mesmo dizer qual é?).
Milaya havia sido escolhida como madrinha de Tylor, e para seu desgosto foi obrigada
andar ao lado de Seth. Já da parte de Kera, como agradecimento por ter aberto seus olhos
a tempo, Trace foi escolhida como madrinha e foi acompanhada por Adrian, irmão de
noivo. Assim, tudo estava em família.
Apesar da felicidade que os noivos emitiam a cada passo que davam, havia alguém que
não estava tão feliz assim. E essa pessoa estava naquele momento a olhar para o motivo
da sua infelicidade.
Seth Ford estava sentado na sua cadeira, enquanto via sua mulher (ele odiava a outra
palavra. Ex-mulher) se movimentar pelo salão. Como toda mulher de sua espécie, ela se
movia com passos de bailarina, como se a gravidade não tivesse efeito sobre ela. E cada
vez que ela movimentava seus bens abençoados quadris e seu bem proporcionado
traseiro, pensamentos libidinosos (libidinosos demais para se expressar em palavras)
passavam pela sua cabeça. O que ameaçava destruir o resto do controle que ainda
possuía. O que não era nada bom.
Estava tão concentrado nos seus pensamentos, que quando se apercebeu, Milaya estava
encostada a uma parede, com o olhar distante. Se levantando da cadeira, foi até ela,
conversando brevemente e cumprimentando quando reconhecia alguém.
- Então Mila, a recordar o dia do nosso casamento?
Milaya pulou quando ouviu a voz de Seth atrás de si.
- Será que dá pra você parar de me perseguir pra todo o lado? E para sua informação, não,
não estava a pensando no dia do nosso casamento. Esse, na verdade, é um dia que prefiro
esquecer que aconteceu.
Uau. Ela realmente precisava de um manual de “Como mentir para o seu companheiro
sem ser descoberta”. Patético.
- Cuidado Mila – se moveu até parar na frente dela. – Nunca ouviste dizer que mentira
tem perna curta?
- Quem diabos te disse que estou a mentir?
Seth não respondeu.
- Não interessa.
- Claro que interessa. Eu sou seu marido.
Milaya riu.
- Isso sim é uma grande mentira, porque estamos separados há cinco anos.
- Eu não me lembro de ter assinado os papéis do divórcio.
- Não me interessa se você está permanentemente morto do cérebro.
Ouch.
- Mila…
- O que é Ford? Será que nem no casamento do nosso filho você me deixa em paz?
- Só vou te deixar em paz quando me aceitares de volta.
- Por Nemesis! Você as vezes insulta a minha inteligência. Acha mesmo que eu iria
aceitar de volta alguém que me traiu com a minha melhor amiga?
Pelo amor de Deus. Aquela conversa de novo não.
- Quantas vezes vou ter de te dizer…
- Que não me traíste com Jane? Não se preocupe, isso eu já ouvi. Várias vezes. Eu é que
não acredito.

36
- Eu juro que não te traí.
- Eu não acredito em juramentos, esqueceu? Para mim, não passam apenas de palavras
vazias.
- Para mim não – ele quase gritou as palavras mas conteve-se. Aquela mulher era o pino
da sua granada, e se ela o pressionasse, haveriam muitos problemas. Sérios problemas.
- Credibilidade não é o teu estilo. Agora se me dá licença, tenho uma festa para aproveitar
– disse e foi até a pista de dança.
Seth ficou ali, parado, a ver Milaya se afastar, enquanto o que queria era apertá-la entre
os seus braços e nunca mais deixá-la ir. Mas sabia que haveria uma grande e constante
luta até ela confiar nele de novo e o aceitar de volta.
Mas não estava disposto a desistir tão cedo. Usaria todo o arsenal que tivesse para
reconquistá-la e provar a ela que era inocente.
O amor deles era antigo e nada poderia destruí-lo. E estava mais que disposto a mostrar
isso a ela.
A começar naquele momento.

Fim

Série Os Shifters
Em breve, aguardem:
Amor Antigo

Resumo:
Milaya Vidame sofria há anos com a desconfiança de que seu marido, Seth Ford, a havia
traído com a sua melhor amiga. Para evitar mais sofrimento, saiu de casa e se separou
dele.
Seth estava disposto a tudo para provar para Milaya que era inocente no assunto da
traição. Mas o caminho que ele escolher para o provar os conduzirá, ele e Milaya, para
uma terrível prova de amor.

37
Seth estava disposto a fazer tudo para ter a sua companheira de
volta. Teria ele consciência de que, no fundo, Milaya também
estava disposta a fazer tudo para o ter de volta?

A Canção de Kera e Tylor


Muse - I belong to you

When these pillars get pulled down,


It will be you who wears the crown,
And I'll owe everything to you

How much pain has cracked your soul?


How much love would make you whole?
You're my guiding lightning strike

I can't find the words to say,


But they're overdue,
I've traveled half the world to say,
I belong to you

Then she attacks me like a Leo,


When my heart is split like Rio,
But, I assure you my debts are real

I can't find the words to say,


When I'm confused,
I've traveled half the world to say,
You are my muse

(Ah! Re'ponds a` ma tendresse,


Verse-moi, verse-moi l'ivresse,

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Re'ponds a` ma tendresse,
Re'ponds a` ma tendresse,
Ah! Verse-moi l'ivresse,
Verse-moi, verse-moi l'ivresse,
Re'ponds a` ma tendresse,
Re'ponds a` ma tendresse,
Ah! Verse-moi l'ivresse,
I belong,
I belong to you alone)

Use,
I can't find the words to say,
But they're overdue,
I've traveled half the world to say,
I belong to you

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