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corporativo
Foto: Rodrigo Hamam
“Queremos
empresas
que precisem
de donos”
20 HSMManagement 84 • Janeiro-fevereiro 2011 hsmmanagement.com.br
Elas são empresas estabelecidas de economias maduras
com marca forte, mercado estável e vantagem competitiva
especial, mas sem gestores alinhados? Estão na mira de
Marcel Telles, porque podem dar um salto de desempenho
com as receitas de gestão dele e de seus sócios
E
xplorar” é um verbo em lições de gestão valiosas nesta entrevis- do, a regra são os negócios variados.
português, mas, em in- ta a José Salibi Neto e Sandro Magaldi, Mas, em se tratando de gestão, nós
glês, ele se transforma respectivamente chief knowledge offi- sempre fomos focados.
em dois: “exploit” (bus- cer (CKO) e diretor-comercial da HSM.
car a eficiência máxima Foco em gestão, diversificação em in-
naquilo que existe) e “ex- Vocês compraram 8,3% do capital da vestimento. Essa diversificação não in-
plore” (estar atento a novas fronteiras ferrovia CSX, uma das maiores dos Es- clui o balanceamento entre start-ups e
e oportunidades de inovação). Esse tados Unidos, participam da ALL no Bra- companhias estabelecidas, certo? O 3G
achado linguístico do inglês, citado na sil e adquiriram o Burger King mundial, prioriza mesmo as estabelecidas...
entrevista a seguir, define à perfeição rede de fast-food. Além da maior cerve- Pensando bem, temos, sim, um foco
o estilo de gestão que Marcel Telles e jaria do mundo, a AB InBev, controlam em nossos investimentos: são as em-
seus dois sócios de longa data, Jorge
Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupi-
ra, procuram impor ao grande número “Nosso foco em investimentos são as empresas
de negócios em que investem no Brasil
e, cada vez mais, no exterior.
estáveis cujo negócio não possa ser virado de
Acionista do fundo 3G e de empresas cabeça para baixo por uma inovação”
tão variadas quanto a maior cerveja-
ria do mundo, AB InBev (que possui a
Ambev no Brasil), a rede de restauran- as Lojas Americanas, varejista, e o Hopi presas estáveis nas quais possamos
tes fast-food Burger King, a companhia Hari, parque temático. A primeira per- aplicar nossos conceitos básicos de
ferroviária norte-americana CSX e a gunta é inevitável: como ter foco com eficiência, gente e cultura –que nesse
varejista brasileira Lojas Americanas, tanta diversificação? tipo de empresas têm grande efeito– e
o experiente Telles revela a seguir seu Eu não acho que sejamos tão diversi- cujo negócio não possa ser totalmente
foco em empresas estabelecidas de ficados em nossa trajetória... A gente virado de cabeça para baixo por uma
economias desenvolvidas que podem teve dois grandes negócios, que foram inovação ou mudança tecnológica, em
desabrochar se tiverem donos –contro- as Lojas Americanas e, uma década de- que não temos expertise.
ladores e funcionários que ajam como pois, a Brahma. Ficamos extremamen- Vemos muitas empresas extraordi-
donos internos–, comenta seu encanta- te focados neles e foi por causa desse nárias estabelecidas nos Estados Uni-
mento com a atitude e o empreendedo- foco que crescemos barbaramente dos e no exterior que têm um manage-
rismo brasileiros e compartilha outras –cada cinco anos crescíamos mais que ment profissional com interesses não
nos cinco anos anteriores. bem alinhados com os organizacionais
Aí criamos o fundo de private equity, e cujos funcionários não possuem um
A entrevista é de José Salibi Neto, chief primeiro GP Investimentos e agora 3G, senso de propriedade. Essas empresas
knowledge officer (CKO) da HSM, e em Nova York; foi o que deu essa im- conseguiram sobreviver muito tempo
Sandro Magaldi, diretor-comercial da pressão de que somos pelos empreen- sem donos por possuírem uma marca
empresa. dimentos diversificados. Para um fun- forte, um mercado estável e/ou uma
vantagem competitiva especial, o que Agora, uma pergunta que seria deli- lar com os jovens, entrevistam os 100
é um tripé valioso. Se, no médio prazo, cada na maioria das empresas: como ou 200 finalistas dos programas de
elas passarem a ter donos também, ter donos internos? trainees, e têm metas de encontrar pes-
e falo em donos internos inclusive, a Há práticas das quais gostamos e que aju- soas de grande potencial –aquelas fora
possibilidade de melhoria é colossal. dam muito a ter donos internos, como o da curva, que possam agregar e se en-
Tudo precisa de dono. ambiente de trabalho todo aberto, onde caixar bem na empresa.
fica difícil se esconder; a informalida- Para nós é quase uma religião. Jul-
Muito interessante esse foco... de, confundida com simplesmente usar gamos um líder por sua capacidade
Procuramos empresas onde donos fa- jeans, mas que é muito mais a capacida- de se cercar de pessoas que possam
çam diferença. Em outras palavras, há de de falar respeitosamente aquilo que se ser melhores que ele, que o ajudem a
empresas muito antigas e bem-suce- quer e ouvir de volta comentários sobre bater metas, fazendo a coisa certa da
didas no mundo inteiro que poderiam o que se disse ou fez; e a meritocracia. maneira certa.
de operador e o apliquei em negócios Entramos em negócios que estão que deu liga à relação, e o cérebro dele
que representavam 90% de meus in- andando bem, então temos tempo já veio com a maioria dos arquivos que
vestimentos. para ir aprendendo devagarzinho e eu copiei depois. Quero dizer que o que
Aos poucos, está havendo uma tran- ir fazendo melhorias internas signifi- é software para mim e para o Beto já
sição que me torna bem menos opera- cativas, plantando para o futuro com era hardware no Jorge.
cional, mas, nos investimentos gran- gente e cultura, que são nossas ferra- A segunda sorte foi da personalidade
des, ainda continuo muito envolvido mentas essenciais. semelhante: todos sempre quisemos
nos conselhos e comitês, especialmen- sonhar e construir coisas, e sempre nos
te nos de gente e cultura. Nos outros Como os três fazem trocas no dia a dia? entusiasmamos com facilidade.
investimentos, mantenho a interação Apesar de viajamos muito, nós nos A terceira sorte foi cada um arrumar
com o pessoal que toca os negócios na falamos o tempo todo por e-mail. Nós um negócio para tocar sozinho em al-
3G. Por exemplo, no caso do Burger sempre procuramos usar a opinião e a gum momento e assim se realizar. Não
King, quem está à frente da operação é experiência uns dos outros. caberíamos os três em um negócio só
o time da 3G, com o Alex Bhering. juntos e ao mesmo tempo; seríamos
Investidores e acionistas são seres hu- animais muito grandes para um negó-
Como é a entrada em um novo negócio manos em férias permanentes, como cio só. No início, o Jorge ficou tocando
como o Burger King, em uma área desco- idealizam alguns? [risos] o banco, o Beto foi tocar as Lojas Ame-
nhecida para vocês, como a de fast-food? É bem o contrário: meus filhos brin- ricanas e fui tocar a Brahma –business
Há um tempo natural para aprender cam dizendo que quando eu os levo grandes o suficiente para nos ocupar.
sobre o negócio enquanto se estru- ao parque de diversões, enquanto
turam e se aplicam todas aquelas eles “andam” na montanha-russa, eu Isso explica a não sobreposição e não
coisas básicas: trazer a cultura cor- “ando” de Blackberry lá embaixo. redundância entre vocês... mas o trio
reta, implantar programas de trai- sempre tendeu a concordar em tudo?
nees, identificar ou recrutar pessoas Como vocês ficaram tão maduros? Ima- Não. Às vezes eu não concordava com
de alto potencial que possam ocupar ginamos que não se trate apenas de en- alguma coisa que os dois faziam, ou
postos rapidamente. Isso tudo pode velhecer um do lado do outro... [risos] eles não concordavam comigo, mas
ser resumido em se concentrar nas Tivemos três sortes. A primeira foi o nós sabíamos que, se algo desse errado
frutas que estão mais fáceis de co- Jorge ser dez anos mais velho que a no sentido de poder afundar o barco,
lher na árvore, em vez de pensar gente e uma pessoa especial. Ele teve poderíamos contar um com o outro
muito estrategicamente. aquela função do irmão mais velho, para juntos segurarmos o mastro.