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DEFEITO HEREDITÁRIO DOS FILÓSOFOS

Livro: humano, demasiado humano

Friedrich Nietzsche

O desmancha prazeres da ciência – a filosofia se divorciou da ciência ao indagar


com qual conhecimento da vida e do mundo o homem vive mais feliz. Isso
aconteceu nas escolas socrásticas : tomando o ponto de vista da felicidade, pôs-
se uma ligadura nas veias da investigação cientifica- o que se faz até hoje.

Defeito hereditário dos filósofos: todos os filósofos têm em comum o defeito de


partir do homem atual e acreditar que , analizando-o, alcançam seu objetivo.
Involuntariamente imaginam ö homem”como uma aeterna veritas ( verdade
eterna), como uma constante em todo redemoinho , uma medida segura das
coisas. Mas tudo o que o filosofo declara sobre o homem, no fundo, não passa de
testemunho sobre o homem de um espaço de tempo bem limitado. Falta de
sentido histórico é o defeito hereditário de todos os filósofos; inadvertidamente
muitos chegam a toma a configuração mais recente do homem, tal como surgiu
sob a pressão de certas religiões e mesmo de certos eventos políticos como a
forma fixa de que se deve partir. Não querem aprender que o homem veio a ser
e que mesmo a faculdade de cognição veio a ser , enquanto alguns deles
querem inclusive que o mundo inteiro seja tecido e derivado dessa faculdade de
cognição – mas tudo o que é essencial na evolução humana se realizou em
tempos primitivos , antes desses quatro mil anos que conhecemos
aproximadamente ; nesses o homem já não deve ter se alterado muito. O
filósofo, porém, vê instintos no homem atual e supõe que estejam entre os fatos
inalteráveis do homem, e que possam fornecer a chave para a compreensão do
mundo em geral: toda a tecnologia se baseia no fato de se tratar o homem dos
últimos quatro mil anos como um ser eterno , para o qual se dirigem
naturalmente todas as coisas do mundo, desde seu inicio. Mas tudo veio a ser ;
não existem fatos eternos: assim como não existem verdades absolutas.
Portanto o filosofar histórico é doravante necessário, e com ele a virtude da
modéstia.

O espírito da ciência é poderoso na parte, não no todo:

Os menores campos distintos da ciência são tratados de modo puramente


objetivo : já as grandes ciências gerais , são tomadas no conjunto, nos levam a
por a seguinte questão: pouco objetiva, sem dúvida -: para que? Com que
utilidade? Devido a essa consideração pela utilidade, elas são tratadas, no
conjunto, menos impessoalmente que em suas partes. Na filosofia, ápice da
pirâmide do saber, a questão da utilidade do conhecimento é lançada
automaticamente , e toda a filosofia tem a intenção inconsciente de atribuir a ele
a mais alta utilidade. É por isso que há em todas as filosofias tanta metafísica
altaneira, e tal temor das soluções aparentemente insignificantes da física , pois
a importância do conhecimento para a vida deve parecer a maior possível. Eis
aqui o antagonismo entre os campos particulares da ciência e da filosofia.esta,
pretende como a arte, dar à vida e à ação a maior profundidade e significação
possível; nos primeiros se procura conhecimento e nada mais- não importando o
que dele resulte. Até agora não houve filósofo em cujas mãos a filosofia não se
tivesse tornado uma apologia do conhecimento; ao menos nesse ponto cada um
é otimista, ou seja, que deve ser atribuída ao conhecimento a mais alta utilidade.
Todos eles são tiranizados pela lógica: e esta é , em sua essência, otimismo.

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