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Livremente traduzido por Alice Gabriel. Originalmente o texto aparece em The
Sciences March/April 1993, p.20-24.
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Anne Fausto-Sterling é professora de Biologia e Estudos das Mulheres no
Departamento de Biologia Molecular e Bioquímica da Universidade Brown em Rhode
Island, EUA.
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O partido Whig era um partido estadunidense operante em meados do século
dezenove. Formado em oposição às políticas do presidente Andrew Jackson e do
Partido Democrático. Tem esse nome em homenagem aos American Whigs de
1776, que lutaram pela independência do país.
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3,81cm e 7,112cm, respectivamente.
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Os livros da lei judaica, tanto o Talmud quanto o Tosefta, listam uma série
de regras para as pessoas do sexo misto. O Tosefta proíbe expressamente
hermafroditas de herdarem os bens de seus pais (como filhas), de isolarem-
se com mulheres (como filhos) ou de se barbearem (como homens). Quando
hermafroditas menstruam devem ser isoladxs dos homens (como
mulheres); não podem servir como testemunha ou como sacerdotes (como
mulheres), mas as leis de pederastia se lhes aplicam.
Você teria que remover essa vagina? Eu não estou certa a respeito
disso, porque ela é meu ticket refeição. Se você fizer isso, eu teria de
abandonar o meu marido e começar a trabalhar, então eu acho que
vou mantê-lo e ficar como estou. Meu marido me sustenta direito, e
mesmo que eu não tenha nenhum prazer sexual com ele, eu tenho
muito prazer com minhas namoradas.
Por outro lado, as mesmas realizações médicas podem ser lidas não como
um progresso, mas como um modo de disciplina. Hermafroditas têm corpos
ingovernáveis. Elxs não se encaixam naturalmente em uma classificação
binária, e só algo como uma calçadeira cirúrgica pode encaixa-lxs nesse tipo
de classificação. Mas por que deveríamos nos importar com o fato de uma
"mulher" – definida como uma pessoa que tem mamas, uma vagina, um
útero e ovários e que menstrua – ter também um clitóris grande o suficiente
para penetrar a vagina de outra mulher? Porque deveríamos nos importar
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Eu não acho que a transição para a minha utopia seria suave. Sexo, mesmo
de tipo supostamente "normal" heterossexual, continua a causar enormes
ansiedades na sociedade ocidental. E seguramente uma cultura que ainda
está para aceitar - religiosamente e, em alguns estados, legalmente - a
antiga e relativamente simples realidade do amor homossexual não aceitará
facilmente a intersexualidade. Não há dúvida de que a arena mais
problemática seria, de longe, a criação de filh@s. Desde a época vitoriana,
pais e mães têm se inquietado, por vezes até ao ponto de pura negação,
sobre o fato de suas crianças serem seres sexuais.
Nos últimos trinta anos essas questões têm sido ignoradas, e a comunidade
científica tem, com notável unanimidade, evitado contemplar a via
alternativa de uma intersexualidade desempedida. Mas investigador@s
modern@s tendem a ignorar um conjunto substancial de casos, a maioria
deles compilados entre 1930 e 1960, antes da intervenção cirúrgica tornar-
se desmedida. Quase sem exceção, esses relatórios descrevem crianças
que cresceram sabendo que eram intersexuais (embora não alardeassem o
fato) e que se ajustaram à sua condição invulgar. Alguns dos estudos são
ricamente detalhados – descrevendo até mesmo as tais duchas após a aula
de ginástica (que a maioria dxs intersexuais evitava sem incidentes); dentre
eles não há caso de psicose ou suicídio.
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Nota da tradução: vale notar que no inglês a expressão growing pains (de
acordo com o Novo dicionário de expressões idiomáticas americanas de Luiz Lugani
Gomes) tem o duplo sentido de “dores do crescimento” e “dificuldades e problemas
que ocorrem no início de um projeto”.