You are on page 1of 11

DIREITO CONSTITUCIONAL

A RE-SIGNIFICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA
JURÍDICA NA RELAÇÃO
ENTRE O ESTADO E OS
CIDADÃOS:
a segurança como crédito de
confiança*
Judith Martins-Costa

RESUMO

Destaca a importância de decisão do Supremo Tribunal Federal que, ao viabilizar um direito fundamental a uma cidadã, reveste o conceito da segurança
jurídica de outra significação, situando-o como um subprincípio do Estado de Direito.
Demonstra que a Administração Pública não deve, para garantir a confiança, fundamento do Direito, limitar-se a uma abstenção, e sim atuar na
regulação e garantia dos variados mecanismos de realização dos direitos fundamentais e das legítimas expectativas que gera na esfera jurídica dos
particulares.
Dentro desse contexto, assere que a confiança é fator essencial à realização da justiça material e que um comportamento positivo da Administração
Pública na tutela da confiança legítima dos cidadãos segue paralelo ao crescimento, na consciência social, da relevância da conexão entre a ação
administrativa e o dever de proteger de maneira positiva os direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE
Direito Constitucional; princípio – segurança jurídica, confiança, legalidade; estabilidade; direito fundamental; Supremo Tribunal Federal.

__________________________________________________________________________________________________________________
*
Texto integrante de obra coletiva em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva, sob a coordenação do Professor Humberto B.
Ávila, com o título Almiro do Couto e Silva e a Re-significação do Princípio da Segurança Jurídica na Relação entre o Estado e os Cidadãos
(a segurança como crédito de confiança).

110 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004


INTRODUÇÃO decorrentes da sua condição de es- “É interessante seguir os pas-

O
tudante, tudo nos termos da funda- sos dessa evolução. O ponto inicial
Supremo Tribunal Federal, mentação” (fls. 64). da trajetória está na opinião ampla-
pelo voto de um dos seus O Tribunal Regional Federal da mente divulgada na literatura jurídica
mais ilustrados membros – o 4ª Região, ao julgar a apelação em de expressão alemã do início do sé-
Ministro Gilmar Mendes –, proferiu a mandado de segurança, reformou a culo de que, embora inexistente, na
seguinte decisão (publicada em seu sentença de 1º grau, forte no argu- órbita da Administração Pública, o
informativo semanal), que vale a pena mento de que a impetrante não pro- princípio da res judicata, a facul-
transcrever integralmente: vara a existência de vagas na univer- dade que tem o Poder Público de
sidade para a qual pretendia ingres- anular seus próprios atos tem limite
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA sar e, também, por considerar inapli- não apenas nos direitos subjetivos
JURÍDICA cável a transferência compulsória, dis- regularmente gerados, mas também
ciplinada pela Lei n. 9.536, de 1997, no interesse em proteger a boa-fé e a
DECISÃO: Cuida-se de ação aos empregados de empresa públi- confiança (Treue und Glauben) dos
cautelar com pedido de concessão ca que não gozam de status de fun- administrados.
de efeito suspensivo ao recurso ex- cionário ou servidor público federal. (...)
traordinário, interposto por Roberta de Ainda, nos termos do parágrafo úni- Esclarece Otto Bachof que ne-
Leon Valiente, contra acórdão da 3ª co do artigo 1º da Lei n. 9.536, de nhum outro tema despertou maior in-
Turma do Tribunal Regional Federal da 1997, assentou-se que a mudança de teresse do que este nos anos 50, na
4ª Região, que indeferiu a sua trans- cidade para assunção de cargo em doutrina e na jurisprudência, para con-
ferência de uma instituição de ensino razão de concurso público não dá di- cluir que o princípio da possibilidade
superior federal para outra, pleiteada reito à transferência compulsória de de anulamento foi substituído pelo da
em razão da assunção de cargo, para matrícula (fls. 96). impossibilidade de anulamento, em
o qual foi aprovada em concurso pú- Contra essa decisão, houve a homenagem à boa-fé e à segurança
blico. interposição de recurso extraordiná- jurídica. Informa ainda que a preva-
Preliminarmente, cabe anotar rio, com fundamento no art. 102, III, lência do princípio da legalidade so-
que, embora tenha sido apresentada, “a”, da Constituição Federal, em que bre o da proteção da confiança só se
tão-somente, a petição de fls. 2-6, se alega a violação dos arts. 5º, dá quando a vantagem é obtida pelo
dou por sanada a deficiência de ins- XXXIII, 37, 205 e 206, I e IV, da Carta destinatário por meios ilícitos por ele
trução dos autos, por já se encontrar Magna. utilizados, com culpa sua, ou resulta
nesta Corte o recurso extraordinário a Conforme a narrativa da reque- de procedimento que gera sua respon-
que ela se refere. rente, o inconformismo se deve ao sabilidade. Nesses casos não se pode
A requerente, por ter sido no- desrespeito à norma geral estabele- falar em proteção à confiança do fa-
meada para trabalhar em Porto Ale- cida na Constituição de que “o ensi- vorecido. (Verfassungsrecht,
gre, em decorrência de sua aprova- no é público e obrigatório em todos Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in
ção no concurso público para o car- os níveis e para todos os cidadãos”. der Rechtssprechung des
go de técnico operacional júnior na E que, “diante do fato concreto, a Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen
Empresa Brasileira de Correios e Te- mínima providência deveria ter sido 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.;
légrafos, em 1999, mudou seu domi- a verificação sobre a existência ou não vol. II, 1967, p. 339 e segs.).
cílio para Porto Alegre. Assim, plei- de vagas, o estudo minucioso das Embora do confronto entre o
teou a transferência do curso de Di- particularidades (motivos do requeri- princípio da legalidade da Administra-
reito da Universidade de Pelotas – mento) e, somente após expedida a ção Pública e o da segurança jurídica
UFPEL, onde se encontrava matricu- decisão, sobre a possibilidade ou não resulte que, fora dos casos de dolo,
lada no 4º (quarto) semestre, para a da transferência”. culpa etc., o anulamento com eficácia
Universidade Federal do Rio Grande Alega, ainda, que o fato de a ex tunc é sempre inaceitável e o com
do Sul – UFRGS, com base no princí- requerida impedir a continuidade de eficácia ex nunc é admitido quando
pio constitucional estabelecido, prin- seus estudos em universidade públi- predominante o interesse público no
cipalmente, nos arts. 205 c.c. 206, I ca e gratuita, “sem demonstrar impos- restabelecimento da ordem jurídica
e IV, e 37 c.c. 5º, XXXIII. sibilidade por falta de vagas no se- ferida, é absolutamente defeso o
O pleito foi indeferido, adminis- mestre pretendido e sob alegação de anulamento quando se trate de atos
trativamente, ao entendimento de que que esta transferência não é obrigató- administrativos que concedam pres-
não se tratava “de funcionária públi- ria, segundo a Lei n. 9.536/97 e Instru- tações em dinheiro, que se exauram
ca federal removida ex officio, não se ção Normativa n. 001/2000, reprisa-se, de uma só vez ou que apresentem
enquadrando, portanto, na Lei 9.536/ é verdadeiro acinte aos princípios caráter duradouro, como os de índole
97 para ingresso na UFRGS” (fls. 21). constitucionais norteadores da Admi- social, subvenções, pensões ou
Daí ter impetrado mandado de nistração Pública, especificamente: proventos de aposentadoria.”
segurança, acolhido em sentença estudo público gratuito, direito de to- Depois de incursionar pelo Di-
datada de 21.12.2000, “(a) para reco- dos e dever do Estado”, causando reito alemão, refere-se o mestre gaú-
nhecer que a impetrante tem direito a prejuízos à sua profissionalização e cho ao Direito francês, rememorando
transferir-se e a freqüentar o curso de realização pessoal. o clássico “affaire Dame Cachet”:
Direito na UFRGS, a partir deste se- No âmbito da cautelar, a maté- “Bem mais simples apresenta-
mestre; (b) determinar à autoridade ria evoca, inevitavelmente, o princí- se a solução dos conflitos entre o
impetrada que imediatamente provi- pio da segurança jurídica. princípio da legalidade da Adminis-
dencie a transferência da parte A propósito do direito compa- tração Pública e o da segurança jurí-
impetrante, permitindo que a mesma rado, vale a pena trazer à colação dica no Direito francês. Desde o fa-
realize a matrícula, freqüente as ativi- clássico estudo de Almiro do Couto e moso ‘affaire Dame Cachet’, de 1923,
dades discentes e todas as demais Silva sobre a aplicação do aludido: fixou o Conselho de Estado o enten-

R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004 111


dimento, logo reafirmado pelos decretar a anulação de ofício da mes- Brasília, 8 de abril de 2003.
‘affaires Vallois e Gros de Beler’, am- ma decisão, sem lhe impor nenhum Ministro Gilmar Mendes
bos também de 1923, e pelo ‘affaire prazo’. E conclui: ‘Assim, todas as Relator1.
Dame Inglis’, de 1935, de que, de uma nulidades jurídicas das decisões ad- Essa decisão, conquanto ain-
parte, a revogação dos atos adminis- ministrativas se acharão rapidamente da liminar, ao propor a re-significação
trativos não cabia quando existissem cobertas, seja com relação aos recur- do princípio da segurança jurídica,
direitos subjetivos deles provenientes sos contenciosos, seja com relação às marca um giro hermenêutico no Direi-
e, de outra, de que os atos macula- anulações administrativas; uma atmos- to brasileiro. Re-significação quer di-
dos de nulidade só poderiam ter seu fera de estabilidade estender-se-á so- zer, do ponto de vista da teoria da
anulamento decretado pela Adminis- bre as situações criadas administrati- linguagem, a passagem de um signi-
tração Pública no prazo de dois me- vamente.’ (La Jurisprudence ficado conotado por certo signo
ses, que era o mesmo prazo conce- Administrative de 1892 à 1929, Paris, lingüístico a um outro significado,
dido aos particulares para postular, 1929, vol. II, p. 105-106.)”. ocasionando a mudança no seu valor
em recurso contencioso de anulação, Na mesma linha, observa Couto semântico, sem alteração, contudo,
a invalidade dos atos administrativos. e Silva em relação ao Direito brasileiro: no valor facial do signo. O giro
Hauriou, comentando essas “Miguel Reale é o único dos hermenêutico provocado pela re-sig-
decisões, as aplaude entusiastica- nossos autores que analisa com pro- nificação do princípio da segurança
mente, indagando: ‘Mas será que o fundidade o tema, no seu menciona- jurídica está a indicar que esse prin-
poder de desfazimento ou de anula- do ‘Revogação e Anulamento do Ato cípio vem ingressar no Direito positi-
ção da Administração poderá exercer- Administrativo’ em capítulo que tem vo brasileiro com um renovado âm-
se indefinidamente e em qualquer por título ‘Nulidade e Temporalidade’. bito de normatividade.
época? Será que jamais as situações Depois de salientar que ‘o tempo Esse renovado âmbito de
criadas por decisões desse gênero transcorrido pode gerar situações de normatividade – marcando o trânsito
não se tornarão estáveis? Quantos fato equiparáveis a situações jurídi- do acento tônico do princípio da se-
perigos para a segurança das rela- cas, não obstante a nulidade que ori- gurança jurídica para o que, em ou-
ções sociais encerram essas possi- ginariamente as comprometia’, diz ele tras plagas, tem sido denominado de
bilidades indefinidas de revogação e, que ‘é mister distinguir duas hipóte- princípio da confiança legítima – de-
de outra parte, que incoerência, numa ses: (a) a de convalidação ou sanatória riva da circunstância de, no Direito,
construção jurídica que abre aos ter- do ato nulo e anulável; (b) a perda serem as palavras constituintes –
ceiros interessados, para os recursos pela Administração do benefício da delas derivando eficácias e, portan-
contenciosos de anulação, um breve declaração unilateral de nulidade (le to, a construção de realidades
prazo de dois meses e que deixaria bénéfice du préalable)’. (op. cit., p.82). normativas. Mas as palavras são tam-
à Administração a possibilidade de (COUTO E SILVA, Almiro do. Os prin- bém constituídas por pré-compreen-
cípios da legalidade da administra- sões, pela história do que vem antes
ção pública e da segurança jurídica de sua apreensão intelectiva. Como
no Estado de Direito contemporâneo. percebeu Bourdieu, um apaixonado
Revista da Procuradoria-Geral do Es- pelo verbo e sua compreensão, tout
tado. Publicação do Instituto de acte de parole et, plus généralement,
Informática Jurídica do Estado do Rio toute action, est une conjoncture 2. A
Grande do Sul, V. 18, Nº 46, p. 11-29, gramática define apenas muito parci-
1988).” almente os sentidos das palavras,
(...) Assim, na relação Considera-se, hodiernamente, pois a determinação completa da sig-
(fundamental) entre tempo e que o tema tem, entre nós, assento nificação dos discursos opera-se no
direito, a expressão “princípio da constitucional (princípio do Estado de marché, no mercado lingüístico, na
Direito) e está disciplinado, parcial- conjuntura, vem do dehors 3, resulta
segurança jurídica” marca, como mente, no plano federal, na Lei n. de artefatos, da produção de senti-
signo pleno de significados que 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. dos sociais.
art. 2º). Estas notas – que nascem da
é, o espaço de retenção, de Em verdade, a segurança jurí- admiração intelectual e da amizade –
imobilidade, de continuidade, de dica, como subprincípio do Estado de têm por objetivo marcar a contribui-
Direito, assume valor ímpar no siste- ção de Almiro do Couto e Silva jus-
permanência – valoriza, por ma jurídico, cabendo-lhe papel dife- tamente para a produção do sentido
exemplo, o fato de o cidadão não renciado na realização da própria idéia que agora o Supremo Tribunal Federal
de justiça material. confere ao princípio da segurança jurí-
ser apanhado de surpresa por Tendo em vista todas essas dica. O exame dessa contribuição será
modificação ilegítima na linha de considerações e a peculiar situação feito pela contraposição entre o signi-
jurídica da ora recorrente, prestes a ficado tradicional e o que agora se ins-
conduta da Administração, ou concluir o curso de Direito na UFRGS taura, com foros de positividade jurí-
por lei posterior, ou modificação (conforme consta das razões recur- dica, pela força da decisão do mais
na aparência das formas sais, em outubro de 2002, a reque- alto Tribunal brasileiro.
rente cursava o 8º semestre), defiro a
jurídicas. tutela cautelar, ad referendum da 2ª 1 A SEGURANÇA COMO GARANTIA
Turma, para dar efeito suspensivo ao DE ESTABILIDADE E LEGALIDADE.
recurso extraordinário, até seu final
julgamento nesta Corte. O Ementário eletrônico do Su-
Oficie-se. premo Tribunal Federal registrava, em
Publique-se. agosto de 20034, trinta e sete (37)

112 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004


decisões indexadas pela expressão Não que as situações de vida suas decisões importantes de maneira
“segurança jurídica”. Tais decisões sejam, em si mesmas, imóveis, pre- imprevisível (salvo por razões impe-
estão no âmbito dos Direitos Penal, visíveis, estáveis e permanentes: riosas). A permanência constitui, nes-
Civil, Administrativo, Tributário e Tra- Heráclito já clamara o constante di- se sentido, uma das projeções da
balhista. Consideradas pelo viés po- namismo e mutação das coisas: confiança legítima, garantindo o ci-
sitivo do princípio, denotam os se- pânta rei, tudo flui. Mas Parmênides, dadão contra os efeitos danosos, ou
guintes focos de significação 5: quando só reconhecia validez ao eter- ilegítimos, das modificações ado-
a) a segurança jurídica está no no, não estava destituído de razão, tadas pelo Poder Público. Como afir-
fundamento do instituto da decadên- e a história do Direito o comprova: o ma Couto e Silva, atende ao interes-
cia6; ordenamento jurídico é perpassado se público resguardar a confiança dos
b) a segurança jurídica funda- por uma secular relação de tensão indivíduos em que os atos do Poder
menta o instituto da prescrição7; entre permanência e ruptura, estabili- Público que lhes dizem respeito e
c) a segurança jurídica funda- dade e mudança, entre o que tende a outorgam vantagens são atos regula-
menta o instituto da preclusão8; ser eterno e o que tende à perpétua res, praticados com a observância
d) a segurança jurídica funda- mudança. Em outras palavras, o das leis19.
menta a intangibilidade da coisa ordenamento jurídico, tal qual a vida, Tão ponderável é essa verten-
julgada9; equilibra-se entre os pólos da segu- te, por assim dizer “estática”, do
e) a segurança jurídica é o va- rança (na abstrata imutabilidade das princípio da segurança que pode con-
lor que sustenta a figura dos direitos situações constituídas) e da inovação duzir, inclusive, ao dever da Adminis-
adquiridos 10; (para fazer frente ao pânta rei). As- tração Pública de não invalidar seus
f) a segurança é o valor que sim, na relação (que é fundamental) próprios atos originalmente inváli-
sustenta o princípio do respeito ao ato entre tempo e direito, a expressão dos 20. Daí a relação existente – e su-
jurídico perfeito11; “princípio da segurança jurídica” mar- blinhada na decisão do Ministro
g) a segurança jurídica está na ca, como signo pleno de significados Gilmar Mendes – entre o princípio da
base da inalterabilidade, por ato uni- que é, o espaço de retenção, de imo- segurança jurídica e o princípio da
lateral da Administração, de certas bilidade, de continuidade, de perma- confiança legítima.
situações jurídicas subjetivas previa- nência – valoriza, por exemplo, o fato Porém, essa relação há de ser
mente definidas em ato administrati- de o cidadão não ser apanhado de conjunturalmente compreendida.
vo12; surpresa por modificação ilegítima na Em dada circunstância, o princípio da
h) a segurança jurídica está na linha de conduta da Administração18, segurança jurídica pode recobrir o
ratio da adstrição às formas proces- ou por lei posterior, ou modificação princípio da confiança para escondê-
suais13; na aparência das formas jurídicas. lo nas dobras do manto da legalida-
i) a segurança jurídica está na Como privilegiado espaço de de estrita. Em conjuntura diversa,
ratio do princípio da irretroatividade retenção e de continuidade, o ordena- poderá significar o dever de afastar
da lei, quando gravosa ao status mento jurídico dispõe de mecanismos ou relativizar, no caso concreto, o prin-
libertatis das pessoas 14 ou afrontosa diversos para adaptar à permanência, cípio da estrita legalidade para fazer
às situações mais favoráveis, conso- à estabilidade, o que na vida flui e se atuar outros princípios do ordena-
lidadas pelo tempo ou resguardadas modifica. Um desses mecanismos é, mento, tais como o princípio da boa-
pela lei15. justamente, o princípio da segurança fé e o do livre desenvolvimento da
Já pelo viés negativo, decidiu jurídica – por si e por todas as regras personalidade.
o Supremo Tribunal Federal: e institutos que embasa, como a pres- O princípio da segurança jurí-
j) a segurança jurídica não é crição, a decadência, o direito adqui- dica recobria (e por vezes escondia)
afrontada, senão reforçada, com o ri- rido, o respeito à forma pré-estabe- o princípio da confiança quando este
gor probatório, nas matérias concer- lecida etc. Mesmo quando afirma não último era conotado, exclusivamente,
nentes à concessão de benefícios afrontar a segurança a lei nova, por pela idéia de estabilidade ou perma-
especiais a certas categorias ou pes- ser expressão do “poder de confor- nência, implicando a passividade do
soas, conforme a situação em que se mação do legislador”, o Supremo Tri- Estado frente ao poder de iniciativa
encontrem16; bunal Federal está, em alguma medi- do cidadão, isto é, a garantia da não-
k) a segurança jurídica não im- da, defendendo a permanência, ao intervenção ilegítima ou desastrosa do
pede que lei nova ou ato administra- limitar a determinadas situações o Poder Público frente à iniciativa parti-
tivo dê conformação a situações jurí- “poder de conformação” do novo – cular. Mais ainda: a segurança jurídi-
dicas, desde que resguardado o prin- protege-se o que se considera, ca (e a confiança) confundia-se, nes-
cípio da legalidade, pois não limita valorativamente, dever permanecer sa acepção, com o princípio da es-
de modo absoluto o poder de confor- imutável no tempo, o que deve ser trita legalidade, pois este demarca-
mação do legislador17. certo porque de antemão sabido. O va, como um rígido muro, os lindes
Se examinarmos com atenção valor imediatamente atribuído à segu- da ação estatal.
esses onze focos de significações, rança jurídica é, pois, o valor da per- Porém, se a determinação com-
veremos que uma linha os une, manência ou imutabilidade. pleta da significação dos discursos
indissoluvelmente: para o Supremo E a permanência constitui-se, opera-se no marché, como disse
Tribunal Federal, o princípio da segu- com efeito, num valor a ser protegi- Bourdieu, no “mercado lingüístico”, na
rança é como se fosse uma tradução do, pois reflete a confiança das pes- conjuntura, é preciso detectar qual é
jurídica do fenômeno físico da imobi- soas na ordem jurídica considerada a conjuntura que subsumia a confian-
lidade, marcando o que, nas relações como regra do jogo de antemão ça na idéia de segurança jurídica com-
jurídicas entre a Administração e os traçada para ser, no presente e no preendida como dura adstrição à le-
administrados, deve permanecer futuro, devidamente respeitada: sina- galidade, de tal forma que, no caso
estático, imóvel como estátua, perma- liza que essa ordem não permitirá de conflito ou antinomia entre a lega-
nente no tempo. modificações suscetíveis de afetar lidade e a justiça, prevaleceria a pri-

R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004 113


meira: é que se entendia, nesse con- víduos (princípio da autonomia priva- princípios que darão a medida de sua
texto, que segurança jurídica não é da). aplicação. Dentre eles destaca-se, de
algo que se contraponha à justiça – é Presente essa conjuntura, a maneira exponencial, justamente o
ela a própria justiça21. ação da Administração Pública para princípio da confiança. Porém, nessa
Na base da conjuntura forma- realizar ou resguardar o valor “segu- nova conjuntura, o princípio da segu-
dora do sentido social da segurança rança jurídica” e proteger a confiança rança jurídica vem relacionado a ou-
jurídica como previsibilidade e certe- é quase uma não-ação, constituindo, tro tipo de confiança, a outra lógica
za dos atos estatais, estavam a radi- a rigor, um dever de abstenção: não da confiança: não apenas confia-se
cal separação entre a sociedade e o atingir o direito adquirido ou o ato ju- na inação estatal, a fim de não pertur-
Estado22, a relativa estreiteza das fun- rídico perfeito; não bulir com situa- bar o espaço da livre-iniciativa eco-
ções administrativas, a também rela- ções abrangidas pelo manto protetor nômica; confia-se também na racio-
tiva estabilidade da produção nor- da prescrição, decadência ou pre- nalização do poder do Estado e na
mativa estatal e a noção de que as clusão; não modificar a prática há lon- sua ação, tendo em vista o interesse
relações entre Estado e particulares go tempo seguida, se a mudança vier (que é social e coletivo, e não mera-
seriam, nuclearmente, relações de em prejuízo do administrado; não mente individual) no livre desenvol-
poder, de sujeição ou de subordi- mudar bruscamente as formas jurídi- vimento da personalidade dos indi-
nação. Estava, na mesma conjuntu- cas, que são a garantia da estabili- víduos.
ra, um Estado econômica e filosofi- dade; não revogar ou anular, em cer- Com efeito, a personalidade
camente liberal, ao qual correspondia tas situações, atos administrativos humana, considerada em seus as-
uma produção jurídica estatal eminen- que tenham produzido efeitos na es- pectos existenciais, protegidos, em
temente repressiva, refletida, pelo fera jurídica de terceiros; não invadir, larga medida, no catálogo dos direi-
avesso, no brocardo: “o que não é enfim, o campo da liberdade priva- tos fundamentais25, mas também nas
expressamente proibido, é permitido”. da, regulado pela mão invisível de um leis infraconstitucionais26, é o bem ju-
Estava, ainda, a equação segundo a demiúrgico (mas também previsível) rídico fundamental por excelência.
qual segurança era certeza da mercado. Proporcionar as condições para o seu
previsibilidade e essa certeza se tra- Sem desmerecer a significação desenvolvimento livre na vida comu-
duzia em confiança23: a lei, abstrata da segurança jurídica como estabili- nitária é também dever de atuação do
e geral, minudente em seus coman- dade ou fixidez jurídica, a decisão do Poder Público. A confiança do cida-
dos repressivos, preveria e fixaria o Supremo Tribunal que motiva estas dão na Administração Pública vem aí
universo dos comportamentos devi- notas sinaliza, contudo, também uma relacionada a um dever que se des-
dos, realizando, assim, o valor “justi- outra significação para aquele anti- dobra, que se bifurca, conferindo dois
ça”. O que não estivesse previsto na go princípio. Faz o trânsito do peso sentidos diversos a um mesmo
lei (princípio da legalidade) configu- mais significativo – no arco do princí- sintagma: boa-fé – a Administração
raria o campo da livre ação dos indi- pio da segurança – da legalidade deve não apenas resguardar as situ-
estrita para a proteção da confiança, ações de confiança traduzidas na
permeando-o com um viés de dina- boa-fé (crença) dos cidadãos na legi-
mismo. Traça inter-relações entre a timidade dos atos administrativos ou
confiança e outros princípios, nota- na regularidade de certa conduta;
(...) no nosso contexto social damente com os princípios e direitos
fundamentais da personalidade hu-
deve também agir segundo impõe a
boa-fé, considerada como norma de
complexo, multiforme, instável mana. Indica que, por vezes, a confi- conduta27, produtora de comporta-
e conflituoso, a Administração ança carece de ação (e não de abs- mentos ativos e positivos de prote-
tenção), sob pena de ser afrontado o ção.
Pública não pode – para valor “justiça”. É esse o conteúdo da A essa lógica da confiança
garantir a confiança, re-significação que antes acentuei – corresponde uma diferenciação no
devida, no Brasil, à doutrina de Almiro status normativo do “princípio da se-
fundamento do Direito – do Couto e Silva. gurança jurídica”, ao qual fica reser-
limitar-se a uma abstenção, vado, antes de mais, o status de um
2 A SEGURANÇA JURÍDICA COMO fundamento, no sentido dicionarizado
antes devendo estar presente CRÉDITO DE CONFIANÇA de “aquilo sobre que se apóia quer
na regulação e na garantia dos um dado domínio do ser, quer uma
Na decisão do Ministro Gilmar teoria ou um conjunto de conhecimen-
variados mecanismos de Mendes, transcrita na introdução a tos (e então o fundamento é o conjun-
realização dos direitos este trabalho, é referido um texto de to de proposições das quais esses
fundamentais e das legítimas Couto e Silva do final dos anos 80: conhecimentos se deduzem)”28. O
Os princípios da legalidade da admi- princípio da segurança jurídica pos-
expectativas que gera na esfera nistração pública e da segurança ju- sui tal caráter de fundamento ou “ra-
jurídica dos particulares. Daí a rídica no Estado de Direito contem- zão de ser” na medida em que carac-
porâneo24. Nesse texto notável, exa- teriza um “elemento nomocrático do
importância da decisão do mina o professor gaúcho o porquê de Estado de Direito”29.
Supremo Tribunal Federal, re- uma “falsa antinomia” por vezes Já a confiança, adjetivada
traçada entre o princípio da seguran- como “legítima”, é um verdadeiro prin-
significando o princípio da ça jurídica e o princípio da justiça e cípio, isto é, uma norma imediatamen-
segurança jurídica (...) mostra a razão pela qual hoje em dia te finalística, que estabelece o dever
o princípio da estrita legalidade não de atingir um “estado de coisas” (o
é mais “incontrastável”, devendo ser estado de confiança) a partir da ado-
sopesado e articulado com outros ção de determinados comportamen-

114 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004


tos 30. Como princípio que é, a confi- uma influência profunda sobre as for- vez mais em diversos Direitos nacio-
ança articula-se, no jogo de pondera- mas jurídicas, pois, à estrutura linear nais, como o francês 50, o espanhol51
ções a ser necessariamente procedi- e bem ordenada do Direito moderno e o italiano52, questiona-se se a fon-
do pelo intérprete, com outros princí- – conjuntura na qual se traça o tradi- te53 do princípio da proteção da con-
pios e submete-se a postulados cional significado do princípio da se- fiança legítima estaria, não na estrita
normativos, tais quais o da proibição gurança jurídica –, sucedem, sans la legalidade, mas nos direitos funda-
do excesso e o da proporciona- remplacer tout à fait, des formes mentais, transformados, por força da
lidade31. complexes qui font penser à celle du jurisdição constitucional e comunitá-
Nota-se aí uma mudança de labyrinte39. Nesse labirinto, o fio de ria, na referência incontornável de
conjuntura: ao Estado liberal sucede- Ariadne é o princípio da confiança que toda e qualquer ordem jurídica54.
ram-se, velozmente, e de modo não- agora recobre, com seu campo se- Outros julgados fazem supor
linear, mas sobreposto, confuso e mântico próprio e sua significação que essa fonte está na tutela da boa-
transversalizado, o Estado-providên- ativa e propulsiva, o estático princí- fé do particular, na medida em que
cia (gerador de um Direito da ativida- pio da segurança jurídica, até então existe uma interação entre confiança
de prestacional), o Estado propulsivo considerado a mimesis do princípio e crença, confiança e fé, aparecendo
(correspondente a um Direito planifi- da legalidade. a confiança, ora como “elemento
cado), o Estado reflexivo (no qual se Assim o demonstra, por exem- constante” da proteção da boa-fé, ora
desenvolve o Direito dos programas plo, a jurisprudência da Corte de Jus- como uma de suas “concretizações”
relacionais) e, finalmente, o Estado tiça das Comunidades Européias, ou “manifestações particulares”, das
incitador (cujo Direito é fundado na que, desde o final dos anos 50 do quais são exemplos: a estoppel55 ,
persuasão e na influência32). O Esta- séc. XX, vem recepcionando o prin- originária do Direito anglo-saxão; os
do incitador propõe políticas públi- cípio “como um mosaico formado limites à revogação e ao anulamento
cas, diretrizes a serem alcançadas peça por peça”40, o qual hoje – como dos atos administrativos geradores de
pela ação pública ou privada, numa anota Mengozzi – apresenta, no qua- eficácia na esfera jurídica dos parti-
relação que não é mais de subordi- dro dos demais princípios, une culares; a vinculatividade das infor-
nação, mas de coordenação e coo- manifestation tout à fait particulière mações dadas por autoridade admi-
peração 33 , falando-se então em et significative41, caracterizando-se, nistrativa; a responsabilidade pré-
consensualidade nas decisões admi- um tanto espetacularmente, como contratual (feição atual da responsa-
nistrativas 34. Tudo isso corresponde à um dos elementos estrella del bilidade por culpa in contrahendo); e
atribulada travessia, que vivenciamos Derecho Administrativo europeo o princípio que coíbe venire contra
em tão poucas décadas, do “mundo principial en gérmen42. factum proprium56, o qual acarreta a
da segurança”35 para a “sociedade do Essa manifestação “particular vinculação da Administração Pública
risco”36 (e risco permanente). e significativa” tem, ademais, um à sua própria prática, quando gera-
A essa atribulada travessia variegado campo de incidência. Ope- dora de legítimas expectativas, entre
corresponde o fenômeno da mutação, ra, por exemplo, mediante a ligação outras hipóteses. Em síntese, apesar
que não é só da forma, senão tam- entre a ação estatal e a extensão de da existência de problemas ligados
bém da estrutura jurídica. Ao invés certos direitos sociais, concedidos a à construção de uma “dogmática da
da plana e linear legalidade que leva- categorias que devem ser especial- confiança”, o certo é que, como ob-
va, quase que automaticamente, a mente tuteladas, como os trabalha- servou acertadamente Maurer, não
uma cadeia dedutiva formal – Estado dores migrantes 43 ; pelo reforço ao pode ser duvidoso que a idéia da pro-
de Direito > princípio da legalidade > dever de motivação dos atos admi- teção à confiança se estabeleceu fir-
princípio da segurança jurídica > prin- nistrativos 44; pela proteção de esta- memente em alguns âmbitos 57, par-
cípio da confiança na estabilidade ou dos de fato que não se põem, a rigor, tindo – ainda segundo o autor – da
na regularidade dos comportamentos como direitos adquiridos, mas como perspectiva do cidadão58.
e ações estatais –, o cidadão (o ad- situações de fundada confiança45 ou Em certos sistemas, é mais
ministrado, a pessoa) enfrenta hoje de “fundada expectativa”46 em certo forte o nexo entre o princípio da con-
uma hipercomplexa teia de interle- comportamento estatal. Atua de fiança e o da boa-fé. Assim ocorre
galidade, de internormatividades37 modo muito relevante no Direito da desde a década de 80 no Direito es-
cruzadas entre valores e interesses Concorrência, distinguindo entre o panhol, primeiramente na doutrina e,
públicos e privados, estatais e soci- campo semântico da segurança jurí- depois, no Tribunal Supremo: o prin-
ais, corporativos e gerais, nacionais dica e o da confiança47, sendo este cípio da boa-fé permitiu aos tribunais
e internacionais, dignos e espúrios 38, último configurado pela manutenção da cobrir grande parte do espaço que o
a perturbar a linearidade daquela ca- regularidade de certo comportamento princípio da proteção da confiança
deia dedutiva. De modo que a segu- administrativo, a ser averiguado, para apresenta na atualidade em outros
rança não está, sempre e exclusiva- além da declaração expressa48, con- ordenamentos 59. No Direito Público ita-
mente, na legalidade; o princípio da forme as circunstâncias do caso con- liano acena-se à integração entre a
segurança jurídica (como estabilidade) creto – pois, diferentemente da segu- fattispecie “affidamento del cittadino”
e o princípio da confiança do cidadão rança jurídica, que se põe como um e o princípio da boa-fé nas hipóteses
(como expectativa legítima de certo fundamento quase que axiomático, de: limitação à revogabilidade e ao
comportamento estatal que viabilize o geral e abstratamente perceptível, a anulamento, no reconhecimento de
livre desenvolvimento da personalida- confiança só é avaliável na concretude eficácia à prática administrativa ge-
de ou a expansão de um direito fun- das circunstâncias. radora de legítima confiança e impo-
damental) podem agir e reagir sobre A construção jurisprudencial do sição de deveres de correção, ou
campos semânticos diversos. Tribunal de Justiça de Luxemburgo é como critério auxiliar na caracteriza-
Forma e estrutura estão muda- seguida pela doutrina. Em virtude, ção do excesso de poder60, ou, ain-
das e mescladas. O surgimento das primeiramente, do trabalho de auto- da, como fundamento para a inde-
políticas públicas, diz Morand, teve res e juízes alemães 49, e hoje cada nizabilidade do dano pré-contratual.

R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004 115


Assim também ocorre entre e Silva ao alertar para a polaridade de um ponto de nota estático e tradi-
nós. O princípio da boa-fé fez fortuna entre os princípios da legalidade e da cional, que fará revestir a nova
no Direito Privado, notadamente após segurança, com a prevalência ora de conotação da confiança, princípio tão
a vigência do Código de Defesa do um, ora de outro, para concretizar o antigo, inerente às bases da forma-
Consumidor, mas alcança, agora, a valor essencial da justiça. A confian- ção de Roma68. E a referência a Roma
doutrina administrativista61, seguido- ça é, pois, mais que o apelo à segu- serve, afinal, para lembrar que, antes
ra das trilhas abertas por Couto e Sil- rança da lei, é também mais do que do Almiro do Couto e Silva adminis-
va já no início dos anos 8062, e ainda a boa-fé, embora a suponha; é crédi- trativista, esteve e está presente o
vigorosamente percorridas pelo mes- to social, é a expectativa, legítima, romanista: permito-me assim suspei-
tre gaúcho: basta, para tal, lembrar da ativa proteção da personalidade tar que os tantos caminhos que vem
trabalho em que analisa a responsa- humana como escopo fundamental do abrindo ao Direito Público brasileiro,
bilidade pré-negocial da Administra- ordenamento. Daí alcançar Couto e como verdadeiro jurista que é, encon-
ção Pública, retornando ao tema da Silva, em texto escrito mais recente- tram origem na dedicação que o mar-
boa-fé e confiança63. Por igual a juris- mente, a plena compreensão da cou como professor de Direito Roma-
prudência brasileira, que estabelece, operatividade positiva da confiança no da Faculdade de Direito da Uni-
por exemplo, o dever de não-contra- no quadro do Estado de Direito66. versidade Federal do Rio Grande
dição decorrente da aplicação da re- A confiança dos cidadãos é do Sul.
gra que coíbe venire contra factum constituinte do Estado de Direito, que
proprium64, uma das concreções mais é, fundamentalmente, estado de con- NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
significativas da boa-fé como norma fiança. Seria mesmo impensável uma
de conduta; e, felizmente, também a ordem jurídica na qual não se confie
legislação, pois a Lei n. 9.784, de 29 ou que não viabilize, por meio de seus 1 STF, Segunda Turma, QO Pet (MC) n. 2.900/
de janeiro de 1999 – que regula o órgãos estatais, o indispensável es- RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 27/
processo administrativo no âmbito da tado de confiança. A confiança é, 05/2003, DJ 01/08/2003. p. 142.
Administração Pública Federal e cujo pois, fator essencial à realização da 2 BOURDIEU, Pierre. Ce que parler veut dire:
l’économie des échanges linguistiques.
anteprojeto foi elaborado, entre outros justiça material, mister maior do Es- Paris: Fayard, 1982. p. 14.
eminentes juristas, por Almiro do tado de Direito. De resto, a exigência 3 Idem, p. 15, no original: La grammaire ne
Couto e Silva –, determina, no art. 2º, de um comportamento positivo da définit que très partiellement le sens, et c’est
que a Administração Pública obede- Administração Pública na tutela da dans la relation avec un marché que s’opère
cerá, dentre outros, aos princípios da confiança legítima dos cidadãos cor- la détermination complète de la signification
legalidade, finalidade, motivação, re paralela ao crescimento, na cons- du discours.
4 Disponível em: <www.stj.gov.br/
razoabilidade, proporcionalidade, ciência social, da extremada relevân- jurisprudência>. Acesso em: 9 ago. 2003.
moralidade, ampla defesa, contradi- cia da conexão entre a ação adminis- 5 Nem todas as 37 decisões estão abaixo
tório, segurança jurídica, interesse trativa e o dever de proteger de ma- transcritas, mas apenas aquelas que me
público e eficiência, estatuindo a ob- neira positiva os direitos da persona- pareceram exemplares ou paradigmáticas
servância, nos processos administra- lidade, constituintes do eixo central dos focos de significação encontrados.
tivos, dos critérios de atuação segun- dos direitos fundamentais. 6 STF, Trib. Pleno, QOAR n. 1323/RS, Rel.
Min. Moreira Alves, julg. em 03/11/1989,
do padrões éticos de probidade, de- Em suma: no nosso contexto DJU 09/02/1990, p. 572. Ementa: Ação
coro e boa-fé (inc. IV). social complexo, multiforme, instável Rescisória. Ação ajuizada antes da
De tudo resulta, pois, a per- e conflituoso, a Administração Públi- ocorrência do prazo de decadência, mas
cepção da existência de um movi- ca não pode – para garantir a confi- em que não foram observadas as exigên-
mento intelectual (também assinala- ança, fundamento do Direito – limitar- cias dos parágrafos 2º e 3º do art. 219 do
Código de Processo Civil, sem a verifi-
do pelo administrativista espanhol se a uma abstenção, antes devendo cação de obstáculo judicial. Ocorrência da
Luciano Parejo Alfonso65) no sentido estar presente na regulação e na ga- hipótese prevista no § 4º do art. 219 do
de um apelo cada vez mais freqüen- rantia dos variados mecanismos de CPC, em se tratando de decadência do
te à confiança na relação Estado–ci- realização dos direitos fundamentais direito material, a rescisão da sentença
dadão. Porém, trata-se de uma confi- e das legítimas expectativas que gera transitada em julgado que se entende
viciada. Esse direito potestativo não tem
ança depositada também na ativida- na esfera jurídica dos particulares. Daí
em si mesmo natureza de direito patrimo-
de estatal, na ação continuadamente a importância da decisão do Supre- nial, mas foi criado pela lei para a defesa
voltada à proteção das expectativas mo Tribunal Federal, re-significando o da segurança jurídica, razão por que está
legítimas e dos direitos do cidadão, princípio da segurança jurídica, situ- ele subtraído à disponibilidade da alegação
notadamente dos direitos fundamen- ando-o como subprincípio do Estado do réu, não se lhe aplicando, portanto, a
tais instrumentalmente necessários de Direito para, ao final, viabilizar o proibição da parte inicial do parágrafo 5º.
do art. 219 do CPC, decadência do direito
ao livre desenvolvimento da persona- acesso de uma cidadã a um daque- potestativo. Rescisão da sentença em
lidade humana, como o direito à les direitos fundamentais, ao conce- causa, decretada nos termos do § 6º do
escolarização reconhecido na decisão der à autora do pedido a continuida- art. 219 do CPC, julgando-se, em conse-
judicial que justifica estas linhas. de de seu processo educacional em qüência, extinto o processo.
O apelo freqüente, a nova for- universidade pública, como garantia 7 STF, Segunda Turma, AgRAI n. 140751/
ma ou sentido de que se reveste o do livre desenvolvimento de sua per- RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 09/
06/1992, DJU 25/09/92, p. 16.186; RTJ
termo “confiança” constituem sintoma sonalidade. 143-03, p. 1.009. Ementa: Constituição -
da atual insuficiência dos princípios Como assinalei em outra pas- Aplicação Imediata – Prescrição no Direito
da segurança jurídica e da legalida- sagem67, a doutrina é porta-voz das do Trabalho. A regra do § 1º do art. 5º da
de para resolverem por si mesmos – mudanças, dos quase imperceptíveis Constituição Federal pressupõe situação
por sua tensão recíproca – os proble- câmbios semânticos dos quais é te- em que os efeitos não se tenham comple-
tado sob a égide da ordem constitucional
mas hoje enfrentados pelo Estado de cido o Direito: pois é justamente a in- pretérita. Isso não ocorre no caso da
Direito. É justamente esse sintoma suficiência dos princípios da legali- prescrição trabalhista, cujo prazo foi
que foi detectado por Almiro do Couto dade e da segurança, considerados elevado pela Carta de 1988 para cinco

116 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004


anos, quando, na data do ajuizamento da SP, Rel. Min. Marco Aurelio, julg. em 16/12/ Federal da Bahia inocentado por ato do
demanda, já havia transcorrido o biênio 1997, DJU 17/04/98, p. 17. Embargos Ministro da Educação no processo disci-
previsto na legislação à época em vigor. Declaratórios – Duplicidade. Se de um lado plinar a que respondia. Eventual mudança
Impossível é confundir a aplicação imediata é correto dizer-se da admissibilidade dos – motivada por pedido de reexame – na
com a retroativa, a ponto de comprometer segundos declaratórios, de outro exsurge a decisão que inocentara o servidor deve, por
a almejada segurança jurídica, o que necessidade de empolgar-se vício constante imperativo da segurança jurídica, ser
aconteceria caso viesse a ser admitido do acórdão proferido em razão dos idoneamente motivada. Não poderia o ato
verdadeiro ressuscitamento de demanda primeiros. Descabe utilizá-los para atacar o dimensório desconsiderar situação jurídica
fulminada pela prescrição. acórdão inicialmente embargado. Incentivo já consolidada. Aplicável à espécie o verbete
8 STF, Segunda Turma, AgRAI n. 249470/BA, Fiscal – Revisão – Situação – Direito 473 da súmula de jurisprudência do STF.
Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 10/10/2000, Adquirido. A regra da revogação dos Mandado de segurança deferido.
DJU 01/02/2000, p. 74. Ementa: Processo incentivos que não tenham sido confirmados 13 STF, Segunda Turma, HC n. 69.906/MG,
– Organicidade e Dinâmica. Defeso é voltar- por lei, apanhados pela Carta de 1988 após Rel. Min. Paulo Brossard, julg. em 15/12/
se, sem autorização normativa, a fase dois anos, a partir da respectiva promul- 1992, DJU 16/04/1993, p. 6.434; RTJ 146-
ultrapassada. A época de liquidação de gação, restou excepcionada, considerada 01, p. 244. Ementa: Habeas Corpus.
precatório não enseja rediscussão do título a segurança jurídica e, até mesmo, cláusula Prefeito denunciado por Promotor perante
executivo judicial. Óptica diversa implica pétrea, pelo § 2º do art. 41 do Ato das Juiz de Direito, nas sanções do art. 1º., inc.
olvidar a organicidade e a dinâmica do Disposições Constitucionais Transitórias: a II, e parágrafo 1º., do Decreto-lei n. 201/67.
Direito, alçando o Estado a posição que revogação não prejudicará os direitos que Competência superveniente do Tribunal de
não o dignifica. Paga-se um preço por viver- já tiverem sido adquiridos, àquela data, em Justiça, art. 29, VIII, da Constituição Federal
se em um Estado democrático de Direito e relação a incentivos concedidos sob de 1988. Desnecessidade de ratificação
nele encontra-se a estabilidade das relações condição e com prazo certo. expressa da denúncia pelo Procurador-Geral
jurídicas, a segurança jurídica, ensejadas 11 STF, Segunda Turma, RE n. 194662/BA, Rel. da Justiça, mormente quando, nas razões
pela preclusão. Min. Marco Aurélio, julg. em 18/09/2001, finais, pede a condenação, demonstrando
9 STF, Tribunal Pelno, AR n. 1461/PE, Rel. DJU 19/04/2002, p. 59. Ementa: Salários – que estava de acordo com a denúncia.
Min. Marco Aurélio. Coisa Julgada – Reposição do Poder Aquisitivo – Cláusula Nulidade inexistente. É inestimável a
Intangibilidade – Cumpre rescindir a decisão de Garantia em Convenção Coletiva. O importância das formalidades processuais
de mérito que, a partir de julgamento de contrato coletivo, na espécie “convenção”, como garantias da liberdade pessoal e da
certo recurso, tenha resultado na ofensa à celebrado nos moldes da legislação em segurança jurídica. Mas, a homenagem a
coisa julgada, cujo respeito diz neces- vigor e sem que se possa falar em vício na esse princípio não há de chegar ao feiticismo,
sariamente com a preservação da segu- manifestação de vontade das categorias e não deve ser levada a exageros inúteis
rança jurídica profissional e econômica envolvidas, encerra para se proclamar nulidade, pois os atos
10 STF, Primeira Turma, EDclRE n. 367166/ ato jurídico perfeito e acabado, cujo alcance praticados pelo Promotor de Justiça, quando
RN, Rel. Min. Ellen Gracie. Ementa: não permite dúvidas no que as partes praticados, foram rigorosamente legais, e
Embargos de Declaração. Servidor Público previram, sob o título “Garantia de Reajuste”, os atos praticados pelo Juiz, quando
Celetista Inativo. Art. 40, § 4º, da CF/88 que política salarial superveniente menos praticados, foram irretocavelmente legais,
(redação anterior à EC n. 20/98). Não se favorável aos trabalhadores não seria não havendo razão para que deixem de sê-
discute na presente demanda eventual observada, havendo de se aplicar, em lo porque, por lei posterior, a competência
violação aos princípios do direito adquirido, qualquer hipótese, fator de atualização passou a ser do Tribunal. Hábeas corpus
da isonomia e da segurança jurídica. Na correspondente a noventa por cento do conhecido, mas indeferido.
realidade, centrou-se a decisão embargada Índice de Preços ao Consumidor – IPC. 14 STF, Trib. Pleno, MCADIn n. 605/DF, Rel.
na interpretação do art. 40, § 4º, da Insubsistência da mudança de índice de Min. Celso De Mello, julg em 23/10/1991,
Constituição, concluindo-se pela sua correção, passados seis meses e ante lei DJU 05/03/4993. p. 2.897. Ação Direta de
inaplicabilidade aos servidores públicos que, em meio a nova sistemática, sinalizou Inconstitucionalidade – Medida Provisória
celetistas, aposentados pelo Regime Geral a possibilidade de empregado e empregador de Caráter Interpretativo – Leis Interpre-
de Previdência, antes da promulgação do afastá-la, no campo da livre negociação. E tativas – A Questão da Interpretação de
atual texto constitucional e da edição da ainda: AgRAI n. 210678/PR, Rel. Min. Marco Leis de Conversão por Medida Provisória –
Lei n. 8.112/90. Embargos de declaração Aurelio, julg. em 18/12/1998, DJU 18/12/ Princípio da Irretroatividade – Caráter
rejeitados. E ainda: STF, Segunda Turma, 1998, p. 54. Ementa: Caderneta de Relativo – Leis Interpretativas e Aplicação
RE n. 168046/SP, Rel. Min. Marco Aurelio, Poupança – Plano Collor – Bloqueio dos Retroativa – Reiteração de Medida Provisória
julg. em 17/04/1998, DJU 12/06/1998, p. Depósitos – Juros e Correção Monetária – sobre Matéria Apreciada e Rejeitada pelo
65. Recurso Extraordinário – Julgamento – Regência. Uma vez verificada a indispo- Congresso Nacional – Plausibilidade
Parâmetros. Na apreciação de todo e nibilidade dos quantitativos existentes nas Jurídica – Ausência do periculum in mora
qualquer recurso de natureza extraordinária, contas de cadernetas de poupança, Indeferimento da Cautelar. É plausível, em
são consideradas as premissas fáticas do descabe cogitar da aplicação de lei nova, face do ordenamento constitucional
acórdão impugnado. Defeso é adentrar o no que alterados os parâmetros de cálculo brasileiro, o reconhecimento da admissibi-
exame dos elementos probatórios dos autos de juros e correção monetária. A segurança lidade das leis interpretativas que configuram
para, à mercê de moldura fática diversa, jurídica impõe o respeito ao que ajustado instrumento juridicamente idôneo de
concluir-se de forma diametralmente oposta. inicialmente. veiculação da denominada interpretação
Nisso está a razão de ser, a essência dos 12 STF, Segunda Turma, AgRRE n. 118927/ autêntica. As leis interpretativas – desde que
recursos a serem julgados em sede RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 07/02/ reconhecida a sua existência em nosso
extraordinária. Recurso Extraordinário – 1995, DJU 10/08/1995, p. 23.556. Ementa: sistema de direito positivo – não traduzem
Direito Local. Por ofensa a norma estadual Concurso – Edital – Parâmetros. Os usurpação das atribuições institucionais do
não cabe o extraordinário – verbete n. 280 parâmetros alusivos ao concurso hão de Judiciário e, em conseqüência, não
da Súmula do Supremo Tribunal Federal. estar previstos no edital. Descabe agasalhar ofendem o postulado fundamental da
Complementação de Proventos da Apo- ato da Administração Pública que, após o divisão funcional do poder. Mesmo as leis
sentadoria – Leis ns. 4.819/58 e 200/74 do esgotamento das fases inicialmente esta- interpretativas expõem-se ao exame e à
Estado de São Paulo. Contemplando a lei belecidas, com aprovação nas provas, interpretação dos juízes e tribunais. Não se
nova a preservação do direito não só implica criação de novas exigências. A revelam, assim, espécies normativas imunes
daqueles que, à época, já eram beneficiários segurança jurídica, especialmente a ligada ao controle jurisdicional. A questão da
como também o daqueles empregados à relação cidadão-Estado, rechaça a interpretação de leis de conversão por
admitidos na respectiva vigência, forçoso é modificação pretendida. E ainda: STF, Medida Provisória editada pelo Presidente
entender-se pela homenagem à almejada Tribunal Pleno, MS n. 21.791/BA, Rel. Min. da República. O princípio da irretroatividade
segurança jurídica, afastada a surpresa Francisco Rezek, julg. em 25/03/1994, DJU “somente” condiciona a atividade jurídica
decorrente da modificação dos parâmetros 27/05/1994, p. 13.187. Mandado de do Estado nas hipóteses expressamente
da relação mantida, no que julgado Segurança. Processo administrativo disci- previstas pela Constituição, em ordem a inibir
procedente o pedido formulado na ação. E plinar. Abandono de cargo: não configu- a ação do Poder Público eventualmente
ainda: STF, Segunda Turma, RE n. 186264/ ração. Súmula 473. Servidor da Universidade configuradora de restrição gravosa (a) ao

R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004 117


status libertatis da pessoa (CF, art. 5º, XI), que deixou a critério do Ministro da Fazenda, protección de la confianza en el Derecho
(b) ao status subjectionis do contribuinte em responsável pela execução da política Administrativo. Madrid: Marcial Pons, 1998.
matéria tributária (CF, art. 150, III, a ) e (c) a econômica do Governo, a liberação, total p. 10. Assim escrevi, também, em
“segurança” jurídica no domínio das ou parcial, dos preços de qualquer setor, o MARTINS-COSTA, Judith. A proteção da
relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI). Na que foi concretizado pela referida autoridade legítima confiança nas relações obriga-
medida em que a retroprojeção normativa por meio do ato impugnado, em face do cionais entre a Administração e os parti-
da lei “não” gere e “nem” produza os manifesto descabimento da exigência de culares. Revista da Faculdade de Direito da
gravames referidos, nada impede que o lei, ou de decreto, para fixação ou liberação Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Estado edite e prescreva atos normativos de preços. Não há falar, portanto, em ofensa Porto Alegre, v. 22, p. 228-257, 2002.
com efeito retroativo. As leis, em face do aos princípios constitucionais sob enfoque. 23 Embora se afigure paradoxal, essa mesma
caráter prospectivo de que se revestem, No que concerne ao mérito do ato conjuntura se apresenta no Estado ditatorial,
devem, “ordinariamente”, dispor para o impugnado, é fora de dúvida que se trata que reconhece à Administração Pública
futuro. O sistema jurídico-constitucional de matéria submetida a critérios de todos os poderes da supremacia. A lei (em
brasileiro, contudo, “não” assentou, como conveniência e oportunidade, insuscetíveis, sentido material, muitas vezes sendo
postulado absoluto, incondicional e inder- por isso, de controle pelo Poder Judiciário. produzida pela própria Administração) é o
rogável, o princípio da irretroatividade. A Recurso desprovido. E ainda: STF, Trib. limite para o cidadão. Suas legítimas
questão da retroatividade das leis interpre- Pleno, AI n. 151.787/SP, Rel. Min. Celso de expectativas de nada valem frente ao muro
tativas. Mello. Ementa: Embargos de Divergência rígido da legalidade estatal.
15 STF, Segunda Turma, RE n. 193124/RJ, Rel. – Interposição contra acórdão proferido em 24 SILVA, Princípios, op. cit. Também em
Min. Marco Aurélio, julg. em 16/12/1997, sede de Agravo Regimental – Inadmissibi- Revista de Direito Público, n. 84, p. 46-63. É
DJU 20/03/1998, p. 16. Proventos da lidade – Subsistência da Súmula 599/STF de ser ressaltado que o TJ-RS de há muito
Aposentadoria – Igualação – artigo 40, § – Superveniência da Lei n. 8.950/94 – Poder vem recorrendo a esse texto, como,
4º, da Constituição Federal. O disposto no de conformação do legislador – Ausência exemplificativamente, no julgamento da Ap.
§ 4º do art. 40 da Constituição Federal de incompatibilidade com o princípio da Civ. n. 70001943372, em 14/02/2001, da
pressupõe benefício outorgado aos servi- segurança jurídica – Agravo improvido. – Relatoria da Des. Maria Isabel de Azevedo
dores da ativa após a promulgação da Carta Os embargos de divergência, que consti- Souza, em cujo voto se lê: Enquanto o
de 1988. Descabe confundir aplicação tuem instrumento processual de uniformi- princípio da legalidade exige a extinção dos
imediata do preceito com a retroativa, zação da jurisprudência, só se revelam atos administrativos inválidos, outros
solapando, com isso, a almejada segurança oponíveis quando, manifestados no âmbito princípios, como o da segurança jurídica,
jurídica. do Supremo Tribunal Federal, insurgem-se da estabilidade jurídica, da presunção de
16 STF, Trib. Pleno, ADIn n. 2.555/DF, Rel. Min. contra decisão de uma de suas Turmas, legitimidade, da boa-fé advogam a manu-
Ellen Gracie, julg. em 03/04/2003, DJU 02/ desde que proferida no julgamento de tenção dos direitos já declarados, ainda que
05/2003, p 25. Ação Direta de Inconstitu- recurso extraordinário. Subsiste íntegro, sem respaldo legal. Segundo Almiro do
cionalidade. Art. 54 do ADCT. Pensão desse modo, o enunciado constante da Couto e Silva, aos princípios da legalidade
Mensal Vitalícia aos seringueiros recrutados Súmula 599/STF, especialmente em face e da proteção da confiança ou boa-fé dos
ou que colaboraram nos esforços da do que prescreve o art. 546, II, do CPC, administrados, ligam-se, “respectivamente,
Segunda Guerra Mundial. Art. 21 da Lei n. com a redação que lhe deu a Lei n. 8.950/ a presunção ou aparência de legalidade
9.711, de 20/11/98, que modificou a 94. – Os embargos de divergência possuem que têm os atos administrativos e a
redação do art. 3º da Lei n. 7.986, de 20/ objeto de impugnação próprio, somente necessidade de que sejamos particulares
11/1989. Exigência, para a concessão do podendo ser deduzidos em face de situação defendidos, em determinadas circunstân-
benefício, de início de prova material e processual específica que se traduz na cias, contra a fria e mecânica aplicação da
vedação ao uso da prova exclusivamente existência de dissídio jurisprudencial lei, com o conseqüente anulamento de
testemunhal. A vedação à utilização da motivado por acórdão proferido em sede providências do Poder Público que geraram
prova exclusivamente testemunhal e a recursal extraordinária, afastada, em benefícios e vantagens, há muito incor-
exigência do início de prova material para o conseqüência – e sem qualquer ofensa ao poradas ao patrimônio dos administrados
reconhecimento judicial da situação descrita postulado da segurança jurídica ou da (...) A invariável aplicação do princípio da
no art. 54 do ADCT e no art. 1º da Lei n. proteção jurisdicional –, a possibilidade de legalidade da Administração Pública deixaria
7.986/89 não vulneram os incisos XXXV, utilização desse recurso contra decisões de os administrados, em numerosas situações,
XXXVI e LVI do art. 5º da CF. O maior relevo Turma do Supremo Tribunal Federal no atônitos, intranqüilos e até mesmo indig-
conferido pelo legislador ordinário ao julgamento de agravos. Precedentes. E nados pela conduta do Estado, se a este
princípio da segurança jurídica visa a um ainda: STF, Trib. Pleno, AR n. 1.056/GO, fosse dado, sempre, invalidar seus próprios
maior rigor na verificação da situação exigida Rel. Min. Octavio Gallotti, julg. em 26/11/ atos – qual Penélope, fazendo e desman-
para o recebimento do benefício. Prece- 1997, DJU 25/05/2001, p. 10 Ementa: Por chando sua teia, para tornar a fazê-la e
dentes da Segunda Turma do STF: REs ns. não atacar decisão de mérito, não cabe tornar a desmanchá-la – sob o argumento
226.588, 238.446, 226.772, 236.759 e rescisória (art. 485, caput, do Código de de ter adotado uma nova interpretação e
238.444, todos da relatoria do eminente Processo Civil) contra sentença que se de haver finalmente percebido, após o
Ministro Marco Aurélio. Descabida a limitou a extinguir o processo pelo reconhe- transcurso de certo lapso de tempo, que
alegação de ofensa a direito adquirido. O cimento da ocorrência de coisa julgada. eles eram ilegais, não podendo, portanto,
art. 21 da Lei n. 9.711/98 alterou o regime Ação de que, em conseqüência, por maioria como atos nulos, dar causa a qualquer
jurídico probatório no processo de conces- de votos, não conhece o Plenário do conseqüência jurídica para os destinatários”.
são do benefício citado, sendo pacífico o Supremo Tribunal. O valor ético da confiança incorporado na
entendimento fixado por esta Corte de que 18 CALMES, Sylvia. Du principe de protection boa-fé impõe, portanto, restrições à
não há direito adquirido a regime jurídico. de la confiance légitime en droits allemand, Administração Pública, dentre outros
Ação direta cujo pedido se julga improce- communautaire et français. Paris: Dalloz, campos, o da extinção das relações.
dente. 2001. p.3. 25 Assim, v.g., o direito fundamental à formação
17 STF, Primeira Turma, RMS n. 23.543/DF, Rel. 19 SILVA, Almiro Couto e. Princípios da escolar, ao ensino, que é público e
Min. Ilmar Galvão, julg. em 27/06/2000, DJU legalidade e da segurança jurídica no Estado obrigatório em todos os níveis e para todos
13/10/2000, p. 21. Ementa: Administrativo. de Direito contemporâneo. In: Revista da os cidadãos, devendo servir – como está
Cana-de-açúcar. Portaria n. 294, de 13/12/ Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande no art. 205 do texto constitucional – ao pleno
96, do Ministério da Fazenda, que liberou do Sul, v. 18, n. 46, p. 13, 1988. desenvolvimento da pessoa, seu preparo
os preços do produto a partir de 1º/05/98. 20 __________ Prescrição qüinqüenária da para o exercício da cidadania e sua
Alegada ofensa aos princípios da separação pretensão anulatória da Administração qualificação para o trabalho.
dos poderes, da hierarquia das normas, da Pública com relação a seus atos adminis- 26 Por exemplo, no art. 21 do Código Civil de
legalidade, da proporcionalidade, da trativos. Revista de Direito Administrativo, Rio 2002, que assegura a inviolabilidade da vida
segurança jurídica e do devido processo de Janeiro, p. 21-31, 1996. privada, determinando ao juiz adotar as
legal. O art. 10 da Lei n. 4.870/65, que previa 21 SILVA, Princípios... op. cit., p. 12. “providências necessárias” para assegurá-
a fixação do preço da cana-de-açúcar, foi 22 PAREJO AFONSO, prólogo à obra de la, ou o art. 422 do mesmo Código, segundo
alterado pelo art. 3º, III, da Lei n. 8.178/91, CASTILLO BLANCO, Federico: La o qual os contratos devem ser concluídos e

118 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004


executados segundo a probidade e a boa- Mundo da Segurança”. son contrôle sur la légalité de la décision. La
fé. 36 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia portée de cette obligation dépend de la
27 Seja-me consentido, para recordar a uma nueva modernidad. Tradução espa- nature de l’acte en cause et du contexte
distinção dogmática entre boa-fé subjetiva nhola de J. Navarro, D. Jiménez e Maria dans lequel il a été adopté (arrêts de la Cour
e boa-fé objetiva, recorrer ao que escrevi Rosa Borrás. Barcelona: Paidos, 1998. du 7 avril 1987, Sisma/Commission, 32/86,
em: Mercado e solidariedade social entre 37 MORAND, op. cit., p. 191. Rec. p. 1645, point 8; du 4 juin 1992,
cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de 38 Essa hipercomplexidade mais se acentua Consorgan/Commission, C-181/90, Rec. p.
consumo. In: MARTINS-COSTA, Judith para nós, brasileiros, pois somos pré- I-3557, point 14, et Cipeke/Commission, C-
(org.). A Reconstrução do Direito Privado: modernos querendo ser “pós-modernos” 189/90, Rec. p. I-3573, point 14; arrêts du
reflexos dos princípios, diretrizes e direitos sem nunca termos sido “modernos”, pois Tribunal du 12 janvier 1995, Branco/
fundamentais constitucionais no Direito as categorias libertadoras da modernidade Commission, T-85/94, Rec. p. II-45, point
Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, iluminista ainda não chegaram para muitos: 32, du 16 septembre 1999, Partex/
2002, p. 612: Muito embora ambas as a escravidão, por exemplo, ainda é uma Commission, précité, point 73, et Associação
expressões encontrem unidade no princípio realidade neste país; as pessoas são ainda Comercial de Aveiro/Commission, précité,
geral da confiança que domina todo o hobbesianamente estatutárias, valem pelo point 35). Disponível em: <http://curia.eu.int/
ordenamento, cada uma desempenha, status, pela classe, pelo cargo; diante dos jurisp/cgi-bin/form.pl?lang=fr>. Acesso em:
dogmaticamente, distintos papéis. A boa-fé indicadores sociais e econômicos, percebe- 10 ago. 2003.
subjetiva traduz a idéia naturalista da boa- se que o Estado de Direito existe como 45 Indicações dos casos julgados no sentido
fé, aquela que, por antinomia, é conotada à estrutura formal, e não real, ou substancial. da proteção das expectativas em
má-fé. Diz-se subjetiva a boa-fé compre- 39 MORAND, op. cit., p. 194. CASTILLO BLANCO, op. cit., p. 185.
endida como estado psicológico, estado de 40 A expressão é de HUBEAU, F. Le principe 46 Idem, p. 194.
consciência caracterizado pela ignorância de la protection de la confiance legitime 47 A distinção do campo semântico é traçada
de se estar a lesar direitos ou interesses dans la jurisprudence de la Cour de Justice por CALMES, op. cit., p. 167, que adota,
alheios, tendo forte atuação nos direitos des Communautés européenes, citado por para tanto, o critério dos diversos meca-
reais, notadamente no Direito possessório1, CALMES, op. cit., p. 27. nismos de proteção: a segurança jurídica,
o que vai justificar, por exemplo, uma das 41 MENGOZZI, P. Evolution de la méthode objetiva e abstrata, é indiférente à nature de
formas da usucapião. Diferentemente, a suivie par la jurisprudence communautaire la situation en cause, car elle vise à garantir
expressão boa-fé objetiva designa, seja um en matière de protection de la confiance la fiabilité dans le temps de l’ordre juridique
critério de interpretação dos negócios légitime : de la mise en balance des intérets, dans son ensemble que la situation en
jurídicos, seja uma norma de conduta que cas par cas, à l’analyse en deux phases. question soit bénéfique ou onéreuse: la
impõe aos participantes da relação obriga- Citado e transcrito por CALMES, op. cit., securité juridique qui prend en compte la
cional um agir pautado pela lealdade, pela p.125. situation objective du droit peut jouer en
colaboração intersubjetiva no tráfico 42 PAREJO, Luciano. Prólogo à obra de faveur ou détriment des intéressés. E m
negocial, pela consideração dos legítimos CASTILLO BLANCO, Federico: La outras palavras, diz a autora, esse postulado
interesses da contraparte. Nas relações protección de la confianza en el Derecho exige notamment du droit, de façon générale
contratuais, o que se exige é uma atitude Administrativo. Madrid: Marcial Pons, 1998. et abstraite, qu’il ne soit pás rétroactif, ni
positiva de cooperação, e, assim sendo, o p. 14. foisonnant, et qu’il soit public, cohérent, clair
princípio é a fonte normativa impositiva de 43 Aff. C-34/02, Sécurité sociale – Prestations et précis. Diversamente, a confiança é
comportamentos que se devem pautar por de vieillesse – Nouveau calcul – Répétition invocada em favor de um determinado
um específico standard ou arquétipo, qual de l’indu – Prescription – Droit applicable – interessado, ela é mediada pela necessária
seja, a conduta segundo a boa-fé. Há, Modalités procédurales – Notion, tendo por concreção e significa a manutenção de
inegavelmente, distinção funcional entre o objeto demanda dirigida à Corte pelo uma situação jurídica favorável a ele,
“agir de boa-fé” e o “agir segundo a boa- Tribunale Ordinario di Roma, relativa ao litígio exigindo que seul l’intéret de la personne
fé”, a primeira expressão conotando a boa- entre Sante Pasquini /Istituto nazionale della privée à la fiabilité des situations soit pris em
fé subjetiva, a segunda, a boa-fé objetiva. previdenza sociale (INPS). Decisão da 5ª considération.
28 Conforme Dicionário Aurélio XXI Eletrônico, Câmara da Corte, em 19 de junho de 2003. 48 Aff. T-223/00, Concurrence – Entente –
verbete fundamento (filos.). A referência está no ponto 46: II considère Lysine – Lignes directrices pour le calcul du
29 CALMES, op. cit., p. 166. que c’est justement lorsque des périodes montant des amendes – Applicabilité –
30 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da d’assurance ont été accomplies dans Gravité de l’infraction – Chiffre d’affaires –
definição à aplicação dos princípios plusieurs États membres que les intéressés Cumul de sanctions. Decisão do Tribunal (
jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 63. sont défavorisés, du fait de la juxtaposition 4a. Câmara), de 9 de julho de 2003, no
31 Entendendo-se que as decisões da de divers ordres juridiques, par rapport aux caso Kyowa Hakko Kogyo Co. Ltd, e Kyowa
Administração que colidam com direitos travailleurs qui n’ont travaillé que dans un Hakko Europe GmbH. Os demandantes
subjetivos ou interesses legalmente prote- seul État membre. Une protection particulière argumentaram (ponto 25) que a Comissão
gidos só podem afetar essas posições em de la confiance légitime des travailleurs violara le principe de protection de la
termos adequados e proporcionais aos migrants se justifierait de ce point de vue, confiance légitime au motif que, durant la
objetivos a realizar. ce à quoi pourrait contribuer une limitation à procédure administrative, le comportement
32 O quadro é proposto por MORAND, Charles- deux ans des effets rétroactifs de recalculs de la Commission a fait naître, chez elles,
Albert. Le droit neo-moderne des politiques en principe prévus par le droit national. une confiance légitime en quant à la
publiques. Paris: LGDJ, 1999. p. 16. Disponível em: <http://curia.eu.int/jurisp/cgi- méthode de calcul de l’amende qui serait
33 Acerca de aspectos parciais dessa vasta bin/form.pl?lang=fr>. Acesso em: 10 ago. utilisée. Contrairement à ce que prétend la
questão, seja-nos consentido reenviar ao 2003. Commission au considérant 328 de la
que escrevemos em: MARTINS-COSTA, 44 Aff. T-102/00. Politique sociale – Fonds social Décision, la confiance légitime quant au
Judith. Alternativas de gestão da Adminis- européen – Réduction d’un concours mode de calcul pourrait trouver son origine
tração Pública: o regime das concessões e financier – Droits de la défense – Article 24 dans les déclarations et l’attitude des
permissões municipais. Revista da Procu- du règlement (CEE) n. 4253/88 – Motivation. institutions et non pas seulement dans la
radoria-Geral do Município de Porto Alegre, Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van communication sur la coopération. A
n. 13, p. 29-44, 1999. Personen met een Handicap/Commission decisão (pontos 27 e 28) considerou: En
34 SILVA, Almiro Couto e. Os indivíduos e o des Communautés européennes. Decisão effet, le personnel de la Commission, dont
estado na realização de tarefas públicas. do Tribunal (4a. Câmara), em 9 juillet 2003. les actes et déclarations seraient, selon la
Revista de Direito Administrativo, Rio de Ponto 100. Selon une jurisprudence jurisprudence, assimilables au
Janeiro, v. 204, p. 64, 1997. constante, l’obligation de motiver une comportement de l’institution (arrêts de la
35 A referência é ao célebre romance de décision individuelle a pour but de fournir à Cour du 11 mai 1983, Klöckner-Werke/
ZWEIG, Stefan. Die Welt von Gestern (1944), l’intéressé une indication suffisante pour Commission, 303/81 et 312/81, Rec. p.
ora traduzido, no Brasil, como “O Mundo savoir si la décision est bien fondée ou si 1507, points 28 et suivants, et du Tribunal
que Eu Vi” (São Paulo: Record, 1999, elle est, éventuellement, entachée d’un vice du 12 octobre 1999, Acme/Conseil, T-48/
tradução de Lya Luft), mas traduzido, em permettant d’en contester la validité et de 96, Rec. p. II-3089, point 48), leur aurait
outras edições e outros idiomas como “O permettre au juge communautaire d’exercer fourni, durant la procédure administrative,

R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004 119


des assurances précises sur l’utilisation de Esta é uma fé qualificada (“boa”) que Precedentes do STF e do STJ. Recursos
cette méthode de calcul du montant des aparece no Direito sob dupla modalidade parcialmente providos. I- se o suposto
amendes. Comme le confirmerait la Décision (boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva) e suscita equívoco no título de propriedade foi
(considérants 319 à 328), ces assurances determinados efeitos, operando, funcio- causado pela própria Administração,
résulteraient des déclarations expresses du nalmente, como pressuposto ou condição funcionário de alto escalão, não há que se
personnel de la Commission en charge du do mecanismo de proteção da confiança. alegar o vício com o escopo de prejudicar
dossier, par lesquelles il aurait été confirmé Porém não tem a generalidade da confiança aquele que, de boa-fé, pagou o preço
que la pratique habituelle de la Commission que é, ao mesmo tempo, princípio, funda- estipulado para fins de aquisição. Aplicação
consistait à évaluer le montant de l’amende mento e pressuposto da ordem jurídica, dos princípios de que nemo potest venire
en se fondant sur le chiffre d’affaires afférent globalmente considerada, abrangendo contra factum proprium e de que nemo
aux ventes du produit concerné dans l’EEE casos que não são reconduzidos ao âmbito creditur turpitudinem suam allegans (...).
et qu’il n’y avait pas de raison de s’en départir. de incidência (e operatividade) da boa-fé. 65 PAREJO, Luciano. Prólogo à obra de
(...) Disponível em: <http://curia.eu.int/jurisp/ Acerca dessa relação, permito-me enviar CASTILLO BLANCO, op. cit., p. 9.
cgi-bin/form.pl?lang=fr>. Acesso em: 10 aos meus “Comentários ao Novo Código 66 Prefácio ao livro de GIACOMUZZI, op. cit.,
ago. 2003. Civil” , Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, t. p. 11.
49 MAURER, Harmut V. Elementos de Direito 1, p. 28. Aliás, observa Sylvia Calmes que a 67 No texto: A proteção da legítima confiança
Administrativo alemão. Trad. de Luís Afonso relação boa-fé/confiança teve como ponto nas relações obrigacionais entre a Adminis-
Heck. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2001. p. de partida sobretudo a doutrina civilista tração e os particulares. Revista da
67 e ss. alemã mais antiga, que, todavia, não Faculdade de Direito da Universidade
50 Para a exposição e crítica, ver CALMES, apresentou cette logique de déduction de Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
op. cit., p. 185-223. manière detaillée. Todavia, com o curso do v. 22, p. 228-257, 2002.
51 CASTILLO BLANCO, op. cit., e ainda a obra tempo, essa concepção vem suscitando 68 FREZZA, Paolo V. Fides bona. In: Studi
pioneira de GONZALEZ PÉRES, Jésus. El nos civilistas, e sobretudo nos tributaristas sulla buona fede. Milano: Giuffré, 1975. p.
principio general de la buena fe en el de plus em plus de doutes, principalement 3.
Derecho Administrativo. 3. ed. Madrid: parce qu’ils ont reconnu que l’exigence de
Civitas, 1999. (1ª edição em 1983). bonne foi – même considerée, detachée
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
52 Exemplificativamente, RACCA, Gabriella. La du droit privé, comme une idée juridique
responsabilità precontrattuale della Pubblica générale – ne peut pas servir de base
Amministrazione tra autonomia e corretezza. juridique globale pour tous les cas de
Napoles: Jovene, 2000; MERUSI, Favio. protection de la confiance. RACCA, Gabriella. La responsabilità
Buona fede e affidamento nel Diritto Publico. 57 MAURER, op. cit., p. 68. precontrattuale della Pubblica Amministrazione tra
Milano: Giuffrè, 2001. 58 Idem, p. 68. autonomia e corretezza. Napoles: Jovene, 2000.
53 Esclarece CALMES o emprego da expres- 59 Indicações em CASTILLO BLANCO, op.
são “fonte”, tecnicamente mais adequada cit., p. 253 e ss.
que “fundamento”, na medida em que os 60 MERUSI, Fábio. Buona fede e affidamento ABSTRACT
autores partidários dessa ancoragem não nel Diritto Publico: dagli anni trenta alla
apreendem os direitos fundamentais como alternanza. Milano: Giuffré, 2001.
“fundamentalidade substancial”, mas como 61 GIACOMUZZI, José Guilherme. A mora-
The authoress highlights the
listagem de direitos individuais concretos do lidade administrativa e a boa-fé da Adminis-
importance of the Brazilian Supreme Court
direito positivo (“fundamentalidade formal”). tração Pública: o conteúdo dogmático da
decision, which by entitling a woman citizen to
Assim, não se estaria a buscar um moralidade administrativa. São Paulo:
a fundamental right, gives new meaning to the
“fundamento”para o princípio da legítima Malheiros, 2002.
confiança, mas uma fonte (source, 62 SILVA, Almiro Couto e. A responsabilidade concept of juridical security, setting it as a sub-
principle of the Rule of Law.
Rechtsquelle) do princípio, suscetível de do Estado no quadro dos problemas
She demonstrates that Public
engendrá-lo diretamente. (CALMES, op. cit., jurídicos resultantes do planejamento.
p.185). Revista de Direito Público, v. 63, p. 28-35, Administration, in order to ensure reliability, a
54 Idem, p. 185. texto que reproduz tese apresentada pelo principle of Law, should not limit itself to an
55 Assim no Direito Internacional Público. No autor no III Congresso Brasileiro de Direito abstention, but rather act both in the regulation
caso Neira Alegría e outros (Exceções Administrativo, realizado em Canela/RS em and guarantee of several mechanisms
Preliminares, decisão de 11 de dezembro setembro de 1981. Como acentua designed to carry out the fundamental rights
de 1991. Série C, n. 13, par. 29), a Corte Giacomuzzi, do que se tem notícia, Almiro and the legitimate expectations it generates
Interamericana de Direitos Humanos assim do Couto e Silva foi, em 1981, pioneiro em within the individuals’ juridical scope.
se referiu a uma contradição na qual afirmar que o Estado também se sujeita ao In this context, she asserts that
incorrera o Governo do Peru: (...) Según la princípio da boa-fé. (GIACOMUZZI, op. cit., reliability is an essential factor to the
práctica internacional, cuando una parte en p. 229). accomplishment of material justice and that a
un litigio ha adoptado una actitud 63 SILVA, Almiro Couto e. Responsabilidade positive behavior by Public Administration
determinada que redunda en beneficio pré-negocial e culpa in: contrahendo no towards guardianship of the citizens’ legitimate
propio o en deterioro de la contraria, no Direito Administrativo brasileiro. Revista de trust runs concurrently with the growth, in social
puede luego, en virtud del principio de Direito Administrativo, n. 217, p. 163-171 awareness, of the relevance of connection
estoppel, asumir otra conducta que sea jul./set., 1999. between the administrative case and the duty
contradictoria con la primera. Para la 64 Exemplar é, nesse sentido, a decisão do to protect fundamental rights in a positive way.
segunda actitud rige la regla de non concedit STJ no REsp n. 47015/SP, 2ª. T., Rel. Min.
venire contra factum proprium. Si bien la Adhemar Maciel, julg. em 16/10/1997, DJU KEYWORDS – Constitutional Law;
Corte se refería a afirmaciones iniciales en 09/12/1997, p. 64.655. Ementa: Adminis- principle – juridical security, reliability, legality;
beneficio del Gobierno o en deterioro de la trativo e Processual Civil. Título de proprie- stability; fundamental right; Brazilian Supreme
parte contraria, corresponde aplicar dicho dade outorgado pelo poder publico, através Court.
principio cuando existen afirmaciones de funcionário de alto escalão. Alegação
contradictorias, máxime cuando un de nulidade pela própria administração,
Gobierno expone algo en beneficio de la objetivando prejudicar o adquirente:
parte contraria y después lo niega (Também inadmissibilidade. Alteração no pólo ativo
o Informe n. 6/98, caso 10.382. Partes: da relação processual na fase recursal:
Ernesto Máximo Rodríguez. Argentina, 21 impossibilidade, tendo em vista o princípio
de fevereiro de 1998. Disponível em: <http:/ da estabilização subjetiva do processo. Judith Martins-Costa é Professora de
/www.cidh.oas.org/annualrep/97span/ Ação de indenização por desapropriação Direito Civil na Faculdade de Direito da
Argentina10.382.htm#_ftn5>. Acesso em: indireta. Instituição de parque estadual. Universidade Federal do Rio Grande do
11 ago. 2003. Preservação da mata inserta em lote de Sul, livre-docente e Doutora em Direito
56 Tenho a convicção de ser inverso o nexo: a particular. Direito a indenização pela pela Universidade de São Paulo e
confiança é mais ampla do que a boa-fé. indisponibilidade do imóvel, e não só da mata. advogada.

120 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004

You might also like