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A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

Luciane Martins de Araújo Mascarenhas1


INTRODUÇÃO
A concepção existente até pouco tempo era de que os recursos naturais eram ilimitados,
existiam em abundância, motivo pelo qual o homem não se preocupava com a questão ambiental, ao contrário,
a degradação do meio ambiente era sinônimo na maioria das vezes de progresso.
O homem via a natureza como um depósito, onde se retira tudo que lhe parecia
interessante, deixando no lugar o lixo, os resíduos do processo de produção. O processo de evolução da
humanidade era subordinado à degradação ambiental.
O grande número de catástrofes ambientais serviu para demonstrar a importância do
meio ambiente para a humanidade. Não adianta atingir o máximo em desenvolvimento e progresso econômico
se a vida em nosso planeta corre perigo.
O homem começou a perceber que nosso planeta possui recursos finitos e se não
mudarmos a concepção que ainda vigora, nossa sobrevivência estará ameaçada.
Neste sentido, desde a década de 1970, impulsionada principalmente pela Conferência
das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, o homem
começou a se preocupar efetivamente com o meio ambiente e com o destino da humanidade, caso a
degradação ambiental continuasse de forma devastadora.
A legislação pátria em matéria ambiental também tem sofrido os impactos dessa
mudança de concepção, visto que esta tinha uma visão apenas utilitarista e agora, influenciada principalmente
pela nova visão existente na Constituição Federal de 1988, em especial com relação a seu cunho protetivo que
ora abordaremos, começa a haver uma preocupação real com o meio ambiente.

1 O HISTÓRICO DO MEIO AMBIENTE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS


A primeira Constituição brasileira, de 1824, não fez menção a qualquer matéria na esfera
ambiental. Vale lembrar que nosso país naquela época era exportador de produtos agrícolas e minerais, no
entanto, a visão existente com relação àqueles produtos era apenas econômica, não existindo nenhuma
conotação de proteção ambiental.
As Constituições brasileiras retrataram esse pensamento, tendo a Constituição do
Império, de 1824, trazido dispositivo tão somente proibindo indústrias contrárias à saúde do cidadão. O Texto
republicano de 1891 neste aspecto abordou apenas a competência da União para legislar sobre minas e terras.
Tal dispositivo, tinha por objetivo proteger os interesses da burguesia e institucionalizar a exploração do solo,
não tendo nenhum cunho preservacionista. Apesar disto, foi a primeira Constituição a demonstrar uma
preocupação com a normatização de alguns dos elementos da natureza.
A Constituição, de 1934, trouxe dispositivo de proteção às belezas naturais, patrimônio
histórico, artístico e cultural e competência da União em matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas,
florestas, caça, pesca e sua exploração. A Carta Constitucional de 1937, trouxe preocupação com relação aos
monumentos históricos, artísticos e naturais. Atribuiu competência para União legislar sobre minas, águas,
florestas, caça, pesca, subsolo e proteção das plantas e rebanhos.
A Carta Magna de 1946, além de manter a defesa do patrimônio histórico, cultural e
paisagístico, conservou a competência legislativa da União sobre saúde, subsolo, florestas, caça, pesca e
águas. Dispositivos semelhantes estavam presentes tanto na Constituição de 1967, quanto na Emenda
Constitucional nº 1/69. Neste último texto constitucional, nota-se pela primeira vez a utilização do vocábulo
“ecológico”.
Os dispositivos constantes nestas Constituições tinham por escopo a racionalização
econômica das atividades de exploração dos recursos naturais, sem nenhuma conotação protetiva do meio
ambiente.
De qualquer sorte, apesar de não possuírem uma visão holística do ambiente e nem
uma conscientização de preservacionismo, por intermédio de um desenvolvimento
técnico-industrial sustentável, essa Cartas tiveram o mérito de ampliar, de forma
significativa, as regulamentações referentes ao subsolo, à mineração, à flora, à fauna,
às águas, dentre outros itens de igual relevância. 2

1.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1988


A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes inovações na esfera ambiental, sendo
tratada por alguns como “Constituição Verde”. Diferentemente da forma trazida pelas constituições anteriores,
1
Advogada da Caixa Econômica Federal, mestranda em Direito pela Universidade Federal de Goiás
2
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente. Direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004.
p. 62
2

já abordada anteriormente, o constituinte de 1988 procurou dar efetiva tutela ao meio ambiente, trazendo
mecanismos para sua proteção e controle.
Cumpre-nos observar que esta alçou a fruição do meio ambiente saudável e
ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Como bem coloca o mestre José Afonso da Silva, senão
vejamos:
O ambientalismo passou a ser tema de elevada importância nas Constituições mais
recentes. Entre nelas deliberadamente como direito fundamental da pessoa humana,
não como simples aspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas, como
ocorria em Constituições mais antigas.3
E ainda, salienta o mesmo autor, que a “Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a
tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente
ambientalista.”4
Destarte, o grande marco e impulso na mudança de concepção foi, se dúvida, as
disposições da Carta Magna de 1988, trazendo um arcabouço legislativo superior ao das legislações do
primeiro mundo.
Nossa Constituição traz a preocupação com as questões ambientais como fundamentais
para continuidade da vida em nosso Planeta, eis que esta preocupação é de cunho global. Deve haver além de
um bom aparato jurídico sobre o assunto, um envolvimento de toda sociedade.
Não basta, entretanto, apenas legislar. É fundamental que todas as pessoas e
autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da
teoria para a existência efetiva da vida real, pois, na verdade, o maior dos problemas
ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impunido ou impunível, à
legislação vigente. É preciso, numa palavra, ultrapassar-se ineficaz retórica ecológica
– tão inócua, quanto aborrecida – por ações concretas em favor do ambiente e da
vida. Do contrário, em breve, nova modalidade de poluição – a “poluição
regulamentar” – ocupará o centro de nossas atenções.5
Nos diversos artigos que se referem ao meio ambiente na ordem constitucional, nota-se
claro o caráter interdisciplinar desta questão, eis se referem a aspectos econômicos, sociais, procedimentais,
abrangendo ainda natureza penal, sanitária, administrativa, entre outras.
O artigo 225 do texto constitucional, assim prescreve:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.

3
SILVA. José Afonso. Direito Ambiental constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 43.
4
SILVA. op. cit. p. 46
5
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática e jurisprudência, glossário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001.
p. 232.
3

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os


infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Observe-se que o disposto nos parágrafos do artigo 225 visam justamente dar
efetividade ao disposto no caput, qual seja, que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Destarte, tendo em vista a extensão da matéria nele abordada, vamos nos ater à essência dessa
mudança na visão sobre o meio ambiente, constante no caput do artigo.
Primeiramente, podemos inferir que o meio ambiente sadio e equilibrado é direito e dever
de todos, tido como “bem de uso comum”, definido por HELY LOPES MEIRELLES, como aquele “que se
reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial
para sua fruição”.6
Cumpre observar ainda, que por “bens de uso comum” não se pode entender somente
os bens públicos, mas também os bens de domínio privado, eis que podem ser fixadas obrigações a serem
cumpridas por seus proprietários. Estes têm o dever de envidar esforços visando a proteção do meio ambiente.
Assim, nenhum de nós tem o direito de causar dano ao meio ambiente, pois estaríamos
agredindo a um bem de todos causando, portanto, dano não só a nós mesmos, mas aos nossos semelhantes.
O Poder Público tem um papel relevante nesse processo e dele devemos cobrar atitudes condizentes com
esse dispositivo constitucional.
O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito indisponível e tem a
natureza de direito público subjetivo, ou seja, pode ser exercitável em face do próprio poder público, eis que a
ele também incumbe a tarefa de protegê-lo “cria-se para o Poder Público um dever constitucional, geral e
positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, vale dizer, de zelar pela defesa (defender) e
preservação (preservar) do meio ambiente.” 7
Não se pode olvidar ainda, que esse mesmo dever imposto ao Poder Público se estende
também a todos os cidadãos. São titulares deste direito a geração atual e ainda as futuras gerações.
Assim, o homem, na condição de cidadão, torna-se detentor do direito a um meio
ambiente saudável e equilibrado e também sujeito ativo do Dever Fundamental de
proteção do meio ambiente, de tal sorte que propomos a possibilidade de se instituir,
no espaço participativo e na ética, uma caminhada rumo a um ordenamento jurídico
fraterno e solidário. Ancora-se a análise da preservação ambiental como um direito
fundamental, constitucionalmente reconhecido. Porém, esta não é a única questão
suscitada: a proteção ambiental constitui-se em responsabilidade tanto do indivíduo
quanto da sociedade, admitindo suas posições no processo de preservação,
reparação e promoção, assim, reveladas como um dever fundamental. Como inerente
do direito, pressupomos a exploração dos conceitos de eficácia e de efetividade da
norma em relação à aplicação de princípios jurídicos à proteção do meio ambiente.8
É necessária e fundamental, a participação da comunidade, eis que muitas vezes ela é
que constata a ocorrência de dano ambiental.
O Direito Ambiental abriu amplamente as portas para a participação da comunidade e
de outros aparelhos do pode estatal na proteção da nossa grande casa. O cidadão e
o Poder Judiciário entram com força decisiva nesse magno combate do milênio:
salvar o planeta.9
A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu artigo 3º, define meio ambiente como
“conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga
e rege a vida em todas as suas formas”.
O mestre Paulo de Bessa critica referido conceito, eis que apesar de possuir caráter
eminentemente interdisciplinar, traz uma definição do ponto de vista puramente biológico, não tratando da
questão mais importante, qual seja, o gênero humano e o aspecto social que é fundamental quando se trata de
meio ambiente. E acrescenta:

6
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 16ª ed. São Paulo: RT. 1991. p. 426.
7
MILARÉ. op. cit. p. 235.
8
MEDEIROS, op. cit. p. 21.
9
CARVALHO, Carlos Gomes de. O que é Direito Ambiental. Dos descaminhos da casa à harmonia da nave. Florianópolis:
Habitus. 2003. p. 152.
4

Um aspecto que julgamos da maior importância é o fato de que, após a entrada em


vigência da Carta de 1988, não se pode mais pensar em tutela ambiental restrita a
um único bem. Assim é porque o bem jurídico ambiente é complexo. O meio
ambiente é uma totalidade e só assim pode ser compreendido e estudado.10
Sem dúvida o aspecto mais importante quando se refere a meio ambiente é a proteção à
vida, lembrando que a expressão meio ambiente inclui ainda a relação dos seres vivos, bem como “urbanismo,
aspectos históricos paisagísticos e outros tantos essenciais, atualmente, à sobrevivência sadia do homem na
Terra”.11
A Constituição Federal, no artigo já citado, trouxe a preocupação caráter eminentemente
social e humano. Ficou clara a inter-relação existente entre o direito fundamental à vida e o princípio da
dignidade da pessoa humana e o meio ambiente. Todos eles são fundamentais e necessários à preservação
da vida.
O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de
que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do
Homem, é que há de orientar todas a formas de atuação no campo da tutela do meio
ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar
acima de quaisquer outras considerações com as de desenvolvimento, com as de
respeito ao direito de propriedade, com as da iniciativa privada. Também estes são
garantidos no texto constitucional, mas a toda evidência, não podem primar sobre o
direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade
do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no
sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade de
vida.12

2 DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO


Como já dito anteriormente, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever e
direito fundamental de toda coletividade. Trata-se, pois de direito difuso, enquadrando-se como direito de
terceira dimensão ou geração.
Os autores que adotam referida terminologia, com Paulo Bonavides, que utiliza a
terminologia gerações e Ingo Wolfgang Sarlet que utiliza o termo dimensões, explicam que os direitos
fundamentais passaram por diversas transformações, podendo portanto, metodologicamente serem divididos
em dimensões ou gerações. Dependendo da natureza do bem ou objeto a ser tutelado estes se classificam em
direitos fundamentais de primeira, segunda ou terceira gerações ou dimensões.
Optamos pela terminologia gerações, eis que tem sido mais utilizada pelos doutrinadores
e também pelo Supremo Tribunal Federal, não deixando, no entanto, de observar que a expressão dimensão
passa uma idéia que se encontra mais de acordo com a classificação, visto deixar mais clara a possibilidade de
desenvolvimento e expansão de cada um desses direitos, diferentemente da idéia de gerações, que como
criticado por muitos, dá a idéia de ocorrências cronológicas.
É discutida a natureza destes direitos. Critica-se a précompreensão que lhes está
subjacente, pois ela sugere a perda de relevância e até a substituição dos direitos das
primeiras gerações. A idéia de generatividade geracional também não é totalmente
correcta: os direitos são de todas as gerações. Em terceiro lugar, não se trata apenas
de direitos com um suporte colectivo – o direito dos povos, o direito da humanidade.
Neste sentido se fala de solidarity rights, de direitos de solidariedade, sendo certo que
a solidariedade já era uma dimensão ineliminável dos direitos econômicos, sociais e
culturais. Precisamente por isso, preferem hoje os autores falar de três dimensões de
direitos do homem (E. Riedel) e não de “três gerações”.13
No dizer de Bonavides, a Revolução Francesa de 1779 profetizou a “seqüência histórica
de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade “14.
Os direitos de primeira geração, portanto, são aqueles de cunho negativo, ou seja, uma
conduta não positiva do Estado visando resguardar os direitos fundamentos ligados à liberdade, à vida, à
propriedade.
os direitos de liberdade, cujo destinatário é o Estado, e que têm como objecto a
obrigação de abstenção do mesmo relativamente à esfera jurídico-subjetiva por eles
definida e protegida.15

10
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. p. 68.
11
FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2002. p. 17.
12
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4º ed. São Paulo: Malheiros. p. 70.
13
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Ed. Almedina. 1999. p. 362.
14
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constituicional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros. 2000. p. 521.
15
CANOTILHO, op. cit. p. 375.
5

Já os direitos de segunda geração possuem status positivo, ou seja, demandam


comportamento ativo do Estado, visando a realização da justiça social. São conhecidos também como direitos
prestacionais. Dentre estes direitos se incluem os direitos sociais, culturais e econômicos.
Apesar da doutrina já acenar pela existência do direito de quarta geração, que estaria
surgindo em face da globalização dos direitos fundamentais, interessa-nos neste estudo, a classificação do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é tido pela maioria da doutrina como direito de
terceira geração.
Na terceira geração dos direitos fundamentais estariam presentes os direitos de
fraternidade e solidariedade, de caráter altamente humano e universal. Destarte, tais direitos fundamentais não
têm por objetivo a proteção de interesses individuais, mas sim do próprio gênero humano. A titularidade dos
direitos de terceira geração é coletiva, por vezes indefinida e indeterminada.
O meio ambiente caracteriza-se por interesse difuso, pois trata de interesses
dispersos por toda a comunidade e apenas ela, enquanto tal, pode prosseguir,
independentemente determinação de sujeitos.16
Além do direito à proteção do meio ambiente, incluem-se em referida geração de direitos
fundamentais, o direito à paz, à autodeterminação dos povos, à desenvolvimento, à qualidade de vida, o direito
de comunicação e direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado é direito da coletividade, portanto, de terceira geração, senão vejamos:
A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO. DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO. PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE.
O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui
prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de
afirmação de direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não a
indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais
abrangente, à própria coletividade social.
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais realçam o princípio da
liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) –
que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de
titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais,
consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos,
caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma
essencial inexauribilidade.17.
Nessa esteira de raciocínio, como direito de terceira geração ele deve envolver a todos,
não adiantando um só indivíduo ou país lutar por um meio ambiente equilibrado. Esta atitude, no entanto,
começa em cada um de nós.
Cada um pode, no universo em que habita, contribuir para tornar o mundo melhor.
Esse é um exercício de cidadania. Dispensável a vocação heróica. Basta acreditar na
causa. E para crer, basta convencer a vontade. Assim se constrói a democracia. Sem
participação da cidadania, não há necessidade de regime democrático.18
Nota-se que é necessário o envolvimento de cada indivíduo na luta por um meio
ambiente ecologicamente equilibrado assim será possível o envolvimento e mudança de postura de toda
sociedade em face do meio ambiente, daí a classificação como direito de terceira geração, que consagra o
princípio da solidariedade.
Por este princípio, nota-se clara a importância da cooperação buscando em conjunto a
melhoria da qualidade de vida de todos. Como define Leon Duguit 19, este é o ponto de apoio da concepção do
direito.
Destarte, nota-se que é fundamental a participação da coletividade, de todos nós,
visando a proteção e defesa do meio ambiente.

3 DIREITO ADQUIRIDO EM MATÉRIA AMBIENTAL


O artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal garante que “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

16
MEDEIROS, op. cit. p. 133.
17
MS - 22.164-0/SP, rel. o Min. Celso de Mello, in DJU 17/11/95, p. 39206.
18
NALINI, José Renato. Ética Ambiental. Campinas: Millennium. 2001. p. 203.
19
Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 70. 1982. p. 415.
6

Em matéria ambiental esta garantia encontra-se mitigada, eis que na hipótese de uma
atividade em que posteriormente ao seu licenciamento ambiental, se mostre danosa ao meio ambiente não se
poderá se recorrer a este princípio constitucional visando resguardar o direito já “adquirido” pelo poluidor.
Neste caso, prevalece o interesse maior que é o da coletividade, a quem foi dado o
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É certo que o Direito Ambiental, para cumprir a sua missão de tutela ao interesse
público, deverá poder impor medidas antipoluição a instalações já existentes, sob
pena de violar-se o princípio poluidor-pagador e perpetuar o direito a poluir.20
Destarte, se houver conflito entre o direito auferido por alguém em virtude da expedição
de licença ambiental e o interesse da coletividade que está sendo prejudicada em virtude da atividade que
apesar de licenciada causa danos ambientais, deve prevalecer o interesse da coletividade.

4 MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA


No aspecto econômico, vale lembrar que não faz muito tempo que a visão comum era no
sentido de que as preocupações com o meio ambiente eram descabidas e prejudicariam o crescimento e
industrialização dos países em desenvolvimento. A prioridade era a aceleração do crescimento econômico. As
externalidades negativas, ou seja o custo ambiental resultante da degradação ocorrida nesse processo
produtivo seria neutralizado com o progresso dessas nações. Como bem ressalta o mestre Paulo de Bessa
Antunes:
O desenvolvimento econômico no Brasil sempre se fez de forma degradadora e
poluidora pois, calcado na exportação de produtos primários, que eram extraídos sem
qualquer preocupação com a sustentabilidade dos recursos, e, mesmo após o início
da industrialização, não se teve qualquer cuidado com a preservação dos recursos
ambientais. Atualmente, percebe-se a existência de vínculos bastante concretos entre
a preservação ambiental e a atividade industrial. Esta mudança de concepção,
contudo, não é linear e, sem dúvida, podemos encontrar diversas contradições e
dificuldades na implementação de políticas industriais que levem em conta o fator
ambiental e que, mais do isto, estejam preocupadas em assegurar a sustentabilidade
utilização de recursos ambientais21
Dentro da nova visão sobre meio ambiente trazida pela Constituição Federal, há que se
ressaltar que seu disciplinamento protetivo não se esgota no dispositivo constante no artigo 225. O Título VII,
que trata da Ordem Econômica e Financeira, traz em seu artigo 170, o seguinte:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
...
VI – defesa do meio ambiente.
O artigo acima citado eleva à condição de princípio da ordem econômica a defesa do
meio ambiente. Do exposto se infere que a ordem econômica estabelecida constitucionalmente funda-se
primeiramente na valorização do trabalho humano buscando assim, inibir práticas abusivas à pessoa humana,
reforçando pois, o princípio da dignidade humana. Deve basear-se ainda, na livre iniciativa, característica do
sistema capitalista, na justiça social e na observância do princípio de defesa do meio ambiente.
O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do
ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do
pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável –
à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre
também, ademais, os ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225, caput22.
A inclusão do princípio da defesa do meio ambiente na ordem econômica, demonstra a
preocupação do legislador que o desenvolvimento não pode estar dissociado da proteção ambiental. Lembre-
se que o desenvolvimento econômica sempre gera algum tipo de impacto ao meio ambiente, porém, deve-se
buscar formas no sentido de que este impacto seja o menor possível, bem como devem existir medidas para
compensá-lo.
Devemos lembrar que a idéia principal é assegurar existência digna, através de uma
vida com qualidade. Com isso, o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento
econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa
alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar
de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o
meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto.

20
MILARÉ, op. cit. p. 261.
21
ANTUNES. op. cit. p. 30
22
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 219.
7

O correto é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos


instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível.23
A conciliação entre desenvolvimento e proteção ambiental deve ser pautada no chamado desenvolvimento
sustentável, “que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das
necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das
gerações futuras.24
A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele
atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações
futuras atenderem também às suas.25
A meta a ser alcançada com o desenvolvimento sustentável é buscar a aliança entre o
desenvolvimento econômico com o aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza,
preocupando-se em conservar a biodiversidade, sem que haja o esgotamento dos recursos ambientais,
garantindo ainda, uma condição mais digna aos habitantes de nosso planeta, principalmente os que vivem em
condições sub-humanas.
Portanto, o desenvolvimento sustentável não pode ser apartado da melhoria da
qualidade de vida das populações pobres ou mesmo miseráveis, visto que o estágio em que se encontram
estas populações é conseqüência da forma de desenvolvimento econômico adotada que fechou os olhos para
populações carentes e para o meio .
O desenvolvimento econômico deve assegurar a existência digna e a justiça
social, que estão umbilicalmente ligadas à proteção do meio ambiente, eis que estes fatores são
indispensáveis para a continuidade da vida em nosso planeta.
Fala-se no Direito ambiental econômico, de um princípio de extrema importância, que
é o da ubiqüidade. Consoante este princípio, qualquer atividade a ser desenvolvida
há de estar vocacionada para a preservação da vida e, assim, do próprio meio
ambiente.26

CONCLUSÃO
1. Do estudo realizado neste trabalho, pudemos observar que o novo tratamento
constitucional em matéria ambiental foi um passo fundamental rumo a preservação do meio ambiente.
2. A partir daí, novas leis ambientais foram promulgadas e já tiveram uma concepção
diversa daquela existente, ou seja, estamos deixando um visão utilitarista do meio ambiente e partindo para
uma visão mais preservacionista dos recursos naturais.
3. Urge, no entanto, que esta mudança atinja não só a legislação ambiental brasileira,
mas que perpasse por cada um de nós, visto que os danos que estão ocorrendo no meio ambiente têm
afetado também os seres humanos, por vezes de forma violenta e trágica.
4. Isto, como salientado anteriormente passa também por uma mudança na postura do
desenvolvimento econômico, que deve estar aliado à preservação ambiental, criando mecanismos para
melhoria na qualidade de vida dos habitantes deste planeta, não se esquecendo da preocupação com as
gerações que estão por vir.
5. Destarte, as portas para a participação popular foram abertas pela Carta Magna
vigente. Faz-se necessário que cada um de nós assuma seu papel tanto em defesa do meio ambiente,
adotando atitudes concretas neste sentido. De nada valerá um arcabouço da legislação ambiental louvável, se
este não for efetivamente colocado em prática.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Josimar Ribeiro de; MELLO, Cláudia dos S.; CAVALCANTI, Yara. Gestão ambiental. Rio de
Janeiro: Thex, 2000.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004.

BRANCO, Samuel Murgel. O meio ambiente em debate. 34ª ed. São Paulo: Moderna. 2002.

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante. 2004.

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23
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