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Avaliação da imagem mental em crianças portadoras de Paralisia Cerebral através da

história de “Alice no País das Maravilhas” *

Lídice Cassis **
Ana Alice Francisquetti ***

Foi pensando no mundo contemporâneo, no qual a pluralidade de signos e códigos


faz parte de um desafio cultural, que foi proposta a apresentação da história “Alice no País das
Maravilhas”, de Lewis Carroll1, para crianças com Paralisia Cerebral.
A Paralisia Cerebral é um termo usado para designar um grupo de desordens
motoras, não progressivas, porém, sujeitas a mudanças, resultante de uma lesão no cérebro
nos primeiros estágios do desenvolvimento2 humano. Segundo Braga3, o desenvolvimento da
criança com Paralisia Cerebral depende de amplos fatores nos quais se relacionam aspectos
orgânicos, como a localização e extensão da lesão e o contexto sócio-histórico-cultural em
que a criança está inserida. Comumente costuma-se classificar as Paralisias Cerebrais em
quatro tipos, mas a classificação da Paralisia Cerebral analisada neste artigo é a Espástica, que
consiste em um comprometimento do Sistema Piramidal, e traz como características a
espasticidade, a hiperflexia e o aumento do tônus muscular. A Paralisia Cerebral também
pode ser classificada tomando-se como base o número de membros atingidos: paraparesia
(membros inferiores), triparesia (três membros), tetraparesia (quatro membros), hemiparesia
(dois membros do mesmo lado do corpo) e monoparesia (um membro).
Através da história “Alice no País das Maravilhas”, contada em capítulos e em várias
sessões, e representada através de objetos, essas crianças entraram no mundo da fantasia, dos
sonhos, dando “asas à imaginação”, podendo se expressar e vivenciar uma história não real,
mas que fala de si. De acordo com Bettelheim4, enquanto diverte a criança, o conto de fadas a
esclarece sobre si mesma e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece
significado em tantos níveis diferentes e enriquece a existência da criança de tantos modos,
que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que os contos
dão à vida da criança.
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Este artigo foi elaborado como conclusão de estágio, do setor de Arte-Reabilitação da AACD – Associação de
Assistência à Criança Deficiente em 2006 e publicado pela revista “Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral”,
volume 15, número 89/90, Nov/Dez/2006 Jan/Fev/2007, pela editora Memnon Edições Científicas.
**
Artista Plástica / Psicopedagoga / Arte Terapeuta / Estagiária do Setor de Arte-Reabilitação na Associação de
Assistência à Criança Deficiente-AACD-SP.
Contato: Alameda dos Flamboyants, n. 900, Morada do Verde. Franca - SP. E-mail: lidicecassis@hotmail.com
***
Artista Plástica / Arte Terapeuta / Profa. de Arteterapia no Instituto Sedes Sapientae / Responsável pelo Setor
de Arte-Reabilitação na Associação de Assistência à Criança Deficiente-AACD-SP
As histórias suscitam emoções diferentes e acionam as mais variadas imagens e
idéias, produzindo significados que são apreendidos e expressados nos desenhos, através de
símbolos. Segundo Jung5, símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos
pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além do seu significado
evidente e convencional. Implica alguma coisa vaga, desconhecida ou oculta para nós. É uma
imagem simbólica que implica algo além do seu significado manifesto e imediato, que tem
um aspecto “inconsciente” mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de todo
explicado. Di Leo6 explica que “símbolos são os mais gerais e efetivos meios de
comunicação. Um objeto pode significar uma entidade abstrata, como o gentil pombo
representando a paz, algo largamente difundido e aceito. Um símbolo pode emergir de um
caldeirão de arquétipos, num sonho ou, graficamente na forma de mandala”. Um mesmo
símbolo geralmente possui significados diferentes para as pessoas, visto que um desenho,
sendo uma produção simbólica, sempre diz algo sobre o indivíduo e a natureza da pessoa que
o criou. O desenho é uma expressão pessoal, assim como o significado dele.
A princípio toda criança desenha com qualquer instrumento que sirva de
prolongamento para o corpo, deixando registrado em alguma superfície o seu gesto.
Meredieu7 descreve que a elaboração do sistema gráfico é paralela à evolução psicomotora,
em um processo progressivo e evolutivo, que acontece por etapas, e no decorrer do processo
podem ser observadas regressões a um estágio anterior do grafismo, que podem significar
uma crise passageira ou um distúrbio profundo. Seus estudos abriram caminho para a
compreensão dos mecanismos do ato criador da criança.
As grandes fases da evolução do grafismo infantil, segundo Luquet (1927), apud
Meredieu, são: a)Realismo fortuito (por volta de 2 anos): marca o fim da garatuja. A criança
descobre por acaso uma analogia formal entre um objeto e seu traçado, dando então um nome
a seu desenho. b)Realismo fracassado (entre 3 e 4 anos): tendo descoberto a identidade da
forma-objeto, a criança procura reproduzir essa forma. É uma fase pontuada por fracassos e
sucessos parciais. c)Realismo intelectual (4 a 10-12 anos): a criança desenha do objeto não
aquilo que vê, mas aquilo que sabe. Esse fato leva à utilização de dois recursos gráficos: o
plano deitado e a transparência. d)Realismo visual (12 anos): fim do desenho infantil marcado
pela descoberta da perspectiva e a submissão às suas leis. Daí o empobrecimento e o
enxugamento progressivo do grafismo que tende a aproximar-se das produções adultas.
Alguns pesquisadores analisaram o desenvolvimento do desenho da criança
deficiente, como Krampen (1985) apud Reily8 diz que o desenvolvimento gráfico desta
criança é mais lento. Segundo Francisquetti9-10, alguns critérios podem ser utilizados para

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determinar a disfunção neurológica por meio do desenho: distorção e rotação das formas,
figuras redesenhadas, perseveração, linhas irregulares, descordenadas, as formas mal
fechadas, pouco detalhamento, assimetria. Distúrbios táteis e visuais podem ser responsáveis
por dificuldades de percepção de figura-fundo. Ainda distúrbios sensoriais devem ser
considerados. O importante é valorizar no desenho da criança comprometida o uso de formas,
cores, volumes e relações espaciais.
Ao desenhar, a criança não expressa “tudo o que viu”, mas os fragmentos do real que
lhe foram significativos, utilizando-se de objetos para simbolizar as realidades do mundo
físico e social que, de alguma forma, a impressionaram. Essas imagens são imagens mentais,
que permite à criança admitir a permanência do objeto, isto é, o objeto existe mesmo que
tenha desaparecido de seu campo visual. Piaget11 esclarece que a imagem mental surge nas
crianças em torno dos 2 anos e coincide com a formação da função simbólica. Está dividida
em imagens reprodutoras, que limitam a evocar objetos ou acontecimentos já conhecidos e
percebidos anteriormente, e imagens antecipadoras, consistentes em imaginar movimentos ou
transformações sem que se tenha assistido anteriormente a sua realização. As imagens
reprodutoras se subdividem em três categorias: estáticas, cinéticas e transformação. As
imagens antecipadoras podem ser igualmente cinéticas ou transformadoras. Pessoas diferentes
podem descrever o mesmo objeto, a mesma imagem com categorias perceptuais diferentes.
Os estudos de Piaget concluem que, entre 2 e 7 anos, no período pré-operatório do
desenvolvimento cognitivo, as imagens mentais são reprodutoras e quase que exclusivamente
estáticas. Somente no período das operações concretas (7 a 12 anos) é que as crianças
conseguem reproduzir imagens cinéticas e transformadoras. Exemplos de imagens mentais
reprodutoras: estáticas (cama), cinéticas (o balançar de uma gangorra) e transformadoras
(dividir um quadrado em dois retângulos). As diversas imagens mentais não se constroem
uma às outras tão facilmente, existem níveis hierárquicos de imagens que correspondem a
estágios de desenvolvimento.
O objetivo foi verificar, através do desenho, se a imagem mental da criança
portadora de Paralisia Cerebral correspondia aos estudos de Piaget, por meio da avaliação dos
seguintes aspectos da imagem mental: imagem reprodutora; imagem cinética; imagem
transformadora; lateralidade; habilidade de desenhar; linguagem verbal (quais os personagens
que a criança conseguiu recordar da história). Fazendo com que a criança ao escutar histórias
se desenvolva cognitivamente, promovendo a ampliação do seu universo do “faz de conta” e a
arte de sonhar.

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Este estudo é prospectivo e observacional de séries de casos, em que a história original
de “Alice no País das Maravilhas” foi contada em 13 partes, para um maior entendimento e
para que a concretização plástica fosse feita sessão a sessão. No início de cada sessão a
história era relembrada por todos e era acrescentada pela contadora a continuação de uma
parte, avançando-se, assim, a cada sessão, até o desfecho da história, sempre mostrando
imagens, representações e objetos concretos, como por exemplo, boneca confeccionada de
Alice, frutas de plástico, relógios de papel, cartas de baralho, entre outros. Para a verificação
da aprendizagem após o término da história, todos os materiais eram retirados do campo
visual das crianças e era pedido que elas representassem plasticamente a história ouvida, para
avaliação da imagem mental e da cognição. Para isto, foi elaborado um protocolo quantitativo
de avaliação da memória, do desenho e da imagem mental, preenchido por paciente a cada
sessão, contendo as legendas de “sim”, “não”, “às vezes” e também um item de “observações
extras” verificadas durante o processo.
1a sessão – ALICE. Foi contado o início da história às crianças e pedido para que
desenhassem a Alice que elas imaginaram com o material que preferissem (lápis de cor, giz
de cera ou caneta hidrocor) em papel sulfite A4. Depois foi apresentada a imagem
representativa de Alice em papel A3 colorido e lhes entregue um xerox em branco e preto da
mesma imagem para que colorissem e posteriormente colassem uma saia e uma blusa.
Também foi apresentadas uma boneca com a mesma vestimenta que estavam colando no
papel. Foi pedido que as crianças reconhecessem as partes do corpo no desenho e em seu
próprio corpo, visando o reconhecimento do esquema corporal (Figura 1).
2a sessão – PORTA. Depois de apresentado o poema de Vinícius de Moraes “A Porta”
e posteriormente a música deste poema cantada por Fábio Junior, foi pedido para que os
pacientes desenhassem a porta que imaginaram a Alice ter encontrado. Depois foi pedido que
eles desenhassem o que a Alice achou atrás daquela porta e depois outro desenho sobre o que
eles queriam que a Alice tivesse encontrado atrás da porta (Figura 2).
3a sessão – PAÍS DAS MARAVILHAS. Foi pedido para que as crianças
representassem o País das Maravilhas que Alice encontrou atrás da porta, apenas por cores.
Foi falado sobre as cores primárias, fazendo-se o reconhecimento das mesmas. A composição
foi feita dentro de um saco plástico, com tintas nas cores primárias e espalhadas com as mãos
e depois representadas no papel (Figura 3).
4a sessão – RELÓGIO. Foi evidenciada a questão do relógio e seus números. Brincou-
se de contar os números, seqüenciá-los no crescente e decrescente. Foi produzido um relógio

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de ponteiros móveis e brincou-se de ver as horas. Também os pacientes fizeram um relógio de
pulso a fim de levarem para casa (Figura 4).
5a sessão – COELHO. Aproveitando a proximidade da Páscoa, foi falado sobre o
coelho de Alice. Cada criança desenhou o seu coelho da Alice e, depois com colagem, acabou
de enfeitar o desenho com algodão, laços de fita e tinta guache (Figura 5).
6a sessão – COMIDA COM PIMENTA. Foi contada a entrada de Alice na casa da
Duquesa, onde havia a empregada que colocava pimenta na comida. Foi levado para a sessão
miniaturas de frutas (docinhos), e também um saleiro e um pimenteiro, onde as crianças
puderam vivenciar a colocação de pimenta na comida e depois espirrar por isso. Depois foi
feito o registro em forma de desenho (Figura 6).
7a sessão – LAGARTA. Foi apresentado às crianças um cogumelo feito de espuma
plástica, com duas lagartas de dobradura, e uma em desenho colorido. Enquanto algumas
crianças recitavam poesias, as outras soltavam bolinhas de sabão, evocando a história de
Alice, depois foi feito o registro em desenho (Figura 7).
8a sessão – SORRISO DO GATO. Foi contada a história do gato que aparece e
desaparece. Foi mostrado um sorriso feito com isopor, em que aparece sozinho no meio das
árvores. Depois foi pedido para fazerem o registro em desenho no papel (Figura 8).
9a sessão – DESANIVERSÁRIO. Foi contada a história do encontro entre Alice, o
Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março, onde todos tomavam chá quase que eternamente sem
fazer sentido. Então foi montada uma festa de desaniversário, onde foi comemorado o não
aniversário de todos ali presentes. Foram colocados chapeuzinhos de aniversário, língua de
sogra, pirulito e cantamos “Parabéns a você”. Depois foi feito o registro em forma de desenho
(Figura 9).
10a sessão – ROSAS. Foram levadas cartas de baralho para se conhecer os soldados da
rainha. O 2, o 5 e o 7 de copas. Rosas brancas em dobraduras foram feitas para ser pintadas de
vermelho para depois ser coladas no desenho de registro (Figura 10).
11a sessão – CRÍQUETE. Depois de apresentados o ouriço-caixeiro e o flamingo em
sessão anterior, foram apresentados flamingos recortados em cartolina, bolinhas de lã como
ouriços, cartas de baralho em A4 como soldados que se transformavam em arcos. Tudo isso
para que os pacientes pudessem jogar o jogo de críquete, onde na história, a rainha convida
Alice. Depois de experenciado o jogo as crianças fizeram o registro em desenho (Figura 11).
12a sessão – O JULGAMENTO. Em sessão anterior foi visto algo sobre julgamentos,
rainhas, reis, juiz, jurados e advogados, depois foi visto especificamente o julgamento de
Alice. Isto acontece por causa do roubo de tortinhas da rainha. Em sessão, foi feitos uma

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tortinha, com granulado colorido e calda de chocolate e morango. Simulado o roubo, foi feito
o julgamento e depois o registro em desenho (Figura 12).
13a sessão – DESPERTAR DE ALICE. Depois de relembrada toda a história de Alice
contada pelas crianças, cada uma deu sua opinião sobre o final da história. Após desvendado
o final verdadeiro, cada criança pintou uma folha de árvore para colocá-la em uma árvore
montada na parede no tamanho de 2 metros. E foi tirada uma foto de cada criança em frente a
esta árvore em posição de despertar de um sono, espreguiçando-se. Após as fotos, cada
criança registrou o final da história no papel com lápis de cor e canetinha (Figura 13).
O material usado sempre foi escolhido pela criança, que o teve à sua disposição, como
papel, canetinha, lápis de cor, giz de cera, tinta plástica, pincéis, entre outros. Ao finalizar a
história e com o objetivo lúdico e personalizado, foi construída uma caixa de madeira (Figura
14), simulando um filme, com duas engrenagens roliças e giratórias, contendo as produções
de cada paciente. Girando essa engrenagem, os desenhos passaram-se diante da criança, que,
dialogando com a história de “Alice no País das Maravilhas”, resultou na interpretação global
de cada paciente (Figura 15).
Foram avaliadas sete crianças portadoras de Paralisia Cerebral Espástica, atendidas no
setor de Arte-Reabilitação da Associação de Assistência à Criança Deficiente-AACD,
compreendidas na faixa etária de 6 a 14 anos. Todas as crianças que participaram do estudo
estavam com autorização dos pais ou responsáveis, feita por escrito e anexada no protocolo de
avaliação inicial do setor de Arte-Reabilitação. As informações abaixo foram colhidas de
prontuários da instituição, resumidos e destacados os principais dados referentes a cada
criança:
G.A.Q.: menino com diagnóstico de Paralisia Cerebral Diparesia Espástica, com 6
anos de idade. MMSE (membro superior dominante esquerdo), não possui marcha e fala com
dificuldades, mas se faz entender bem. Freqüenta a 1a série de escola municipal. A avaliação
pedagógica diz ser práxico e com dificuldades gráficas. Fase do grafismo; realismo fortuito
com primeiros agregados e tentativa de estruturação da figura, em janeiro de 2006.
R.L.C.: menino com diagnóstico de Paralisia Cerebral Diparesia Espástica, com 7 anos
de idade. MMSD (membro superior dominante direito), possui marcha prejudicada e
dificuldade de comunicação verbal. Freqüenta a UEPA em inicio de alfabetização. É
voluntarioso, possui dificuldade de concentração, recusa-se a fazer atividades quando tem
dificuldades, não nomeia cores. Fase do grafismo; garatuja vertical e dispersa, em janeiro de
2006.

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I.G.M.: menina com diagnóstico de Paralisia Cerebral Diparesia Espástica, com 7 anos
de idade. MMSD, caderante e impossibilidade da fala, fazendo uso da pasta de comunicação
alternativa. Tendência à distração com a perda do interesse, rendimento abaixo da média. Fase
do grafismo; garatuja, em janeiro de 2006.
C.E.A.V.: menino com diagnóstico de Paralisia Cerebral Hemiparesia Espástica à
direita com 8 anos de idade. MMSE, anda e fala normalmente. Freqüenta a 2a série na escola
pública. Mantém grande vínculo com a mãe, comunicativo, apresenta apraxia e não consegue
realizar tarefas do dia-a-dia. Fase do grafismo; realismo fortuito com estruturação da figura
humana, em janeiro de 2006.
J.P.: menina com diagnóstico de Paralisia Cerebral Tetraparesia Espástica, com 9 anos
de idade. MMSD, caderante e dificuldades na fala. Freqüenta a 1a série. Possui atraso global
lentificado com problemas de planejamento e no desenvolvimento neuropsicomotor. Fase do
grafismo; garatuja, com desenhos agregados sem evolução motora, em dezembro de 2005.
M.T.R.: menino com diagnóstico de Paralisia Cerebral Diparesia Espástica com 12
anos de idade. MMSD, anda com muletas e fala normalmente. Freqüenta a 6a série em escola
pública. Rendimento intelectual na faixa da normalidade. Fase do grafismo; realismo
intelectual, em fevereiro de 2004.
H.C.S.: menino com diagnóstico de Paralisia Cerebral Diparesia Espástica com 14
anos de idade. MMSE, caderante e fala normalmente. Freqüenta a 4a série em escola estadual.
Possui retardo mental leve, intelectualmente deficiente. Fase do grafismo; garatuja formando
primeiras estruturas, em julho de 2005.
Os resultados individuais observados foram destacados a seguir:
G.A.Q. nomeia os desenhos tentando reproduzi-los passando dos agregados para o
início da figuração do desenvolvimento gráfico, pretendendo preencher as formas com
grafismo. Passa para a fase do realismo fracassado, possuindo representação da imagem
mental em imagem reprodutora estática.
R.L.C. possui pouco suporte para frustração, não reproduz a história, não reconhece
cores. Está na fase da garatuja, pulando fases importantes do desenvolvimento gráfico
(agregados) para tentativas da escrita através de linhas obliquas e quebradas pela imitação.
Não possui representação da imagem mental.
I.G.M. faz comunicação gestual da história, ocupa melhor o espaço gráfico e
reconhece as cores. Tem muitas dificuldades motoras e está na fase da garatuja iniciando os
agregados. Possui a representação da imagem mental em imagem reprodutora estática.

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C.E.A.V.não tem o desenvolvimento da seqüência do ato motor, por apresentar
apraxia construtiva. Utiliza mal o espaço gráfico e possui uma linha irregular. Passa para a
fase do realismo fracassado. Representa a imagem mental em imagem reprodutora estática.
J.P. apresenta atraso no desenvolvimento gráfico por questões motoras, não
possibilitando fazer a leitura formal dos desenhos. Está na fase do realismo fortuito e possui
imagem mental, só não consegue reproduzi-la no papel, tornando-se uma imagem reprodutora
estática.
M.T.R. apresenta desenhos bem coloridos, agrega valores, muito detalhamento,
perspectiva, fala de personagens, cenários. Passa para a fase do realismo visual. Muito
criativo na produção gráfica, possuindo uma imagem reprodutora transformadora.
H.C.S. apresenta certa rotação da imagem, não tem linha de base no desenho,
melhorou o aproveitamento do espaço gráfico e apresenta uma evolução do grafismo anterior
para um realismo intelectual. Possui representação da imagem mental, onde se classifica
como reprodutora estática para a cinética.
Contos são aventuras encantadas, são como jornada a mundos inexplorados, e podem
comparativamente ser associados a jornadas do universo interior do humano. Como diz
Bettelheim, “para uma história prender realmente a atenção de uma criança, ela deve entreter
e provocar a curiosidade. Para enriquecer sua vida deve estimular sua imaginação, ajudar a
desenvolver o intelecto e explicar aquilo que está sentindo. Precisa estar em sintonia com suas
ansiedades e aspirações, atender suas dificuldades e ao mesmo tempo apontar soluções aos
problemas que a perturbam”.
A história de “Alice no País das Maravilhas” foi usada para evocar no desenho a
representação da imagem mental da criança, visto que é uma representação simbólica da
assimilação e da imitação do real.
A imitação, o desenho, as imagens mentais e a linguagem permitem a evocação
representativa de objetos ou acontecimentos. A evolução da imagem mental depende de uma
complexidade de fatores: maturação, experiência física, interações sociais, equilibração,
relação com o todo, organização espacial e toda faculdade de percepção visual.
Segundo Piaget, citado anteriormente, a criança de 7 a 12 anos já consegue
reproduzir imagens reprodutoras cinéticas e transformadoras. Levando em consideração as
dificuldades motoras apresentadas pela patologia, neste estudo pudemos perceber que crianças
portadoras de Paralisia Cerebral possuem um atraso no desenvolvimento cognitivo e na
formação da função simbólica. Das sete crianças estudadas, apenas duas conseguiram
reproduzir imagens reprodutoras cinéticas e transformadoras, as outras seis crianças

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permaneceram nas imagens reprodutoras estáticas, sendo que, outra criança nem mesmo
possui a representação da imagem mental e nem a compreensão da história. Dessas sete
crianças, seis sempre lembravam da seqüência lógica da história, conseguindo recontá-la a
cada sessão subseqüente, seja verbalmente compreensível ou mesmo com o verbal
comprometido, as crianças se expressavam na fala ou por gestos se fazendo entender por
algum meio de comunicação.
Por outro lado foi espantoso o desenvolvimento e a evolução do grafismo infantil
apresentado pelas crianças, mostrando que a Arte favorece a expansão do pensamento, dos
sentimentos, dos valores e torna-se presente na representação plástica. A aprendizagem na
teoria piagetiana é uma visão interacionista construtivista, ou seja, a aquisição do
conhecimento é fruto de um sujeito ativo que constrói seu saber, através da ação física e
mental sobre a realidade.
Durante toda a contação da história de “Alice no País das Maravilhas”, a
manipulação dos objetos concretos da história foi crucial para determinar uma melhor
compreensão e a retenção seqüencial da história. Afinal, segundo as idéias de Piaget, para
conhecer os objetos, o sujeito deve agir sobre eles, portanto, necessita transformá-los,
deslocá-los, ligá-los, combiná-los, desassociá-los e reuni-los novamente. É agindo sobre o
objeto que o indivíduo estrutura e adquire conhecimento. Das sete crianças, cinco evoluíram
de uma fase do grafismo para outra fase. Começaram desenhando de uma maneira e
terminaram desenhando de outra, adquiriram confiança, conhecimento e desenvolvimento.
Apesar de as histórias poderem criar mundos novos e diferentes do real, elas são arte e a arte
retrata a vida.
A Arte-Reabilitação sendo interface entre a Arte e a Reabilitação, coloca a Arte a
serviço de uma nova força de expressão, permitindo a criança se colocar através das formas, o
que é inexpressível pela palavra de uma forma lúdica e criativa, onde através da manipulação
de materiais artísticos, pode-se aprender a ordenar seu mundo interior, utilizando e
organizando seus objetos de seu mundo diário, dando forma aos conteúdos internos,
organizando suas emoções, desejos e fantasias.
Embora não existam trabalhos publicados por Piaget sobre pesquisas com crianças
especiais, foi observado, ao longo desse estudo, que a criança portadora de Paralisia Cerebral
possui, sim, a imagem mental. As crianças observadas foram apenas mais lentas nesta
aquisição, que, segundo Vygotsky3, muitas leis que governam o desenvolvimento cognitivo e
psicológico da criança deficiente são as mesmas que guiam o desenvolvimento das crianças
normais. Esta criança deficiente tem o desenvolvimento global comprometido e atrasado, e a

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complexidade de fatores para esta evolução é mais lenta, mas a importância de escutar
histórias percorre caminhos que fazem com que a criança compreenda que, apesar de a vida
trazer consigo uma luta contra dificuldades, apesar de ser preciso transpor obstáculos a todo o
momento, não devemos nos intimidar, mas encarar estes obstáculos de frente. Ouvindo
contos, a criança transpõe obstáculos junto com os personagens, de uma forma imaginária,
sem um envolvimento real que mobilize uma angústia insuportável. Futuramente, ao lidar
com situações reais, ela já estará mais preparada para superar seus próprios limites e
obstáculos e acreditará que vale a pena lutar, dar o melhor de si nesta superação.

Referências Bibliográficas

1. Carroll L. Aventuras de Alice no País das Maravilhas; Através do espelho e o que Alice
encontrou lá. São Paulo: Summus Editorial; 1980. 41-131p.
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Sarahletras; 1995. 16p.
4. Bettelheim B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1979.
20:27p.
5. Jung CG. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; 1977. 20p.
6. Di Leo JH. A Interpretação do Desenho Infantil. Porto Alegre: Artes Médicas; 1985. 18p.
7. Meredieu F. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix; 1993. 18:20p.
8. Reily L. Nós já Somos Artistas: Estudo Longitudinal da Produção Artística de Pré-
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9. Francisquetti AA. A Arte-Reabilitação como Meio de Expressão. In: Souza AMC.
organizador. Como tratamos a paralisia cerebral. São Paulo: Escritório Editorial; 1997. p.
93-105.
10. Francisquetti AA. Arte-Reabilitação com Portadores de Paralisia Cerebral. In: Ciornai S.
organizador. Percursos em Arteterapia; Arteterapia e Educação, Arteterapia e Saúde. São
Paulo: Summus Editorial; 2005. p. 239-259.
11. Piaget J. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel; 2003. 67p.

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