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Claudia Zardo
“Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas
dançarinas”
A provocante, para não dizer deselegante, frase do deputado italiano Ettore Pirovano,
ainda que fora do seu contexto [¹], remete-nos a uma reflexão mais ampla e interessante sobre
a valorização dos profissionais do Direito dentro e fora do seu país.
Mas em nada devem ficar surpresos os que leem a declaração do deputado, afinal, a
imagem que vendemos de nós mesmos lá fora é, em parte, responsabilidade nossa. Ou seja,
quando um país não valoriza ou investe no seu capital intelectual (cérebros), e na contrapartida
gasta bilhões para exportar e fazer publicidade de voluptuosas curvas (seios e nádegas), as
quais fomentam e atraem milhares de dólares e euros dos gringos para o bolso do nosso
carnaval, é de se esperar que a imagem nacional, aos gulosos olhos estrangeiros, não vá além
dos dotes das nossas “dançarinas”.
Questão de investimento
Verdade é que o carnaval acontece uma vez por ano, entre diferentes mazelas, rende
bilhões para redes de TV e cervejarias, gera empregos, movimenta o mercado do turismo e o
da exploração sexual.
Questão de reconhecimento
Sendo, pois, que, tanto boa parte da nossa população quanto o deputado italiano
desconhecem nossos predicados na área do Direito, nada mais justo do que abrir uma ala para
informar às autoridades italianas de que no Brasil não deixamos a desejar nem na apoteose do
samba e muito menos na área da ciência do Direito.
Questão de qualidade
Esses pesquisadores não ficam por aí desfilando seus dotes corporais para “ italiano
ver”. Afinal, o que eles têm de melhor não são as nádegas avantajadas, mas sim o
conhecimento que guardam dentro de suas mentes. Vivem em uma hermética aldeia intelectual
(nas comunidades acadêmicas), concentrados em analisar os rumos de um mundo ainda não
avaliado; e, por fim, suas vozes são lidas e ouvidas na forma de letras discretamente
impressas em artigos científicos.
Lado outro, nesse mundo sem plumas, paetês, altas somas de investimentos e muito
menos brilho lúdico, os pesquisadores não visam a vaidade de aparecer na TV, mas sim, têm
por motivação a contribuição para o avanço intelectual do país.
MUNDO DA PESQUISA
Para aclarar, pois, algumas mentes, e até para dar o devido valor ao trabalho desses
profissionais brasileiros, é dentro do contexto de uma das mais respeitadas universidades
brasileiras - a Universidade Federal de Uberlândia - que o pesquisador Alexandre Garrido da
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Silva [ ], 28 anos, conta em texto mais pormenores de um mundo pouco conhecido e como
funciona o projeto Observatório da Justiça Brasileira. Confira as informações a seguir e
perceba que, sim, no Brasil, nós temos belas dançarinas, mas temos também ótimas cabeças
trabalhando para a evolução do nosso Direito.
OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA: NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE O ESTUDO
DA JUSTIÇA
*
Alexandre Garrido da Silva
O evento, apesar de ter alcançado grande difusão no meio acadêmico e nas diferentes
redes compostas por atores e movimentos sociais, permaneceu, em grande medida, restrito ao
mundo “alternativo” dos blogs ou, então, mereceu pequenas menções – normalmente críticas –
na imprensa escrita sem maiores repercussões nos meios de comunicação de massa. Ao final
do Seminário de Apresentação do OJB, o Ministro da Justiça Tarso Genro assinou uma
portaria de criação de um grupo de trabalho para a estruturação do Observatório no prazo de
120 dias. Esse ato inicial de criação de uma política pública inovadora no campo da Justiça
brasileira constitui, ao mesmo tempo, o resultado de uma articulação original entre pesquisa
científica no âmbito das universidades públicas, participação democrática dos movimentos
sociais e a capacidade de mobilização do Estado. O que há de novo nessa proposta? Por que
a reduzida repercussão do evento nos grandes meios de comunicação? Em primeiro lugar, é
importante destacar os objetivos fundamentais, a proposta de organização e os princípios que
estruturam o OJB. Em segundo lugar, discutir-se-á como o OJB é um exemplo de inovação
institucional – um verdadeiro exercício e concretização de uma “imaginação institucional” – ao
1
articular dois conceitos fundamentais, trabalhados por Boaventura de Souza Santos ,
indispensáveis para a sua compreensão: a noção de rede e a ecologia dos saberes.
*
Professor assistente de Fundamentos do Direito da Faculdade de Direito “Jacy de Assis” da
Universidade Federal de Uberlândia (FaDir – UFU). Doutorando e mestre em Direito Público pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Líder do Grupo de Pesquisa “Poder Judiciário e
Teorias contemporâneas do Direito” (CNPq – UFU). Pesquisador do Projeto “Dossiê Justiça: uma
proposta de observação das relações entre Constituição e Democracia no Brasil” (UFRJ-UnB-MJ).
1
SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da universidade. 2ª edição. São Paulo, Cortez: 2007, p. 76-81; 92-98.
2
Cf. http://opj.ces.uc.pt/.
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relatórios, diagnósticos e trabalhos, de uma proposta inicial de estruturação do OJB . O
Observatório representa uma iniciativa de criação de um espaço público, plural e socialmente
heterogêneo, composto por múltiplos atores, estruturado em “rede” para a realização de
diagnósticos, investigações críticas, propostas de reformas institucionais, ou seja, para
promover discussões sobre o sistema da Justiça (incluindo o Poder Judiciário, mas também
outros meios alternativos, informais, de resolução de conflitos na sociedade) com o objetivo
geral de obter subsídios para a fundamentação de políticas públicas na área. O Observatório
estimulará, por meio de diagnósticos e pesquisas científicas, a construção de políticas públicas
legitimadas pela interação e diálogo entre atores estatais, atores econômicos, movimentos
sociais, representantes das carreiras jurídicas, universidades e centros de pesquisa.
3
Cf. REVISTA JURÍDICA DA FACULDADE NACIONAL DE DIREITO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, v. 1, n. 3, p. 93-98, dez. 2008.
4
SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da universidade. 2ª edição. São Paulo, Cortez: 2007, p. 77.
conseqüentemente, de suas propostas de reformas institucionais e normativas para o sistema
brasileiro de Justiça.
Como tudo aquilo que é novo, o Observatório Permanente da Justiça Brasileira gera,
em um primeiro momento, reações e suspeitas. Nenhum poder de Estado gosta de ser
observado. A mesma suspeita rondou o longo processo de criação do Conselho Nacional de
Justiça. Não é comum a articulação entre Estado, universidades, centros de pesquisa,
representantes das carreiras jurídicas e movimentos sociais sobre temas politicamente
sensíveis como é o caso da proposição de políticas públicas no âmbito dos sistemas da Justiça
e do Poder Judiciário. Em regra, essa temática é apropriada corporativamente ou por grupos
de especialistas. A credibilidade e a legitimidade das investigações e das sugestões
formuladas pelo Observatório dependerão, sobretudo, do grau de autonomia científica que for
construído e consolidado ao longo do tempo. Certamente, a primeira decisão existencial sobre
a estruturação do OJB versará sobre a intensidade de sua vinculação ao Ministério da Justiça e
à Secretaria de Reforma do Judiciário. Por um lado, a sua localização junto ao Poder Executivo
garante a indispensável capacidade de mobilização do Estado e a possibilidade de formulação
efetiva de políticas públicas, além da necessária sustentabilidade financeira. Um Observatório
exclusivamente acadêmico (universitário, por exemplo) ou situado no âmbito da sociedade civil
dificilmente alcançaria semelhante efetividade e sustentabilidade. Por outro, há o risco,
apontado por Boaventura de Souza Santos, de perda de autonomia e de legitimidade científica
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de suas investigações . Essa é uma questão trágica. Qualquer uma das opções possui
vantagens e desvantagens consideráveis. Não poderia ser diferente. Inovações institucionais
do porte do Observatório da Justiça Brasileira não podem ser realizadas sem o enfrentamento
de dúvidas, incertezas e dificuldades.
Notas da jornalista
1. Último Segundo, IG, 30.01.2009 (“Caso Battisti: ‘O Brasil é conhecido por suas dançarinas, e não por
seus juristas’, diz deputado”).
3. José Ribas Vieira é professor associado de Direito do Estado da Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor titular de Ciência Política da Faculdade de Direito da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Coordenador do grupo de pesquisa “Ativismo judicial e judicialização da política”
(IBMEC-RJ).
5
SANTOS, Boaventura de Souza. GOMES, Conceição. Parecer sobre a proposta “Subsídios para a
institucionalização de um Observatório Permanente da Justiça Brasileira no âmbito do Ministério
da Justiça”. Coimbra: Centro de Estudos Sociais (CES)- Faculdade de Economia, 2008, p. 09-10.