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RELIGIÃO CÍVICA E MISTICISMO NA GRÉCIA

CLÁSSICA

INTRODUÇÃO

A Religião Cívica, será apresentado, como na aula, em dois tópicos: o primeiro se refere a
algumas de suas características e o segundo se concentrará no dia-a-dia da prática religiosa
como, por exemplo: os cultos que, como todos os cultos religiosos em todos os tempos,
tinham por objetivo estabelecer uma espécie contato entre os homens e o divino, cujas
motivações nasciam das mais variadas necessidades, não só do homem comum como também
da cidade como um todo, (aplacar a ira dos deuses, saber do futuro, ajudar na tomada das mais
variadas decisões, interpretar os presságios, fazer ou não a guerra e etc.. . .). No presente
trabalho vamos discorrer sobre alguns desses cultos e práticas correntes dos gregos (os
adivinhos relacionados com os presságios e sonhos, os sacrifícios, os santuários com seus
oráculos, os templos, os festivais pan-helênicos e festas anuais ao patrono da cidade e a outras
divindades). Em relação ao segundo tema da aula, o Misticismo na Grécia Clássica:
procuraremos demonstrar as razões que levaram ao seu surgimento e nos concentraremos nos
três fenômenos místicos considerados os mais relevantes: Os Mistérios, O Dionisismo e o
Orfismo.

DESENVOLVIMENTO
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A RELIGIÃO CÍVICA
CARACTERÍSTICAS

O sistema religioso dos gregos, baseado em lutas entre gerações divinas, não contempla
apenas os deuses vencedores (Zeus e os Olímpicos), mas também absorve divindades e cultos
arcaicos.

“O triunfo de Zeus e dos Olímpicos não se traduziu pelo desaparecimento das


divindades e cultos arcaicos, alguns de origem pré-helênica. Ao contrário, uma
parte da herança imemorial acaba sendo integrada no sistema religioso
olímpico” [...].
(Eliade, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas: da Idade da Pedra aos
mistérios de Elêusis. Tomo 1, vol 2. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978, p. 81.)

Os deuses helênicos são forças e não pessoas. As relações entre o homem e o deus parecem
que excluíam certas dimensões essenciais às pessoas. O panteão Grego constituiu-se em um
período em que o pensamento ainda não tinha elaborado a noção da experiência humana de
uma forma puramente pessoal, uma dimensão interior do homem.

“O religioso está incluído no social; o indivíduo não ocupa um lugar central,


não participa do culto por razões pessoais. Na verdade, o indivíduo exerce no
culto o papel que seu estatuto social lhe atribui.”
(Camargo, Alexandre. Anotações da 3ª aula – A religião cívica na Grécia – O
misticismo grego. Curso de Cultura, Filosofia e Religião na Antiguidade Clássica. Rio
de Janeiro. FSBRJ, 2011, p.2)

Uma força divina não tem realmente “existência em si”. Ela não aparece necessariamente
como um sujeito singular, mas também como um plural: seja plural indefinido, seja
multiplicidade numerada. A consciência religiosa do grego não apresenta nenhuma
incompatibilidade radical, para designar uma força divina, o grego passa sem dificuldade, até
na mesma frase, do singular ao plural e vice-versa. Exemplificando: o culto não conhece esse
Zeus, personagem único que a mitologia nos tornou familiar, mas toda uma série de Zeus
particularizados pelo seu epíteto cultural, muito diferentes uns dos outros quanto ao seu
significado religioso; não obstante, todos são Zeus de uma certa maneira. E assim se dá
também com outros deuses.

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A figuração do deus em uma forma plenamente humana não modifica este dado fundamental:
ela constitui um fato de simbolismo religioso que deve ser situado e interpretado exatamente.
O ídolo não é um retrato do deus; os deuses não têm corpo; são por essência, invisíveis,
sempre além das formas pelas quais se manifestam ou com as quais se tornam presentes no
templo.
No caso dos heróis, eles formam, na época clássica uma categoria religiosa muito bem
definida, que se opõe tanto aos mortos quanto aos deuses. Ao contrario dos mortos, o herói
conserva no além o seu próprio nome, a sua figura singular; a sua individualidade emerge da
massa anônima dos defuntos. Contrariamente aos deuses, ele se apresenta, no espírito dos
gregos, como um homem que viveu outrora e que, consagrado pela morte, viu-se promovido a
um status quase divino.

“Na religião há dois movimentos:


1º - O da particularização: Tornar particular e estreita a relação de certos
deuses com a cidade e com diferentes grupos. Surgimento dos deuses tutelares
das cidades-estado gregas.
2º - O da generalização: Surge uma literatura épica, desligada de uma raiz
local, que fala pelos helenos como um todo.” [...].
(Camargo, Alexandre. Anotações da 3ª aula – A religião cívica na Grécia – O
misticismo grego. Curso de Cultura, Filosofia e Religião na Antiguidade Clássica. Rio
de Janeiro. FSBRJ, 2011, p.7)

PRÁTICAS
O ADIVINHO:
Os sonhos e os presságios podiam ser enganosos ou verídicos, mas para se ter certeza de seu
significado era necessário o auxilio de um interprete qualificado: o adivinho. Os presságios
eram interpretados a partir do vôo das aves

[...] “É bom lembrar que os pássaros são intermediários “naturais” porque


freqüentam o céu e habitam a terra, situando-se entre os deuses e os homens.”
(Vidal-Naquet, Pierre. O mundo de Homero. Trad. Jônatas Batista. São Paulo: Cia das
Letras, 2002, p. 74).

OS SACRIFÍCIOS:
Sempre sangrentos, eram o modo mais usual de comunicação entre homens e deuses, onde
queimavam a porção dos deuses na esperança que a fumaça alcançasse o céu e os satisfizesse.
As oferendas variavam de um modesto carneiro até as opulentas ofertas de cem bois cuja

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carne era distribuída pelos participantes. Mas os deuses estão livres para aceitar ou recusar o
sacrifício.

[...] “uma porção da vítima, compreendendo a gordura, é queimada sobre o


altar, enquanto a outra parte é consumida por aqueles que oferecem o sacrifício
em conjunto com seus companheiros. Mas os deuses estão também presentes:
eles se alimentam dos sacrifícios [...] ou do fumo provocado pela gordura” [...].
(Eliade, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas: da Idade da Pedra aos
mistérios de Elêusis. Tomo 1, vol 2. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978, p.90).

[...] “E Zeus finalmente decide:


Heitor era, para os deuses, o mais caro dos mortais que nasceram em Ílion. Era
caro também a mim, pois jamais se esquecia das oferendas que me agradavam.
Havia sempre banquetes no meu altar e todos partilhavam das libações e das
espessas fumaradas que são o quinhão de todos nós. (grifo nosso).
(Vidal-Naquet, Pierre. O mundo de Homero. Trad. Jônatas Batista. São Paulo: Cia das
Letras, 2002, pp. 74 e 75).

OS SANTUÁRIOS COM SEUS ORÁCULOS:


Os santuários com seus oráculos eram, na Grécia Antiga, o mais importante e o mais
prestigioso meio de comunicação entre deuses e homens; a resposta da divindade às consultas
de seus fiéis era, no entanto, quase sempre enigmática. Ela era transmitida por meio de sinais
ou através de uma espécie de transe que acometia um sacerdote ou sacerdotisas e,
invariavelmente, requeria alguma interpretação.
O maior e mais famoso oráculo era o de Apolo, no monte Parnaso, na cidade de Delfos.

“Quando se fala em “oráculos” da Grécia Antiga, o primeiro que nos vem à


mente é o majestoso Oráculo de Delfos, dedicado a Apolo, com sua Pitonisa,
suas festas e mais ainda, sua ação decisiva em assuntos religiosos, políticos e
sociais [...].
(Brandão, Junito de Souza. Grécia e Roma – Doze Mitos (apostila). Rio de Janeiro:
PUC, 1981, p.4).

“O oráculo era efetuado pela pítia e pelo profeta que assistia a consulta. A
princípio, as consultas se realizavam uma vez por ano (no aniversário do deus),
em seguida uma vez por mês e, finalmente, diversas vezes, com exceção dos
meses de inverno, quando Apolo estava ausente. A operação compreendia o
sacrifício prévio de uma cabra. Em geral os consulentes formulavam as
perguntas sob uma forma alternativa: ou seja, se era preferível fazer isto ou
aquilo. A pítia dava a resposta sorteando favas brancas ou negras”
(Eliade, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas: da Idade da Pedra aos
mistérios de Elêusis. Tomo 1, vol 2. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978, p.104).

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Na praça do mercado local em Pharae havia uma estátua dedicada ao deus Hermes (Mercúrio,
para os romanos) que funcionava como oráculo, mas diferentemente do consagrado a Apolo,
em Delfos, em Pharae não tinha nenhuma pitonisa para dar a resposta e nem um sacerdote
para interpretar a mensagem da divindade. Quando alguém queria fazer alguma consulta a
Hermes, bastava se aproximar da estátua do deus do comércio, entregar a sua oferenda e fazer
uma pergunta baixinho, junto ao ouvido dele e, em seguida, tampava os ouvidos e afastava-se
da estátua que, por ficar na praça do mercado local, era muito movimentada, e, no meio da
praça, destampava os ouvidos. A primeira coisa que ele ouvisse naquele burburinho era a
resposta de Hermes à sua pergunta, porque “a voz do povo era a voz do deus”. Este templo
funcionou até fins do século IV d. C. Ali, se cultuavam os mistérios de Hermes Trimegisto.
Foi o último templo a ser desativado, foi o último deus mitológico a receber oferendas. O
Cristianismo àquela época já tinha se desenvolvido. Era hora de a nova religião substituir as
antigas crenças.
Havia também, entre outros, o oráculo de Zeus em Dodona, o oráculo dos mortos em Éfira, e
os templos da cura (santuários dedicados às divindades médicas).

OS TEMPLOS:
Com o advento da polis, onde, com o passar dos tempos a política foi sendo dessacralizada, a
ponto de ter surgido, nesta época, a primeira reflexão puramente humana (a filosofia e a
política), e com o deslocamento do centro da vida política e social da cidade do palácio para a
Ágora, os gregos começaram a utilizar o local onde se situava o palácio, geralmente no ponto
mais alto da cidade, que era protegido por muralhas, para edificar vários templos e dedicá-los
aos deuses, entre eles o do deus “padroeiro” da cidade. A título de exemplo citaremos
algumas cidades com alguns de seus templos.
Em Atenas, na acrópole, o Pártenon, templo dedicado da deusa Atena, o Erecteion, o templo
de Teseu, o templo dedicado à deusa Atena-Niké e o templo de Zeus Olímpico.
Em Corinto, a acrópole estava situada sobre o monte chamado Acrocorinto, era habitada
apenas por soldados e por pessoas que trabalhavam nos templos ali construídos, tais como o
da deusa Fortuna, do Sol, de Ísis e Osíres. Corinto era dominada pelo templo de Afrodite
Pândemos, situado na Acrocorinto com suas mil sacerdotisas (hieródulas), ou prostitutas
sagradas. Os historiadores não estão de acordo sobre a natureza das cerimônias realizadas
neste templo. Para uns a prostituição sagrada era uma prática constante. Para outros, acontecia
apenas nas grandes festas da deusa.

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Em Esparta as divindades femininas desempenharam um papel bastante importante: dos
cinqüenta templos mencionados por Pausânias, trinta e quatro estão dedicados a deusas.
A deusa Atena era a mais adorada de todas e o deus Apolo apesar de ter tido poucos templos,
sua importância era crucial na vida religiosa da cidade, Aquiles era adorado como um deus e
em Esparta havia dois santuários dedicados a ele.

“Surgimento do templo e a apropriação do espaço pela koinonia politiké –


“Ao fundar seus templos, a polis garante uma solidez inabalável à sua base
territorial, implantando raízes até no mundo divino” (Vernant).”
(Camargo, Alexandre. Anotações da 3ª aula – A religião cívica na Grécia – O
misticismo grego. Curso de Cultura, Filosofia e Religião na Antiguidade Clássica. Rio
de Janeiro. FSBRJ, 2011, p.7)

FESTIVAIS PAN-HELÊNICOS E FESTAS ANUAIS AO PATRONO DA CIDADE E A


OUTRAS DIVINDADES
Caracterizando o movimento da generalização da religião, descrito a cima, temos os eventos
Pan-Helênicos: os Jogos Olímpicos – dedicado a Zeus, o Festival Pítico – dedicado a Apolo o
Festival Ístimico – dedicado a Poseidon e o Festival Nemeu – dedicado a Ofeltes (Herói
morto no episódio de Os sete contra Tebas).
Caracterizando o movimento da particularização da religião, descrito a cima, temos os
Festivais Atenienses: As Panatenéias – dedicado à Atena, As Antestérias– dedicado a
Dioniso, As Grandes Dionísias – também dedicado a Dioniso, As Tesmofórias – dedicado a
Deméter e As Oscofórias – Festival da colheita da uva.

O MISTICISMO NA GRÉCIA CLÁSSICA

O advento da polis implicou, entre outras coisas, em uma extraordinária primazia da palavra
sobre todos os outros instrumentos do poder e com ela surge o debate contraditório, a
discussão, a argumentação (desenvolve-se a arte da oratória, a retórica e a sofística), que
pressupõe uma audiência que decidirá entre duas posições que lhe são propostas, e é essa
escolha puramente humana (não há mais lugar para o divino na política) que mede a
capacidade de persuasão de cada uma das colocações, assegurando a vitória de um dos
oradores sobre seu adversário. Daí resulta a estreita relação que se estabelece entre a
linguagem e a política, e o logos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras, de
sua eficácia, através de sua função política.

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Outra característica que surgiu com a polis foi o caráter de publicidade plena que se deu às
manifestações mais importantes da vida social. Podemos dizer que a polis só existiu na
medida em que esta divulgação foi a mais ampla possível, diluindo entre todos os cidadãos o
conjunto de condutas, dos processos e dos conhecimentos que constituíam, na origem,
privilégio exclusivo dos detentores da arché.
Seguindo nesta linha, de divulgação irrestrita do saber, os antigos sacerdócios que se
mantinham como propriedade particular a certos grupos são divulgados para toda comunidade
que os transformam em cultos oficiais da cidade. A proteção que a divindade reservava
outrora a seus favoritos vai a partir de então passar a ser usufruída por todos na cidade através
do culto público.

[...] “Todos os antigos sacra, sinais de investidura, [...], zelosamente


conservados como talismãs de poderio no recesso dos palácios ou no fundo das
casas de sacerdote, vão emigrar para o templo, morada aberta, morada pública.
[...] os velhos ídolos transformam-se por sua vez: perdem, com seu caráter
secreto, sua virtude de símbolo eficaz; eis que se tornam “imagens”, sem outra
função ritual senão a de serem vistos, sem outra realidade religiosa senão sua
aparência. [...]. Os sacra, outrora carregados de uma força perigosa e não
expostos à vista do público, tornam-se sob o olhar da cidade um espetáculo, um
“ensinamento sobre os deuses”, como sob o olhar da cidade, as narrativas
secretas, as fórmulas ocultas se despojam de seu mistério e seu poder religioso
para se tornarem as “verdades” que os Sábios vão debater.”
(Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da
Fonseca. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 45).

Até a filosofia passou por este dilema:

[...] “A filosofia vai encontrar-se, pois, ao nascer, numa posição ambígua: em seus
métodos, em sua inspiração, apresentar-se-á ao mesmo tempo às iniciações dos
mistérios e às controvérsias da ágora; flutuará entre o espírito de segredo próprio das
seitas e a publicidade do debate que caracteriza a atividade política.” [...].
(Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da
Fonseca. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 45).

Existe uma resistência de se entregar a vida social a uma publicidade completa. No campo
político não é diferente e práticas de governo secreto se mantêm, em pleno período clássico,
uma forma de poder que opera por vias misteriosas e meios sobrenaturais.

[...] “O regime de Esparta oferece os melhores exemplos desses processos


secretos. Mas a utilização, como técnicas de governo, de santuários secretos, de
oráculos privados, reservados exclusivamente a certos magistrados, ou
coleções divinatórias não divulgadas, de que se apropriam certos dirigentes,
também está atestada em outros lugares”

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(Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da
Fonseca. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 45).

O “racionalismo” político que preside às instituições da cidade se opõe certamente aos antigos
processos religiosos do governo, mas sem por isso os excluí de maneira radical.

[...] “no domínio da religião, desenvolvem-se, à margem da cidade e ao lado do


culto público, associações fundadas secretamente. Seitas, confrarias e mistérios
são grupos fechados, hierarquizados, comportando escalas e graus.
Organizados sob o modelo das sociedades de iniciação, sua função é
selecionar, através de uma série de provas, uma minoria de eleitos que se
beneficiarão com privilégios inacessíveis ao comum. Mas, contrariamente às
iniciações antigas às quais os jovens guerreiros, os couroi, eram submetidos e
lhes conferiam uma habilitação ao poder, os novos agrupamentos secretos são
doravante confinados a um terreno puramente religioso. No quadro da cidade, a
iniciação não pode mais trazer senão uma transformação “espiritual”, sem
repercussão política. Os eleitos, os epoptas, são puros, santos. Aparentados
com o divino, estão certamente votados a um destino excepcional, mas
conhecê-lo-ão no além. A promoção com que eles se beneficiam pertence a um
outro mundo.” [...].
(Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da
Fonseca. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 45).

Essas associações secretas, com variados graus de marginalidade e de hermetismo, que


traduzem aspirações religiosas diferentes, contribuíram para abrir caminho a um “misticismo”
grego marcado pela procura de um contato mais direto, pessoal e íntimo com os deuses, quase
sempre associada a uma imortalidade bem-aventurada (que sempre foi a preocupação dos
gregos antigos), como já vimos, após a morte por uma deferência de uma divindade ou pela
observância de uma regra de vida pura, exclusiva dos iniciados e que lhes dava o privilégio de
libertar, ainda em vida, a porção divina presente em cada um. Dentre essas associações
secretas distinguimos nitidamente: os Mistérios de Elêusis, o Dionisismo e o Orfismo.

OS MISTÉRIOS DE ELÊUSIS:

Esses iniciados constituem na Ática um conjunto cultural bem delimitado por seu brilho e
prestígio. Oficialmente reconhecidos, organizados e tutelados pela cidade, mas ficam à
margem do Estado por seu caráter iniciático e secreto. Seu recrutamento, aberto a todos os
gregos, estava baseado na opção pessoal do individuo, independentemente de sua posição
social. Tem suas origens mitológicas no rapto de Perséfone e o choro de Deméter, não se
contrapõe à religião políade, mas a complementa com uma dimensão mais pessoal, mais

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intima e não há formulação de doutrina ou concepção de alma, nem o rompimento com a
visão tradicional do Hades.

“Os que são iniciados não devem aprender algo, mas experimentar emoções e
ser levados a certas disposições” (Aristóteles)”.
(Camargo, Alexandre. Anotações da 3ª aula – A religião cívica na Grécia – O
misticismo grego. Curso de Cultura, Filosofia e Religião na Antiguidade Clássica. Rio
de Janeiro. FSBRJ, 2011, p.10)

O DIONISISMO:

Parte integrante da religião cívica, os cultos e as festas em homenagem a Dionísio são


celebrados da mesma maneira que qualquer outra dentro do calendário religioso. Mas da
forma como ele se apodera de seus fiéis entregues a ele através do transe coletivo ritualmente
praticado e por sua repentina presença neste mundo sob a forma de uma súbita sensação da
compreensão de sua essência, Dionísio desta forma introduz, no seio da religião da qual
constitui uma peça, uma experiência do sobrenatural estranha e oposta ao espírito do culto
oficial. O menadismo, inspiração de Dioniso: a selvageria das mênades como anti-modelo de
moralidade e civilidade. A dualidade mitológica do “deus estrangeiro”. A representação do
casamento anual da mulher do arconde-rei com Dioniso nas Antestérias: casamento secreto
tem valor de reconhecimento oficial da cidade sobre a divindade de Dioniso, em “nome da
cidade” e “segundo suas tradições”. Ao lado das festas religiosas e de seu lugar no culto
público, Dioniso desenvolve para os homens o júbilo do kômos e do symposion (banquete);
pela ingestão de vinho e pela embriaguez; os jogos e festas de mascaradas e disfarces; além da
fundação do teatro, em que, no palco, a ilusão ganha força e se anima, a ficção se mostra
como realidade.

[...] “É significativo que o dionisismo se dirija de preferência aos que não


podem enquadrar-se inteiramente na organização da polis. O dionisismo é, de
início e por predileção, religião de mulheres. As mulheres como tais são
excluídas da vida política. A virtude religiosa que as qualifica, como Bacantes,
para representar um papel maior na religião dionisíaca, é o reverso dessa
inferioridade que as marca sob um outro plano e que lhes proíbe participar [...].
Os escravos também encontram nos cultos de Dionísio uma posição que lhes é
normalmente recusada.” [...].
(VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. 2ª. Ed. Trad. Haiganuch
Sarian. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002 (Cap. “Aspectos da pessoa na religião
grega”, pp. 419-437).

O ORFISMO:

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Contrariamente aos dois anteriores, não se trata de uma comunidade de crentes organizados
em seita para praticar cultos específicos, o Orfismo é o amalgama da tradição de livros
sagrados, atribuídos a Orfeu e Museu e de sacerdotes andarilhos que pregavam uma vida
diferente da usual, um regime vegetariano e detentores de técnicas de cura, receitas de
purificação para esta vida e de salvação na morte uma vez que o ovo primordial, expressão da
plenitude de uma totalidade fechada. O Ser se degrada, a unidade se desmancha para que
apareçam indivíduos separados. O ciclo de reintegração tem o seu advento com o Dioniso
órfico. Assume uma forma doutrinária e sectária que se opõe tanto aos mistérios quanto ao
dionisismo e à religião políade, o caráter de seita e cria uma nova teogonia que divergem da
de Hesíodo.

CONCLUSÃO

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O tema desta aula se situa na “Grécia Clássica”, com certeza uma das eras mais importantes
da história da humanidade quando ocorreram: a laicização da política com a primeira tentativa
do povo de se autogovernar, o surgimento da primeira forma de pensamento exclusivamente
“humano” (o homem pensado enquanto ser humano, dissociado de qualquer vinculação ao
Divino), a racionalização do pensamento, que levou a uma produção intelectual abundante
(p.ex.: a filosofia (nas suas mais variadas correntes), a política, a ética, a oratória, a história, a
lógica, a retórica e etc....), avanços na geometria, medicina e na matemática, a criação do
teatro (tragédia e a comédia) que se tornou a maior criação do espírito humano,
desenvolvimento das artes (escultura, poesia, arquitetura e etc....) e outras tantas.
Nada mais verdadeiro que a afirmação de Heródoto: “O saber é aquisição para a eternidade”,
pois passados mais de dois mil anos desta época estes assuntos ainda são objeto de estudos,
congressos e discussões e compõem um dos pilares de nossa sociedade.
A Religião Cívica, com seu distanciamento entre os deuses o os homens (não nos esqueçamos
que o homem estabelece sua relação com o divino pela sua participação em uma comunidade)

[...] “Paradoxalmente, uma religião que proclama a distância irredutível entre o


mundo divino e o dos mortais faz” [...].
(Eliade, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas: da Idade da Pedra aos
mistérios de Elêusis. Tomo 1, vol 2. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978, p.94).

em conjunto com o advento da polis criaram o ambiente propício para o surgimento do


misticismo, que nada mais era que uma fuga dos ritos oficiais e a tentativa de encurtar a
distância entre o mundo divino e o dos mortais, da necessidade que o grego sentia de
proximidade com o divino. Da vontade de voltar para a época da raça de ouro.

[...] “E, exatamente como existiram várias gerações divinas, houve cinco raças
de homens: as raças de ouro, prata e de bronze, a raça dos heróis e a raça de
ferro” [...].
[...] “Ora, a primeira raça vivia sob o reinado de Cronos [...], ou seja, antes de
Zeus. Essa humanidade da idade de ouro, exclusivamente masculina,
permanecia perto dos deuses, “seus irmãos poderosos”. Os homens “viviam
como deuses, com o coração isento de cuidados, a salvo de dores e misérias
[...]. Não trabalhavam, pois o solo lhes oferecia tudo aquilo de que
necessitavam. A vida transcorria-lhes em meio a danças, festas e divertimentos
variados, Não conheciam doenças nem velhice, e, ao morrerem, era como se
tivessem adormecido” [...].
(Eliade, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas: da Idade da Pedra aos
mistérios de Elêusis. Tomo 1, vol 2. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978, p.84).

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BIBLIOGRAFIA
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. 2ª. Ed. Trad. Haiganuch
Sarian. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002 (Cap. “Aspectos da pessoa na religião grega”, pp.
419-437).

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VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da Fonseca.
11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, pp. 41-54 (Cap. “O novo universo espiritual da
polis”).
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e religião na Grécia antiga. São Paulo: Martins Fontes, 2006,
pp. 69-88 (Cap. “O misticismo grego”).
VIDAL-NAQUET, Pierre. O mundo de Homero. Trad. Jônatas Batista. São Paulo: Cia das
Letras, 2002, pp. 51-75 (Capítulos: “A guerra, a morte e a paz” e “Cidade dos homens, cidade
dos deuses”).
ELIADE, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas: da Idade da Pedra aos
mistérios de Elêusis. Tomo 1, vol 2. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978, pp. 77-117 (Capítulos: “Zeus e a religião grega” e “Os olímpicos e os
heróis”).
BRANDÃO, Junito de Souza. Grécia e Roma – Doze Mitos (apostila). Rio de Janeiro: PUC,
1981.
CAMARGO, Alexandre. Anotações da 3ª aula – A religião cívica na Grécia – O
misticismo grego. Curso de Cultura, Filosofia e Religião na Antiguidade Clássica. Rio de
Janeiro. FSBRJ, 2011.

07/05/2011.

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