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Arquitectura - 03.06.

2011 (Público)

Discurso de Souto de Moura ao receber o Pritzker

Exmo. Sr. Presidente dos EUA, Presidente do Júri, elementos do Júri, meus Amigos, minhas
Senhoras e meus Senhores,

Só quando recebi o convite dizendo “Eduardo Souto de Moura of Portugal” é que acreditei que
tinha ganho o Pritzker 2011. Não posso esconder que fiquei feliz, por mim, pela minha família,
colaboradores, amigos e clientes. Em nome de todos, os meus sinceros agradecimentos.

Aprendi a desenhar na Escola Italiana do Porto, cidade onde nasci, e no liceu decidi ser arquitecto.
Não é que tivesse alguma paixão especial pela disciplina, mas na crise agnóstica dos 15 anos,
duvidei se Deus devia ter descansado ao 7º dia. É que, pensando bem, ficou por fazer uma geografia
como a de Delfos, a Acrópole para receber o Parténon ou secar um pântano no Illinois, onde a
Farnsworth pudesse ficar.

Em 1975 depois da Revolução dos Cravos, comecei a trabalhar com o Arqº Siza Vieira. Não só pela
arquitectura, mas sobretudo pela pessoa em si, foi uma experiência excepcional que ainda hoje
continuo a fazer com o mesmo prazer. Saí do seu escritório nos anos 80, para ser arquitecto. Foi
difícil começar, mas usar a sua “linguagem” parecia-me uma traição e mesmo que o quisesse, não o
conseguia fazer, por pudor.

Depois da Revolução, e restabelecida a Democracia, abriu-se a oportunidade de redesenhar um país,


onde faltavam escolas, hospitais, outros equipamentos, e sobretudo meio milhão de casas. Não era
certamente o Pós-Modernismo, na altura em voga, que nos poderia resolver a questão. Construir
meio milhão de casas, com frontões e colunas seria uma perda de energia, pois a ditadura já o tinha
ensaiado. O Pós-Modernismo chegou a Portugal, sem quase termos passado pelo Movimento
Moderno. É essa a ironia do nosso destino: “antes de o ser já o éramos”.

Do que precisávamos era de uma linguagem clara, simples e pragmática para reconstruir um país,
uma cultura, e ninguém melhor que o proibido Movimento Moderno poderia responder a esse
desafio. Não era só um problema ideológico, mas sobretudo de coerência entre material, sistema
construtivo e linguagem. Se “arquitectura é a vontade de uma época traduzida num espaço”, Mies
van der Rohe abriu-nos as portas na redefinição da disciplina tão massacrada até aí, pela linguística,
semiótica, sociologia e outras ciências afins. O importante é que a arquitectura fosse “construção”,
assim com urgência, nos pedia o país.

Com 10 séculos de História, Portugal encontra-se hoje numa grande crise social e económica, como
já aconteceu em vários períodos anteriores. Hoje, como ontem, a solução para a arquitectura
portuguesa é emigrar. Como dizia Paul Claudel: “Le Portugal est un pays en voyage, de temps en
temps il touche l’Europe”. Resta-nos a “mudança”, como quer dizer a palavra “crise” em grego.
Resta-nos decifrar o significado dos dois caracteres chineses que compõem a palavra “crise”: o
primeiro significa “perigo”, o segundo “oportunidade”. Em África e noutras economias emergentes
não nos faltarão oportunidades, o futuro é já aí. “Trabalhar na transmutação, na transformação, na
metamorfose é obra própria nossa.” (1)

Muito obrigado.

Eduardo Souto de Moura

(1) Herberto Helder, “O Corpo. O Luxo, A Obra”

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